Por Tereza Cruvinel, em seu blog:
Na sexta-feira passada, dois dias depois do afastamento definitivo da ex-presidente Dilma Rousseff, o governo de Michel Temer promoveu a troca da maioria dos membros da Comissão Nacional de Anistia, nomeando 19 novos integrantes, um deles acusado de ter sido colaborador da ditadura. As mudanças quebraram uma tradição que vinha do governo FHC, de compor a comissão com pessoas comprometidas com a luta contra a ditadura, a defesa dos ex-presos e perseguidos políticos e a reparação moral e econômica dos anistiados ou de suas famílias, no caso dos mortos e desaparecidos.
Para a presidência, Temer nomeou Almino Afonso, nome respeitável por sua trajetória política e suas convicções democráticas: ex-ministro do Trabalho de João Goulart, ex-cassado e ex-exilado. Sua nomeação, entretanto, não suprime a preocupação das organizações de defesa dos direitos humanos e da memória da luta democrática diante da descontinuidade na composição do colegiado.
O Movimento por Verdade, Memória, Justiça e Reparação protestou em nota: “Ao dispensar esse grupo de conselheiros, o governo Temer coloca a perder quase uma década de memória e de expertise na interpretação e aplicação da legislação de anistia no Brasil”.
Como recorda Sueli Bellato, ex-integrante da Comissão, desde sua instalação, em 2001, pelo então ministro da Justiça de Fernando Henrique, o advogado José Gregori, que foi seu primeiro presidente, os conselheiros e conselheiras eram convidados em função de seus perfis e compromissos. No governo Lula, o então ministro Marcio Thomaz Bastos convidou para a presidência o jurista Marcelo Lavènére que, por sua vez, convidou todos os membros originários do governo FHC a nela permanecerem. Apenas dois aceitaram: Márcio Gontijo, indicado pelos requerentes e familiares de perseguidos políticos, e Wanderley de Oliveira, representante do Ministério da Defesa, conforme prevê a Lei 10559/2002.
“O governo Temer anunciou hoje (sexta-feira, 2/9/2016) uma intervenção inédita na Comissão de Anistia, órgão do Estado brasileiro responsável pelas políticas de reparação e memória para as vítimas da ditadura civil-militar. Pela primeira vez se efetivou uma descontinuidade de sua composição histórica.
Na sexta-feira passada, dois dias depois do afastamento definitivo da ex-presidente Dilma Rousseff, o governo de Michel Temer promoveu a troca da maioria dos membros da Comissão Nacional de Anistia, nomeando 19 novos integrantes, um deles acusado de ter sido colaborador da ditadura. As mudanças quebraram uma tradição que vinha do governo FHC, de compor a comissão com pessoas comprometidas com a luta contra a ditadura, a defesa dos ex-presos e perseguidos políticos e a reparação moral e econômica dos anistiados ou de suas famílias, no caso dos mortos e desaparecidos.
Para a presidência, Temer nomeou Almino Afonso, nome respeitável por sua trajetória política e suas convicções democráticas: ex-ministro do Trabalho de João Goulart, ex-cassado e ex-exilado. Sua nomeação, entretanto, não suprime a preocupação das organizações de defesa dos direitos humanos e da memória da luta democrática diante da descontinuidade na composição do colegiado.
O Movimento por Verdade, Memória, Justiça e Reparação protestou em nota: “Ao dispensar esse grupo de conselheiros, o governo Temer coloca a perder quase uma década de memória e de expertise na interpretação e aplicação da legislação de anistia no Brasil”.
Como recorda Sueli Bellato, ex-integrante da Comissão, desde sua instalação, em 2001, pelo então ministro da Justiça de Fernando Henrique, o advogado José Gregori, que foi seu primeiro presidente, os conselheiros e conselheiras eram convidados em função de seus perfis e compromissos. No governo Lula, o então ministro Marcio Thomaz Bastos convidou para a presidência o jurista Marcelo Lavènére que, por sua vez, convidou todos os membros originários do governo FHC a nela permanecerem. Apenas dois aceitaram: Márcio Gontijo, indicado pelos requerentes e familiares de perseguidos políticos, e Wanderley de Oliveira, representante do Ministério da Defesa, conforme prevê a Lei 10559/2002.
