Por Mino Carta, na revista CartaCapital:
Depois de um ano, sete meses e alguns dias, volto ao Palácio da Alvorada para entrevistar Dilma Rousseff, juntamente com dois ótimos companheiros, Sergio Lirio e André Barrocal.
No mesmo salão, à mesma mesa perfeitamente encerada, na segunda semana de outubro de 2014, ouvimos a presidenta que se preparava a enfrentar Aécio Neves no segundo turno das eleições destinadas a lhe entregar seu segundo mandato.
O confronto entre as situações me habilita a duas impressões a respeito do comportamento da entrevistada. Em primeiro lugar, anoto a serenidade em contraste com a tensão da entrevista dos tempos eleitorais.
A presidenta afastada pela manobra golpista está bem mais à vontade do que a candidata ao segundo turno. Mais segura, mais incisiva. A segunda impressão, pelo contrário, confirma aquela que tive no passado.
Vi, melhor, senti uma personagem solitária naquele cenário desmesurado, esmagador antes que imponente. O sentimento, desta vez, gera o impulso da solidariedade humana. A transcender, até, a questão política, a natural repulsa que o golpe de inédito feitio causa em praticantes do jornalismo honesto, ou, por outra, compromissados com a ética profissional e fiéis da democracia.
O retorno de Dilma ao posto conquistado nas urnas, determinado na sessão definitiva deste longo, atormentado processo de impeachment a ser presidida no Senado pelo presidente do STF, representaria um milagre?
Ouço um coro grego de respostas afirmativas. Seria milagrosa, no entanto, a mínima mudança de alguns votos? Entenda-se: basta reverter dois votos para selar a volta da afastada, caso se repita o resultado da votação anterior.
A presidenta tem sido acusada de ter agido amiúde autoritariamente e falhado na lida com o Congresso e com diversos setores empresariais. Teria mostrado inabilidade política nas horas em que o contrário se fazia indispensável.
Daí a dúvida razoável de que ela saiba agora tornar-se uma atilada intérprete da realpolitik. É evidente que a astúcia não faz parte das características de Dilma, enquanto firma-se em determinadas ocasiões uma certa rigidez moral, em nada aparentada com o exercício da arte do possível.
Dilma soube fazer algumas concessões, uma entre elas, talvez a maior, chamar Joaquim Levy para a Fazenda ao ser reeleita, para realizar um ajuste fiscal a toque de caixa, na convicção de que agir às pressas diminuiria o amargor do remédio. Ela admite hoje ter errado, e é um notável avanço de sua parte. De todo modo, lidar com a personagem Eduardo Cunha há de exigir um aparelho digestivo absolutamente fora do comum.
Quem sabe o Ulisses da Ilíada, inventor do cavalo de Troia, fosse capaz de enfrentar uma figura tão desbragadamente mal-intencionada, capaz de se apresentar hoje como dono da Câmara e do próprio governo, a serviço dos interesses da casa-grande, que a mídia estrangeira chama de plutocracia.
Na sua infinita malignidade, Cunha é um vilão de dimensão shakespeariana, a despeito da mediocridade intelectual dos seus comparsas e dele próprio, e é lamentável, para não dizer coisa pior, que um guaxinim possa fazer tantos estragos no quintal nativo.
De agora em diante, de todo modo, a presidenta afastada tem ainda sua chance, e veremos se sabe aproveitá-la. Diz Dilma que Lula vive um momento mais triste do que o dela, e entende-se: o ex-presidente é o alvo final deste espantoso entrecho.
No centro está a disputa do poder, mas resta verificar se os caminhos parlamentares e togados se afinarão daqui em diante. Cabe a hipótese de uma separação, em proveito do caos definitivo. Em cena, as ambições e as vaidades de quantos se atribuem o papel de salvadores da pátria, e não são poucos.
Para o amanhã, no sentido literal, Dilma tem alguma margem de manobra, a despeito de Cunha, e com o favor admissível de um ou outro exame de consciência, talvez ao som do batuque midiático que no exterior condena sem remissão mais um golpe à brasileira. Quanto aos pretensos salvadores, vale dizer que Michel Temer é soberano somente no emprego da mesóclise.
