Houve um momento, no ano passado, em que a derrubada da presidente Dilma Rousseff parecia iminente e inevitável. Assanhada, essa ultradireita asquerosa que emergiu no cenário político há cerca de dois anos já dava o golpe “constitucional” como favas contadas. Não deu bola aos avisos dos democratas de que os fascistas não passariam.
Apesar de todo o prejuízo que a ofensiva golpista causou à economia, há, sim, um lado positivo no processo oportunista que a oposição radical de direita desencadeou assim que se confirmou que o Brasil sofreu mais do que se imaginava os efeitos da crise internacional.
Mas o que pode advir de bom da ameaça à democracia que o país experimentou em 2015? É muito simples: basta ver os índices de aprovação que a derrubada de Dilma chegou a ter, segundo as pesquisas. Cerca de 2/3 do eleitorado flertaram com o golpe simplesmente porque embarcaram na mentira que a sabotagem da economia pela oposição e pela mídia tornaram verossímil, a de que a presidente teria praticado “estelionato eleitoral”.
Quem tem conhecimentos mínimos de economia e prestou atenção na campanha eleitoral sabe muito bem que a então candidata Dilma Rousseff reconheceu, em 2014, que o país tinha problemas econômicos e que um ajuste se faria necessário na economia. Porém, ela disse que não faria um ajuste do nível que o PSDB faria se chegasse ao poder.
Claro que como a grande maioria da população pouco acompanha os debates eleitorais, muitos não sabem até hoje que Dilma avisou que a economia se ressentira da crise econômica e que algumas medidas teriam que ser tomadas.
Porém, uma série de fatores conspiraram para fermentar a crise econômica. Todos fatores políticos. A transformação da Operação Lava Jato em espetáculo, com prisões espetaculosas dos donos das maiores empreiteiras, paralisou o setor da construção pesada, o setor que mais fatura no país, o que teve efeitos óbvios sobre o PIB.
Não chega a surpreender que parcela tão expressiva dos brasileiros não valorize a democracia e, assim, tenha condescendido com uma tentativa de golpe encabeçada pelo gangster Eduardo Cunha, pelo PSDB em peso, por boa parte do PMDB (inclusive com cumplicidade do presidente do partido, o vice-presidente da República, Michel Temer) e, óbvio, pela mídia antipetista.
O Brasil contemporâneo é um país que perdeu a memória até sobre o passado recente – o nível trágico de vida que os brasileiros tinham até o início dos anos 2000, com desemprego e inflação muito maiores, desigualdade nas alturas, pobreza, fome. Assim, se não lembramos nem do que ocorria há uma década e pouco, tampouco nos lembraríamos do apagão democrático que o país viveu entre 1964 e 1985.
A maioria que chegou a flertar com o impeachment sem causa certamente não entende que o direito que tem hoje de reclamar do governo – frequentemente, de forma abusiva e imoral – deriva da mesma democracia que um golpe “constitucional” macularia.
Além disso, o impeachment-relâmpago de Collor, no início dos anos 1990, fez crer a muitos que nada aconteceria se, quase um quarto de século depois, o país repetisse a dose. A maioria absoluta certamente não guarda memória de como e por que Collor foi derrubado. E de que seu processo foi célere simplesmente porque ele renunciou.
Teria sido um desastre para o país se em 29 de dezembro de 1992 Fernando Collor de Mello não tivesse renunciado. Os problemas econômicos dramáticos de então se agravariam sobremaneira.
Seja como for, porém, havia elementos, à época, para derrubar Collor. Dinheiro do esquema PC Farias foi encontrando circulando pelas mãos do ex-presidente. O crime de responsabilidade era claro. Erros processuais que impediram a condenação de Collor pelo STF não mudam o fato de que ele estava envolvido até o pescoço no esquema de corrupção que o derrubou.
A tentativa de golpe contra Dilma Rousseff é muito diferente. Até hoje não surgiu uma mísera evidência de que ela tenha tido qualquer tipo de aproximação com o esquema de corrupção na Petrobrás que, após décadas de existência, foi desbaratado justamente pela total liberdade que Lula e depois Dilma concederam aos órgãos de controle para investigarem qualquer coisa, inclusive a si mesmos, se fosse o caso.
