Da Revista do Brasil:
Em 31 de março, quando várias manifestações pelo país pregaram o respeito à legalidade e criticaram o processo de impeachment, muitos se lembraram de 1964. O cantor e compositor Chico Buarque apareceu em um ato no Rio de Janeiro e admitiu que existem desiludidos com o governo e gente que não gosta do PT ou de Dilma, mas ponderou que isso não podia significar dúvidas quanto à integridade da presidenta. Disse ainda que todos estavam unidos "pelo apreço à democracia e em defesa intransigente da democracia".
Caetano Veloso, não exatamente um apoiador do governo, viu semelhanças entre o ato anti-Dilma do dia 13 de março, na Avenida Paulista, em São Paulo, e a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, manifestação conservadora de 1964. E seu público mostrou que outros personagens estão na mira: durante apresentação com Gilberto Gil no Farol da Barra, em Salvador, a plateia completava com gritos de "Cunha!" o refrão da música Odeio Você. Caetano também acompanhou o coro que foi se repetindo em atos pelo país, o "não vai ter golpe".
Réu no Supremo Tribunal Federal (STF), Eduardo Cunha segue em frente nas articulações contra Dilma. Na Câmara, a comissão especial que analisa o processo de impeachment acelerou os trabalhos – a expectativa era de que a votação ocorreria no dia 18 de abril –, enquanto as reuniões do Conselho de Ética, que investiga Cunha, se arrastam há meses.
Mesmo quem se declara como oposição, mas é contra o impeachment, sofre ataques. Em cerimônia no Palácio do Planalto, a atriz Letícia Sabatella disse diante de Dilma que era oposição ao governo, mas comparecia ao ato a favor da presidenta porque via em ação um plano oposicionista para tomar o poder "na marra". Pouco tempo depois, foi atacada em redes sociais e teve o perfil apagado do Facebook.
Editorialista do jornal Folha de S. Paulo, o veterano Janio de Freitas pescou uma frase do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante da força-tarefa da Operação Lava Jato, para observar que a operação tem viés político: os governos que estão sendo investigados são os "do PT", disse em palestra.
"A Lava Jato é, agora declaradamente, uma operação judicial com objetivo político-partidário, cujos atos e êxitos contra a corrupção são partes acessórias do percurso contra três governos (partido e personagens). Não são esses os mandatos conferidos ao juiz e aos procuradores da Lava Jato, no entanto", escreveu o jornalista em sua coluna dominical, em 3 de abril.
O juiz federal Sérgio Moro chegou a ser criticado pelo ministro Marco Aurélio Mello, do STF, após o episódio de condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para depoimento, no início de março. "Só se conduz coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão que resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado." Para o magistrado, é preciso, sim, consertar o Brasil. "Mas não vamos atropelar", pediu.
Outro ministro do STF, Teori Zavascki, relator da Operação Lava Jato, fez ressalvas à atuação de Moro, ao referir-se à divulgação de alguns grampos telefônicos.
"É importantíssimo que nós, neste momento de grave situação que o Brasil passa, de comoção social, que investiguemos, que o Judiciário controle isso, que o Ministério Público se empenhe, que as autoridades policiais se empenhem para investigar e punir independentemente do cargo que a pessoa ocupa, da situação econômica e do partido que defende.
Mas, para o Supremo Tribunal Federal, é importante que tudo isso seja feito com estrita observância da Constituição Federal."
No meio do redemoinho, surgiram propostas como um "semiparlamentarismo" ou mesmo eleições gerais. A respeito do parlamentarismo, pesa a avaliação, pelo Diap, de que o Congresso atual é hostil aos direitos trabalhistas e sociais – a bancada sindical diminuiu nesta legislatura. Sobre a tese de antecipação das eleições, a presidenta Dilma disse "Nem rechaço nem aceito", durante evento em Brasília. "Eu acho que é uma proposta. Convença a Câmara e o Senado a abrir mão de seus mandatos", respondeu.
O líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ), contesta a hipótese, que segundo ele não está prevista no ordenamento jurídico brasileiro. Eleição, diz, poderia ser feita em caso de cassação ou vacância, mas não por decisão politica. Até uma parte da oposição não se anima com ideia, talvez por ver diminuírem suas chances.
