sábado, 21 de fevereiro de 2015

Quando juízes viram censores

Por Audálio Dantas 

A Constituição Federal de 1988, uma conquista do povo brasileiro, garante plena liberdade de expressão no país. No entanto, a censura que garantiu a permanência da ditadura civil-militar por mais de vinte anos, durante os quais foram praticadas as mais graves violações dos Direito Humanos, ainda não foi totalmente eliminada.

Por absurdo que pareça, ela vem sendo praticada por integrantes do poder judiciário, justamente aquele que deveria zelar pelo rigoroso cumprimente da Constituição. São inúmeros os casos em que, a pretexto de punir injúria ou calúnia, juízes condenam jornalistas, e muitas vezes chegam a proibir a circulação de pequenos veículos de comunicação, sites e blogs na internet. Jornalistas de grandes conglomerados de comunicação também são atingidos.

Num processo que deverá ser julgado proximamente em Taubaté, SP, a juíza Sueli Zeraik, ex- titular da 141ª Zona Eleitoral, ali sedeada, alega ser vítima de injúria por parte dos jornalistas Antônio Barbosa Filho e Irani Gomes Lima. A história desse processo envolve ingredientes mais ou menos comuns em casos que resultaram em condenação de jornalistas: o prefeito de Taubaté, José Bernardo Ortiz Júnior, eleito pelo PSDB em 2012, depois de uma campanha de alto custo, chegou a ser afastado do poder por uso de recursos obtidos ilicitamente.

Tais recursos provinham, segundo o processo conduzido pela mesma juíza que agora acusa os dois jornalistas, de um cartel formado na Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), do governo de São Paulo, para fornecimento de mochilas escolares a preços superfaturados. Coincidentemente, o presidente da FDE era então José Bernardo Ortiz, ex-prefeito de Taubaté e pai do prefeito eleito. Desse modo, a eleição terminaria sendo um negócio de pai para filho.

Na ocasião o caso alcançou grande repercussão na imprensa e o pai do prefeito terminou afastado da presidência da FDE, e posteriormente demitido pelo governador Geraldo Alckmin. Mais do que isso, pai e filho tiveram os bens bloqueados por decisão da 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, num valor nada modesto: R$ 39 milhões.

O caso vinha sendo noticiado desde a campanha eleitoral por Antonio Barbosa Filho e Irani Gomes de Lima, ganhando repercussão com a decisão da Juíza Sueli Zeraik de Oliveira Armani de cassar o mandato de Ortiz Júnior, por abuso de poder econômico e político. A sentença foi depois confirmada pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TER-SP), por 4 votos a 2.

Por essa decisão, o presidente da Câmara deveria assumir o cargo, uma vez que o vice-prefeito se beneficiara igualmente da campanha ilegal. Mas o prefeito e seu vice não chegaram a ser afastados. Aí o tempo começou a “trabalhar” a favor de Ortiz Júnior, que continuou no poder enquanto tranquilamente recorria ao TSE.

Vigilantes, os dois jornalistas nunca deixaram o caso de lado. Insistiram, apontando a morosidade no cumprimento da decisão de afastamento do prefeito. Fizeram críticas sobre os fatos e o andamento da questão na Justiça. A juíza Sueli Zeraik Armani considera-se vítima de injúria e por isso processou Antonio Barbosa Filho e Irani Gomes de Lima.

A ameaça de condenação que paira sobre os dois profissionais de imprensa gerou um movimento de protesto que ganha mais força a cada dia, envolvendo jornalistas e entidades diversas, entre as quais o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.

É de se esperar que esse não seja mais um caso em que membros da Justiça se colocam na função de censores.

* Audálio Dantas foi presidente do Sindicato dos Jornalistas no Estado de S. Paulo e da Federação Nacional dos Jornalistas. recebeu o prêmio Kenneth Kaunda de Direitos Humanos da ONU, e o troféu Juca Pato de "Intelectual do Ano-2013, da UBE.

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