Por Osvaldo Bertolino, no site da Fundação Maurício Grabois:
Por qualquer ângulo que se olhe para os atentados em Paris, França, que deixaram quase cento e trinta mortos e três centenas de feridos, oitenta em estado grave, é impossível não ver um crime repugnante.
Mas é preciso olhar também para o passado recente da política norte-americana para o Oriente Médio, quando o governo do presidente George W. Bush atuou como um “serial killer”, atacando e ameaçando todos os países que não se alinhavam com o seu regime. Bush, certamente, não era um mero sujeito que bebia sim e ia… hic… vivendo, enquanto muita gente estava morrendo.
Ele era isso tudo e agia como um típico líder do Partido Republicano, que não dava a menor importância às pessoas individualmente. Essa facção dominante do Estado norte-americano inclui entre seus líderes os altos chefes militares e deixou como legado a política externa agressiva que o governo do democrata Barak Obama tem mantido. Os senhores da guerra hoje são, pela natureza daquele regime, uma importante fonte de poder.
A ordem militar, até a década de 1950 uma instituição débil, transformou-se no escalão mais importante e mais caro dos Estados Unidos. No governo Bush, os sorridentes homens de relações públicas praticamente saíram de cena e apareceu a face da sinistra burocracia instalada na máquina de guerra.
Todos os fenômenos políticos e econômicos passaram a ser julgados à luz das interpretações militares da realidade. O “realismo militar” dos chefes militares instalados no poderoso Estado-Maior Conjunto transformou-se no guia mais inspirado do grupo dirigente do país.
Capital em grande escala
Desde os anos da Segunda Guerra Mundial, essa força ampliou seu campo de ação em assuntos relativos à política exterior e doméstica do país e atualmente pode-se dizer que a ordem militar do Estado-Maior Conjunto está solidamente instalada no Estado. Existem dois governos nos Estados Unidos: o que informa o mundo pelos jornais e as televisões, e as crianças nos livros escolares, e o que conduz a espionagem e a rede de informações, um aparato maciço que emprega centenas de milhares de pessoas secretamente e conduz a política externa do país.
Esse governo invisível emergiu das imposições dos Estados Unidos no pós-Segunda Guerra Mundial. Os demais países centrais, exaustos pela guerra, foram obrigados a aceitar essa ordem em troca de ajuda para a sua reconstrução. Assim, os Estados Unidos deixaram de ser apenas mais um agregado no conjunto de países que lutavam por pedaços do mundo e passaram a ocupar o pico de uma pirâmide solidamente dirigida por eles. As regras desse jogo foram definidas num momento privilegiado para o grande país americano.
Nenhum representante do chamado Terceiro Mundo participou desses tratados. A Europa, destruída por duas grandes guerras num curto espaço de tempo, não estava em condições de se opor à grande capacidade de produção norte-americana proporcionada pela Segunda Revolução Industrial – que dotou o país de uma poderosa e inovadora indústria. Na Ásia, o Japão, destroçado pela guerra, foi ocupado pelos Estados Unidos, que ditaram o rumo da sua reconstrução.
Esse processo do pós-Segunda Guerra Mundial que desencadeou a dominação norte-americana no chamado mundo ocidental, portanto, levou o capitalismo a uma transformação profunda. No final dos anos 1940, somente os Estados Unidos estavam em condições de exportar capital em grande escala. E o país usou essa condição privilegiada para manter sob o seu controle as rédeas num mundo que buscava alternativas ao seu modelo político e econômico.
Pratos da balança da Guerra Fria
Na Europa, o projeto social-democrata procurou adaptar a economia planejada à tradição comercial liberal do velho continente. No Japão, o Estado se reforçava para desempenhar um papel de destaque no planejamento econômico. E cerca de um terço da população mundial rompeu com esses paradigmas e se juntou à União Soviética para reforçar o sistema de economia totalmente planificada.
Desde então, os Estados Unidos intervieram em vários países e promoveram uma feroz cruzada anticomunista. A derrota da experiência socialista, depois de ela surgir triunfante e ter parecido realmente capaz de superar o capitalismo - especialmente nos dois pós-guerras -, fez com que o domínio norte-americano da pirâmide mundial passasse a ser ainda mais ditatorial.