Crise se supera com democracia
Há, de fato, uma crise econômica séria, que afeta principalmente os setores mais vulneráveis da população, como se vê pela alta do desemprego (que atinge 9,6 milhões, segundo o IBGE) e pela queda da renda. E a corrupção é um problema sério, que deve ser – e está sendo – combatido. Mas o presidente do instituto Data Popular, Renato Meirelles, diz que não se pode associar a crise à corrupção. Por que isso acontece, então?
"Primeiro porque metade dos brasileiros não era consumidor, não era adulto na época da hiperinflação. Segundo porque, em uma geração, é a primeira vez que o brasileiro tem sensação de perda. Perder dói muito mais que deixar de ganhar", afirmou em entrevista ao jornal Valor Econômico, publicada em 29 de março.
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Crise se supera com democracia
Presidido pelo publicitário Renato Meirelles, o Data Popular acompanha há 15 anos o comportamento das chamadas classes C, D e E, analisando a inserção desses setores no mercado consumidor, fenômeno que chamou a atenção especialmente na última década, quando muito se falou no surgimento de uma nova classe média no Brasil, um fenômeno que ainda irá requerer análises de fôlego.
Neste momento, existe decepção com o governo, mas não com o projeto apresentado à população, que fala em melhor distribuição de renda e mais oportunidades. A decepção vem exatamente do fato de o projeto não ter sido implementado.
Uma das pesquisas do instituto mostra que boa parte do eleitorado se frustrou porque votou em um projeto ainda não posto em prática. Também não acreditam que a oposição resolveria a crise – os partidos contra o governo agiriam, principalmente, por interesse próprio, e não pelo país –, embora se manifestem pelo impeachment.
Meirelles diz que o discurso das passeatas antigoverno está longe de ser majoritário: nas pesquisas do instituto, as pessoas criticam a ineficiência do Estado, "mas querem a existência do Estado", porque são elas que usam os serviços públicos. "Graças à presença do Estado que o Brasil tem 9 milhões de universitários a mais nos últimos dez anos. Isso não se deu pela iniciativa privada, mas pelo Prouni e pelo Fies." Nas pesquisas, os entrevistados podem até se manifestar pelo impeachment por insatisfação, mas não acham que isso seria solução para a crise econômica.
E o clima de intolerância no debate sobre corrupção – um debate fundamental para o país, lembra Meirelles – prejudica "a discussão real do que é um Estado que promova igualdade de oportunidades, redução da desigualdade". Para ele, não dá para pensar em um Brasil pós-crise sem gestão mais eficiente dos recursos públicos, mas também sem fortalecer as políticas públicas que levaram à redução da desigualdade, ao aumento do consumo interno e criaram milhões de empregos.
Difícil imaginar que os arautos da flexibilização possam reorganizar o país contemplando uma pauta de crescimento econômico. O economista Guilherme Mello, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), avalia que a insatisfação popular e a instabilidade aumentariam em um eventual governo Temer. "Seria questionado do ponto de vista judicial, político, ético, moral, e ainda com uma reação forte esperada dos movimentos sociais, sindicatos, em meio a mobilizações."
É nesse ponto que centrais sindicais e organizações sociais têm insistido. Parcela expressiva do movimento sindical vê um golpe nas tentativas de impeachment e apoia a continuidade do mandato de Dilma até o último dia, em 2018. Mas cobram mudanças na economia, com ações voltadas para a retomada do crescimento, do emprego e da renda, estímulo aos investimentos e ao crédito, além de se manifestar contra a reforma da Previdência (leia reportagem na edição 115). Os sindicalistas alertam também para os interesses por trás do impeachment. "Os mesmos que querem fazer o golpe são os querem acabar com carteira assinada, férias, 13º, CLT, ampliar a terceirização", costuma repetir o presidente da CUT, Vagner Freitas.
Em 4 de abril, falando em seu "berço" sindical e político, São Bernardo do Campo, no ABC paulista, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse saber que havia "muito peão dentro da fábrica nervoso com o nosso governo". E afirmou que seria preciso conversar muito, com todos os setores, dando atenção especial aos movimentos sociais. "Temos de saber que é preciso dar uma certa consertada na política econômica."
