Por Paulo Kliass, na revista Caros Amigos:
A estratégia do golpeachment tinha por objetivo afastar a Presidenta do Palácio do Planalto e viabilizar a implementação da agenda da política econômica que havia sido derrotada nas urnas em outubro de 2014. A cada dia que passa não restam mais dúvidas a respeito de tal intenção. Porém, deve ser acrescentado também o desejo de promover a inviabilização da Operação Lava Jato e dos processos em curso. São inúmeros de casos de investigação de corrupção envolvendo centenas de dirigentes políticos e empresários, a partir da Petrobrás e outras instituições públicas.
Os putschistas da pós-modernidade levaram à radicalidade a frase que teria sido proferida pelo recentemente falecido Coronel Jarbas Passarinho ao Presidente Golpista Costa e Silva, às vésperas da assinatura do famigerado AI-5. “Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência.” Estas foram as recomendações do coronel, à época ocupando a pasta de Trabalho e Previdência Social.
Nos tempos atuais, o golpe em andamento ainda não precisou recorrer à prisão, à tortura ou ao exílio para se apoderar do aparelho de Estado. Bastaram as ações coordenadas pelos meios de comunicação e por uma elite da estrutura do poder judiciário e do ministério público. Pouco importa se não foi encontrada uma única prova de cometimento de crime de responsabilidade pela Presidenta Dilma no curso de seu segundo mandato. Como havia dito o militar, que depois se encarregou do Ministério da Educação no governo do General Médici, tudo isso pouco importa - às favas!
A estratégia do golpeachment tinha por objetivo afastar a Presidenta do Palácio do Planalto e viabilizar a implementação da agenda da política econômica que havia sido derrotada nas urnas em outubro de 2014. A cada dia que passa não restam mais dúvidas a respeito de tal intenção. Porém, deve ser acrescentado também o desejo de promover a inviabilização da Operação Lava Jato e dos processos em curso. São inúmeros de casos de investigação de corrupção envolvendo centenas de dirigentes políticos e empresários, a partir da Petrobrás e outras instituições públicas.
Os putschistas da pós-modernidade levaram à radicalidade a frase que teria sido proferida pelo recentemente falecido Coronel Jarbas Passarinho ao Presidente Golpista Costa e Silva, às vésperas da assinatura do famigerado AI-5. “Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência.” Estas foram as recomendações do coronel, à época ocupando a pasta de Trabalho e Previdência Social.
Nos tempos atuais, o golpe em andamento ainda não precisou recorrer à prisão, à tortura ou ao exílio para se apoderar do aparelho de Estado. Bastaram as ações coordenadas pelos meios de comunicação e por uma elite da estrutura do poder judiciário e do ministério público. Pouco importa se não foi encontrada uma única prova de cometimento de crime de responsabilidade pela Presidenta Dilma no curso de seu segundo mandato. Como havia dito o militar, que depois se encarregou do Ministério da Educação no governo do General Médici, tudo isso pouco importa - às favas!
Os trabalhos da Comissão do Impeachment no Senado Federal só têm contribuído para reforçar os argumentos da defesa da presidenta afastada. A farsa da construção retórica das “pedaladas fiscais” tem sido desmontada a cada oitiva e não sobrarão argumentos que possam oferecer sustentação à tese da ilegalidade dos decretos assinados por Dilma para viabilizar os programas sociais em áreas fundamentais, tais como saúde, educação, agricultura e outros. Inclusive porque o próprio vice-presidente havia assinado medidas do mesmo tipo, em momentos de interinidade da titular. Assim, as antecipações de recursos haviam seguido estritamente as recomendações do Tribunal de Contas da União e não podem ser enquadradas como operações de crédito.
Corrupção: entre a retórica e a realidade
A equipe de Temer, ao contrário, não consegue passar uma única semana sem que haja um escândalo envolvendo algum integrante de seu primeiro escalão. Não apenas aumenta a lista dos ministros exonerados por denúncias de corrupção, como até o próprio presidente interino se vê acusado de recebimento de recursos ilícitos. A maioria dos principais integrantes da alta direção de seu partido também aparece nas páginas político-policiais. O presidente afastado da Câmara dos Deputados, o atual presidente do Senado Federal, o ex-presidente Sarney, ministros do governo, etc.
