segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Movimento: mídia livre na era do papel

Por Antonio Martins, na rede Outras Palavras:

Nos últimos anos, a explosão da websfera começou a abalar o controle da opinião pública pela velha mídia. Tentativas de manipular as eleições em favor de candidatos conservadores (como José Serra), ou de forjar fatos políticos (como o suposto “grampo” contra o então presidente do STF, Gilmar Mendes) naufragaram. Manipulações como as do falecido império Murdoch (ou as da recente “reportagem” de capa de Veja contra José Dirceu) escorregaram ou para o terreno do ridículo, ou para o noticiário policial. Mas houve épocas em que era muito mais difícil enfrentar o monopólio da mídia e os governos. Ainda assim, este combate foi feito — e as publicações resultantes alcançaram padrões de qualidade que merecem ser examinados pelas novas mídias.


Nesta segunda, às 19h, será lançado em São Paulo um livro indispensável para os que querem superar o jornalismo de mercado. Redigido por Carlos Azevedo, Marina Amaral e Natália Viana, Jornal Movimento, uma reportagem trata da publicação que mais marcou a chamada “imprensa alternativa” dos anos 1970 e 80. Lançado em 1975, Movimento viveu por seis anos. Foi um entre dezenas de jornais que desafiaram a censura dos governos militares e o poder econômico dos grandes grupos editoriais.

Mas reunia algumas características incomuns. Era dirigido por uma cooperativa de jornalistas. Num tempo em que as facilidades hoje existentes para criar um blog eram inimagináveis, os editores, repórteres e redatores já pensavam em fórmulas que não os tornassem dependentes de grandes anunciantes ou investidores com interesse em lucrar. Entre seus criadores, estavam alguns dos melhores jornalistas da época. Liderava o grupo Raimundo Pereira, vencedor do mais importante Prêmio Esso-1972, por dirigir uma edição especial de Realidade sobre a Amazônia que, quarenta anos depois, ainda é referência sobre o tema. Esta equipe jamais se contentou em criticar a mídia comercial (o chamado “PIG”). A prova dos nove estava em produzir um jornalismo muito superior ao oferecido pelos “jornalões”.

Movimento sofreu, desde sua fundação, censura prévia e violenta. Antes de o jornal existir, os censores e a Polícia Federal já tinham ordens de proibir sua circulação (como relatado no saboroso capítulo do livro, que Outras Palavras publicará nas próximas horas). Anos mais tarde, o golpe final contra o jornal foi dado por uma série de atentados terroristas: grupos de ultra-direita incendiavam as bancas que teimavam em vender Movimento, para causar prejuízos e intimidar os jornaleiros.

Ainda assim, o jornal inaugurou temas (a dívida externa brasileira, entre muitos outros) e seções novas (como Cena Brasileira, com a qual contribuíram jovens talentos, que se tornaram nomes consagrados da literatura brasileira atual). Sua capacidade de produzir não apenas a contestação retórica ao oligopólio da mídia — mas, também, informações mais profundas e pontos de vista mais universais — poderia inspirar a blogosfera.

“Não critique a mídia. Seja a mídia”. Este slogan, que 25 anos depois marcou Indymedia, (um dos precursores do jornalismo alternativo que emergiu na virada do século), estava presente em Movimento. trinta anos antes. Também por isso, vale a pena conhecer a experiência em detalhe.

Jornal Movimento, uma reportagem pode ser lido, na íntegra e gratuitamente, pela internet. A abertura da obra é providência democratizante que faz jus ao jornal. Mas vale a pena ter em papel, para manusear e consultar mais facilmente, um documento histórico como este. Custa relativamente pouco: R$ 59 (310 páginas). Pode ser comprado por cartão, em até 24 vezes. Inclui um dvd com a íntegra das 334 edições do jornalismo combativo porém sempre profundo que marcou Movimento.

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