Uma pesquisa divulgada pelo Dieese em 6 de abril mostra que a queda de atividade econômica, o desemprego e a inflação tiveram forte impacto nas negociações salariais em 2015, quando pouco mais da metade dos acordos (52%) teve reajuste acima da inflação, e mesmo assim não muito superior ao INPC – desde 2006, as campanhas salariais tinham pelo menos 80% de ganho real. Mas a volta do crescimento precisa ser acompanhada de democracia e estabilidade política.
* Com reportagens de Helder Lima e Vitor Nuzzi.
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No país dos paradoxos chamado Brasil, políticos investigados por corrupção e alguns até réus, como o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tentam levar adiante um processo de impeachment contra uma presidente da República sem que haja, ao menos até agora, um crime de responsabilidade. Partidos de oposição pedem formalmente a prisão de Guilherme Boulos, líder dos sem-teto, acusando-o de incitar a violência, enquanto seus aliados pregam abertamente atos ofensivos contra artistas e juízes, ou contra qualquer um que se manifestar a favor da preservação do mandato de Dilma Rousseff.
O clima de intolerância instaurado no país levou a reações que fazem supor que o jogo não está decidido. Comitês pela democracia se multiplicaram pelo país, assim como seguidas manifestações de rua defendem a legalidade e chamam a atenção para as intenções por trás de um suposto clamor pela moralidade. Entidades patronais e políticos conservadores se preparam para uma avalanche de iniciativas contra direitos sociais, pela chamada flexibilização da legislação trabalhista, por mais privatizações e mudanças na lei do pré-sal, a fim de facilitar o jogo para empresas de fora.
Para virar a mesa e intimidar, vale praticamente tudo. Um colunista do jornal Folha de S. Paulo, Hélio Schwartsman, por exemplo, escreveu na edição de 5 de abril que o impeachment de Dilma seria uma solução "muito mais civilizada que o assassinato". E um grupo chegou a oferecer uma gratificação a quem filmasse ataques ao ex-ministro Ciro Gomes, crítico do processo de impedimento
O clima de intolerância instaurado no país levou a reações que fazem supor que o jogo não está decidido. Comitês pela democracia se multiplicaram pelo país, assim como seguidas manifestações de rua defendem a legalidade e chamam a atenção para as intenções por trás de um suposto clamor pela moralidade. Entidades patronais e políticos conservadores se preparam para uma avalanche de iniciativas contra direitos sociais, pela chamada flexibilização da legislação trabalhista, por mais privatizações e mudanças na lei do pré-sal, a fim de facilitar o jogo para empresas de fora.
Para virar a mesa e intimidar, vale praticamente tudo. Um colunista do jornal Folha de S. Paulo, Hélio Schwartsman, por exemplo, escreveu na edição de 5 de abril que o impeachment de Dilma seria uma solução "muito mais civilizada que o assassinato". E um grupo chegou a oferecer uma gratificação a quem filmasse ataques ao ex-ministro Ciro Gomes, crítico do processo de impedimento
Apreço à democracia
Em 31 de março, quando várias manifestações pelo país pregaram o respeito à legalidade e criticaram o processo de impeachment, muitos se lembraram de 1964. O cantor e compositor Chico Buarque apareceu em um ato no Rio de Janeiro e admitiu que existem desiludidos com o governo e gente que não gosta do PT ou de Dilma, mas ponderou que isso não podia significar dúvidas quanto à integridade da presidenta. Disse ainda que todos estavam unidos "pelo apreço à democracia e em defesa intransigente da democracia".
Caetano Veloso, não exatamente um apoiador do governo, viu semelhanças entre o ato anti-Dilma do dia 13 de março, na Avenida Paulista, em São Paulo, e a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, manifestação conservadora de 1964. E seu público mostrou que outros personagens estão na mira: durante apresentação com Gilberto Gil no Farol da Barra, em Salvador, a plateia completava com gritos de "Cunha!" o refrão da música Odeio Você. Caetano também acompanhou o coro que foi se repetindo em atos pelo país, o "não vai ter golpe".