A diferença de tratamento por parte da imprensa e da justiça oferece o verdadeiro retrato da seletividade e do casuísmo. Os boatos contra Dilma se convertiam em manchetes escandalosas. As delações premiadas contra Temer recebem a imagem do desmentido oficial e as desculpas do interino. A condução coercitiva contra Lula foi repercutida, de forma espetacularizada, por transmissões “on line” de quase 24 horas na telinha. Os pedidos de prisão contra Cunha e Calheiros são desconsiderados e tratados como exageros emocionais do Procurador Geral da República.
No entanto, a realidade política é muito mais complexa do que aparenta. Apesar de toda essa tentativa de blindagem do governo provisório, as trapalhadas cometidas por seus integrantes e as maldades embutidas em suas ações de políticas públicas terminam por reduzir a pó os índices de popularidade dos interinos. Temer não tem sossego e não encontra nem mesmo espaço para comunicar aquilo que considera como sendo as “virtudes” de sua agenda positiva. Encontra-se simplesmente atropelado por uma sucessão de escândalos em sua própria cozinha.
Trapalhadas de Temer e desmonte tucano
O maior risco que a aventura golpista oferece ao País é o desmonte que pretende encaminhar do arremedo de Estado de Bem Estar Social ainda existente por aqui. Não será por mera coincidência que as áreas estratégicas de sua equipe estão destinadas aos integrantes da elite do tucanato. José Serra no Ministério das Relações Exteriores. Maria Silvia Bastos Marques no comando do BNDES. Pedro Parente à frente da Petrobrás. Eduardo Guardia como secretário executivo de Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda. Ilan Goldfajn na presidência do Banco Central. Esse cenário se completa com a presença de Aloysio Nunes Ferreira como líder do governo no Senado.
Esses quadros da direita liberal, em íntima articulação com a turma do financismo, tentam escapar ilesos dos respingos proporcionados pelas patacoadas do fisiologismo do PMDB e a da sopa de letrinhas dos partidos nanicos do toma-lá-dá-cá. Recebem um claro tratamento diferenciado por parte dos grandes órgãos de comunicação, que sempre fazem questão de enaltecer a frieza de propósitos de seus integrantes e a necessidade de técnicos responsáveis com coragem de enfrentar com a dureza necessária a crise fiscal. E dá-lhe elogios à política de austericídio - iniciada por Joaquim Levy e Nelson Barbosa, diga-se de passagem.
A insistência em dar continuidade cega à política de superávit primário contribui para o sucateamento radical dos programas de natureza social do governo. As despesas de natureza financeira mantêm intactas – em 2015 chegaram a R$ 540 bilhões, equivalentes a 9% do PIB. O pagamento de juros e serviços da dívida pública sequer é mencionado nos documentos oficiais e nas análises dos especialistas chamados a opinar nas páginas dos jornais ou nos programas de rádio e tv. Para esse povo, os vilões da crise fiscal permanecem sendo as despesas com previdência, saúde, educação, assistência social, habitação e outros.
Intenção é privatizar o mais rápido possível
Além da profunda injustiça social envolvida nessa estratégia, ela abre espaço para a transformação desses importantes direitos republicanos em mais uma espaço para a exploração econômica pelo capital. Ou seja, assistimos à continuidade, agora de forma escancarada, da privatização dos bens públicos estabelecidos na própria Constituição. Ao invés de adotar as recomendações que o próprio FMI acabou por incorporar em suas fileiras, o governo comando pela banca reduz os gastos orçamentários de natureza social e aprofunda os efeitos deletérios da recessão e do desemprego.
Corrupção: entre a retórica e a realidade
A equipe de Temer, ao contrário, não consegue passar uma única semana sem que haja um escândalo envolvendo algum integrante de seu primeiro escalão. Não apenas aumenta a lista dos ministros exonerados por denúncias de corrupção, como até o próprio presidente interino se vê acusado de recebimento de recursos ilícitos. A maioria dos principais integrantes da alta direção de seu partido também aparece nas páginas político-policiais. O presidente afastado da Câmara dos Deputados, o atual presidente do Senado Federal, o ex-presidente Sarney, ministros do governo, etc.
