domingo, 5 de julho de 2015

O STF e os direitos fundamentais

Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

Além de Barack Obama e Marieta Severo, há outras pessoas que enxergam um possibilidade de um futuro melhor para o Brasil e os brasileiros nos próximos meses.

Estou falando de advogados que participam da defesa de empresários e executivos aprisionados pela Lava Jato em Curitiba. A opinião não chega a ser unânime mas uma parcela considerável está convencida de que é possível esperar boas notícias em julho, quando a Justiça entra em recesso.
Nestes períodos os trâmites para apresentar um pedido de habear corpus ao Supremo Tribunal Federal andam mais depressa, justamente porque a maioria dos magistrados está de férias e a Justiça funciona em regime de plantão.
A ideia é que, após atravessar as escalas intermediárias em decisões mais rápidas, os pedidos aterrisem no Supremo sem maior demora.
A tese de que o plantão do STF irá examinar e acolher positivamente um pedido de habeas corpus a favor dos acusados da Lava Jato se baseia num ponto importante para os tribunais do mundo inteiro - as decisões anteriores, que formam a jurisprudência.

O ponto importante reside no 28 de abril. Foi nessa data que o relator Teori Zavaski não só definiui o regime de longas prisões preventivas em vigor em Curitiba como “medievalesco”, mas tambémm declarou que a base do sistema criado por Sérgio Moro está inteiramente errada. Teori escreveu essencialmente o seguinte: “Decretar ou não decretar a prisão preventiva não deve antecipar juízo de culpa ou de inocência, nem, portanto, pode ser visto como antecipação da reprimenda nem como gesto de impunidade”, declarou Zavascki.
A questão é perguntar se as prisões preventivas obedecem - ou não - aquilo que diz a legislação. Ou se têm sido efetuadas por uma visão que, como disse a sentença de 28 de abril, é mais coerente com as masmorras onde os cidadãos sem defesa e sem direitos eram jogados naquele longo período de treva jurídica que antecede o reconhecimento dos direitos humanos pelas sociedades ocidentais.

Claro que nem todos advogados partilham essa visão, o que é natural, num país onde vigora o ditado que diz que “de barriga de mulher, bumbum de nenê e sentença de juiz, nunca se sabe o que sairá.” Conversei com um dos mais ativos defensores na Lava Jato. Ele me disse que considera essa possibilidade um puro sonho de uma noite…de inverno.

Eu acho que o STF fará bem a si próprio e ao país se encarar os pedidos de HC, mandando soltar os presos.

A base para isso é puramente técnica. Para começar, a lei 12 403/2011 definiu, com clareza ainda maior do que antes, que as prisões preventivas só devem ser empregada em casos bastante excepcionais. Ou seja: delas não devem ser usadas para manter na prisão quem não foi julgado. É certo que isso acontece e não só em Curitiba. Mas está errado.

Olhada sob esse ponto de vista, a prisão dos acusados da Lava Jato torna-se ainda mais insustentável, quando se recorda que as três razões para uma prisão preventiva são: a) ameaça a ordem pública; b) risco para a investigação; c) risco de fuga. Dificilmente imaginar que possam ser enquadrados em qualquer uma dessas condições.
A experiência real da Lava Jato já demonstrou que a manutenção das prisões preventivas destina-se a pressionar os acusados a fazer delações premiadas.
Isso já foi admitido pelos procuradores, como recordou outro dia um advogado envolvido no caso, que lembrou na TV que um deles chegou a falar — possivelmente sem dar-se conta do que dizia — que passarinho canta mais bonito quando está preso na gaiola. Feio, né.

Estamos, no caso, diante de um erro duplo. Não só é difícil sustentar que a condições da preventiva foram atendidas. É ainda mais complicado dizer que a cláusula de excepcionalidade o foi.
Para os interessados, o risco de comprometer a legalidade das próprias delações premiadas.
Não custa recordar que, para serem válidas, devem ser inteiramente voluntárias, sem que o acusado esteja submetido a qualquer pressão capaz de “minar sua vontade de resistir”, como ensinou uma resolução histórica da Suprema Corte dos Estados Unidos.

Num país que se encontra num momento delicado como o atual, o STF não precisa fazer mais do que a Constituição determina. Não precisa ser mais do que é. Também não pode ser menos.

Basta cumprir sua missão constitucional, que é atuar como garantidor dos direitos e liberdades fundamentais.

Essa é a questão do momento. As preventivas de Curitiba representam uma afronta óbvia as liberdades e direitos dos cidadãos. Por isso geram pessimismo, incerteza, desconfiança.,

Não se trata de perguntar apenas se os presos tem água quente na cela, nem se o horário de visita é suficiente ou se a comida poderia ser melhor. Até por uma questão humanitária, são questões essenciais para quem está atrás das grades.
Mas o ponto fundamental é a falta de liberdade, o desrespeito ao que é certo, ao que está na lei. Como há dois meses vem dizendo o ministro Marco Aurelio Mello:
“A prisão preventiva deve existir como exceção, não como regra. E ela tornou-se – estou falando de forma geral, no universo jurídico – regra.”

Isso está por trás do ambiente de insegurança e incerteza que se observa em vários círculos, o que estimula projetos inaceitáveis de promover um golpe de Estado.
A convicção de que temos uma constituição fragilizada, cujos defensores não conseguem reagir para garantir que suas regras sejam cumpridas também está por trás das pedaladas legislativas de Eduardo Cunha, que por duas vezes afrontaram o artigo 60 da carta de 1988 - sem que nada tivesse acontecido.

Os pedidos de habeas corpus representam uma oportunidade para o STF reagir. Não há duvida de que deve aproveitá-la.
Além de tudo, será uma boa forma de homenagear a coragem da grande Marieta Severo que, enfrentando um ambiente hostil, onde até um confortável emprego na Globo pode ter sido colocado em risco, não teve receio de cumprir o dever de cidadã brasileira, encarar a câmara e dizer, serenamente, ao país inteiro:

“Estamos numa crise, mas vamos sair dela”.

Palmas para Marieta Severo. Sempre.

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