Réu no Supremo Tribunal Federal (STF), Eduardo Cunha segue em frente nas articulações contra Dilma. Na Câmara, a comissão especial que analisa o processo de impeachment acelerou os trabalhos – a expectativa era de que a votação ocorreria no dia 18 de abril –, enquanto as reuniões do Conselho de Ética, que investiga Cunha, se arrastam há meses.
Mesmo quem se declara como oposição, mas é contra o impeachment, sofre ataques. Em cerimônia no Palácio do Planalto, a atriz Letícia Sabatella disse diante de Dilma que era oposição ao governo, mas comparecia ao ato a favor da presidenta porque via em ação um plano oposicionista para tomar o poder "na marra". Pouco tempo depois, foi atacada em redes sociais e teve o perfil apagado do Facebook.
Golpe palaciano
Alguns dos principais jornais embarcaram com gosto na campanha para remover o governo, replicando discurso do mercado financeiro que só sem Dilma o país pode entrar no eixo. Mas uma gestão do PMDB, que em três minutos decidiu deixar a base aliada, seria solução?
"O PMDB encontra-se envolvido em todos os episódios de corrupção que são utilizados para atingir o PT", diz o cientista político Fabiano Santos, em entrevista ao jornalEl País. "Dificilmente os atores hoje inconformados com o governo, à esquerda e à direita, enxergariam nas lideranças deste partido autoridade e competência para administrar a crise, sobretudo em uma conjuntura que para muitos resulta de um golpe palaciano."
Para o analista, um processo de impeachment vitorioso teria significados negativos para o país. "Significaria a quebra do jogo democrático e a revelação de que as bases institucionais da democracia brasileira ainda são frágeis, ao contrário do que vínhamos imaginando desde a promulgação da Constituição de 1988", afirma, identificando uma "típica conspiração palaciana, apoiada por setores monopólicos dos meios de comunicação e setores do Poder Judiciário".
Pode-se dizer que apoiada também com forte presença empresarial, tendo à frente o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o peemedebista Paulo Skaf. Ao mesmo tempo em que aponta a penúria do setor industrial, que de fato enfrenta grave crise, o líder patronal não economizou em sua campanha pela renúncia e, posteriormente, pelo impeachment. As estimativas vão à casa dos milhões de reais em anúncios – professores da rede particular em São Paulo calculam ao menos R$ 8 milhões –, sem contar sanduíches de filé-mignon a manifestantes antigoverno entrincheirados diante da Fiesp, também na Avenida Paulista, e um pato gigante sobre o qual pesa acusação de plágio por parte de um artista holandês.
Várias entidades patronais se manifestaram pela saída de Dilma do governo, como fator necessário para o país iniciar um processo de recuperação, passando por reformas na legislação trabalhista, sempre a título de "modernização". O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) listou 55 ameaças a direitos tramitando no Congresso. O diretor do instituto Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, diz que, independentemente da definição do processo de impeachment, quem pagará a conta será o trabalhador.
Ele também destaca a possibilidade de adoção do programa do PMDB, que chama de "retrógrado e medieval", em um cenário econômico desfavorável, com deterioração das finanças públicas e queda de receitas – fatores que seriam usados para justificar um "ajuste" mais profundo. "Com isso, a investida sobre direitos parece inexorável", diz o analista político do Diap.
Em um eventual novo governo, lembra, alguns itens do programa peemedebista, expresso no documento Ponte para o Futuro, poderão ser implementados, "tanto por pressão do poder econômico quanto por exigência de partidos liberais que integrarão a coalizão de apoio ao novo governo, inclusive muito da base atual e quase todos da atual oposição".
Alguns dos principais jornais embarcaram com gosto na campanha para remover o governo, replicando discurso do mercado financeiro que só sem Dilma o país pode entrar no eixo. Mas uma gestão do PMDB, que em três minutos decidiu deixar a base aliada, seria solução?
