Por Luciano Martins Costa, no site Brasileiros:
O ano está terminando e você certamente está odiando não poder jantar naquele restaurante em Nova York onde um lugar à mesa não sai por menos de 300 dólares.
Você leu na imprensa brasileira que esse é o melhor programa para comemorar a passagem do ano. Mas não vai dar, não é? E a culpa, claro, é daqueles que fizeram disparar o dólar e elevaram os juros, de modo que, por mais que tenha ralado para cumprir as metas, o custo desse sonho é muito alto.
Isso faz com que você odeie ainda mais esses comunistas que afundaram o Brasil, não é mesmo? Porque você está convencido, pela leitura dos jornais e da maioria das revistas de informação, de que o Brasil afundou.
Mas não era essa mesma imprensa que pedia incessantemente, desde 2013, que os juros fossem elevados para melhorar o desempenho do mercado de ações e que o câmbio pudesse flutuar livremente ao sabor do mercado?
Você não recebia os boletins daquela corretora cuja economista-chefe pontificava quase diariamente no rádio, na TV e em colunas de jornais, exigindo a mudança do modelo econômico?
Ela anda meio sumida, e provavelmente vai estar naquele restaurante que você queria conhecer. Gastando o bônus que ganhou ao apostar contra o Brasil.
Irônico, não é?
Pois é assim que funciona: a mídia tradicional manipula seus sonhos de consumo e ao mesmo tempo faz você acreditar que, se eles ficam fora do seu alcance, a culpa não é sua. É do governo.
Parece meio esquizofrênico?
É pura esquizofrenia: ao mesmo tempo em que prega a precedência do interesse privado sobre a ideia de nação, a imprensa hegemônica vende o paraíso da individualidade, fazendo você acreditar que pertence a uma casta que merece tudo.
Você quer estar naquele bar que a revista Veja listou entre os melhores da cidade, mas detesta aglomerações?
É o mesmo mecanismo mental que faz você adorar a chegada de novidades ao mercado nacional, mas ao mesmo tempo odeia que outras pessoas tenham acesso a esses bens e serviços. Ninguém contou que isso só é possível porque o mercado nacional se ampliou, se diversificou e alcançou escala suficiente para oferecer essas novidades.
Agora que algumas turbulências complicam um pouco mais sua vida, a culpa é do Estado e de seu gestor, o governo.
Sinto muito, mas não dá para encarar essas contradições sem deslocar você da zona de conforto proporcionada pela condição de midiota.
A mídia tradicional, na qual você acredita religiosamente, não está a serviço da classe média tradicional, aquela casta que antigamente era chamada de burguesia. Ela usa a burguesia para atender aos interesses de uma minoria que fica um pouco acima no andaime social. Como sempre, o cidadão comum funciona como massa de manobra, porque o sistema da mídia o faz suspirar pelo andar de cima e desprezar seus próprios pares.
Parece pouco democrático? Na verdade, como lembra o crítico de mídia Jeff Cohen, a imprensa deveria atuar como o sistema nervoso de uma democracia. Quando ela é dominada por atores que não estão preocupados com essa questão essencial, a democracia deixa de funcionar.
O modelo mais escrachado dessa imprensa inimiga da democracia é o império do australiano Rupert Murdoch. Há vinte anos, os principais grupos de comunicação da América Latina denunciavam Murdoch como um aventureiro que ameaçava a liberdade de imprensa. Hoje, o modelo Murdoch é praticado por nove entre dez dos veículos de maior audiência em todo o continente.
Você é refém desse sistema.
Para preservar a condição de midiota, que defende sua cabecinha da angústia de pensar, convém desenvolver a síndrome de Estocolmo, ou seja, é preciso amar quem sequestrou a sua mente.
Por exemplo, se você assistiu aquela cena em que meia dúzia de insensatos interpela na rua o cantor Chico Buarque e sentiu um pouco de vergonha alheia, cuidado: sua consciência está traindo seus interesses.
Mas se você imagina que, se estivesse lá, teria aderido ao coro da grosseria, fique tranquilo: você está próximo de alcançar a condição do perfeito midiota.
