domingo, 17 de outubro de 2010

O deus-mercado e as minas chilenas

Reproduzo artigo do jornalista Mario Augusto Jakobskind:

E, finalmente, acabou o drama dos 33 mineiros chilenos, um acidente que poderia ter sido evitado se os legisladores tivessem aprovado normas mais severas de segurança nas minas. Mas aí os defensores do mercado, entre os quais o atual presidente Sebastián Piñera, que aproveitou o show midiático que representou o resgate dos mineiros, não quis, por achar que seria prejudicial ao mercado.

Mas poucas vozes lembraram o fato mencionado. Um dos que não esqueceu foi o escritor chileno Luis Sepúlveda. Segundo ele, se tivesse sido aprovado pelo Parlamento um código de trabalho com regras mínimas de segurança, nada disso teria acontecido. Empresas como as responsáveis pela mina San José, onde ocorreu o desmoronamento, teriam sido obrigadas a gastar mais um pouco dos seus lucros para dar segurança aos trabalhadores.

Quando houve a proposta sobre as normas mínimas, um dos ferrenhos opositores foi o então líder da oposição ao governo da Concertación. E sabem quem era ele? Sebastián Piñera, que considerava a medida proposta “burocrática e contrária à liberdade de mercado”. Ele sempre integrou a turma do deus mercado, além de ter apoiado a ditadura de Augusto Pinochet.

O mesmo sorridente Piñera agora é apresentado pela mídia de mercado como “executivo eficiente”. Jornalões e telejornalões mostraram a “festa” e os dias posteriores sem lembrar de um passado recente em que os apologistas do “mercado tudo resolve” tiveram algum tipo de culpa no cartório.

O mundo dá voltas. Um dos mineiros resgatados, o líder do grupo, Luis Urzúa, teve o pai, dirigente sindical do Partido Comunista, desaparecido desde 11 de setembro de 1973, quando da derrubada do presidente Salvador Allende. O padrasto, Benito Tapia, dirigente sindical dos mineiros, foi uma das vítimas da Caravana da Morte, um esquadrão de extermínio formado em Santiago a mando de um general assassino de nome Sergio Arellano Stark, segundo informa o jornalista argentino Martin Granovsky.

Da mesma forma que se omite a questão da influência do deus-mercado na mineração, praticamente há um silêncio absoluto sobre as condições de vida dos indígenas mapuches, cujas lideranças estão sendo submetidas a uma legislação da época da hedionda ditadura de Augusto Pinochet e os protestos pouco aparecem.

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Derrotar a conspiração obscurantista

Reproduzo artigo do professor Bernardo Kucinski, intitulado "Os envergonhados e os desavergonhados", publicado no sítio Carta Maior:

Rompo meu silêncio de três anos na Carta Maior por causa da minha mulher. Ela perguntou: você não vai fazer nada? Não vai participar da campanha? Eu não sou mais jornalista, respondi, sou ficcionista; não quero mais saber de política, chega, cinqüenta anos sendo usado, agora chega. Ela acabara de ler a história do bispo que mandou imprimir dois milhões de folhetos contra a Dilma. Eu lembrei ter dito a ela que a Igreja Católica estava traindo, já naquele dia em que soltaram o manifesto acusando Lula da fascista, com a assinatura do Dom Paulo. O pobre homem em estado avançado de Alzheimer, e arrancam dele essa assinatura.

A Igreja não está traindo, está fazendo o que sempre fez, ela respondeu. Nós acabávamos de voltar de uma viagem à Cartagena, na Colômbia, onde visitamos o museu da Inquisição. Os instrumentos de tortura ali exibidos, de fazer o DOI-CODI sentir vergonha, ficaram gravados fundo na nossa imaginação.

Está traindo sim, eu falei, está traindo em primeiro lugar porque usou um método traiçoeiro, o método das mentiras, da difamação, em segundo lugar porque está usando o dinheiro que arranca dos pobres para combater o governo dos pobres, e em terceiro lugar porque está usando uma eleição universal, republicana, para emplacar um dogma religioso, dogma dos mais nefastos, que só prejudica as mulheres pobres.