Com a derrocada de um dos pratos da balança da Guerra Fria, a oposição aos ditames de Washington praticamente desapareceu. Hoje, os países que se contrapõem a essa ofensiva ainda são frágeis internacionalmente. E a consciência anti-imperialista das massas é algo que, embora veloz e ampla, ainda está se formando. Ela parece mais viçosa nos países do Oriente Médio. Uma das explicações para esse fenômeno talvez seja o histórico de lutas dos povos árabes contra as invasões ocidentais do século XX.
Prioridade da política exterior de Washington
O Oriente Médio sempre despertou o interesse dos impérios por ser uma rica fonte de matéria-prima e estar no entroncamento de três continentes. Já no pós-Primeira Guerra Mundial, os trustes norte-americanos se empenharam em conseguir ali concessões petroleiras, apesar da resoluta oposição da Inglaterra e da França – países que controlavam a região.
Em 1940, as petroleiras inglesas controlavam 72% de todas as reservas de petróleo exploradas, enquanto as empresas norte-americanas controlavam 9,8%. No pós-Segunda Guerra Mundial, a região passou a ser um dos principais pontos de prioridade da política exterior de Washington. Por estar nas proximidades da Rússia e da China, o Oriente Médio também sempre mereceu atenção dos Estados Unidos quanto à influência de ideias que poderiam se traduzir em ações concretas de anti-imperialismo.
Logo após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos iniciaram uma série de “tratados” e “pactos” envolvendo Inglaterra, França e alguns países da região – com o intuito de jogá-los uns contra os outros. No centro da estratégia imperialista estava o Estado de Israel, que desde a sua criação agiu como força de choque da política imperialista no Oriente Médio.
Reserva de ódio, medo e desesperança
Segundo dados do Instituto Internacional de Estocolmo de Estudos para a Paz, nos cinco anos transcorridos depois da guerra de outubro de 1973 entre Israel e seus vizinhos árabes os países pró-Estados Unidos do Oriente Médio receberam 70% de todas as armas norte-americanas exportadas para os países do chamado Terceiro Mundo. Em 1979, o Irã fez a revolução que derrocou o regime dos Estados Unidos no país e desencadeou mais uma onda de ações anti-imperialistas na região.
No mesmo ano, o conflito no Afeganistão, ocupado por forças militares soviéticas, marcou mais uma etapa da presença dos Estados Unidos no Oriente Médio – que armaram grupos fundamentalistas para combater os invasores. Mais tarde, esses grupos angariaram para si o resultado de toda uma reserva de ódio, medo e desesperança e levaram a efeito o ataque terrorista do dia 11 de setembro de 2001.
E rezaram por uma reação violenta por parte dos Estados Unidos, que terminará mobilizando outros em torno de sua causa. E assim o mundo entrou num círculo vicioso - um efeito gerando outro e mergulhando os povos na hedionda “guerra infinita” de Bush. Os terroristas fundamentalistas compartilham de um ódio que é sentido em todo o Oriente Médio pela presença norte-americana em países da região, pelo apoio dos Estados Unidos às atrocidades cometidas por Israel contra o povo palestino e pela devastação da sociedade civil no Iraque e no Afeganistão.
Encrenqueiro vizinho do norte
A carnificina de Bush e seus aliados no Iraque, portanto, chocou porque, primeiro, ela foi cruenta e, depois, porque criou assustadoras perspectivas. Foi, a rigor, uma guerra contra os povos - uma vez que não há, no curto prazo, nenhum outro motivo para tamanha insanidade. As velhas senhoras do continente europeu - em particular a Inglaterra - parecem não estar dispostas a perder o sono em decorrência desse conflito.
A oposição à guerra por parte da França, Alemanha e Rússia foi importante, mas não há indícios de que esses países estão a fim de usar seu poderio - inclusive bélico, uma das garantias de suas posições no cenário global -, em favor de uma ordem mundial mais equilibrada e de paz, apesar da salutar presença russa na Síria. Outra coisa não faz a política de grupos como a Otan e a OMC. A pirâmide de poder dessas potências funciona pela regra da força bruta, pela qual chora menos quem pode mais.