Novos integrantes foram nomeados mas o perfil da comissão não se alterou. Em 2007, com a saída de Marcio Thomaz Bastos do ministério, Lavenére também pediu afastamento e foi substituído, na gestão de Tarso Genro, Lavènére foi substituído pelo advogado Paulo Abrão. Novamente todos os conselheiros foram convidados a permanecer e quatro aceitaram o convite: Marcio Gontijo, Wanderlei de Oliveira, Ana Maria de Oliveira e Sueli Bellato, contribuindo para preservar a memória e a experiência da comissão.
- Os conselheiros e conselheiras sempre tiveram em comum a defesa dos interesses da agenda da Justiça de Transição, que compreende a reparação moral e econômica aos que foram perseguidos pelo Estado por motivo exclusivamente politico e o fortalecimento da democracia, com as devidas e necessárias reformas das instituições, para que violações de direitos não se repitam – diz Sueli Bellato.
Sete conselheiros que foram nomeados nos governos Dilma e Lula foram exonerados: Ana Guedes, do Grupo Tortura Nunca Mais e do Comitê Brasileiro pela Anistia na Bahia; José Carlos Moreira da Silva Filho, vice-presidente e professor do programa de pós-graduação em Ciências Criminais da PUC-RS; Virginius Lianza da Franca, ex-coordenador geral do Comitê Nacional para Refugiados; Manoel Moraes, membros da Comissão Estadual da Verdade de Pernambuco e ex-membro do GAJOP; Carol Melo, professora do núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio; e Márcia Elayne Moraes, ex-membro do Comitê Estadual contra a Tortura do Rio Grande do Sul.
- Os conselheiros e conselheiras sempre tiveram em comum a defesa dos interesses da agenda da Justiça de Transição, que compreende a reparação moral e econômica aos que foram perseguidos pelo Estado por motivo exclusivamente politico e o fortalecimento da democracia, com as devidas e necessárias reformas das instituições, para que violações de direitos não se repitam – diz Sueli Bellato.
Sete conselheiros que foram nomeados nos governos Dilma e Lula foram exonerados: Ana Guedes, do Grupo Tortura Nunca Mais e do Comitê Brasileiro pela Anistia na Bahia; José Carlos Moreira da Silva Filho, vice-presidente e professor do programa de pós-graduação em Ciências Criminais da PUC-RS; Virginius Lianza da Franca, ex-coordenador geral do Comitê Nacional para Refugiados; Manoel Moraes, membros da Comissão Estadual da Verdade de Pernambuco e ex-membro do GAJOP; Carol Melo, professora do núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio; e Márcia Elayne Moraes, ex-membro do Comitê Estadual contra a Tortura do Rio Grande do Sul.
Outros seis já haviam entregado seus cargos logo após a consumação do golpe. Entre eles o ex-deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG), que foi também Secretário Nacional de Direitos Humanos, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara e membro da Comissão Nacional de Mortos e Desaparecidos. A conselheira Rita Sipahi, que foi companheira de prisão de Dilma, permanece na comissão.
No sábado, o repórter Evandro Éboli mostrou, em O Globo, que um dos 19 nomeados por Temer, o ex-sargento do Exército durante o regime militar e advogado e professor de direito em Natal (RN) Paulo Lopo Saraiva, aparece em documentos do SNI como colaborador da ditadura, informação registrada pela Comissão da Verdade da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Informe do SNI de 1978 diz que Lopo "foi sargento do Exército e, na época em que servia no QG da antiga ID/7, desempenhou funções na 2ª seção, antes e depois da Revolução de 31 de março de 64, onde participou de ações contra a subversão, tendo atuado como escrivão de inquérito instaurados para apurar corrupção em prefeituras do interior do estado”. Ele nega a veracidade do informe, diz ter sido perseguido porque era tido como comunista, que foi conselheiro da OAB e nunca colaborou com a repressão ou participou de inquéritos quando serviu ao Exército.
A veracidade ou não da acusação não elimina o fato de que o novo governo pretende, com a quebra da tradição, alterar os rumos da Comissão, que ainda tem centenas de pedidos de anistia e reparação para examinar.