Um Papa decidiu lá em Roma que o aborto é a linha divisória entre uma sociedade moderna, laica, regida pelo saber científico, e a sociedade atrasada, na qual os padres mandam na vida das pessoas e a Igreja por isso mantém seu poder. E veio a ordem, lancem a campanha contra o aborto bem no meio da campanha eleitoral. Eles são profissionais. Fazem isso há dois mil anos, desavergonhados. Os evangélicos, amadores, entraram de carona.

Agora vou falar dos envergonhados, esses que passaram oito anos disseminando mentiras sobre a transposição do São Francisco, acusando Lula de só beneficiar o agronegócio, demonizando as novas hidroelétricas, tumultuando audiências públicas em nome de índios e caboclos desprovidos de luz elétrica, obstruindo a construção de pontes e estradas que integrariam o continente, combatendo os transgênicos em nome de uma visão pré-darwiniana da natureza, esses que se condoem com gatinhos e pererecas, mas não com os meninos de rua ou os moradores de palafitas. Esses que agora estão lançando manifestos dizendo envergonhadamente para votar contra o Serra. Por que não dizem bem alto, votem na Dilma.

E também essas todas, amigas minhas, da Vila Madalena, de Pinheiros, da USP, mulheres esclarecidas, emancipadas, que votaram na Marina apesar de evangélica e anti-aborto e agora descobriram que todo o seu estado maior é formado por tucanos. Ou ainda não descobriram? A vocês todas eu digo: não se trata agora de derrotar o Serra ou o neoliberalismo. Tudo isso é transitório, efêmero. Trata-se de derrotar a grande conspiração obscurantista. Trata-se da luta milenar da razão contra a superstição, da tolerância contra o fanatismo, da modernidade contra o atraso.

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Serra contratou a filha de Paulo Preto

Reproduzo duas matérias de Brizola Neto, publicadas no blog Tijolaço:

José Serra, que não conhecia e agora conhece e defende o engenheiro Paulo Preto, ex-diretor do Dersa, contratou a filha do colaborador, Tatiana Arana Souza Cremonini, logo em seu primeiro mês como governador de São Paulo, na função de assistente técnica de gabinete, com salário de R$ 4.595, com gratificações. A informação estará na Folha de S.Paulo de domingo e foi adiantada pelo Terra.

Consultado pelo jornal, José Serra, por meio de sua assessoria, afirmou que “os processos de nomeação de servidores de confiança ‘são instruídos pelas secretarias responsáveis pela indicação, chegando às mãos do governador após processo de avaliação criterioso, como ocorreu nesse caso”. Serra também não respondeu à pergunta do jornal se conhecia o parentesco de Tatiana com o ex-diretor da Dersa na ocasião da nomeação.

A Secretaria de Comunicação do governo do Estado de São Paulo, por sua vez, “informou que Tatiana foi contratada por sua formação profissional e pela fluência em inglês e espanhol”. O advogado José Luís Oliveira Lima, que defende Paulo Preto, disse à Folha de S.Paulo que seu cliente comentaria a contratação da filha pelo governo do Estado, mas não retornou o contato até o fechamento da edição.

Primeiro, Serra disse que não conhecia Paulo Preto e que a história de que teria levado R$ 4 milhões de sua campanha era factóide. Depois, voltou atrás e defendeu a integridade do engenheiro. Agora, sabe-se que nomeou a filha de Paulo Preto para um cargo no governo de São Paulo. E a Isto É revelou que Paulo Preto contratou outra filha, Priscila Arana, para defender a Dersa, embora atuasse como advogada das empreiteiras contratadas pelo órgão público de São Paulo. Pelo visto, Paulo Preto é bem mais próximo a José Serra do que parecia a princípio.

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Emprego era numa maratona

Segundo publica hoje o jornal Folha de S.Paulo, a filha do polêmico Paulo Preto – o engenheiro Paulo Vieira de Souza – que José Serra desconhecia domingo mas passou, na terça-feira, a avalizador de sua honradez, foi nomeada para um cargo de gabinete em janeiro de 2007 pelo esquecido tucano, como Governador de São Paulo.

