sexta-feira, 9 de março de 2018

Militares dão as cartas na América Latina?

Por Germán Gorraiz López, no site Carta Maior:

O Brexit e o triunfo de Trump ficarão marcados na história como o ponto que encerrou o “cenário teleológico” no qual a finalidade dos processos criativos era planejada por modelos finitos, que podiam moldar ou simular vários futuros alternativos e nos que primava a intenção, o propósito e a previsão, o que agora foi substituído pelo “cenário teleonômico”, marcado por doses extremas de volatilidade. Assim, assistiremos o final da hegemonia dos Estados Unidos e de seu papel de guardião, que dará lugar a uma nova doutrina multipolar, uma geopolítica baseada no reequilíbrio entre o trio Estados Unidos, China e Rússia (G3), o que, na América Latina, tende a significar uma nova onda involucionista, com o inequívoco objetivo de derrubar os governos insubmissos aos interesses norte-americanos e dar lugar a renovados regimes militares autocráticos, o que afetará países como Brasil, Venezuela, Equador, Nicarágua e Bolívia.

México, o Estado falido

Devido ao “caos construtivo” exportado pelos Estados Unidos, e plasmado na guerra contra os cartéis do narcotráfico – que se fortaleceu no país a partir de 2006 –, o México passou a ser um Estado falido, tendo como grande paradigma a Cidade de Juárez, a mais insegura do mundo, com uma média anual de mortes violentas superior ao total do Afeganistão em 2009. Para evitar o previsível auge dos movimentos revolucionários anti estadunidenses, acontecerá um processo de intensificação da instabilidade interna do México, até completar sua total balcanização e submissão aos ditados norte-americanos. Assim, a política anti imigração de Trump, aliada ao protecionismo econômico – com a redefinição do NAFTA, o tratado de livre comércio da América do Norte – e a implementação de taxas aduaneiras aos produtos mexicanos, levará a uma severa constrição das exportações de produtos mexicanos aos Estados Unidos, e também da entrada de remessas de dólares ao México, o que poderia aprofundar a crise econômica e social, desencadeando conflitos e distúrbios sociais, além de uma provável regressão das liberdades democráticas e um possível regresso a cenários que se pensavam já superados, como a intervenção do Exército nas instituições, como “garantia da ordem constitucional”.

Cuba e a crise dos mísseis

Na suposição de que Donald Trump mantenha intacto o anacrônico embargo sobre a ilha, poderia surgir o desapego afetivo do regime cubano a respeito dos Estados Unidos, e será aproveitado pelo hábil estrategista geopolítico Vladimir Putin para assinar um novo tratado de colaboração militar russo-cubana (rememorando o Pacto Secreto assinado em 1960, em Moscou entre Fidel Castro e Nikita Khrushchov) que incluiria a instalação de uma base de radares na abandonada base militar de Lourdes, para escutar comodamente os sussurros de Washington, além de outras bases dotadas com mísseis Iskander, podendo reviver a famosa Crise dos Mísseis de outubro de 1962, e a posterior assinatura do Acordo de Suspensão de Provas Nucleares, entre Khrushchov e Kennedy.

Nicarágua na mira do Pentágono

A China havia assumido o desafio de construir um novo canal na Nicarágua (Grande Canal Interoceânico) – similar ao canal do istmo de Kra, que tem projetado para a região entre Tailândia e Birmânia, buscando driblar o Estreito de Malaca, que se tornou uma via marítima saturada e afetada por ataques de piratas. Em 2010, foi inaugurado o gasoduto que une a China com o Turcomenistão, que rodeia a Rússia, para evitar que o país seja dependente da Rússia energeticamente, ao mesmo tempo em que diversifica suas compras. Com tudo isso, os Estados Unidos pretendem desestabilizar o governo de Daniel Ortega, dentro de sua estratégia geopolítica global de secar as fontes energéticas chinesas. Por outra parte, a instalação, em abril passado, de uma estação de satélites russa em Managua, para “controlar o narcotráfico e estudar os fenômenos naturais” havia provocado o nervosismo do Pentágono, que acusa a Rússia de “estar usando a Nicarágua para criar uma esfera de espionagem militar”, mediante o Sistema Global de Navegação por Satélites (Glonass), o equivalente ao GPS estadunidense. Em consequência, o Congresso norte-americano aprovou recentemente o projeto de lei conhecido como Nica Act (Nicaraguan Investment Conditional, ou “Condicional de Investimentos na Nicarágua”), que segue a estratégia kentiana de congelar os empréstimos internacionais de instituições satélites dos Estados Unidos (Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento) à Nicarágua com o objetivo claro de provocar sua inanição financeira e posterior asfixia econômica.

O futuro incerto da Venezuela

Na Venezuela, a decisão de Maduro de confiscar a planta da General Motors será vista pela Administração Trump como um atentado contra os interesses das multinacionais estadunidenses, cenário que será aproveitado pelo Secretário de Estado Rex Tillerson – que era CEO da Exxon Mobil quando esta foi nacionalizada por Hugo Chávez, em 2007 – para tentar um golpe contra o país sul-americano. A Exxon Mobil formaria parte de um grupo que é um verdadeiro poder entre as sombras, que toma as decisões na política exterior através de Tillerson. A revolução chavista já foi declarada “inimiga perigosa dos Estados Unidos”. Assim, após uma sistemática e intensa campanha desestabilizadora, que incluirá o desabastecimento seletivo de artigos de primeira necessidade, a amplificação nos meios do crescente clima insegurança e das sanções econômicas, poderíamos assistir a uma intervenção mais forte, para acabar de vez com o legado chavista na Venezuela.

Novo governo militar no Brasil?

O Brasil forma parte dos chamados BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e embora se descarta que esses países formam una aliança política como a União Europeia ou a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, em sua sigla em inglês), tais países têm o potencial de formar um bloco econômico com um status maior que o do atual G8 – estima-se que em 2050 essas cinco nações juntas terão mais 40% da população mundial, e um PIB combinado de 34,9 trilhões de dólares). O Brasil tem um papel fundamental neste novo tabuleiro geopolítico desenhado pelos Estados Unidos para a América Latina, já que o considera um aliado potencial na cena global, ao qual poderia apoiar para sua aceitação como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, o que levaria a um aumento do peso específico do Brasil na geopolítica mundial, caso o país aceite cumprir a tarefa de ser o guardião dos neoconservadores na América do Sul.

Entretanto, Dilma Rousseff exigiu dos Estados Unidos explicações convincentes sobre as razões da Agência de Segurança Nacional (NSA) para violar as redes de computadores da petroleira estatal Petrobras, o que foi o estopim do “caos construtivo” criado para desestabilizar o país e levar à derrubada do mandato da presidenta. Após anos de confrontação na sociedade brasileira, corroída pela corrupção, que afeta também o atual presidente Michel Temer, não se descarta um golpe militar à moda antiga, que implementaria uma severa repressão contra os partidos de esquerda, deixando apenas Equador, Nicarágua e Bolívia como os únicos países fora do eixo rearmado pelos Estados Unidos, mas que terminariam sendo presas fáceis.

Assim, venceria novamente a máxima perseguida pela Doutrina Monroe: “a América para os americanos”.

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