Nosso incômodo e encrenqueiro vizinho do norte também sempre ameaçou a América latina. A própria constituição dos Estados Unidos como nação encerra uma contradição entre o que foi proclamado dia 4 de julho de 1776, quando o povo norte-americano aprovou a Declaração de Independência, e a política exterior da jovem pátria. As premissas do expansionismo continental norte-americano foram criadas com as guerras contra a população indígena e as reivindicações dos latifundiários do sul do país de ampliar o território avançando pelas fronteiras de seus vizinhos.
Doutrina do direito natural
William Foster, estudioso da história política do continente americano, diz que o próprio nome do país — Estados Unidos da América — expressa suas pretensões panamericanas. Já no começo do século XIX, a contradição entre os princípios humanitários e democráticos proclamados pela Declaração de Independência e a política exterior do jovem Estado levou à renúncia das suas tradições libertárias. A doutrina do direito natural de todos os povos decidirem seu próprio destino - um dos fundamentos da Declaração de Independência - passou a ser interpretada de modo a justificar como “natural” o expansionismo norte-americano. Para os dirigentes dos Estados Unidos, essa doutrina dava ao país o direito de encarar o continente como sua área de influência direta.
Com esse argumento, a princípio os presidentes Thomas Jefferson e John Adams “compraram” a Luisiana - que pertencia à França - e ocuparam a Flórida — que pertencia à Espanha. Depois, no dia 2 de dezembro de 1823, com a mensagem do presidente James Monroe ao Congresso foi proclamada a famosa “Doutrina Monroe” - que expressa sem ambiguidades as pretensões norte-americanas à hegemonia em todo o hemisfério ocidental.
Em Deus nós confiamos
Desde então, a propaganda imperialista invocou esses princípios para justificar as ações políticas e militares extraterritoriais dos Estados Unidos. Para os meios de comunicação fortemente vinculados ao poder econômico, os norte-americanos têm o dever natural e sagrado de levar as suas tradições liberais e “democráticas” aos povos “incultos” do resto do mundo.
Por mais simplista e racista que esse pensamento possa parecer, ele é abertamente proclamado no país desde a instauração do chamado “Destino Manifesto” - uma “teoria” que surgiu e se difundiu nos Estados Unidos na metade do século XIX, segundo a qual os norte-americanos nasceram para ser o melhor povo do mundo. É muito forte a influência da religião nessa “teoria”, um destino que teria sido profetizado pela “providência divina”.
O Estado norte-americano leva ao pé da letra a frase “In God we trust (Em Deus nós confiamos)” impressa em cada nota do dólar. Na Casa Branca de Bush, por exemplo, as reuniões ministeriais começavam com uma oração e frases bíblicas sempre apareciam em seus discursos. Em sua gestão, Bush propôs a canalização de recursos sociais para entidades religiosas, a autorização de preces e sermões em escolas públicas, o subsídio a faculdades geridas por grupos religiosos e o financiamento do trabalho de entidades religiosas em presídios.
Aparato de propaganda norte-americano
Essa grande ofensiva jamais feita, apesar da tradição religiosa do país, contraria a separação entre igreja e Estado, um dos princípios basilares consagrado na Primeira Emenda à Constituição. Mas os presidentes norte-americanos certamente não são reféns da fé e pode-se dizer que a rigor eles tomam o nome de Deus em vão. Por trás de sua política estão os interesses de uma parcela significativa da economia que lidera o mundo. Essa simbiose é histórica.
A ideologia do “Destino Manifesto” age como um poderoso elemento mobilizador da energia do país para a conquista de novos territórios. Ao longo da história, ela foi um verdadeiro elixir do expansionismo e do intervencionismo norte-americano. No século XX - particularmente na sua segunda metade - essa ideia, traduzida em anticomunismo sem escrúpulo, permeou a propaganda norte-americana. E isso explica a visão dominante no país de que o restante do planeta - sobretudo o chamado Terceiro Mundo - é cultura e economicamente subdesenvolvido.