Cinco meses depois, ainda sem direito a férias, Taitiana Arana de Souza Cremonini foi participar de uma ultramaratona. No Ibirapuera? Não, na África do Sul, a corrida de 89 km entre Durban e Pietermaritzburg. Não fez – na corrida – feio: chegou em 48º lugar entre as 183 mulheres da sua categoria – 20 a 29 anos – que participaram da prova.

Um resultado melhor do que o do pai, que também foi lá correr e ficou em 420º lugar entre os 1477 corredores da faixa de 50 a 59 anos.

O servidor público paulista, agora, sabe que pode, quando quiser participar de um evento esportivo, tirar uns dias de folga, para dar um pulinho ali, na África do Sul. Pelo tipo de evento, acho que é coisa de uma semaninha, só.

Distraído como é, o Serra que não sabe quem era o seu diretor das obras do Rodoanel e que contratou a moça por seu “inglês e espanhol fluentes” nem vai perceber.

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Agripino e Guerra no mensalão do Arruda?

Reproduzo reportagem de Leandro Fortes, intitulada "Pandora inesgotável", publicada na revista CartaCapital:

Em 27 de novembro de 2009, o delegado Wellington Soares Gonçalves, da Diretoria de Inteligência da Polícia Federal, deu uma batida no gabinete de Fábio Simão, então chefe de gabinete do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, do DEM. A ação, autorizada pelo ministro Fernando Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), fazia parte da Operação Caixa de Pandora, realizada em conjunto com o Ministério Público Federal, responsável pela desarticulação de uma quadrilha montada no governo local movida a corrupção pesada e farta distribuição de propinas.

Na sala de Simão, a equipe de policiais federais encontrou um CD com a seguinte inscrição: “Dist. De Dinh. Da Qualy, 8/10/2005”. Levado à perícia, o disco se revelaria um indício comprometedor contra dois dos principais líderes da oposição no Congresso Nacional, os senadores Agripino Maia, do DEM do Rio Grande do Norte, e Sérgio Guerra, do PSDB de Pernambuco. Guerra ocupa também a presidência nacional do partido e coordena a campanha de José Serra à Presidência.

Feita a análise pela Divisão de Contra-inteligência da PF, descobriu-se que o CD possuía um único e extenso arquivo de áudio e vídeo, de 42,4 megabytes, com 46 minutos e dois segundos de duração. Nele estava registrada a conversa entre um homem não identificado e uma mulher identificada apenas como Dominga.

A investigação dos federais revelou que Dominga era auxiliar de serviço-geral de uma companhia chamada Inteco, depois contratada pela Qualix Serviços Ambientais, empresa de coleta de lixo do Distrito Federal apontada como um dos sorvedouros de dinheiro público do esquema de corrupção do DEM em Brasília e parte de uma disputa política na qual se contrapõem Arruda e o também ex-governador Joaquim Roriz, do PSC. O chefe de Dominga era Eduardo Badra, então diretor da Qualix, para quem ela organizava a agenda, fazia depósitos bancários e “serviços particulares”. Na conversa com o amigo desconhecido, Dominga explicou que serviços eram esses.

O trabalho da secretária era o de, basicamente, telefonar para os beneficiários de um esquema de propinas montado na casa de Badra e, em seguida, organizar a distribuição do dinheiro. De acordo com as informações retiradas do CD apreendido no gabinete de Simão, as pessoas para quem Dominga mais ligava eram, justamente, Agripino Maia, Sérgio Guerra e Joaquim Roriz.

Também recebiam ligações da secretária Valério Neves, ex-chefe de gabinete de Roriz, e dois dirigentes da Belacap, estatal responsável pelo serviço de ajardinamento e limpeza urbana do Distrito Federal: Luís Flores, diretor-geral da empresa, e Divino Barbosa, diretor operacional. Flores é primo de Weslian, mulher de Joaquim Roriz, alçada pelo marido candidata do PSC ao governo do DF depois que ele desistiu da disputa, temeroso de ver sua candidatura cassada por ficha suja.