"O PMDB encontra-se envolvido em todos os episódios de corrupção que são utilizados para atingir o PT", diz o cientista político Fabiano Santos, em entrevista ao jornalEl País. "Dificilmente os atores hoje inconformados com o governo, à esquerda e à direita, enxergariam nas lideranças deste partido autoridade e competência para administrar a crise, sobretudo em uma conjuntura que para muitos resulta de um golpe palaciano."
Para o analista, um processo de impeachment vitorioso teria significados negativos para o país. "Significaria a quebra do jogo democrático e a revelação de que as bases institucionais da democracia brasileira ainda são frágeis, ao contrário do que vínhamos imaginando desde a promulgação da Constituição de 1988", afirma, identificando uma "típica conspiração palaciana, apoiada por setores monopólicos dos meios de comunicação e setores do Poder Judiciário".
Pode-se dizer que apoiada também com forte presença empresarial, tendo à frente o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o peemedebista Paulo Skaf. Ao mesmo tempo em que aponta a penúria do setor industrial, que de fato enfrenta grave crise, o líder patronal não economizou em sua campanha pela renúncia e, posteriormente, pelo impeachment. As estimativas vão à casa dos milhões de reais em anúncios – professores da rede particular em São Paulo calculam ao menos R$ 8 milhões –, sem contar sanduíches de filé-mignon a manifestantes antigoverno entrincheirados diante da Fiesp, também na Avenida Paulista, e um pato gigante sobre o qual pesa acusação de plágio por parte de um artista holandês.
Várias entidades patronais se manifestaram pela saída de Dilma do governo, como fator necessário para o país iniciar um processo de recuperação, passando por reformas na legislação trabalhista, sempre a título de "modernização". O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) listou 55 ameaças a direitos tramitando no Congresso. O diretor do instituto Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, diz que, independentemente da definição do processo de impeachment, quem pagará a conta será o trabalhador.
Ele também destaca a possibilidade de adoção do programa do PMDB, que chama de "retrógrado e medieval", em um cenário econômico desfavorável, com deterioração das finanças públicas e queda de receitas – fatores que seriam usados para justificar um "ajuste" mais profundo. "Com isso, a investida sobre direitos parece inexorável", diz o analista político do Diap.
Em um eventual novo governo, lembra, alguns itens do programa peemedebista, expresso no documento Ponte para o Futuro, poderão ser implementados, "tanto por pressão do poder econômico quanto por exigência de partidos liberais que integrarão a coalizão de apoio ao novo governo, inclusive muito da base atual e quase todos da atual oposição".
Ação seletiva
Editorialista do jornal Folha de S. Paulo, o veterano Janio de Freitas pescou uma frase do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante da força-tarefa da Operação Lava Jato, para observar que a operação tem viés político: os governos que estão sendo investigados são os "do PT", disse em palestra.
"A Lava Jato é, agora declaradamente, uma operação judicial com objetivo político-partidário, cujos atos e êxitos contra a corrupção são partes acessórias do percurso contra três governos (partido e personagens). Não são esses os mandatos conferidos ao juiz e aos procuradores da Lava Jato, no entanto", escreveu o jornalista em sua coluna dominical, em 3 de abril.
O juiz federal Sérgio Moro chegou a ser criticado pelo ministro Marco Aurélio Mello, do STF, após o episódio de condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para depoimento, no início de março. "Só se conduz coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão que resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado." Para o magistrado, é preciso, sim, consertar o Brasil. "Mas não vamos atropelar", pediu.
Outro ministro do STF, Teori Zavascki, relator da Operação Lava Jato, fez ressalvas à atuação de Moro, ao referir-se à divulgação de alguns grampos telefônicos.
"É importantíssimo que nós, neste momento de grave situação que o Brasil passa, de comoção social, que investiguemos, que o Judiciário controle isso, que o Ministério Público se empenhe, que as autoridades policiais se empenhem para investigar e punir independentemente do cargo que a pessoa ocupa, da situação econômica e do partido que defende.
Mas, para o Supremo Tribunal Federal, é importante que tudo isso seja feito com estrita observância da Constituição Federal."
