Por Marina González, no sítio Outras Palavras:
As eleições de novembro passado deram à Nova Maioria, a coalizão que apoia a presidente Michelle Bachelet, uma maioria legislativa apertada, mas histórica. A transição que se processa desde então foi marcada pelos preparativos do governo eleito para enfrentar vários desafios e pelo esforço do presidente em final de mandato, Sebastián Piñera, para fazer uma balanço positivo de sua gestão.
Bachelet, que já governou o Chile entre 2006 e 2010, obteve, em novembro, duas oportunidades: a de exercer um segundo mandato e a de impulsionar reformas que a esquerda considera pendentes desde a volta à democracia. A maioria parlamentar que formou e o apoio de mais de 3,4 milhões de chilenos (62,17% dos votantes) ampliam a possibilidade de cumprir suas promessas – mas, também, as expectativas a respeito. A própria Bachelet disse ao diário norte-americano Washington Post que seu governo terá de cumprir o programa que o elegeu, pois “do contrário, os protestos irão parar tudo”.
Nas últimas semanas, renunciaram quatro ministros designados para integrar o gabinete presidencial. Caíram os da Educação (por ter afirmado, no passado, que o ensino público era impossível); de Bens Nacionais (porque tocou as nádegas de uma mulher no metrô, em 2011); da Agricultura (porque tinha, pendente, um processo judicial de âmbito privado); e das Forças Armadas (questionada por ser filha de um militar acusado de torturar, durante a ditadura). Camila Vallejo, deputada comunista eleita e ex-líder estudantil afirmou, à véspera da posse de Bachelet, que tais renúncias devem-se ao fato de a cidadania estar “muito mais atenta” e “preocupada em verificar se os currículos [dos políticos] são coerentes com o exercício do posto”. Interpretou esta novidade como um sinal positivo.
Na terça-feira, Bachelet recebeu a faixa presidencial das mãos da senadora Isabel Allende, filha do ex-presidente Salvador Allende, derrubado em 1973. Horas antes da investidura, a filha de Allende assumiu como presidente do Senado. Sebastián Pinẽra entregou-lhe a faixa presidencial, para que a passasse à nova presidente.
Este gesto simbólico acrescenta algo mais à tarefa que espera Bachelet. Um sinal dos desafios são as principais reformas anunciadas. A reforma tributária poderá ser uma das obras principais a que o governo se dedicará. Há um rascunho de projeto já bem avançado, segundo o ministro da Fazenda que assume, Alberto Arenas. O objetivo anunciado é reduzir as desigualdades, com o aumento de um imposto que incidirá sobre os lucros das empresas (de 20% a 25%) e uma redução dos subsídios tributários desfrutados por estas.
Esta reforma aparece em último lugar, entre as 50 medidas anunciadas por Bachelet para seus primeiros cem dias. Deverá gerar os recursos para que o Estado possa atender outros grandes desafios, colocados mais adiante. Entre estes, trabalhar para oferecer educação gratuita e de qualidade, num país em que as escolas privadas predominam amplamente; modificar o sistema eleitoral, para que a minoria deixe de ter poder de veto no Parlamento, como ocorre desde a volta à democracia; por último, reformar a Constituição de 1980, herdada da ditadura de Augusto Pinochet. Conforma notou a nova presidente ao Washington Post, não basta, à coalizão vencedora, maioria simples para alterar a Carta. Mas ela acrescentou: “Há, no Parlamento, pessoas que não são parte de minha coalizão, mas que, creio, compartilham meu ponto de vista sobre as prioridades para o país. Trabalharemos com elas para, se estiverem de acordo, conseguirmos os votos necessários”.
Como em todas as transições, não faltaram, nestes últimos dias, alfinetadas entre o governo que deixa o posto e o que entra. Aliados de Bachelet destacaram que Piñera assumiu o governo com a economia em crescimento e o entrega à nova presidente em condições menos favoráveis. “Recebemos indicadores econômicos superestimados. Faremos as respectivas revisões e informaremos o Congresso”, afirmou Arenas dias antes de tomar posse. O ministro da Economia também adiantou que, logo após assumir, irá reunir-se “uma vez por semana, com parlamentares, no ministério”, para avançar no projeto de reforma fiscal.
“Deixamos o governo com a alegria do dever cumprido”, disse Piñera em sua última fala em rede nacional de TV, como presidente. “Sem prejuízo dos erros cometidos, que já reconhecemos, hoje o Chile cresce, cria empregos, melhora os salários, reduz a pobreza e as desigualdades com força e vontade”, assegurou. De acordo com a agência de notícias Efe, a economia cresceu 5,3% em média, no mandato de Pinẽra e o desemprego manteve-se entre 5% e 6%. “Hoje, o Chile é um país melhor para nascer, crescer, estudar, trabalhar, formar família e também para envelhecer. É um país melhor para viver que há quatro anos”, afirmou.