Abaixo, nota do Movimento por Verdade, Memória, Justiça e Reparação:
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No sábado, o repórter Evandro Éboli mostrou, em O Globo, que um dos 19 nomeados por Temer, o ex-sargento do Exército durante o regime militar e advogado e professor de direito em Natal (RN) Paulo Lopo Saraiva, aparece em documentos do SNI como colaborador da ditadura, informação registrada pela Comissão da Verdade da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Informe do SNI de 1978 diz que Lopo "foi sargento do Exército e, na época em que servia no QG da antiga ID/7, desempenhou funções na 2ª seção, antes e depois da Revolução de 31 de março de 64, onde participou de ações contra a subversão, tendo atuado como escrivão de inquérito instaurados para apurar corrupção em prefeituras do interior do estado”. Ele nega a veracidade do informe, diz ter sido perseguido porque era tido como comunista, que foi conselheiro da OAB e nunca colaborou com a repressão ou participou de inquéritos quando serviu ao Exército.
A veracidade ou não da acusação não elimina o fato de que o novo governo pretende, com a quebra da tradição, alterar os rumos da Comissão, que ainda tem centenas de pedidos de anistia e reparação para examinar.
Abaixo, nota do Movimento por Verdade, Memória, Justiça e Reparação:
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“O governo Temer anunciou hoje (sexta-feira, 2/9/2016) uma intervenção inédita na Comissão de Anistia, órgão do Estado brasileiro responsável pelas políticas de reparação e memória para as vítimas da ditadura civil-militar. Pela primeira vez se efetivou uma descontinuidade de sua composição histórica.
Desde a sua criação pelo governo FHC, a comissão é composta por conselheiros e conselheiras com grande histórico de atuação na área dos direitos humanos, mantendo-se, ao longo do tempo, a integralidade dos seus membros e as composições integrais advindas dos governos anteriores. Os eventuais desligamentos de conselheiros(as)sempre ocorreram por iniciativas pessoais dos próprios membros, sendo substituídos(as) gradativamente.
Essa característica sempre assegurou a pluralidade em seu formato que, até pouco tempo atrás, abrigava inclusive membros nomeados para sua primeira composição ainda no governo FHC em 2001. Isto reflete a compreensão da Comissão de Anistia como um órgão de Estado e não de governo.
Além disso, novas nomeações sempre foram precedidas por um processo de escuta aos movimentos dos familiares de mortos e desaparecidos, de ex-presos políticos e exilados, além de organizações e coletivos de luta por verdade, justiça, memoria e reparação. Pela primeira vez na história da Comissão de Anistia foram nomeados novos membros sem nenhuma consulta à sociedade civil e pela primeira vez foram exonerados coletivamente membros que não solicitaram desligamento.
Além disso, novas nomeações sempre foram precedidas por um processo de escuta aos movimentos dos familiares de mortos e desaparecidos, de ex-presos políticos e exilados, além de organizações e coletivos de luta por verdade, justiça, memoria e reparação. Pela primeira vez na história da Comissão de Anistia foram nomeados novos membros sem nenhuma consulta à sociedade civil e pela primeira vez foram exonerados coletivamente membros que não solicitaram desligamento.
O Diário Oficial da União publicou duas portaria do Ministro Alexandre de Moraes, uma com a nomeação de 20 novos conselheiros e outra com a exoneração de 6 membros atuais que não haviam solicitado desligamento do órgão. Outros 10 atuais conselheiros foram mantidos. Não foram divulgados os critérios desta seletividade.
Os conselheiros desligados são Ana Guedes, do Grupo Tortura Nunca Mais da Bahia e ex-presidente do Comitê Brasileiro pela Anistia na Bahia; José Carlos Moreira da Silva Filho, vice-presidente e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUC-RS; Virginius Lianza da Franca, ex-coordenador geral do Comitê Nacional para Refugiados; Manoel Moraes, membro da Comissão Estadual da Verdade de Pernambuco e ex-membro do GAJOP; Carol Melo, professora do núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio; Marcia Elayne Moraes, ex-membro do comitê estadual contra a tortura do RS.