Segundo Dominga, quando a Qualix estava para receber valores de contrato da Belacap, Badra a obrigava a dar telefonemas “dia e noite”, não sem antes entrar em contato com um doleiro identificado como Faied, para saber quando ele poderia entregar o dinheiro, tanto em dólar quanto em real. De acordo com as informações da secretária, as propinas eram acomodadas em caixas de arquivos de papelão com montantes de 50 mil reais a serem distribuídos entre quadras de Brasília ou no estacionamento do restaurante Piantella, um dos mais tradicionais da capital federal, frequentado por políticos e jornalistas, de propriedade do advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Lá, entre acepipes e vinhos caros, os interessados jantavam e decidiam como e quando seriam feitas as partilhas.

Procurados por CartaCapital, os senadores Maia e Guerra responderam por meio de assessores de imprensa. Guerra, ponta de lança da ofensiva udenista montada pelo PSDB para atacar a candidata do PT, Dilma Rousseff, foi eleito deputado federal pelo PSDB de Pernambuco em 3 de outubro. Ele admite ser amigo de Badra há 30 anos, desde que se conheceram em uma exposição agropecuária. Segundo ele, o vídeo apreendido pela PF cir-cula por Brasília desde 2006 e, garante, trata-se de uma armação contra ele e outros políticos. “Entre mim e o Eduardo nunca houve outro relacionamento senão o de amizade, que vai continuar”, avisa.

Maia foi ainda mais econômico com as palavras. Garante não ter nenhuma relação com Badra, de quem só se lembra de ter encontrado, “anos atrás”, para tratar de uma proposta da Qualix para se instalar no Rio Grande do Norte. O senador do DEM afirma ter sido procurado por outros órgãos de imprensa para falar sobre o mesmo assunto, mas que estes teriam se desinteressado logo depois de confrontados com a versão apresentada por ele.

Nas redações de Brasília, a história é outra: nada foi publicado por pressão da campanha de Serra, em abril deste ano, para que a candidatura do tucano não se iniciasse com um escândalo envolvendo o presidente do partido e um líder do principal partido aliado, o DEM. Temiam, os tucanos, uma sinistra repetição da circunstância que, em 2005, derrubou do mesmo cargo o senador Eduardo Azeredo, mentor do “mensalão” do PSDB de Minas Gerais, ao lado do publicitário Marcos Valério de Souza, mais tarde flagrado no mesmo serviço de alimentação de caixa 2 para o PT.

O esquema denunciado pela secretária Dominga é cheio de detalhes e, ainda hoje, surpreende a PF pelo grau de ousadia. As caixas eram colocadas em porta-malas de carros da quadrilha e, em seguida, repassadas pessoalmente por Badra a quem de direito. Nessa empreitada, revelou Dominga, ajudavam outros dois diretores da Qualix, Pedro Gonzales Campoamor, de Brasília, e Roberto Medeiros, de São Paulo. A secretária cita como origem dos recursos duas agências bancárias situadas no Setor Comercial Sul de Brasília, uma do Bradesco, outra do Banco de Brasília (BRB).

De acordo com a investigação da PF, o dinheiro distribuído aos personagens citados no CD, entre os quais brilham Guerra e Maia, apelidados por Dominga de “pessoal da Belacap”, chegou a mais de 300 mil reais. Parte dos pagamentos, segundo a gravação obtida no GDF, ia para personagens identificados como criadores de cavalos registrados na conversa, alguns, como a própria secretária, sem registro de sobrenome. Entre eles, Mário de Andrade, Ana Lúcia Fontes, Ana Lúcia Junqueira e Alberto. Também aparecem nomes sem especificação como Marci Bagarolli, Carlos Junqueira, Gilda, Ana Jatobá, Antonio Clareti Zandonait e Daniel.

A ação da Polícia Federal foi feita de surpresa na residência oficial de Águas Claras, onde Simão mantinha um gabinete pessoal. Ao chegar ao lugar, os agentes verificaram que todas as portas estavam abertas,- inclusive a de acesso ao prédio principal, com exceção daquela do gabinete de Simão. Por volta das 6h30, a PF acionou o serviço de um chaveiro para abrir a porta do auxiliar de Arruda, mas um funcionário anunciou que iria pegar as chaves. Em vão. Nenhuma delas abria a porta do chefe de gabinete. Foi preciso arrombar uma janela para que, então, os federais pudessem entrar no local, por volta das 7 horas.