Nem os adversários mais ferrenhos de Dilma Rousseff ousam acusá-la de qualquer envolvimento com o antiquíssimo esquema de corrupção na Petrobrás, que atravessou décadas e décadas sem jamais ter sido investigado justamente porque os antecessores de Dilma e Lula não deixavam investigações “incômodas” avançarem.
De posse de todas essas informações é que vale a pena comemorar o que praticamente todos os analistas políticos – inclusive os antipetistas – já reconhecem, que o impeachment subiu no telhado porque não haverá número, na Câmara dos Deputados, para aprovar o início do processo.
Os brasileiros que flertaram com o impeachment devem estar surpresos, mas, aos poucos, irão entender por que se formou uma muralha democrática contra a tentativa da mídia, do PSDB e de parte do PMDB de tirar Dilma do cargo através de uma desculpa esfarrapada qualquer.
A solidez de qualquer democracia se baseia no respeito reverencial e absoluto ao voto popular. Se a maioria dos brasileiros decidiu, em 2014, que Dilma continuaria no cargo, ela tem que continuar no cargo até o último dia de seu segundo mandato, a menos que surja alguma prova INCONTESTÁVEL de que usou esse cargo para fins não respeitáveis.
Isso jamais aconteceu e, particularmente, esta página não acredita que acontecerá.
Os brasileiros estão sendo instruídos sobre o que é democracia e que mudar de opinião sobre o próprio voto não é motivo suficiente para violar uma eleição legítima. Aliás, votar e depois se arrepender é um motivo a mais que está sendo dado a essa parcela dos brasileiros para pensarem muito, informarem-se muito antes de votar.
Não que isso pudesse ter mudado o voto que a maioria deu a Dilma em 2014. Esse voto não foi dado com base nas promessas da presidente, mas com base em 11 anos de melhora do padrão de vida de TODOS os brasileiros.
Ou seja: ninguém reelegeu a presidente por seus belos olhos. Ela foi reeleita porque a maioria sabia que a vida dos brasileiros havia melhorado muito desde que o PT chegou ao poder. Quem venceu a eleição presidencial de 2014 não foram Dilma ou mesmo Lula, mas a memória dos brasileiros, a ciência da maioria de que a vida no país melhorou.
Até por isso o PT é recordista absoluto de tempo no poder. Nunca antes na história deste país um grupo político se manteve no poder por tanto tempo via voto popular.
O que os inimigos do PT, de Lula, de Dilma não entendem é que esse grupo políticos cumprirá ao menos 16 anos no poder, através de quatro eleições seguidas, porque entregou, sim, o que prometeu aos brasileiros.
Em momentos de comoção, muita gente não pensa com a cabeça e, sim, com o fígado. A necessidade de ajustes na economia tirou a racionalidade dessa gente. Mas quando essa poeira baixar as pessoas vão refletir sobre por que votaram quatro vezes no PT ao longo de 12 anos.
Claro que, até 2018, o golpismo não deixará de tentar seduzir corações e mentes. Até porque, a economia continua sendo sabotada para que as pessoas não possam ter calma para refletir. Contudo, as instituições já deram mostras de que, no Brasil contemporâneo, não há mais espaço para aventuras antidemocráticas.
Nesse aspecto, tudo que os aventureiros contra a democracia estão conseguindo é macularem suas biografias. Aécio Neves, Fernando Henrique Cardoso, Marina Silva etc., são só alguns dos que serão inscritos nos livros de história como oportunistas que não hesitaram em atacar a democracia para conseguirem alguns anos no poder.
O único efeito duradouro do golpismo que se alevantou no ano passado, e que se recusa a repousar no opróbrio eterno, pois, será inscrição nos livros de história dos nomes daqueles que jogaram suas biografias no lixo por estarem embriagados por uma ânsia desmedida de poder. Que a história os condene.
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