Ao dispensar esse grupo de Conselheiros, o governo Temer coloca a perder quase uma década de memória e de expertise na interpretação e aplicação da legislação de anistia no Brasil. Uma outra portaria nomeou no mesmo dia, de uma só vez, 20 novos conselheiros e conselheiras. Alguns dos nomes anunciados são vinculados doutrinariamente ao polêmico professor de Direito Constitucional da USP Manoel Gonçalves Ferreira Filho, conhecido teórico e apoiador da ditadura civil-militar instaurada no Brasil em 1964, por ele denominada “Revolução de 1964” e escreveram um livro em sua homenagem.
O jornal O Globo, por sua vez, trouxe uma outra grave denúncia de que pelo menos um dos novos membros são suspeitos de terem sido colaboradores da ditadura militar. Veja aqui: http://m.oglobo.globo.com/brasil/nomeado-para-comissao-da-anistia-aparece-como-colaborador-da-ditadura-20043410
Caso a nova composição da Comissão de Anistia reflita o pensamento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho e tenha entre seus membros simpatizantes ou colaboradores com a ditadura trata-se de uma desfuncionalidade e um sério risco à posição oficial do órgão sobre a devida responsabilização penal dos agentes públicos que praticaram crimes de lesa-humanidade na ditadura.
A Comissão de Anistia tem estimulado, como parte dos compromissos internacionais do Brasil, o debate público nacional sobre o alcance da lei de anistia e possui uma posição clara e oficial pela imprescritibilidade e impossibilidade de lei de anistia para os crimes da ditadura, bem como defende o cumprimento integral da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso Araguaia, sediada em São José da Costa Rica.
A atual composição da Comissão de Anistia foi responsável pela redução dos valores das indenizações milionárias concedidas no início da era FHC, ajustando-as a valores de mercado, e acelerou o julgamento dos pedidos de reparação, instituindo o pedido de desculpas às vítimas e as famílias.
A Comissão de Anistia também é conhecida internacionalmente por ter empreendido de maneira inovadora e sensível políticas públicas de memória e projetos vanguardistas como as Caravanas da Anistia, as Clínicas do Testemunho, o Projeto Marcas da Memória, e por ter iniciado a construção do Memorial da Anistia, realização de eventos e intercâmbios acadêmicos e culturais, e inúmeras publicações que aprofundam o sentido da Justiça de Transição no Brasil e na América Latina. Estes programas e projetos compõem hoje o Programa Brasileiro de Reparação Integral, reconhecido e celebrado internacionalmente, e fazem parte do rol dos direitos de todos aqueles que foram atingidos por atos de exceção durante a ditadura civil-militar e aos seus familiares.
Esses direitos devem ser preservados, sob pena de ruptura com o dever integral de reparação. Os movimentos de direitos humanos e cidadãos abaixo assinados repudiam a arbitrariedade destas exonerações e nomeações na Comissão de Anistia e denunciam o início da tentativa de desmonte destas políticas que marcam a nossa transição democrática e que são parte de obrigações internacionalmente assumidas pelo Estado brasileiro. Do mesmo modo denuncia o absurdo de ter entre os membros da nova Comissão nomes de pessoas que não possuem posição de oposição enfática de condenação à ditadura e aos crimes militares ou, pior, que possam ter sido colaboradores da Ditadura.
Esses direitos devem ser preservados, sob pena de ruptura com o dever integral de reparação. Os movimentos de direitos humanos e cidadãos abaixo assinados repudiam a arbitrariedade destas exonerações e nomeações na Comissão de Anistia e denunciam o início da tentativa de desmonte destas políticas que marcam a nossa transição democrática e que são parte de obrigações internacionalmente assumidas pelo Estado brasileiro. Do mesmo modo denuncia o absurdo de ter entre os membros da nova Comissão nomes de pessoas que não possuem posição de oposição enfática de condenação à ditadura e aos crimes militares ou, pior, que possam ter sido colaboradores da Ditadura.
O governo Temer, com esta atitude arbitrária, comete um erro histórico que afeta a continuidade da agenda pendente do processo de transição democrática, e com isso aprofunda as suas características de um governo ilegítimo, sem fundamento na soberania popular.
São iniciativas muito graves e unilaterais que sinalizam o início de um desmonte na Comissão de Anistia, conquista histórica da sociedade democrática brasileira, e uma ofensa aos direitos das vítimas da ditadura e os seus familiares.
Não aceitaremos retrocesso nas conquistas da Justiça de Transição no Brasil. Nem um direito a menos!
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