Essa propaganda ganhou, evidentemente, novos contornos desde a queda do muro de Berlim. Mas sua essência permanece a mesma e se constitui, basicamente, em levar a “democracia” aos países que recusam a cartilha de Washington e em “ensinar” os “segredos” da boa gestão econômica. O aparato de propaganda norte-americano, por exemplo, contra todas as evidências diz que sua força militar e diplomática atua no mundo em missão modernizadora e libertária. Mesmo quando os fatos insistem em desmenti-lo, nas entrelinhas essa ideia é largamente difundida.
Propaganda sub-reptícia
As duas principais revistas brasileiras - a “Veja” e a “Época” -, por exemplo, publicaram, simultaneamente, uma entrevista e um artigo com “especialistas” norte-americanos proclamando as “boas intenções” dos Estados Unidos em sua cruzada imperialista. Na primeira, o “guru” do ex-vice-presidente norte-americano Dick Cheney, o professor emérito da Universidade Princeton Bernard Lewis, chegou a dizer que as chances de a “democracia” criar raízes no Oriente Médio “são boas”.
No segundo, o diretor de “Estudos Latino-Americano do Conselho de Relações Exteriores de Nova York”, Kenneth Maxwell, diz que o principal perigo da guerra é colocar em risco “a vida de jovens corajosos nas estradas poeirentas do Iraque e nas ruas de Bagdá”. Essa propaganda sub-reptícia permeia todo o noticiário da mídia. Os Estados Unidos aprimoraram o sentido de propaganda política nos últimos anos. Desde que as trevas sobre a terra dos computadores começaram a encontrar seu fim, o aparato de mídia do país ganhou um poderio jamais visto.
Mas por trás dessa tecnologia poderosa e inovadora se encontram imensas contradições. As facilidades que uma tela com ícones autoexplicativos plugados com o mundo oferece para um lado, também existem - evidentemente guardadas as continentais diferenças conferidas pelo poder econômico - para o outro. Cabe, a bem da luta progressista e democrática, uma grande campanha para difundir o poderio que esse admirável mundo novo das comunicações oferece.
Mas é preciso olhar também para o passado recente da política norte-americana para o Oriente Médio, quando o governo do presidente George W. Bush atuou como um “serial killer”, atacando e ameaçando todos os países que não se alinhavam com o seu regime. Bush, certamente, não era um mero sujeito que bebia sim e ia… hic… vivendo, enquanto muita gente estava morrendo.
Ele era isso tudo e agia como um típico líder do Partido Republicano, que não dava a menor importância às pessoas individualmente. Essa facção dominante do Estado norte-americano inclui entre seus líderes os altos chefes militares e deixou como legado a política externa agressiva que o governo do democrata Barak Obama tem mantido. Os senhores da guerra hoje são, pela natureza daquele regime, uma importante fonte de poder.
A ordem militar, até a década de 1950 uma instituição débil, transformou-se no escalão mais importante e mais caro dos Estados Unidos. No governo Bush, os sorridentes homens de relações públicas praticamente saíram de cena e apareceu a face da sinistra burocracia instalada na máquina de guerra.
Todos os fenômenos políticos e econômicos passaram a ser julgados à luz das interpretações militares da realidade. O “realismo militar” dos chefes militares instalados no poderoso Estado-Maior Conjunto transformou-se no guia mais inspirado do grupo dirigente do país.
Capital em grande escala
Desde os anos da Segunda Guerra Mundial, essa força ampliou seu campo de ação em assuntos relativos à política exterior e doméstica do país e atualmente pode-se dizer que a ordem militar do Estado-Maior Conjunto está solidamente instalada no Estado. Existem dois governos nos Estados Unidos: o que informa o mundo pelos jornais e as televisões, e as crianças nos livros escolares, e o que conduz a espionagem e a rede de informações, um aparato maciço que emprega centenas de milhares de pessoas secretamente e conduz a política externa do país.