No meio do redemoinho, surgiram propostas como um "semiparlamentarismo" ou mesmo eleições gerais. A respeito do parlamentarismo, pesa a avaliação, pelo Diap, de que o Congresso atual é hostil aos direitos trabalhistas e sociais – a bancada sindical diminuiu nesta legislatura. Sobre a tese de antecipação das eleições, a presidenta Dilma disse "Nem rechaço nem aceito", durante evento em Brasília. "Eu acho que é uma proposta. Convença a Câmara e o Senado a abrir mão de seus mandatos", respondeu.
O líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ), contesta a hipótese, que segundo ele não está prevista no ordenamento jurídico brasileiro. Eleição, diz, poderia ser feita em caso de cassação ou vacância, mas não por decisão politica. Até uma parte da oposição não se anima com ideia, talvez por ver diminuírem suas chances.
Crise se supera com democracia
Há, de fato, uma crise econômica séria, que afeta principalmente os setores mais vulneráveis da população, como se vê pela alta do desemprego (que atinge 9,6 milhões, segundo o IBGE) e pela queda da renda. E a corrupção é um problema sério, que deve ser – e está sendo – combatido. Mas o presidente do instituto Data Popular, Renato Meirelles, diz que não se pode associar a crise à corrupção. Por que isso acontece, então?
"Primeiro porque metade dos brasileiros não era consumidor, não era adulto na época da hiperinflação. Segundo porque, em uma geração, é a primeira vez que o brasileiro tem sensação de perda. Perder dói muito mais que deixar de ganhar", afirmou em entrevista ao jornal Valor Econômico, publicada em 29 de março.
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Crise se supera com democracia
Presidido pelo publicitário Renato Meirelles, o Data Popular acompanha há 15 anos o comportamento das chamadas classes C, D e E, analisando a inserção desses setores no mercado consumidor, fenômeno que chamou a atenção especialmente na última década, quando muito se falou no surgimento de uma nova classe média no Brasil, um fenômeno que ainda irá requerer análises de fôlego.
Neste momento, existe decepção com o governo, mas não com o projeto apresentado à população, que fala em melhor distribuição de renda e mais oportunidades. A decepção vem exatamente do fato de o projeto não ter sido implementado.
Uma das pesquisas do instituto mostra que boa parte do eleitorado se frustrou porque votou em um projeto ainda não posto em prática. Também não acreditam que a oposição resolveria a crise – os partidos contra o governo agiriam, principalmente, por interesse próprio, e não pelo país –, embora se manifestem pelo impeachment.
Meirelles diz que o discurso das passeatas antigoverno está longe de ser majoritário: nas pesquisas do instituto, as pessoas criticam a ineficiência do Estado, "mas querem a existência do Estado", porque são elas que usam os serviços públicos. "Graças à presença do Estado que o Brasil tem 9 milhões de universitários a mais nos últimos dez anos. Isso não se deu pela iniciativa privada, mas pelo Prouni e pelo Fies." Nas pesquisas, os entrevistados podem até se manifestar pelo impeachment por insatisfação, mas não acham que isso seria solução para a crise econômica.
E o clima de intolerância no debate sobre corrupção – um debate fundamental para o país, lembra Meirelles – prejudica "a discussão real do que é um Estado que promova igualdade de oportunidades, redução da desigualdade". Para ele, não dá para pensar em um Brasil pós-crise sem gestão mais eficiente dos recursos públicos, mas também sem fortalecer as políticas públicas que levaram à redução da desigualdade, ao aumento do consumo interno e criaram milhões de empregos.
Difícil imaginar que os arautos da flexibilização possam reorganizar o país contemplando uma pauta de crescimento econômico. O economista Guilherme Mello, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), avalia que a insatisfação popular e a instabilidade aumentariam em um eventual governo Temer. "Seria questionado do ponto de vista judicial, político, ético, moral, e ainda com uma reação forte esperada dos movimentos sociais, sindicatos, em meio a mobilizações."
É nesse ponto que centrais sindicais e organizações sociais têm insistido. Parcela expressiva do movimento sindical vê um golpe nas tentativas de impeachment e apoia a continuidade do mandato de Dilma até o último dia, em 2018. Mas cobram mudanças na economia, com ações voltadas para a retomada do crescimento, do emprego e da renda, estímulo aos investimentos e ao crédito, além de se manifestar contra a reforma da Previdência (leia reportagem na edição 115). Os sindicalistas alertam também para os interesses por trás do impeachment. "Os mesmos que querem fazer o golpe são os querem acabar com carteira assinada, férias, 13º, CLT, ampliar a terceirização", costuma repetir o presidente da CUT, Vagner Freitas.