O ano está terminando e você certamente está odiando não poder jantar naquele restaurante em Nova York onde um lugar à mesa não sai por menos de 300 dólares.
Você leu na imprensa brasileira que esse é o melhor programa para comemorar a passagem do ano. Mas não vai dar, não é? E a culpa, claro, é daqueles que fizeram disparar o dólar e elevaram os juros, de modo que, por mais que tenha ralado para cumprir as metas, o custo desse sonho é muito alto.
Isso faz com que você odeie ainda mais esses comunistas que afundaram o Brasil, não é mesmo? Porque você está convencido, pela leitura dos jornais e da maioria das revistas de informação, de que o Brasil afundou.
Mas não era essa mesma imprensa que pedia incessantemente, desde 2013, que os juros fossem elevados para melhorar o desempenho do mercado de ações e que o câmbio pudesse flutuar livremente ao sabor do mercado?
Você não recebia os boletins daquela corretora cuja economista-chefe pontificava quase diariamente no rádio, na TV e em colunas de jornais, exigindo a mudança do modelo econômico?
Ela anda meio sumida, e provavelmente vai estar naquele restaurante que você queria conhecer. Gastando o bônus que ganhou ao apostar contra o Brasil.
Irônico, não é?
Pois é assim que funciona: a mídia tradicional manipula seus sonhos de consumo e ao mesmo tempo faz você acreditar que, se eles ficam fora do seu alcance, a culpa não é sua. É do governo.
Parece meio esquizofrênico?
É pura esquizofrenia: ao mesmo tempo em que prega a precedência do interesse privado sobre a ideia de nação, a imprensa hegemônica vende o paraíso da individualidade, fazendo você acreditar que pertence a uma casta que merece tudo.
Você quer estar naquele bar que a revista Veja listou entre os melhores da cidade, mas detesta aglomerações?
É o mesmo mecanismo mental que faz você adorar a chegada de novidades ao mercado nacional, mas ao mesmo tempo odeia que outras pessoas tenham acesso a esses bens e serviços. Ninguém contou que isso só é possível porque o mercado nacional se ampliou, se diversificou e alcançou escala suficiente para oferecer essas novidades.
Agora que algumas turbulências complicam um pouco mais sua vida, a culpa é do Estado e de seu gestor, o governo.
Sinto muito, mas não dá para encarar essas contradições sem deslocar você da zona de conforto proporcionada pela condição de midiota.
A mídia tradicional, na qual você acredita religiosamente, não está a serviço da classe média tradicional, aquela casta que antigamente era chamada de burguesia. Ela usa a burguesia para atender aos interesses de uma minoria que fica um pouco acima no andaime social. Como sempre, o cidadão comum funciona como massa de manobra, porque o sistema da mídia o faz suspirar pelo andar de cima e desprezar seus próprios pares.
Parece pouco democrático? Na verdade, como lembra o crítico de mídia Jeff Cohen, a imprensa deveria atuar como o sistema nervoso de uma democracia. Quando ela é dominada por atores que não estão preocupados com essa questão essencial, a democracia deixa de funcionar.
O modelo mais escrachado dessa imprensa inimiga da democracia é o império do australiano Rupert Murdoch. Há vinte anos, os principais grupos de comunicação da América Latina denunciavam Murdoch como um aventureiro que ameaçava a liberdade de imprensa. Hoje, o modelo Murdoch é praticado por nove entre dez dos veículos de maior audiência em todo o continente.
Você é refém desse sistema.
Para preservar a condição de midiota, que defende sua cabecinha da angústia de pensar, convém desenvolver a síndrome de Estocolmo, ou seja, é preciso amar quem sequestrou a sua mente.
Por exemplo, se você assistiu aquela cena em que meia dúzia de insensatos interpela na rua o cantor Chico Buarque e sentiu um pouco de vergonha alheia, cuidado: sua consciência está traindo seus interesses.
Mas se você imagina que, se estivesse lá, teria aderido ao coro da grosseria, fique tranquilo: você está próximo de alcançar a condição do perfeito midiota.
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