Por Altamiro Borges
George W. Bush chegou ao governo dos EUA graças a uma escandalosa fraude nas eleições presidenciais de novembro de 2000. Não é para menos que o cineasta Michael Moore, um de seus mais ácidos críticos, sempre o trata como “presidente” (entre aspas) ladrão! Pelo seu espantoso currículo – de estudante preso por embriagues e porte de cocaína; de empresário que levou à falência três empresas do ramo de petróleo; de político demagogo vinculado ao fanatismo religioso e aos grupos racistas; e de um homem de idéias radicalmente conservadoras e obscurantistas –, Bush nunca teria condições de chegar ao poder central da maior potência do planeta. Mas nos EUA, uma nação imperialista e ensimesmada, tudo é possível!
A eleição de 2000 se constituiu numa das maiores fraudes da história deste país, tornando-se motivo de galhofa no mundo inteiro. Apesar de ter recebido 539.898 votos populares a menos do que seu adversário, o democrata Al Gore, Bush foi beneficiado por uma vergonhosa sentença da Suprema Corte, que decidiu, por cinco votos a quatro, validar a irregular apuração na Flórida. Esta apuração, que se arrastou por quase 40 dias, foi coordenada pela secretária de Estado Katherine Harris, que, por coincidência, também era a co-presidente do comitê da campanha do Partido Republicano no Estado, por acaso governado pelo irmão Jeb Bush. Até hoje, muitos estadunidenses encaram a primeira eleição de Bush como um golpe de estado.
O “expurgo ético” na Flórida
Ao contrário do que alardeia a mídia hegemônica pelo mundo, as eleições nos EUA não são um exemplo de democracia e nunca foram um primor de honestidade. O presidente da “pátria da liberdade” é eleito de forma indireta num Colégio Eleitoral no qual nem sempre prevalece o resultado da votação popular – o que já ocorreu quatro vezes na história, inclusive na vitória de Bush. As regras aplicadas neste intrincado sistema eleitoral são excludentes e casuísticas, servindo ao governante de plantão. O venezuelano Hugo Chávez, que a mídia venal gosta de chamar de autoritário, mas que já venceu oito eleições diretas, é outro que sempre solicita ironicamente a intervenção da ONU “contra as fraudes nesta republiqueta ditatorial”.
Na eleição de 2000, as regras para escolher os delegados da Flórida no Colégio Eleitoral foram alteradas pouco antes do pleito. A reforma aprovada no Estado excluiu milhares de eleitores da lista de votantes, na maioria de negros. O racismo nos EUA já é uma chaga bastante conhecida. No país inteiro, 1,4 milhão de negros – 13% da população masculina negra – não pode votar por ter sofrido algum tipo de perseguição judicial. Katherine Harris agravou ainda mais esta discriminação, efetuando o que ficou conhecido como “expurgo ético”. Além dos milhares dos já excluídos nas eleições passadas, ela retirou da lista de votantes outras 58 mil pessoas, entre as quais estavam muitos ex-processados por meras infrações de trânsito.
Os ausentes e as borboletas
Com este golpe, a esposa de Jeb Bush, que já foi detida por agentes da imigração ao tentar contrabandear US$ 19 mil em jóias, pode votar; mas 31% de todos os negros da Flórida não tiveram este mesmo direito democrático. Somente em Miami-Dade, maior condado da Flórida, 66% dos excluídos eram negros. Essa decisão prejudicou enormemente o candidato democrata, que teve 90% dos votos dos negros, dos poucos que puderam exercer este direito, no pleito de 7 de novembro de 2000, segundo os institutos de pesquisa.
Além do “expurgo ético”, ocorreram outras irregularidades, como a da “lista dos ausentes”, que valida o voto por correspondência proveniente do exterior. A maioria dos beneficiários desta regra é composta de militares em serviço, que geralmente são simpatizantes dos republicanos. Caso estes votos não fossem computados a diferença entre os dois candidatos na Flórida seria de apenas sete votos a favor de Bush – e não de 537. Até a cédula eleitoral impressa no Estado, batizada de “cédula borboleta”, foi desenhada por uma republicana, a projetista Theresa LePore, que procurou confundir os eleitores. Segundo o jornal Palm Beach Post, mais de 3 mil eleitores, na maioria idosos, foram induzidos ao erro com esta tramóia.
Suprema Corte dos Republicanos
Cálculos parciais indicam que 87 mil votos foram roubados do democrata Al Gore em decorrência destas irregularidades nas listas de votantes – 162 vezes a mais do que a suposta margem de vitória de Bush na Flórida. Mesmo assim, a Suprema Corte dos EUA decidiu validar a vergonhosa fraude. Quatro dos juízes que votaram a favor desta roubalheira tinham nobres motivos políticos. Sandra O’Connor foi indicada por Ronald Reagan; já Willian Rehnquist foi bancado por Richard Nixon. Como republicanos de carteirinha, e já na casa dos setenta anos, eles almejavam por uma aposentadoria segura num governo republicano.