Às 7h15, segundo relato da PF, a mulher do governador, Flávia Arruda, chegou ao local para tomar conhecimento do mandado de busca e apreensão, mas em seguida foi embora, após informar que não tinha interesse em acompanhar a ação policial. A primeira coisa encontrada pelos agentes foi uma bolsa preta, escondida atrás de uma mesa, com cédulas de reais e dólares. Às 8h50, chegou José Gerardo Grossi, advogado de Arruda, também para verificar os termos do mandado e acompanhar a busca.

A PF decidiu investigar a vida de Simão porque ele foi denunciado pelo ex-secretário distrital de Relações Institucionais Durval Barbosa, delator do chamado “mensalão do DEM”. Em um vídeo entregue ao Ministério Público Federal por Barbosa, ele mantém uma conversa com o representante de empresas de informática Agenor Damasceno Beserra. Os dois tratam de detalhes de uma licitação, estabelecem quem deve ganhar a disputa e como deve ser feito um aditivo de 4 milhões de reais. No diálogo, Beserra confirma ser Simão, chefe de gabinete de Arruda, o principal interessado na liberação do contrato e no aditivo.

De acordo com o relatório da PF, o exe-cutivo Badra mora em São Paulo. Em Brasília, costumava se hospedar em um hotel no Setor Hoteleiro Sul. Mas, por causa da conversa gravada entre Dominga e o amigo, descobriu-se que ele chegou a alugar uma casa no Lago Sul de Brasília para promover “reuniões mais privadas”. Era lá que Dominga trabalhava. Badra também utilizava um apartamento do diretor da Qualix Pedro Campoamor, no bairro do Sudoeste. Em abril de 2009, relata a PF, a casa de Campoamor foi assaltada, os ladrões levaram 100 mil reais, mas nenhuma ocorrência foi feita na polícia.

CartaCapital teve acesso aos documentos produzidos pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal na semana passada, quando os envolvidos acreditavam que o assunto estava enterrado pela burocracia. A Operação Caixa de Pandora, responsável pela prisão de Arruda e pela exposição do mais explícito espetáculo de corrupção da história do País, graças aos vídeos do delator Durval Barbosa, segue a todo vapor. Desde novembro de 2009, quando o CD de Dominga foi apreendido, um grupo de investigadores da Divisão de Inteligência da PF trabalha nos desdobramentos da operação. Os federais estão de olho, sobretudo, na guerra iniciada, há dez anos, em torno dos contratos de coleta de lixo no Distrito Federal.

A Qualix faz parte desse pacote de investigações. A empresa, terceirizada a partir do governo Roriz, deteve praticamente o monopólio da coleta de lixo do DF entre 2000 e 2006, embora “quarteirizasse” serviços a outras duas empresas, a Nely Transportes e a Construtora Artec, de propriedade de César Lacerda, ex-deputado -distrital do PSDB, ligado à ex-governadora tucana Maria de Lourdes Abadia. Candidata derrotada ao Senado nas últimas eleições, Abadia assumiu o governo do DF em junho de 2006, quando Roriz renunciou para se candidatar à mesma Casa. Acabou eleito, mas foi obrigado a renunciar ao mandato para não ser cassado por corrupção.

A rápida passagem de Abadia pelo governo distrital serviu para iniciar a guerra pelo controle dos contratos de lixo na capital federal e nas cidades-satélites. Não é por menos. Na última década, os cofres públicos distritais despejaram mais de 2 bilhões de reais nesses contratos, quase todos suspeitos e cheios de vícios. Abadia, aliada a Roriz, conseguiu quebrar o monopólio da Qualix, defendida pela turma de Arruda e do ex-secretário de Saúde Augusto Carvalho, deputado federal pelo PPS. Assim, dividiu o bolo do lixo com a Artec e mais duas outras empresas, ambas de Brasília, a Caenge Engenharia e a Valor Ambiental.

