Reproduzo artigo de Renato Godoy de Toledo, publicado no jornal Brasil de Fato:
A menos de um mês das eleições presidenciais, a campanha de José Serra (PSDB) realiza uma tabela com os principais órgãos de imprensa, numa escalada de denúncias contra supostas irregularidades atribuídas a petistas. De concreto, até o momento, sabe-se que o sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, e da filha e do genro de José Serra, foram violados. No entanto, o próprio candidato admitiu que sabia das violações desde janeiro.
No final do ano passado, uma reportagem veiculada pelo SBT mostrava a venda de dados sigilosos por camelôs no centro de São Paulo. A matéria repercutiu com políticos o acontecimento. Entre eles, destacou-se a declaração de José Serra, afirmando ter tomado conhecimento do assunto e que deveriam investigar o caso. O tom das declarações da época são feitas de forma amena; nem de perto se comparam à atual indignação do candidato.
Por outro lado, a revista CartaCapital apontou que uma ex-empresa da filha de José Serra teria quebrado o sigilo de mais de 60 milhões de brasileiros. A notícia, no entanto, não foi repercutida por nenhum órgão da grande imprensa.
Após sucessivas rodadas de pesquisas de intenção de voto, foi constatado que a candidatura Dilma Rousseff (PT) estabilizou-se na casa dos 50%, enquanto Serra encontra-se mais perto dos 20% do que dos 30%. As constantes investidas da campanha, portanto, não surtiram efeito.
Parece haver um caminho “natural” das notícias: a denúncia surge numa revista semanal, é repercutida nos jornais impressos, ganha a manchete nos telejornais e é martelada durante toda a semana na campanha de José Serra.
Conspiração, sim
Para Venício Lima, professor de comunicação da Universidade de Brasília (UnB), sempre que algum membro da academia aponta para uma ação articulada dos meios de comunicações, alguém o critica por defender uma “teoria da conspiração”. “Mas o fato é que conspirações existem, e às vezes funcionam. No caso da cobertura do escândalo do mensalão, o [professor da USP] Bernardo Kucinski comprovou que havia uma articulação e um comando. Hoje, não posso dizer que exista algum dado concreto que comprove essa articulação, mas um observador atento pode perceber que há um dueto: os ‘jornalões’ publicam uma manchete e ela aparece no horário eleitoral”, explica.
Um exemplo dessa afirmação de Venício é a manchete da Folha de S. Paulo do dia 5 de setembro de 2010: “Consumidor de luz pagou R$ 1 bi por falha de Dilma”. A manchete foi criticada pela ombudsman do jornal, Suzana Singer, e gerou uma sátira ao jornal no Twitter. A hashtag #DilmaFactsByFolha foi a mais utilizada em todo o mundo e levou jornais como o inglês The Independent a noticiarem o assunto.
O professor de Direito Constitucional da PUC de São Paulo, Luiz Tarcísio Teixeira Ferreira, aponta que há motivação política na maneira como as quebras de sigilo vêm sendo abordadas, ainda que estas representem uma violação. “A mídia está certa em divulgar o fato, a população está certa em exigir que sejam punidos os responsáveis. Agora, o que não se pode é transformar esse fato em bandeira de luta eleitoral. O que eu vejo é que determinados veículos de comunicação estão exacerbando essa questão por conta dos interesses no candidato de oposição. A Veja e a Folha de S. Paulo têm esse perfil, como se não houvesse mais nada importante para ser divulgado em matéria de eleição, a não ser a violação do sigilo”, opina.
Efeito 2006?
Venício estudou os escândalos políticos midiáticos que pautaram os debates nas eleições de 2006 e aponta que há algumas semelhanças entre o que foi feito naquele momento com o atual cenário. “[O sociólogo John B.] Thompson, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, identifica várias situações em que os escândalos políticos midiáticos surgem com o intuito de provocar um estrago na reputação de pessoas que participam do processo. Não tenho nenhuma hesitação em dizer que se trata de um escândalo político midiático, mas não sei dizer se ele pode ter os mesmo efeitos de 2006”, aponta.
Em 2006, às vésperas da eleição presidencial, surgiu o chamado escândalo dos “aloprados”, em que alguns agentes ligados ao PT foram presos tentando comprar um dossiê contra o então candidato ao governo paulista José Serra. A revista Carta Capital denunciou que o Jornal Nacional, da Rede Globo, optou por se dedicar somente ao assunto e à divulgação da foto com o dinheiro dos petistas em detrimento de anunciar o acidente aéreo da companhia Gol. A vitória de Lula no primeiro turno era dada como certa, mas, após essa notícia e a exploração da cadeira vazia do petista no debate da TV Globo, às vésperas do pleito, Geraldo Alckmin (PSDB) conseguiu forçar um 2º turno.
“É muito difícil estabelecer uma comparação com 2006. Mas, pode-se dizer que, hoje, a mídia não tem mais o mesmo poder de 2006. E temos esse contrapoder que é a internet. Há muito mais informações políticas disponíveis hoje, e a internet atinge um tecido social muito maior”, analisa Venício.
O especialista comenta que o fato de as denúncias publicadas na mídia e pautadas na campanha de Serra ainda não terem afetado o desempenho da petista nas pesquisas pode estar relacionado com a falta de um apelo imagético. “Há quem considere que esses escândalos carecem de imagens, como no caso do dinheiro dos aloprados. Neste caso, não há uma imagem que confere um poder muito maior”, comenta. (Colaborou Aline Scarso, da Radioagência NP)
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