Depois de um ano, sete meses e alguns dias, volto ao Palácio da Alvorada para entrevistar Dilma Rousseff, juntamente com dois ótimos companheiros, Sergio Lirio e André Barrocal.
No mesmo salão, à mesma mesa perfeitamente encerada, na segunda semana de outubro de 2014, ouvimos a presidenta que se preparava a enfrentar Aécio Neves no segundo turno das eleições destinadas a lhe entregar seu segundo mandato.
O confronto entre as situações me habilita a duas impressões a respeito do comportamento da entrevistada. Em primeiro lugar, anoto a serenidade em contraste com a tensão da entrevista dos tempos eleitorais.
A presidenta afastada pela manobra golpista está bem mais à vontade do que a candidata ao segundo turno. Mais segura, mais incisiva. A segunda impressão, pelo contrário, confirma aquela que tive no passado.
Vi, melhor, senti uma personagem solitária naquele cenário desmesurado, esmagador antes que imponente. O sentimento, desta vez, gera o impulso da solidariedade humana. A transcender, até, a questão política, a natural repulsa que o golpe de inédito feitio causa em praticantes do jornalismo honesto, ou, por outra, compromissados com a ética profissional e fiéis da democracia.
O retorno de Dilma ao posto conquistado nas urnas, determinado na sessão definitiva deste longo, atormentado processo de impeachment a ser presidida no Senado pelo presidente do STF, representaria um milagre?
Ouço um coro grego de respostas afirmativas. Seria milagrosa, no entanto, a mínima mudança de alguns votos? Entenda-se: basta reverter dois votos para selar a volta da afastada, caso se repita o resultado da votação anterior.
A presidenta tem sido acusada de ter agido amiúde autoritariamente e falhado na lida com o Congresso e com diversos setores empresariais. Teria mostrado inabilidade política nas horas em que o contrário se fazia indispensável.
Daí a dúvida razoável de que ela saiba agora tornar-se uma atilada intérprete da realpolitik. É evidente que a astúcia não faz parte das características de Dilma, enquanto firma-se em determinadas ocasiões uma certa rigidez moral, em nada aparentada com o exercício da arte do possível.
Dilma soube fazer algumas concessões, uma entre elas, talvez a maior, chamar Joaquim Levy para a Fazenda ao ser reeleita, para realizar um ajuste fiscal a toque de caixa, na convicção de que agir às pressas diminuiria o amargor do remédio. Ela admite hoje ter errado, e é um notável avanço de sua parte. De todo modo, lidar com a personagem Eduardo Cunha há de exigir um aparelho digestivo absolutamente fora do comum.
Quem sabe o Ulisses da Ilíada, inventor do cavalo de Troia, fosse capaz de enfrentar uma figura tão desbragadamente mal-intencionada, capaz de se apresentar hoje como dono da Câmara e do próprio governo, a serviço dos interesses da casa-grande, que a mídia estrangeira chama de plutocracia.
Na sua infinita malignidade, Cunha é um vilão de dimensão shakespeariana, a despeito da mediocridade intelectual dos seus comparsas e dele próprio, e é lamentável, para não dizer coisa pior, que um guaxinim possa fazer tantos estragos no quintal nativo.
De agora em diante, de todo modo, a presidenta afastada tem ainda sua chance, e veremos se sabe aproveitá-la. Diz Dilma que Lula vive um momento mais triste do que o dela, e entende-se: o ex-presidente é o alvo final deste espantoso entrecho.
No centro está a disputa do poder, mas resta verificar se os caminhos parlamentares e togados se afinarão daqui em diante. Cabe a hipótese de uma separação, em proveito do caos definitivo. Em cena, as ambições e as vaidades de quantos se atribuem o papel de salvadores da pátria, e não são poucos.
Para o amanhã, no sentido literal, Dilma tem alguma margem de manobra, a despeito de Cunha, e com o favor admissível de um ou outro exame de consciência, talvez ao som do batuque midiático que no exterior condena sem remissão mais um golpe à brasileira. Quanto aos pretensos salvadores, vale dizer que Michel Temer é soberano somente no emprego da mesóclise.
0 comentários:
Postar um comentário