No entanto, a coalizão que apoiou o governante viu-se dividida por desacordos internos e sua popularidade despencou, nas eleições. A candidata à presidência apoiada por Piñera, Evelyn Matthei, recebeu em novembro 25,03% dos votos no primeiro turno, e 37,83% no segundo.
Há dias, a mídia chilena ecoou a última polêmica do governo Pinẽra. Em 27 de fevereiro, entrou em vigor um decreto presidencial que autoriza os funcionários públicos a apagar as mensagens eletrônicas armazenadas em suas caixas de correio profissionais. Também modifica uma norma adotada durante o mandato de Ricardo Lagos, em 2004, para reger as comunicações eletrônicas entre órgãos estatais. O dispositivo revogado obrigava todos os funcionários públicos a conservar suas mensagens eletrônicas por um período “não inferior” a seis anos, “com a finalidade de assegurar a constância das comunicações”.
Choveram críticas, assim que o diário El Mostrador revelou a informação. O decreto deixa “um vazio legal que pode ser prejudicial para o futuro governo e para quando os cidadãos fizerem petições sobre algo tratado por correio eletrônico, já que o novo governo não terá informações disponíveis”, avaliou Álvaro Castñón, coordenador legislativo da OnG Cidadão Inteligente, que luta para aproximar os cidadãos da política e evitar conflitos de interesses. De sua parte, Piñera argumenta que a medida visa proteger a privacidade dos funcionários.
O ex-presidente deixou o posto com 50% de aprovação, segundo a última pesquisa. Seu último “presente” aos chilenos foi um anúncio, feito em conjunto com o vice-presidente dos EUA, Joseph Biden (que foi ao Chile para a posse de Bachelet): a partir de abril, os chilenos já não necessitarão de vistos para viajar aos EUA. Outra das mudanças que se espera de Bachelet é que o Chile olhe mais para a América do Sul do que o fez, durante o mandato encerrado esta semana.
* Publicado no La Diaria de Montevideo. Tradução de Antonio Martins
As eleições de novembro passado deram à Nova Maioria, a coalizão que apoia a presidente Michelle Bachelet, uma maioria legislativa apertada, mas histórica. A transição que se processa desde então foi marcada pelos preparativos do governo eleito para enfrentar vários desafios e pelo esforço do presidente em final de mandato, Sebastián Piñera, para fazer uma balanço positivo de sua gestão.
Bachelet, que já governou o Chile entre 2006 e 2010, obteve, em novembro, duas oportunidades: a de exercer um segundo mandato e a de impulsionar reformas que a esquerda considera pendentes desde a volta à democracia. A maioria parlamentar que formou e o apoio de mais de 3,4 milhões de chilenos (62,17% dos votantes) ampliam a possibilidade de cumprir suas promessas – mas, também, as expectativas a respeito. A própria Bachelet disse ao diário norte-americano Washington Post que seu governo terá de cumprir o programa que o elegeu, pois “do contrário, os protestos irão parar tudo”.
Nas últimas semanas, renunciaram quatro ministros designados para integrar o gabinete presidencial. Caíram os da Educação (por ter afirmado, no passado, que o ensino público era impossível); de Bens Nacionais (porque tocou as nádegas de uma mulher no metrô, em 2011); da Agricultura (porque tinha, pendente, um processo judicial de âmbito privado); e das Forças Armadas (questionada por ser filha de um militar acusado de torturar, durante a ditadura). Camila Vallejo, deputada comunista eleita e ex-líder estudantil afirmou, à véspera da posse de Bachelet, que tais renúncias devem-se ao fato de a cidadania estar “muito mais atenta” e “preocupada em verificar se os currículos [dos políticos] são coerentes com o exercício do posto”. Interpretou esta novidade como um sinal positivo.
Na terça-feira, Bachelet recebeu a faixa presidencial das mãos da senadora Isabel Allende, filha do ex-presidente Salvador Allende, derrubado em 1973. Horas antes da investidura, a filha de Allende assumiu como presidente do Senado. Sebastián Pinẽra entregou-lhe a faixa presidencial, para que a passasse à nova presidente.
