Editorial do sítio Vermelho:
A democracia brasileira deu passos importantes nesta semana - mais precisamente, na terça feira, dia 22: a Câmara dos Deputados aprovou a PEC do trabalho escravo; a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça rejeitou o absurdo pedido de anistia do mais famoso alcaguete do país, o Cabo Anselmo; e a Justiça de São Paulo decidiu manter o processo de responsabilização do notório coronel Ustra como um dos principais torturadores da repressão durante a ditadura militar.
Estas decisões representam diferentes maneiras de avanços na agenda dos direitos humanos e da democracia.
A aprovação pela Câmara dos Deputados, pela ampla margem de 360 votos contra 29 de arcaicos saudosistas da escravidão e 25 abstenções, representa um avanço civilizatório ao penalizar de forma condizente com a gravidade do crime aqueles que continuam infringindo a Lei Áurea, de 13 de maio de 1888 e ignorando a proibição do trabalho escravo nela consignada. E que, em pelo alvorecer do terceiro milênio, impõem a milhares de trabalhadores essa iníqua forma de exploração - o Ministério do Trabalho e do Emprego revela que, entre 1994 e 2012, mais de 42 mil pessoas foram resgatadas do cativeiro por fiscais trabalhistas.
Muitos latifundiários opuseram-se à lei ancorando-se numa equívoca defesa do direito de propriedade ante a severa punição que a nova regra estabelece aos flagrados explorando trabalhadores em condições análogas à escravidão. A emenda aprovada prevê a expropriação de imóveis rurais ou urbanos onde ela for constatada, declara explicitamente que não haverá qualquer indenização ao proprietário, e estabelece o confisco de qualquer valor econômico decorrente dessa exploração, independente de outras penalidades cabíveis.
As outras decisões referem-se à responsabilização dos torturadores da repressão da ditadura militar de 1964. A primeira coloca uma pedra sobre as pretensões absurdas do ex-marinheiro e alcaguete José Anselmo dos Santos (vulgo Cabo Anselmo) que pretendia ser indenizado com base na lei de Anistia. Ele alegou falsamente que sofreu perseguição policial nos primeiro anos da ditadura, mesmo ante a comprovação de que já no final do governo João Goulart era um agente da polícia política e da espionagem norte-americana no Brasil, a famigerada CIA. Infiltrado em organizações da resistência contra a ditadura, ele delatou entre 100 a 200 heróis do povo brasileiro, sendo cúmplice do assassinato de dezenas deles, entre os quais sua própria mulher, a paraguaia Soledad Barret Viedma.
O conselheiro Nilmário Miranda, da Comissão de Anistia, resumiu o absurdo e a perplexidade provocados pelo pedido que pode ser considerado como indecente. Seria um contrassenso um pedido de desculpas oficial a quem colaborou e promoveu a prática daqueles crimes contra a humanidade; “seria premiar quem deu causa à barbárie. Não cabe reconhecer anistia e indenizar uma pessoa que participou ou concorreu em atos como esse”. Opinião apoiada pelo secretário Nacional de Justiça, Paulo Abraão, para quem é “juridicamente impossível o Estado reparar quem assumiu o papel de violador dos direitos humanos”.
O outro avanço alcançado foi a manutenção do processo contra o ex-comandante do Doi-Codi de São Paulo, o coronel da reserva do Exército, Carlos Alberto Brilhante Ustra, responsabilizado civilmente em outubro de 2008 pela Justiça Federal em São Paulo por sequestro e tortura durante a ditadura. O coronel pretende cancelar esta condenação que abre caminho a outras ações responsabilizando-o por ações bárbaras semelhantes. A Justiça decidiu adiar o julgamento do caso, à espera de mais revelações contra o coronel torturador e comandante de torturadores que surgirão dos trabalhos da Comissão da Verdade.
Mesmo a negativa da Justiça Federal em São Paulo de acatar a denúncia do Ministério Público contra Ustra e o delegado de Polícia Civil Dirceu Gravina pelo sequestro e desaparecimento do líder sindical Aluísio Palhano Pedreira Ferreira em 1971 pode ser encarada como uma brecha na muralha que protege os torturadores e assassinos políticos da ditadura.
A denúncia foi feita com base na tese de crime continuado pois desde então Palhano está desaparecido, não se tendo notícia do que ocorreu com ele. Em sua sentença, o juiz Márcio Rached Millani de certa forma declarou-se incapaz de acatar aquela denúncia. Ele lembrou a vigência da Lei de Anistia e a contradição entre as decisões do Supremo Tribunal Federal, que validou aquela lei, e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que a declarou inválida. Mas o juiz praticamente reconheceu o sequestro e assassinato de Palhano pela repressão ao declarar que sua morte é a “situação mais provável, uma vez que não se teve mais notícias dela após esta data”.
A esperança do fim da impunidade se reforça na esteira destas decisões. Seja a impunidade da ganância dos escravistas contemporâneos, seja daqueles que cometeram, e ainda cometem, graves crimes contra a humanidade nos porões repressivos do Estado. Quem ganha e se fortalece com isso é a democracia brasileira.