A diferença de tratamento por parte da imprensa e da justiça oferece o verdadeiro retrato da seletividade e do casuísmo. Os boatos contra Dilma se convertiam em manchetes escandalosas. As delações premiadas contra Temer recebem a imagem do desmentido oficial e as desculpas do interino. A condução coercitiva contra Lula foi repercutida, de forma espetacularizada, por transmissões “on line” de quase 24 horas na telinha. Os pedidos de prisão contra Cunha e Calheiros são desconsiderados e tratados como exageros emocionais do Procurador Geral da República.
No entanto, a realidade política é muito mais complexa do que aparenta. Apesar de toda essa tentativa de blindagem do governo provisório, as trapalhadas cometidas por seus integrantes e as maldades embutidas em suas ações de políticas públicas terminam por reduzir a pó os índices de popularidade dos interinos. Temer não tem sossego e não encontra nem mesmo espaço para comunicar aquilo que considera como sendo as “virtudes” de sua agenda positiva. Encontra-se simplesmente atropelado por uma sucessão de escândalos em sua própria cozinha.
Trapalhadas de Temer e desmonte tucano
O maior risco que a aventura golpista oferece ao País é o desmonte que pretende encaminhar do arremedo de Estado de Bem Estar Social ainda existente por aqui. Não será por mera coincidência que as áreas estratégicas de sua equipe estão destinadas aos integrantes da elite do tucanato. José Serra no Ministério das Relações Exteriores. Maria Silvia Bastos Marques no comando do BNDES. Pedro Parente à frente da Petrobrás. Eduardo Guardia como secretário executivo de Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda. Ilan Goldfajn na presidência do Banco Central. Esse cenário se completa com a presença de Aloysio Nunes Ferreira como líder do governo no Senado.
Esses quadros da direita liberal, em íntima articulação com a turma do financismo, tentam escapar ilesos dos respingos proporcionados pelas patacoadas do fisiologismo do PMDB e a da sopa de letrinhas dos partidos nanicos do toma-lá-dá-cá. Recebem um claro tratamento diferenciado por parte dos grandes órgãos de comunicação, que sempre fazem questão de enaltecer a frieza de propósitos de seus integrantes e a necessidade de técnicos responsáveis com coragem de enfrentar com a dureza necessária a crise fiscal. E dá-lhe elogios à política de austericídio - iniciada por Joaquim Levy e Nelson Barbosa, diga-se de passagem.
A insistência em dar continuidade cega à política de superávit primário contribui para o sucateamento radical dos programas de natureza social do governo. As despesas de natureza financeira mantêm intactas – em 2015 chegaram a R$ 540 bilhões, equivalentes a 9% do PIB. O pagamento de juros e serviços da dívida pública sequer é mencionado nos documentos oficiais e nas análises dos especialistas chamados a opinar nas páginas dos jornais ou nos programas de rádio e tv. Para esse povo, os vilões da crise fiscal permanecem sendo as despesas com previdência, saúde, educação, assistência social, habitação e outros.
Intenção é privatizar o mais rápido possível
Além da profunda injustiça social envolvida nessa estratégia, ela abre espaço para a transformação desses importantes direitos republicanos em mais uma espaço para a exploração econômica pelo capital. Ou seja, assistimos à continuidade, agora de forma escancarada, da privatização dos bens públicos estabelecidos na própria Constituição. Ao invés de adotar as recomendações que o próprio FMI acabou por incorporar em suas fileiras, o governo comando pela banca reduz os gastos orçamentários de natureza social e aprofunda os efeitos deletérios da recessão e do desemprego.
A emergência da crise de 2008/9 acabou por obrigar as próprias agências internacionais a sugerirem cautela com a ortodoxia e maior preocupação com o gasto social. Na contramão de tal orientação, a proposta Temer de fixar um teto limitando o percentual desse tipo de despesa oficializa uma postura criminosa e a introduz inclusive como mecanismo constitucional. Isso sem contar a tentativa de oferecer ainda mais “flexibilidade” para gestão do orçamento, por meio do aumento da DRU de 20% para 30% até 2023.