Em 4 de abril, falando em seu "berço" sindical e político, São Bernardo do Campo, no ABC paulista, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse saber que havia "muito peão dentro da fábrica nervoso com o nosso governo". E afirmou que seria preciso conversar muito, com todos os setores, dando atenção especial aos movimentos sociais. "Temos de saber que é preciso dar uma certa consertada na política econômica."
Uma pesquisa divulgada pelo Dieese em 6 de abril mostra que a queda de atividade econômica, o desemprego e a inflação tiveram forte impacto nas negociações salariais em 2015, quando pouco mais da metade dos acordos (52%) teve reajuste acima da inflação, e mesmo assim não muito superior ao INPC – desde 2006, as campanhas salariais tinham pelo menos 80% de ganho real. Mas a volta do crescimento precisa ser acompanhada de democracia e estabilidade política.
* Com reportagens de Helder Lima e Vitor Nuzzi.
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O PMDB e o fator Renan
Unidos em uma mesma estratégia, o vice-presidente, Michel Temer, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, são as principais peças do PMDB no xadrez político em que se transformou a tentativa das forças conservadoras de apear do poder o PT e a presidenta Dilma Rousseff.
No entanto, caberá ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-RR), o papel de fiel da balança em um eventual processo de impeachment, já que a Casa dará a palavra final sobre o afastamento ou não de Dilma, se esta proposta for aprovada na Câmara. Nas últimas semanas, o peemedebista, conhecido por sua maleabilidade, tem oscilado entre as declarações de apoio ao governo e conversas com líderes da oposição.
Fiel a si mesmo, o senador alagoano se aquece nos bastidores para um jogo de "ganha-ganha". Se o governo conseguir furar a onda desestabilizadora e Dilma permanecer na Presidência, terá atuado como garantidor da governabilidade e estará cacifado para tornar-se a maior liderança do PMDB nos próximos anos.
Em caso de vitória da oposição, Renan está pronto para assumir o papel de pilar da construção de um "novo país" e se aliar a uma direita que, mesmo sem ter obtido a aprovação das urnas nas últimas quatro eleições presidenciais, pretende impor uma agenda que inclui, entre outras coisas, ampliação do ajuste fiscal, enfraquecimento dos programas de inclusão social, esfacelamento do marco regulatório do pré-sal e recuo em conquistas históricas dos trabalhadores.
O senador se manifestou de forma contrária à saída do partido do governo Dilma, decisão tomada pela executiva nacional em 29 de março. "Se optar por sair, o PMDB terá que arcar com as consequências", declarou. Uma dessas consequências poderá ser até mesmo um racha no partido, uma vez que ministros peemedebistas como Kátia Abreu (Agricultura), Eduardo Braga (Minas e Energia), Marcelo Castro (Saúde) e Celso Pansera (Ciência e Tecnologia) afirmaram que não entregarão os seus cargos.
Renan é autor do documento Agenda Brasil, conjunto de 43 propostas lançado em agosto do ano passado e que se seguiu à publicação do programa de governo Ponte Para o Futuro, divulgado por Temer, com forte teor neoliberal. O documento do vice, muito próximo daquele apresentado pelo candidato derrotado Aécio Neves nas eleições de 2014, fala em redução de gastos públicos, aprofundamento do ajuste fiscal, corte nos repasses orçamentários para saúde e educação e flexibilização da legislação trabalhista, entre outros itens.
Já o documento de Renan, previamente discutido, segundo o senador, com a bancada do PMDB no Senado e com o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, procura ser mais equilibrado, embora esteja distante das bandeiras programáticas do governo Dilma e do PT.
Uma das propostas da Agenda Brasil que mais desagrada ao PT é acabar com o Mercosul, "a fim de possibilitar que o Brasil possa firmar acordos bilaterais ou multilaterais sem depender do apoio dos demais membros do mercado comum".