Esse governo invisível emergiu das imposições dos Estados Unidos no pós-Segunda Guerra Mundial. Os demais países centrais, exaustos pela guerra, foram obrigados a aceitar essa ordem em troca de ajuda para a sua reconstrução. Assim, os Estados Unidos deixaram de ser apenas mais um agregado no conjunto de países que lutavam por pedaços do mundo e passaram a ocupar o pico de uma pirâmide solidamente dirigida por eles. As regras desse jogo foram definidas num momento privilegiado para o grande país americano.
Nenhum representante do chamado Terceiro Mundo participou desses tratados. A Europa, destruída por duas grandes guerras num curto espaço de tempo, não estava em condições de se opor à grande capacidade de produção norte-americana proporcionada pela Segunda Revolução Industrial – que dotou o país de uma poderosa e inovadora indústria. Na Ásia, o Japão, destroçado pela guerra, foi ocupado pelos Estados Unidos, que ditaram o rumo da sua reconstrução.
Esse processo do pós-Segunda Guerra Mundial que desencadeou a dominação norte-americana no chamado mundo ocidental, portanto, levou o capitalismo a uma transformação profunda. No final dos anos 1940, somente os Estados Unidos estavam em condições de exportar capital em grande escala. E o país usou essa condição privilegiada para manter sob o seu controle as rédeas num mundo que buscava alternativas ao seu modelo político e econômico.
Pratos da balança da Guerra Fria
Na Europa, o projeto social-democrata procurou adaptar a economia planejada à tradição comercial liberal do velho continente. No Japão, o Estado se reforçava para desempenhar um papel de destaque no planejamento econômico. E cerca de um terço da população mundial rompeu com esses paradigmas e se juntou à União Soviética para reforçar o sistema de economia totalmente planificada.
Desde então, os Estados Unidos intervieram em vários países e promoveram uma feroz cruzada anticomunista. A derrota da experiência socialista, depois de ela surgir triunfante e ter parecido realmente capaz de superar o capitalismo - especialmente nos dois pós-guerras -, fez com que o domínio norte-americano da pirâmide mundial passasse a ser ainda mais ditatorial.
Com a derrocada de um dos pratos da balança da Guerra Fria, a oposição aos ditames de Washington praticamente desapareceu. Hoje, os países que se contrapõem a essa ofensiva ainda são frágeis internacionalmente. E a consciência anti-imperialista das massas é algo que, embora veloz e ampla, ainda está se formando. Ela parece mais viçosa nos países do Oriente Médio. Uma das explicações para esse fenômeno talvez seja o histórico de lutas dos povos árabes contra as invasões ocidentais do século XX.
Prioridade da política exterior de Washington
O Oriente Médio sempre despertou o interesse dos impérios por ser uma rica fonte de matéria-prima e estar no entroncamento de três continentes. Já no pós-Primeira Guerra Mundial, os trustes norte-americanos se empenharam em conseguir ali concessões petroleiras, apesar da resoluta oposição da Inglaterra e da França – países que controlavam a região.
Em 1940, as petroleiras inglesas controlavam 72% de todas as reservas de petróleo exploradas, enquanto as empresas norte-americanas controlavam 9,8%. No pós-Segunda Guerra Mundial, a região passou a ser um dos principais pontos de prioridade da política exterior de Washington. Por estar nas proximidades da Rússia e da China, o Oriente Médio também sempre mereceu atenção dos Estados Unidos quanto à influência de ideias que poderiam se traduzir em ações concretas de anti-imperialismo.
Logo após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos iniciaram uma série de “tratados” e “pactos” envolvendo Inglaterra, França e alguns países da região – com o intuito de jogá-los uns contra os outros. No centro da estratégia imperialista estava o Estado de Israel, que desde a sua criação agiu como força de choque da política imperialista no Oriente Médio.
Reserva de ódio, medo e desesperança
Segundo dados do Instituto Internacional de Estocolmo de Estudos para a Paz, nos cinco anos transcorridos depois da guerra de outubro de 1973 entre Israel e seus vizinhos árabes os países pró-Estados Unidos do Oriente Médio receberam 70% de todas as armas norte-americanas exportadas para os países do chamado Terceiro Mundo. Em 1979, o Irã fez a revolução que derrocou o regime dos Estados Unidos no país e desencadeou mais uma onda de ações anti-imperialistas na região.