Este gesto simbólico acrescenta algo mais à tarefa que espera Bachelet. Um sinal dos desafios são as principais reformas anunciadas. A reforma tributária poderá ser uma das obras principais a que o governo se dedicará. Há um rascunho de projeto já bem avançado, segundo o ministro da Fazenda que assume, Alberto Arenas. O objetivo anunciado é reduzir as desigualdades, com o aumento de um imposto que incidirá sobre os lucros das empresas (de 20% a 25%) e uma redução dos subsídios tributários desfrutados por estas.
Esta reforma aparece em último lugar, entre as 50 medidas anunciadas por Bachelet para seus primeiros cem dias. Deverá gerar os recursos para que o Estado possa atender outros grandes desafios, colocados mais adiante. Entre estes, trabalhar para oferecer educação gratuita e de qualidade, num país em que as escolas privadas predominam amplamente; modificar o sistema eleitoral, para que a minoria deixe de ter poder de veto no Parlamento, como ocorre desde a volta à democracia; por último, reformar a Constituição de 1980, herdada da ditadura de Augusto Pinochet. Conforma notou a nova presidente ao Washington Post, não basta, à coalizão vencedora, maioria simples para alterar a Carta. Mas ela acrescentou: “Há, no Parlamento, pessoas que não são parte de minha coalizão, mas que, creio, compartilham meu ponto de vista sobre as prioridades para o país. Trabalharemos com elas para, se estiverem de acordo, conseguirmos os votos necessários”.
Como em todas as transições, não faltaram, nestes últimos dias, alfinetadas entre o governo que deixa o posto e o que entra. Aliados de Bachelet destacaram que Piñera assumiu o governo com a economia em crescimento e o entrega à nova presidente em condições menos favoráveis. “Recebemos indicadores econômicos superestimados. Faremos as respectivas revisões e informaremos o Congresso”, afirmou Arenas dias antes de tomar posse. O ministro da Economia também adiantou que, logo após assumir, irá reunir-se “uma vez por semana, com parlamentares, no ministério”, para avançar no projeto de reforma fiscal.
“Deixamos o governo com a alegria do dever cumprido”, disse Piñera em sua última fala em rede nacional de TV, como presidente. “Sem prejuízo dos erros cometidos, que já reconhecemos, hoje o Chile cresce, cria empregos, melhora os salários, reduz a pobreza e as desigualdades com força e vontade”, assegurou. De acordo com a agência de notícias Efe, a economia cresceu 5,3% em média, no mandato de Pinẽra e o desemprego manteve-se entre 5% e 6%. “Hoje, o Chile é um país melhor para nascer, crescer, estudar, trabalhar, formar família e também para envelhecer. É um país melhor para viver que há quatro anos”, afirmou.
No entanto, a coalizão que apoiou o governante viu-se dividida por desacordos internos e sua popularidade despencou, nas eleições. A candidata à presidência apoiada por Piñera, Evelyn Matthei, recebeu em novembro 25,03% dos votos no primeiro turno, e 37,83% no segundo.
Há dias, a mídia chilena ecoou a última polêmica do governo Pinẽra. Em 27 de fevereiro, entrou em vigor um decreto presidencial que autoriza os funcionários públicos a apagar as mensagens eletrônicas armazenadas em suas caixas de correio profissionais. Também modifica uma norma adotada durante o mandato de Ricardo Lagos, em 2004, para reger as comunicações eletrônicas entre órgãos estatais. O dispositivo revogado obrigava todos os funcionários públicos a conservar suas mensagens eletrônicas por um período “não inferior” a seis anos, “com a finalidade de assegurar a constância das comunicações”.
Choveram críticas, assim que o diário El Mostrador revelou a informação. O decreto deixa “um vazio legal que pode ser prejudicial para o futuro governo e para quando os cidadãos fizerem petições sobre algo tratado por correio eletrônico, já que o novo governo não terá informações disponíveis”, avaliou Álvaro Castñón, coordenador legislativo da OnG Cidadão Inteligente, que luta para aproximar os cidadãos da política e evitar conflitos de interesses. De sua parte, Piñera argumenta que a medida visa proteger a privacidade dos funcionários.
O ex-presidente deixou o posto com 50% de aprovação, segundo a última pesquisa. Seu último “presente” aos chilenos foi um anúncio, feito em conjunto com o vice-presidente dos EUA, Joseph Biden (que foi ao Chile para a posse de Bachelet): a partir de abril, os chilenos já não necessitarão de vistos para viajar aos EUA. Outra das mudanças que se espera de Bachelet é que o Chile olhe mais para a América do Sul do que o fez, durante o mandato encerrado esta semana.
* Publicado no La Diaria de Montevideo. Tradução de Antonio Martins
0 comentários:
Postar um comentário