A democracia brasileira deu passos importantes nesta semana - mais precisamente, na terça feira, dia 22: a Câmara dos Deputados aprovou a PEC do trabalho escravo; a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça rejeitou o absurdo pedido de anistia do mais famoso alcaguete do país, o Cabo Anselmo; e a Justiça de São Paulo decidiu manter o processo de responsabilização do notório coronel Ustra como um dos principais torturadores da repressão durante a ditadura militar.
Estas decisões representam diferentes maneiras de avanços na agenda dos direitos humanos e da democracia.
A aprovação pela Câmara dos Deputados, pela ampla margem de 360 votos contra 29 de arcaicos saudosistas da escravidão e 25 abstenções, representa um avanço civilizatório ao penalizar de forma condizente com a gravidade do crime aqueles que continuam infringindo a Lei Áurea, de 13 de maio de 1888 e ignorando a proibição do trabalho escravo nela consignada. E que, em pelo alvorecer do terceiro milênio, impõem a milhares de trabalhadores essa iníqua forma de exploração - o Ministério do Trabalho e do Emprego revela que, entre 1994 e 2012, mais de 42 mil pessoas foram resgatadas do cativeiro por fiscais trabalhistas.
Muitos latifundiários opuseram-se à lei ancorando-se numa equívoca defesa do direito de propriedade ante a severa punição que a nova regra estabelece aos flagrados explorando trabalhadores em condições análogas à escravidão. A emenda aprovada prevê a expropriação de imóveis rurais ou urbanos onde ela for constatada, declara explicitamente que não haverá qualquer indenização ao proprietário, e estabelece o confisco de qualquer valor econômico decorrente dessa exploração, independente de outras penalidades cabíveis.
As outras decisões referem-se à responsabilização dos torturadores da repressão da ditadura militar de 1964. A primeira coloca uma pedra sobre as pretensões absurdas do ex-marinheiro e alcaguete José Anselmo dos Santos (vulgo Cabo Anselmo) que pretendia ser indenizado com base na lei de Anistia. Ele alegou falsamente que sofreu perseguição policial nos primeiro anos da ditadura, mesmo ante a comprovação de que já no final do governo João Goulart era um agente da polícia política e da espionagem norte-americana no Brasil, a famigerada CIA. Infiltrado em organizações da resistência contra a ditadura, ele delatou entre 100 a 200 heróis do povo brasileiro, sendo cúmplice do assassinato de dezenas deles, entre os quais sua própria mulher, a paraguaia Soledad Barret Viedma.
O conselheiro Nilmário Miranda, da Comissão de Anistia, resumiu o absurdo e a perplexidade provocados pelo pedido que pode ser considerado como indecente. Seria um contrassenso um pedido de desculpas oficial a quem colaborou e promoveu a prática daqueles crimes contra a humanidade; “seria premiar quem deu causa à barbárie. Não cabe reconhecer anistia e indenizar uma pessoa que participou ou concorreu em atos como esse”. Opinião apoiada pelo secretário Nacional de Justiça, Paulo Abraão, para quem é “juridicamente impossível o Estado reparar quem assumiu o papel de violador dos direitos humanos”.
O outro avanço alcançado foi a manutenção do processo contra o ex-comandante do Doi-Codi de São Paulo, o coronel da reserva do Exército, Carlos Alberto Brilhante Ustra, responsabilizado civilmente em outubro de 2008 pela Justiça Federal em São Paulo por sequestro e tortura durante a ditadura. O coronel pretende cancelar esta condenação que abre caminho a outras ações responsabilizando-o por ações bárbaras semelhantes. A Justiça decidiu adiar o julgamento do caso, à espera de mais revelações contra o coronel torturador e comandante de torturadores que surgirão dos trabalhos da Comissão da Verdade.
Mesmo a negativa da Justiça Federal em São Paulo de acatar a denúncia do Ministério Público contra Ustra e o delegado de Polícia Civil Dirceu Gravina pelo sequestro e desaparecimento do líder sindical Aluísio Palhano Pedreira Ferreira em 1971 pode ser encarada como uma brecha na muralha que protege os torturadores e assassinos políticos da ditadura.
A denúncia foi feita com base na tese de crime continuado pois desde então Palhano está desaparecido, não se tendo notícia do que ocorreu com ele. Em sua sentença, o juiz Márcio Rached Millani de certa forma declarou-se incapaz de acatar aquela denúncia. Ele lembrou a vigência da Lei de Anistia e a contradição entre as decisões do Supremo Tribunal Federal, que validou aquela lei, e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que a declarou inválida. Mas o juiz praticamente reconheceu o sequestro e assassinato de Palhano pela repressão ao declarar que sua morte é a “situação mais provável, uma vez que não se teve mais notícias dela após esta data”.
A esperança do fim da impunidade se reforça na esteira destas decisões. Seja a impunidade da ganância dos escravistas contemporâneos, seja daqueles que cometeram, e ainda cometem, graves crimes contra a humanidade nos porões repressivos do Estado. Quem ganha e se fortalece com isso é a democracia brasileira.
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