No mesmo ano, o conflito no Afeganistão, ocupado por forças militares soviéticas, marcou mais uma etapa da presença dos Estados Unidos no Oriente Médio – que armaram grupos fundamentalistas para combater os invasores. Mais tarde, esses grupos angariaram para si o resultado de toda uma reserva de ódio, medo e desesperança e levaram a efeito o ataque terrorista do dia 11 de setembro de 2001.
E rezaram por uma reação violenta por parte dos Estados Unidos, que terminará mobilizando outros em torno de sua causa. E assim o mundo entrou num círculo vicioso - um efeito gerando outro e mergulhando os povos na hedionda “guerra infinita” de Bush. Os terroristas fundamentalistas compartilham de um ódio que é sentido em todo o Oriente Médio pela presença norte-americana em países da região, pelo apoio dos Estados Unidos às atrocidades cometidas por Israel contra o povo palestino e pela devastação da sociedade civil no Iraque e no Afeganistão.
Encrenqueiro vizinho do norte
A carnificina de Bush e seus aliados no Iraque, portanto, chocou porque, primeiro, ela foi cruenta e, depois, porque criou assustadoras perspectivas. Foi, a rigor, uma guerra contra os povos - uma vez que não há, no curto prazo, nenhum outro motivo para tamanha insanidade. As velhas senhoras do continente europeu - em particular a Inglaterra - parecem não estar dispostas a perder o sono em decorrência desse conflito.
A oposição à guerra por parte da França, Alemanha e Rússia foi importante, mas não há indícios de que esses países estão a fim de usar seu poderio - inclusive bélico, uma das garantias de suas posições no cenário global -, em favor de uma ordem mundial mais equilibrada e de paz, apesar da salutar presença russa na Síria. Outra coisa não faz a política de grupos como a Otan e a OMC. A pirâmide de poder dessas potências funciona pela regra da força bruta, pela qual chora menos quem pode mais.
Nosso incômodo e encrenqueiro vizinho do norte também sempre ameaçou a América latina. A própria constituição dos Estados Unidos como nação encerra uma contradição entre o que foi proclamado dia 4 de julho de 1776, quando o povo norte-americano aprovou a Declaração de Independência, e a política exterior da jovem pátria. As premissas do expansionismo continental norte-americano foram criadas com as guerras contra a população indígena e as reivindicações dos latifundiários do sul do país de ampliar o território avançando pelas fronteiras de seus vizinhos.
Doutrina do direito natural
William Foster, estudioso da história política do continente americano, diz que o próprio nome do país — Estados Unidos da América — expressa suas pretensões panamericanas. Já no começo do século XIX, a contradição entre os princípios humanitários e democráticos proclamados pela Declaração de Independência e a política exterior do jovem Estado levou à renúncia das suas tradições libertárias. A doutrina do direito natural de todos os povos decidirem seu próprio destino - um dos fundamentos da Declaração de Independência - passou a ser interpretada de modo a justificar como “natural” o expansionismo norte-americano. Para os dirigentes dos Estados Unidos, essa doutrina dava ao país o direito de encarar o continente como sua área de influência direta.
Com esse argumento, a princípio os presidentes Thomas Jefferson e John Adams “compraram” a Luisiana - que pertencia à França - e ocuparam a Flórida — que pertencia à Espanha. Depois, no dia 2 de dezembro de 1823, com a mensagem do presidente James Monroe ao Congresso foi proclamada a famosa “Doutrina Monroe” - que expressa sem ambiguidades as pretensões norte-americanas à hegemonia em todo o hemisfério ocidental.
Em Deus nós confiamos
Desde então, a propaganda imperialista invocou esses princípios para justificar as ações políticas e militares extraterritoriais dos Estados Unidos. Para os meios de comunicação fortemente vinculados ao poder econômico, os norte-americanos têm o dever natural e sagrado de levar as suas tradições liberais e “democráticas” aos povos “incultos” do resto do mundo.
