Reproduzo artigo de Marcio Cruz, publicado no sítio da Adital:
Nos processos eleitorais de 1989, 1994, 1998, 2002 e 2006, em alguns casos, além de Lula, tivemos outros candidatos carismáticos. O sentido de líder carismático enunciado por Weber não ocorre nestas eleições. Com a ausência deste elemento na campanha, as incursões do debate público favorecem a estratégia do governo de comparação plebiscitária entre duas experiências de concepção de Estado e Gestão Pública.
Sem mudar a estrutura do poder (presidencialismo de coalizão [1] com suas respectivas contingências, como o fisiologismo) e sem mudar a estrutura de distribuição da renda no país (hoje, como ontem, 10% dos mais ricos consomem 75% de toda a riqueza produzida no Brasil [2]), dois elementos estruturantes da política se alteraram de FHC para Lula: a construção da cidadania de consumo e da cidadania de participação.
Vinte milhões de pessoas que viviam na linha da pobreza (mais que a população do Chile) passaram a ser público alvo de programas sociais de distribuição de renda por parte do governo; ao mesmo tempo, houve a subida na pirâmide social de mais de 30 milhões de pessoas (quase a população da Argentina) por meio da elevação dos salários, crédito e oportunidades de emprego.
A consolidação de uma cidadania com participação política se deu em espaços onde a sociedade organizada pode se manifestar - conferências e conselhos -, e possibilitou que algumas destas manifestações se transformassem em programas do governo. Em oito anos foram realizadas setenta e duas conferências nacionais. Mais de cinco milhões de pessoas participaram dos processos nos níveis municipal, estadual e nacional. Há inúmeras redes sociais vinculadas a políticas públicas atuando numa abordagem de educação popular, legitimando saberes, conhecimentos e comunidades, entre elas, quilombolas e originárias, que estiveram por décadas à margem de uma participação cidadã.
Diante da ação do Estado em quase todas as áreas, tanto a esquerda (de centro ou radical) quanto a direita (incluindo a extrema e centro-direita), ficam sem discurso próprio. Estes setores só conseguem dialogar com a sociedade civil organizada e com a opinião pública pautados pelas grandes transformações por que passa o país na era Lula, para refutar, questionar ou afirmar o que está sendo realizado pelo governo. A isso que Gramsci chamava de hegemonia.
Serra ressuscitou um discurso conservador e ideológico de direita por meio de temas como o aborto, as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), política de relações internacionais do governo com a Ásia e a África, política comercial com países do eixo sul do planeta (que têm governos progressistas ou de esquerda) e de uma maneira pouco habilidosa, ficou nas mãos do principal partido de direita da política brasileira, o ex-PFL e atual DEM, quanto à escolha do vice em sua chapa.
Talvez seja esta a grande novidade nas eleições deste ano, à direita política, social e religiosa se sente à vontade para influir nos rumos da agenda pública na campanha de Serra com ampla cobertura pela mídia.
A oposição não consegue convencer o eleitorado de que o "país vai mal". Não consegue simplesmente porque isso não é fidedigno com a realidade das pessoas e das instituições públicas e privadas. Sobra a estratégia da promoção de factóides "éticos" e "morais", que têm mais apelos em uma classe média que não a emergente, porque esta parece não desejar arriscar retrocessos em sua trajetória de ascendência econômica.
Apesar de todas as pesquisas eleitorais, não há garantias de que Dilma ganhará as eleições no primeiro turno. Mas, diante das evidencias, é pouco provável que Serra saia vitorioso destas eleições. A aliança PSDB/DEM/PPS não tem discurso que dialogue com as conquistas sociais do governo Lula, conquistas estas que têm impacto sobre a realidade imediata de mais de cinqüenta milhões de brasileiros/as e conta com o apoio de um contingente ainda maior, vista a aprovação do atual governo na casa de 79%, que somados a avaliação regular, 17%, o presidente Lula tem 96% de não rejeição, ou uma avaliação negativa na casa dos 4% [3].
A grande mídia insiste numa agenda agressiva contra Dilma e o PT, eleva o tom com denuncias e tenta emplacar uma agenda de escândalo político. No entanto, como demonstrou John B. Thompson no livro publicado em 2000 e que mereceu tradução brasileira em 2002, como O escândalo político [4], em verdade, não existe escândalo político, e sim, "escândalo midiático". Ele ocorre por conta de uma agenda permanente, de enquadramento similar e integrado no sistema de comunicação de massa, mas só se realiza quando a opinião pública adere a seus apelos.
As pesquisas de intenção de voto têm demonstrado o contrário. A tentativa de promover um "escândalo político" por conta da quebra de sigilo fiscal de pessoas ligadas à família do candidato da oposição (filha e genro) não alcançaram os resultados desejados, tentam agora outro "escândalo" envolvendo familiares da Ministra da Casa Civil Erenice Guerra, que pediu demissão no último dia 16 de setembro, este episódio, de maior gravidade que o primeiro.