A elite do liberalismo no time provisório pretende acelerar os propósitos de privatização, com o surrado discurso de buscar maior eficiência e redução da dívida pública. Pura balela! Vender patrimônio público em época de crise recessiva e redução da atividade econômica é o pior negócio que o estado pode fazer. O valor dos ativos em geral está despencando e os compradores receberão empresas a preço de banana, exatamente como correu nos momentos do passado recente. O momento requer ações exatamente no sentido oposto: políticas anticíclicas, com maior gasto público e protagonismo do Estado para abrir o caminho para a retomada do crescimento e do desenvolvimento econômicos. A lista é tentadora com gigantes como Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Correios, IRB (resseguros), sem contar todo o potencial de concessões e licitações nos diferentes setores da infraestrutura.
Finalmente, Serra nas relações internacionais começa a mostrar a que veio. Sua missão parece ser a desconstrução do trabalho de consolidação de uma diplomacia que escapasse da mera subordinação aos interesses dos norte-americanos e demais países desenvolvidos. Os sinais são evidentes e abundantes: críticas aos países do bloco do BRICS, iniciativas de ruptura no âmbito do Mercosul e da América Latina, afastamento dos parceiros da África e da Ásia, boicote às instâncias da diplomacia internacional, entre outros.
Derrotar o golpe e retornar ao programa eleito
Como se percebe, para além da questão jurídica e institucional, são ainda muitos os argumentos a justificar o movimento “Fora Temer!”. Trata-se da necessidade de barrar uma iniciativa que pretende impor à sociedade a implementação de um programa de governo que as urnas haviam sucessivamente derrotado em 2002, 2006, 2010 e 2014. O desgaste crescente do governo interino e a decepção inclusive de setores que haviam apoiado o golpe em um primeiro momento pode abrir espaço para a derrota do julgamento definitivo do impeachment no Senado.
No entanto, o possível e necessário retorno de Dilma ao governo deve vir acompanhado de uma sinalização de abandono completo das políticas públicas de conteúdo ortodoxo e conservador. O caminho passa por recuperar os elementos do programa para o qual ela foi eleita, onde estava em evidência uma clara intenção de manter a política de redução de desigualdades e de promoção do desenvolvimento social e econômica.
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
A elite do liberalismo no time provisório pretende acelerar os propósitos de privatização, com o surrado discurso de buscar maior eficiência e redução da dívida pública. Pura balela! Vender patrimônio público em época de crise recessiva e redução da atividade econômica é o pior negócio que o estado pode fazer. O valor dos ativos em geral está despencando e os compradores receberão empresas a preço de banana, exatamente como correu nos momentos do passado recente. O momento requer ações exatamente no sentido oposto: políticas anticíclicas, com maior gasto público e protagonismo do Estado para abrir o caminho para a retomada do crescimento e do desenvolvimento econômicos. A lista é tentadora com gigantes como Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Correios, IRB (resseguros), sem contar todo o potencial de concessões e licitações nos diferentes setores da infraestrutura.
Finalmente, Serra nas relações internacionais começa a mostrar a que veio. Sua missão parece ser a desconstrução do trabalho de consolidação de uma diplomacia que escapasse da mera subordinação aos interesses dos norte-americanos e demais países desenvolvidos. Os sinais são evidentes e abundantes: críticas aos países do bloco do BRICS, iniciativas de ruptura no âmbito do Mercosul e da América Latina, afastamento dos parceiros da África e da Ásia, boicote às instâncias da diplomacia internacional, entre outros.
Derrotar o golpe e retornar ao programa eleito
Como se percebe, para além da questão jurídica e institucional, são ainda muitos os argumentos a justificar o movimento “Fora Temer!”. Trata-se da necessidade de barrar uma iniciativa que pretende impor à sociedade a implementação de um programa de governo que as urnas haviam sucessivamente derrotado em 2002, 2006, 2010 e 2014. O desgaste crescente do governo interino e a decepção inclusive de setores que haviam apoiado o golpe em um primeiro momento pode abrir espaço para a derrota do julgamento definitivo do impeachment no Senado.
No entanto, o possível e necessário retorno de Dilma ao governo deve vir acompanhado de uma sinalização de abandono completo das políticas públicas de conteúdo ortodoxo e conservador. O caminho passa por recuperar os elementos do programa para o qual ela foi eleita, onde estava em evidência uma clara intenção de manter a política de redução de desigualdades e de promoção do desenvolvimento social e econômica.
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
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