Posição historicamente defendida por PDSB e DEM, significaria também o fim da Unasul e de outras iniciativas de integração sul-americana, uma mudança completa de direção na política comercial e diplomática que o país pratica nos últimos 14 anos.
Outra bandeira da oposição traduzida na agenda fala em "regulamentar o ambiente institucional dos trabalhadores terceirizados". A medida seria a brecha para a adoção de políticas repudiadas pelos trabalhadores e seus sindicatos, como a flexibilização de acordos salariais e a aprovação da terceirização para atividades-fim, esta já aprovada na Câmara.
Por Maurício Thuswohl.
Unidos em uma mesma estratégia, o vice-presidente, Michel Temer, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, são as principais peças do PMDB no xadrez político em que se transformou a tentativa das forças conservadoras de apear do poder o PT e a presidenta Dilma Rousseff.
No entanto, caberá ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-RR), o papel de fiel da balança em um eventual processo de impeachment, já que a Casa dará a palavra final sobre o afastamento ou não de Dilma, se esta proposta for aprovada na Câmara. Nas últimas semanas, o peemedebista, conhecido por sua maleabilidade, tem oscilado entre as declarações de apoio ao governo e conversas com líderes da oposição.
Fiel a si mesmo, o senador alagoano se aquece nos bastidores para um jogo de "ganha-ganha". Se o governo conseguir furar a onda desestabilizadora e Dilma permanecer na Presidência, terá atuado como garantidor da governabilidade e estará cacifado para tornar-se a maior liderança do PMDB nos próximos anos.
Em caso de vitória da oposição, Renan está pronto para assumir o papel de pilar da construção de um "novo país" e se aliar a uma direita que, mesmo sem ter obtido a aprovação das urnas nas últimas quatro eleições presidenciais, pretende impor uma agenda que inclui, entre outras coisas, ampliação do ajuste fiscal, enfraquecimento dos programas de inclusão social, esfacelamento do marco regulatório do pré-sal e recuo em conquistas históricas dos trabalhadores.
O senador se manifestou de forma contrária à saída do partido do governo Dilma, decisão tomada pela executiva nacional em 29 de março. "Se optar por sair, o PMDB terá que arcar com as consequências", declarou. Uma dessas consequências poderá ser até mesmo um racha no partido, uma vez que ministros peemedebistas como Kátia Abreu (Agricultura), Eduardo Braga (Minas e Energia), Marcelo Castro (Saúde) e Celso Pansera (Ciência e Tecnologia) afirmaram que não entregarão os seus cargos.
Renan é autor do documento Agenda Brasil, conjunto de 43 propostas lançado em agosto do ano passado e que se seguiu à publicação do programa de governo Ponte Para o Futuro, divulgado por Temer, com forte teor neoliberal. O documento do vice, muito próximo daquele apresentado pelo candidato derrotado Aécio Neves nas eleições de 2014, fala em redução de gastos públicos, aprofundamento do ajuste fiscal, corte nos repasses orçamentários para saúde e educação e flexibilização da legislação trabalhista, entre outros itens.
Já o documento de Renan, previamente discutido, segundo o senador, com a bancada do PMDB no Senado e com o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, procura ser mais equilibrado, embora esteja distante das bandeiras programáticas do governo Dilma e do PT.
Uma das propostas da Agenda Brasil que mais desagrada ao PT é acabar com o Mercosul, "a fim de possibilitar que o Brasil possa firmar acordos bilaterais ou multilaterais sem depender do apoio dos demais membros do mercado comum".
Posição historicamente defendida por PDSB e DEM, significaria também o fim da Unasul e de outras iniciativas de integração sul-americana, uma mudança completa de direção na política comercial e diplomática que o país pratica nos últimos 14 anos.
Outra bandeira da oposição traduzida na agenda fala em "regulamentar o ambiente institucional dos trabalhadores terceirizados". A medida seria a brecha para a adoção de políticas repudiadas pelos trabalhadores e seus sindicatos, como a flexibilização de acordos salariais e a aprovação da terceirização para atividades-fim, esta já aprovada na Câmara.
Por Maurício Thuswohl.
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