segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A imprensa como partido do capital

Por Altamiro Borges

“Obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo” – Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) em entrevista ao jornal O Globo (18/03/2010).


Com suas contradições e suas nuances, os principais veículos de comunicação do Brasil sempre defenderam como valor supremo a democracia liberal e o “livre mercado”. Com base nestes “princípios sagrados”, vários deles investiram na desestabilização de governos democraticamente eleitos, insuflaram golpes militares e apoiaram ditaduras sanguinárias. Também com base nesta falsa doutrina “liberal”, a maior parte deles sempre criminalizou os movimentos sociais, suas greves e protestos populares, satanizando as suas lideranças e desqualificando as suas demandas e anseios.

O liberalismo desnaturado serviu como pretexto para as posturas autoritárias e conservadoras da chamada “grande imprensa” – hoje conhecida como mídia, mais monopolizada e diversificada. Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart, entre outros na nossa história, sentiram os efeitos da cobertura jornalística seletiva e parcial. Lula, na fase mais recente, também foi alvo dos seus ataques preconceituosos. Como no passado, as greves ou as ocupações dos sem-terra continuam sendo demonizadas. Tudo é feito para manter a lógica destrutiva e regressiva do capitalismo – seja nos jornais e revistas ou nas rádios e televisões.

Em momentos de maior tensão política, essa postura reacionária se acirra. Como já ensinou o intelectual italiano Antonio Gramsci, em períodos de crise, de maior questionamento ao status quo, a imprensa assume o papel de “partido do capital”. Ela reforça sua função de aparelho privado de disputa de hegemonia. Em vários aspectos, ela substitui os próprios partidos das elites dominantes, agenda a política, municia a sua “militância”, define os alvos prioritários. Hoje, com seus modernos padrões de manipulação, já esmiuçados por Perseu Abramo, ela se torna um perigoso poder político, acima das leis, da Constituição e do Estado de Direito.

O novo livro do professor Francisco Fonseca, ao analisar a trajetória de dois influentes veículos de comunicação – a revista Visão e o jornal Estadão, num período de grande turbulência política no Brasil, em pleno processo de transição para a democracia (1984-1987) – confirma estes riscos à democracia. Em sete temas candentes – a luta por eleições diretas, as questões sociais, o entulho autoritário, a tutela militar, os novos personagens político-sociais, o Plano Cruzado e a Constituinte –, ele prova que estes veículos pautaram sua cobertura com objetivo de manter a ordem capitalista, com sua democracia liberal e o chamado “livre mercado”.

“As posições da revista Visão e do jornal O Estado de S.Paulo perante a agenda elaborada durante a transição para a democracia permitiram o desnudamento do projeto político que possuem. A histórica vinculação do liberalismo brasileiro ao conservadorismo e ao autoritarismo foi corroborada – pois sintetizado pela imprensa a ele perfilhada – por nossa observação no período em foco, pois, como vimos, ambos os agentes auto-proclamados liberais, entre outros movimentos: a) apoiaram a manutenção, apenas superficialmente modificada, do status quo, representado pela ‘conciliação pelo alto’ via Colégio Eleitoral, partido governista (PDS) e figura do último vice-presidente do ciclo militar — Aureliano Chaves; b) requereram a intocabilidade da terra, mantendo a extrema concentração fundiária e o condicionamento da distribuição da renda exclusivamente ao seu crescimento, concebendo tal distribuição como um processo automático; c) desconsideraram a transição como um momento de negociação política no que diz respeito aos trabalhadores e seus representantes — o ‘outro’ —, requerendo a aplicação do ‘entulho’ autoritário a eles, pois não conceberam o conflito como típico de uma sociedade capitalista de cunho liberal/democrática, numa clara postura de dominação de classes, assentada por sua vez na concepção ‘harmônica’ da sociedade; d) requereram a tutela militar também em relação ao ‘outro’ e seus representados durante e após a transição, em razão do papel constitucional que conferiram às Forças Armadas – no contexto de uma postura intransigente/intolerante às idéias, pessoas, grupos e partidos perfilhados à esquerda no espectro político/ideológico, em diversos setores, aos quais enfatizaram a ordem estabelecida; e) opuseram-se à intervenção do Estado para regular o mercado e o capital, considerando-a uma transgressão às leis da oferta e procura e ao Estado de Direito; f) apoiaram (e procuraram influenciar) a ação e as teses do agrupamento conservador no Congresso Constituinte – ‘Centrão’ –, com vistas à obtenção da hegemonia liberal/conservadora na elaboração da nova Constituição. É importante realçar que justamente em relação ao fator trabalho – agregação e expressão de interesses do ‘outro’ – houve convergência quase absoluta das posições adotadas. Resumindo, lutaram por um Estado não ou pouco interventor na economia e repressor – em relação ao fator trabalho – na política, o que representou o fulcro da atuação de ambos os órgãos da imprensa observados”, conclui Francisco Fonseca.

Em outros enormes méritos, o novo livro de Francisco Fonseca serve para reforçar uma luta de caráter estratégico que está em curso na sociedade brasileira. A luta pela democratização dos meios de comunicação, por um novo marco regulatório deste setor que estimule a pluralidade e a diversidade informativas. Que iniba o “pensamento único”, de viés reacionário, que prevalece na mídia nativa. Que garanta que novas vozes, não somente as alinhadas ao falso liberalismo, tenham vez. Neste sentido, esta obra é obrigatória para todos os lutadores sociais e democratas engajados na batalha histórica pela ampliação da democracia no Brasil.

* Prefácio do livro “Liberalismo autoritário – discurso liberal e prática autoritária na imprensa brasileira”, do professor Francisco Fonseca (Editora Hucitec), que será lançado nesta quarta-feira (14), às 19 horas, na Livraria Canto Madalena (Rua Medeiros de Albuquerque, 471, Vila Madalena, SP, SP).

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