Por mais simplista e racista que esse pensamento possa parecer, ele é abertamente proclamado no país desde a instauração do chamado “Destino Manifesto” - uma “teoria” que surgiu e se difundiu nos Estados Unidos na metade do século XIX, segundo a qual os norte-americanos nasceram para ser o melhor povo do mundo. É muito forte a influência da religião nessa “teoria”, um destino que teria sido profetizado pela “providência divina”.
O Estado norte-americano leva ao pé da letra a frase “In God we trust (Em Deus nós confiamos)” impressa em cada nota do dólar. Na Casa Branca de Bush, por exemplo, as reuniões ministeriais começavam com uma oração e frases bíblicas sempre apareciam em seus discursos. Em sua gestão, Bush propôs a canalização de recursos sociais para entidades religiosas, a autorização de preces e sermões em escolas públicas, o subsídio a faculdades geridas por grupos religiosos e o financiamento do trabalho de entidades religiosas em presídios.
Aparato de propaganda norte-americano
Essa grande ofensiva jamais feita, apesar da tradição religiosa do país, contraria a separação entre igreja e Estado, um dos princípios basilares consagrado na Primeira Emenda à Constituição. Mas os presidentes norte-americanos certamente não são reféns da fé e pode-se dizer que a rigor eles tomam o nome de Deus em vão. Por trás de sua política estão os interesses de uma parcela significativa da economia que lidera o mundo. Essa simbiose é histórica.
A ideologia do “Destino Manifesto” age como um poderoso elemento mobilizador da energia do país para a conquista de novos territórios. Ao longo da história, ela foi um verdadeiro elixir do expansionismo e do intervencionismo norte-americano. No século XX - particularmente na sua segunda metade - essa ideia, traduzida em anticomunismo sem escrúpulo, permeou a propaganda norte-americana. E isso explica a visão dominante no país de que o restante do planeta - sobretudo o chamado Terceiro Mundo - é cultura e economicamente subdesenvolvido.
Essa propaganda ganhou, evidentemente, novos contornos desde a queda do muro de Berlim. Mas sua essência permanece a mesma e se constitui, basicamente, em levar a “democracia” aos países que recusam a cartilha de Washington e em “ensinar” os “segredos” da boa gestão econômica. O aparato de propaganda norte-americano, por exemplo, contra todas as evidências diz que sua força militar e diplomática atua no mundo em missão modernizadora e libertária. Mesmo quando os fatos insistem em desmenti-lo, nas entrelinhas essa ideia é largamente difundida.
Propaganda sub-reptícia
As duas principais revistas brasileiras - a “Veja” e a “Época” -, por exemplo, publicaram, simultaneamente, uma entrevista e um artigo com “especialistas” norte-americanos proclamando as “boas intenções” dos Estados Unidos em sua cruzada imperialista. Na primeira, o “guru” do ex-vice-presidente norte-americano Dick Cheney, o professor emérito da Universidade Princeton Bernard Lewis, chegou a dizer que as chances de a “democracia” criar raízes no Oriente Médio “são boas”.
No segundo, o diretor de “Estudos Latino-Americano do Conselho de Relações Exteriores de Nova York”, Kenneth Maxwell, diz que o principal perigo da guerra é colocar em risco “a vida de jovens corajosos nas estradas poeirentas do Iraque e nas ruas de Bagdá”. Essa propaganda sub-reptícia permeia todo o noticiário da mídia. Os Estados Unidos aprimoraram o sentido de propaganda política nos últimos anos. Desde que as trevas sobre a terra dos computadores começaram a encontrar seu fim, o aparato de mídia do país ganhou um poderio jamais visto.
Mas por trás dessa tecnologia poderosa e inovadora se encontram imensas contradições. As facilidades que uma tela com ícones autoexplicativos plugados com o mundo oferece para um lado, também existem - evidentemente guardadas as continentais diferenças conferidas pelo poder econômico - para o outro. Cabe, a bem da luta progressista e democrática, uma grande campanha para difundir o poderio que esse admirável mundo novo das comunicações oferece.
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