Já a esposa do juiz Thomaz Lamp trabalhava na Fundação Heritage, um dos principais centros de estudos dos conservadores na capital federal e fora contratada por Bush, pouco antes da eleição, para ajudar a recrutar pessoas para seu iminente governo. Já Eugene Scalia, filho do juiz Antonin Scalia, era advogado do escritório Gibson, Dunn & Crutcher, exatamente o escritório de advocacia que representa George Bush perante a Suprema Corte. Foi este juiz que deu a explicação mais estapafúrdia para seu voto no plenário: “A contagem de votos de legalidade questionável ameaça causar danos irreparáveis ao requerente [Bush] e ao país ao lançar uma mancha sobre o que ele alega ser a legitimidade da sua eleição”.
Na posse, o “viva o ladrão”
Em decorrência da roubalheira, Bush venceu as eleições de novembro de 2000 somente na Flórida, que é governada por seu irmão e detém 25 votos no Colégio Eleitoral. No restante do país, o democrata Al Gore ficou à frente do republicano tanto na votação popular (539.898 votos a mais), como no próprio Colégio (267 contra 246). Nem mesmo no Texas, então governada por Bush, o expurgo da lista de votantes de 66 mil ex-presidiários, garantiu a sua vitória. Mas no autoritário sistema eleitoral dos EUA, os 537 votos de Bush na Flórida valem mais do que 539.898 de diferença de Gore na votação popular. Baita democracia!
Questionado pelo resultado fraudulento da eleição e conhecido por sua sinistra biografia, George W. Bush tomou posse, em 20 de janeiro de 2001, totalmente desacreditado. A sua limusine blindada não conseguiu abafar os gritos de “viva o ladrão” de mais de 20 mil manifestantes presentes nas ruas de Washington. Ele sequer teve coragem de percorrer a pé os últimos quatro quarteirões antes de chegar ao Capitólio – o que já é tradição no país. Acuado, o início da sua gestão foi marcado pela completa inércia. Nos primeiros seis meses de governo, Bush visitou sete vezes seu rancho no Texas, num total de 54 dias de férias, passou 38 dias na residência de verão Camp Davis e mais quatro dias na casa de praia da família em Kenebunkport.
A salvação do “bobo incompetente”
O desgaste de sua imagem alimentou o humor de inúmeros chargistas e foi motivo de gozação em alguns programas de televisão, como no talk show de Dave Letterman, na CBS. Eles retratavam o novo ocupante da Casa Branca como um “preguiçoso”, um “bobo incompetente” e até como o boneco de ventríloquo do seu vice, Dick Cheney. Os jornais registraram que, até agosto, Bush passou quase metade do mandato de férias. Alguns humoristas insinuaram que “o presidente continuava sendo o mesmo garoto indolente que, na faculdade, preferia a baderna e o álcool (ou coisa mais forte) aos estudos”. Até entre os republicanos surgiram críticas a sua total inépcia; alguns chegaram a insinuar a possibilidade do impeachment.
George W. Bush também gerou fortes desconfianças no mundo. Num gesto abrupto, seu governo retirou o apoio ao Tribunal Criminal Internacional, assinado pelo antecessor Bill Clinton. Pouco depois, anunciou sua recusa em assinar o Protocolo de Kyoto, sobre controle dos gases poluentes, e investiu contra Robert Watson, presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, por pressão direta, segundo memorando vazado na imprensa, de uma das financiadoras de sua campanha, a Exxon. Ainda abandonou o tratado dos mísseis antibalísticos (ABM), voltou atrás na política de dez anos de eliminação das minas terrestres e iniciou a sabotagem ao tratado de proibição dos testes nucleares (CTBT). Ficou patente a sua visão militarista e seu unilateralismo na condução da política externa, o que gerou temores no mundo.
Somente após os suspeitos atentados de 11 de setembro de 2001 é que George W. Bush tomou posse, de fato, na presidência dos EUA. Como afirma o jornalista Argemiro Ferreiro, no excelente livro “O império contra-ataca”, eles ressuscitaram o isolado presidente. “O ex-executivo sem qualificações para dirigir empresas de petróleo de pequeno porte, derrotado na votação popular do país por mais de meio milhão de votos, mas beneficiado pela decisão político-partidária de cinco juízes da Suprema Corte, tornou-se, da noite para o dia – graças às falhas de seu governo, que permitiram o êxito de uma operação terrorista impossível – no mais integro, competente e patriota dos governantes e líderes que a história já conheceu”.
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