Essa partilha contou com a participação de dois representantes do Ministério Público Distrital, os promotores Leonardo Bandarra, então procurador-geral de Justiça, nomeado por José Roberto Arruda, e Deborah Guerner, por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Em depoimento ao Ministério Público Federal, Barbosa acusou a dupla de ter facilitado a vida das empresas de lixo, além de ter recebido 1,6 milhão de reais para vazar informações, em 2008, sobre ações de busca e apreensão da Operação Megabyte, da Polícia Federal, realizada contra empresas de informática contratadas pelo governo. Em 7 de junho deste ano, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) instaurou, por unanimidade, um processo administrativo disciplinar contra Bandarra e Deborah Guerner para investigar o envolvimento de ambos no esquema.

Uma semana depois da decisão do CNPM, a Polícia Federal foi à casa da promotora e descobriu, enterrado no quintal, um cofre com cerca de 300 mil reais. Os agentes saíram ainda com várias caixas com documentos da Caenge Engenharia e da Valor Ambiental, justamente as duas empresas colocadas no esquema por pressão da dupla Abadia-Roriz. Há duas semanas, a PF voltou ao jardim de Deborah Guerner e achou outro cofre enterrado, este recheado de mídias de informática e, para desespero de muita gente, mais CDs com gravações de áudio e vídeo.

À Corregedoria do Ministério Público, Barbosa afirmou ter participado de uma reunião na casa da procuradora, onde estiveram presentes Arruda, o ex-vice-governador Paulo Octavio Pereira e Bandarra para, justamente, acertar os termos da divisão do contrato do lixo. Embora ainda estejam sob investigação, Bandarra e Deborah Guerner continuam no Ministério Público. A promotora entrou com um pedido de aposentadoria, ainda não deferido, por conta da sindicância aberta pelo órgão.

A partir de 2006, na transição do governo do PSDB de Abadia para o DEM de Arruda, os contratos do lixo passaram a ser renovados emergencialmente, sem licitação a cada seis meses. Somente em junho de 2010 o governo conseguiu finalizar uma nova concorrência. Além da Qualix, participaram os suspeitos de sempre: Construtora Artec, Valor Ambiental, Caenge Engenharia, Nely Transportes e, novata no esquema, a Delta Construções.

De acordo com informações do Siggo, o sistema de acompanhamento de gastos feito pela Câmara Legislativa do Distrito Federal, a vencedora do primeiro lote da licitação realizada neste ano foi a Delta Construções, com o preço de 368,9 milhões de reais. A Qualix ficou em segundo, com 383,1 milhões de reais. A empresa Valor Ambiental foi a ganhadora do segundo lote, com o preço de 210 milhões reais, sete milhões de reais a menos que a segunda colocada, novamente a Qualix, com 217,1 -milhões de reais. No terceiro lote, a vencedora foi a Construtora Artec, com 173 milhões de reais. Em segundo, ficou a Delta, com 174 milhões de reais. Por meio de liminares, a Qualix tem conseguido suspender as contratações do primeiro e terceiro lotes.

De acordo com a assessoria de imprensa da Qualix, a empresa mudou de dono, em junho passado, quando foi comprada pelo fundo privado Arion Capital. No fim de setembro, a empresa se colocou à disposição da Polícia Federal para abrir suas contas e a contabilidade para qualquer investigação. O assessor Paulo Figueiredo informa que a empresa realizou uma ampla auditoria nas contas da gestão passada da Qualix, iniciada em 1998, e não identificou nenhum pagamento ou saída de recursos feita de forma irregular. A decisão de colaborar com a PF veio, justamente, depois de parte da história sobre pagamentos de propinas revelados pela secretária Dominga vazar para a imprensa. Até junho de 2010, a Qualix pertencia ao grupo argentino Macri, quando entrou em situação pré-falimentar por conta de muitas dívidas.

O Macri chegou a comprometer um terço do faturamento anual da empresa, calculado em 1 bilhão de reais, para pagamentos de faturas de curto prazo a diversos credores. A empresa tem sede em São Paulo e mais 11 filiais em várias capitais brasileiras, algumas com problemas graves. Em agosto, o prefeito de Cuiabá, Francisco Galindo (PTB), encerrou o contrato local com a Qualix pelo fato de a empresa não ter mais condição de colocar a frota de caminhões na rua. O ex-dono da Qualix, Franco Macri, está sob investigação da PF, acusado de enviar dinheiro para o exterior de forma ilegal.