Apesar de todo o esforço da mídia em ligar os "escândalos de governo" a campanha eleitoral (com fatos a serem investigados por instituições do estado democrático de direito) o candidato Serra tem oscilado na margem de erro a cada resultado dos institutos de pesquisa, enquanto a candidata Dilma tem se mantido no patamar capaz de decidir as eleições presidenciais no primeiro turno. Mesmo a elevação das intenções de voto em Marina Silva do PV não demonstra a existência da "onda verde" que ela apregoa, uma vez que a cada ponto a mais a seu favor nas intenções de voto, é deslocamento do eleitorado já decidido em não votar em Dilma, ou seja, é a troca do seis por meia dúzia na aritmética eleitoral.
Depois do processo eleitoral serão muitas as explicações para o eventual fracasso da mídia e da oposição, tanto em disputar a presidência quanto, ao que parece, em eleger uma bancada de oposição consistente para a Câmara Federal. Observando a agenda da mídia, ou seja, os assuntos que pautaram os meios de comunicação sistematicamente antes e durante o processo eleitoral encontraremos um caminho para explicar o fracasso eleitoral de Serra e dos "mass mídia".
Estudos sobre agenda-setting [McCombs e Donald Shaw - 1972(5)] elucidam a competência da mídia para definir a agenda pública (assuntos que se tornam públicos), mas, como não se comunica com um sujeito passivo, a mídia não tem como determinar o que as pessoas pensam sobre cada assunto (agenda) que construiu, portanto este caminho é insuficiente para explicar sozinho o fracasso eleitoral dos "mass mídia" nas eleições deste ano.
É o que ocorre com as tentativas de construção de "escândalo midiático". A opinião pública tem demonstrado tendência diversa daquela que a grande mídia pretende como resultado, qual seja, um deslocamento das intenções de voto em favor do candidato da oposição, ao contrário, quando há algum deslocamento significativo, tende favoravelmente a candidata do PV Marina Silva.
A legitimidade da grande mídia como espaço de construção de consensos merece ser analisada e questionada. Assim como as teorias que identificam nos partidos uma crise de representatividade, a grande mídia pode estar experimentando um esgotamento em sua capacidade de construir ambientes de consensos. Em boa medida, porque se tem distanciado da percepção de realidade que experimenta um enorme contingente da população brasileira, no que se refere à sua versão sobre o momento por que passa o país. Há também, estudos sobre à contra hegemonia a grande mídia por meio de outras formas de comunicação: redes virtuais, blogs, twitter, mailings pessoais ou corporativos, entre outros, que atuaram nestas eleições, ainda a serem confirmados.
Teremos de esperar o encerramento do calendário eleitoral. No entanto, há uma tendência de que esta eleição presidencial passará para a história como aquela que isolou um discurso do centro e da esquerda do espectro político, deu visibilidade às agendas da direita que há tempos não existia e a uma plataforma de continuidade das transformações sociais decorrentes do governo Lula. Pela primeira vez na democracia recente, tende a confirmar o terceiro mandato consecutivo de um partido à frente da Presidência da República, com a primeira mulher no cargo de Chefe de Governo e de Estado do país, a contragosto da grande mídia e de setores da elite brasileira. Essa tem sido a virtude da democracia em nosso país, apesar das nuvens golpistas que inspiram setores conservadores e reacionários e assombram a América Latina depois do episódio do golpe civil/militar em Honduras.
Notas:
1. Abranches, Sérgio Henrique. "O presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro". In: Dados 31(1), 1988, pp. 5-33.
2. Pochmann, Marcio. O país dos desiguais. Lemond Diplomatic. http://diplomatique.uol.com.br/artigo.php?id=30&PHPSESSID=2992afb2cd65c8594faad2ff286459fc. Ultimo acesso: 17/09/10.
3. Pesquisa DataFolha encomendada pela TV Globo e pelo jornal Folha de São Paulo, entre os dias 23 e 24 de agosto. http://oglobo.globo.com/pais/eleicoes2010/mat/2010/08/26/datafolha-governo-lula-atinge-novo-recorde-com-79-de-aprovacao-917478223.asp. Acesso em: 23/09/10
4. Lima, Venício A. Muito Calor, Pouco Debate: Escândalos midiáticos no tempo e no espaço. Observatório da Imprensa. 10/4/2006, http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=376JDB002, acesso em: 17/09/10.
5. Porto, Mauro. Enquadramentos da Mídia e Política. In: RUBIM, A. A. C. (org). Comunicação e política: conceitos e abordagens. Salvador: EDUFBA/Unesp, 2004
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1 comentários:
Está pelada a coruja. Apesar dos esforços do Noblat e seus colegas do mal para confundirem e mal informar seus leitores, a batalha termina no primeiro turno. Dia 3 vai ser o DDD, Dia Da Dilma.
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