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A cruzada fundamentalista de José Serra

Reproduzo artigo de Breno Altman, publicado no sítio Opera Mundi:

O atraso na agenda de direitos civis no Brasil encontra fonte de alimentação na atual campanha presidencial. Os estragos são notáveis. A defesa do Estado laico, da saúde pública e da liberdade individual sucumbiu diante da ofensiva religiosa.

A opção talibã de José Serra está na origem desse enredo. O cálculo político da oposição, ao apostar na discussão do aborto, remete à sua fragilidade junto às camadas populares e os setores médios mais pobres. O bloco conservador, praticamente ilhado na classe média alta e entre os ricos, procurou nas trevas a porta de entrada para andares de baixo. A contraposição de “valores cristãos” à esquerda, velho recurso da guerra fria, funciona para estimular medo e estressar vínculos com as frações mais crentes da população.

Mas não se trata apenas de uma manobra tática isolada. A fusão entre direita laica e correntes reacionárias do cristianismo é fenômeno antigo. Essa aliança, neutralizada durante o apogeu da Teologia da Libertação, renasceu com a nova ordem no Vaticano e o crescimento de grupos evangélicos extremistas. Sobre os pilares desse acordo, ressurge o imaginário das marchas com deus e a família pela liberdade e a moralidade, base orgânica do golpe de 1964.

O PSDB, outrora partido 'moderninho' da classe média paulistana, agora abençoa a fundação do Tea Party à brasileira. Seu programa eleitoral de rádio e televisão pouco fala de projeto para o país, a pretexto de priorizar a “comparação de biografias”. De forma subliminar, mas constante, busca amalgamar Dilma Rousseff como o anti-Cristo da política nacional. A contra-revolução cultural, moral e de direitos civis passou a ser o aspecto mais evidente da narrativa tucana.

A truculência dessa cruzada parece ter surpreendido os petistas. A primeira reação foi natural, talvez um pouco tardia: desmascarar publicamente a operação clandestina levado a cabo pela internet e nos templos. Os riscos começaram nos passos seguintes, quando foi dada a partida em movimentos de negociação com a agenda tradicionalista, repletos de encontros e imagens confessionais que subitamente apareceram na campanha. Durante dias o PT pareceu ter aceitado a dinâmica do debate confessional.

A esquerda poderia ter dado maior e melhor combate às idéias retrógradas, explicitando a descriminalização do aborto como problema de saúde pública, informando sobre mulheres que morrem aos milhares todos os anos. Dilma, ainda assim, teria espaço para afirmar que jamais sua alternativa individual seria por interromper uma gravidez e que, como presidente, não apresentaria projeto de lei que alterasse as normas atuais, pois tem consciência que são decisões que necessitam de amadurecimento e debate em clima de tolerância. Mudanças eventuais estariam a cargo somente do Congresso, eventualmente através de plebiscito. Não seriam alvo de deliberação do seu governo.

Mas foi irresistível a tentação de acalmar angústias do eleitorado cristão, ou parte dele, fora dos pressupostos laicos. Em reunião com lideranças evangélicas, na quarta-feira (13/10), Dilma sentiu na pele a armadilha que está montada. Praticamente lhe tentaram impor uma moratória religiosa, pela qual a eventual chefe de um Estado laico aceitaria o compromisso de não autorizar proposições governamentais e vetar resoluções parlamentares acerca do direito de aborto, da união civil entre homossexuais e da proibição da homofobia, entre outros quesitos.

Ao término do encontro, ficou pendente uma “carta à nação” que satisfizesse as reivindicações desses agrupamentos cristãos, cujo objetivo parece ser o bloqueio do processo constitucional em função de suas crenças e valores particulares. Muitos setores e personalidades se manifestaram contra o documento. Há quem diga que seria um termo de renúncia aos princípios republicanos.

Essa iniciativa, mesmo na lógica eleitoral, poderia provocar sérios inconvenientes. A cada passo da campanha petista para aplacar a ira dos templos, maior o espaço para a discussão que interessa à direita e menor relevância para o enfrentamento entre modelos e programas de governo. Como gostam de dizer os espanhóis: crie corvos, que te comerão os olhos.

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