Por Murilo Cleto, na revista CartaCapital:
Quatro meses depois da posse, o governo Temer já não precisa dar mais sinais de que a rasteira que destituiu Dilma do Planalto também derrubou boa parte daqueles que permitiram a sua ascensão à presidência.
Se, por um lado, não faltam agentes do impeachment em lua de mel com o governo que já não é mais interino, por outro as multidões que inundaram de verde e amarelo as ruas do país em 2015 têm tudo pra estar cada vez mais desapontadas.
E não é para menos. Para atender aos interesses dos donos do PIB, tramitam, a toque de caixa, o PLC 30, que prevê a terceirização de atividades-fim; o PL 4193, que faz prevalecer o negociado sobre o legislado; o PL 427, que incentiva a negociação individual entre empregado e empregador. Hoje a intenção do governo é que a idade mínima para aposentadoria seja de 65 anos e que ela definitivamente não acompanhe a evolução do salário mínimo.
Mais grave ainda é a PEC 241. Na prática, o que prevê o texto que congela gastos públicos por um período de 20 anos é a desvinculação constitucional de investimentos em Educação e Saúde. Definitivamente, não foi para isso que se mobilizaram as ruas em 2015.
Elas, as ruas, foram o álibi que os verdadeiros credores do impeachment precisavam para a rasteira em Dilma. E não demorou nada para que a rasteira também as atingisse em cheio. Porque, seja como for, o governo Temer é justamente o oposto do que se clamava. E, pior, uma versão potencializada do que tanto se expurgou.
Ainda que as manifestações pró-impeachment tenham sido terreno mais do que fértil para todas as formas de violência contra direitos sociais, alguns consensos em torno do caráter patrimonialista do Estado passaram quase despercebidos pela esquerda e por governistas.
Por exemplo, entre aqueles que desfilaram pela Avenida Paulista nos protestos de agosto no ano passado, 97% concordavam com a universalidade de serviços públicos de Saúde e 96% com a sua gratuidade. Já sobre Educação, os índices sobem para 98% e 97%, respectivamente.
São números mais que expressivos. E hoje eles reforçam que o que motivou milhões de brasileiros a irem às ruas contra o governo petista não foi – pelo menos não majoritariamente – o ódio de classe, a aversão aos programas sociais e o macartismo, mas a percepção de que a corrupção estava instalada nas estruturas de um Estado corroído por ela. 99% consideravam graves, como era de se esperar, os escândalos do Mensalão e da Lava-Jato.
E o que fez o governo Temer foi, primeiro, nomear um exército de envolvidos em esquemas de corrupção para acomodar a classe política com medo de ir para a cadeia e, segundo, explorar a crise econômica e o sucateamento dos serviços públicos para afagar a iniciativa privada sinalizando concessões.
Tem sido assim com o ministro Ricardo Barros, que, diante da precariedade da Saúde, tem oferecido como remédio a drástica redução do SUS. Se ainda faltava o exemplo perfeito para a metáfora do bebê jogado fora junto com a água do banho, agora não falta mais.
Essa rasteira foi possível, dentre outras coisas, porque tanto o PMDB quanto os principais grupos pró-impeachment souberam desvincular com maestria a derrocada da presidenta eleita da posse de Temer. Quer dizer, quem foi às ruas pedir o “Fora Dilma” não estava embalado pelo “Bora Temer”, embora fosse justamente isso que, hoje sabe-se, queriam os movimentos sociais que convocaram as manifestações e as entidades patronais que as financiaram.
Noutra ponta, a esquerda ligada ao PT errou ao se colocar nas ruas mais como pressão pela volta de Dilma do que pelos direitos sociais, diariamente golpeados durante a interinidade e que, verdade seja dita, já estavam ao menos parcialmente comprometidos antes do impeachment. Desta forma, a adesão de coletivos e mesmo cidadãos mais independentes acabou sendo severamente prejudicada. E muito do que se viu no “Fora Temer” era apenas uma versão do “Volta Dilma”.
Com a consolidação do impeachment no Senado, a “guerra de mentira”, como apontou em analogia brilhante no El País Brasil o filósofo Rodrigo Nunes, chegou ao fim. E o retorno da presidenta já não é mais uma possibilidade. Não é coincidência, portanto, que de lá para cá as mobilizações contra Temer só tenham crescido.
Por mais forçoso que seja admitir para a militância de esquerda, encontrar esses pontos de convergência com os que pressionaram o Congresso nas ruas pela queda de Dilma é mais do que urgente se se quer um Estado capaz de garantir direitos historicamente adquiridos e nunca tão fortemente ameaçados.
Porque o Vem Pra Rua já avisou que não vai mais. A cada dia que passa o MBL se mostra menos livre. Os Revoltados Online desligaram o wi-fi. E a Fiesp, como prometeu, não vai mesmo pagar o pato. Alguém foi enganado e precisa saber disso.
* Murilo Cleto é professor, historiador, autor e organizador do livro “Por que gritamos Golpe?” (Boitempo, 2016).
Se, por um lado, não faltam agentes do impeachment em lua de mel com o governo que já não é mais interino, por outro as multidões que inundaram de verde e amarelo as ruas do país em 2015 têm tudo pra estar cada vez mais desapontadas.
E não é para menos. Para atender aos interesses dos donos do PIB, tramitam, a toque de caixa, o PLC 30, que prevê a terceirização de atividades-fim; o PL 4193, que faz prevalecer o negociado sobre o legislado; o PL 427, que incentiva a negociação individual entre empregado e empregador. Hoje a intenção do governo é que a idade mínima para aposentadoria seja de 65 anos e que ela definitivamente não acompanhe a evolução do salário mínimo.
Mais grave ainda é a PEC 241. Na prática, o que prevê o texto que congela gastos públicos por um período de 20 anos é a desvinculação constitucional de investimentos em Educação e Saúde. Definitivamente, não foi para isso que se mobilizaram as ruas em 2015.
Elas, as ruas, foram o álibi que os verdadeiros credores do impeachment precisavam para a rasteira em Dilma. E não demorou nada para que a rasteira também as atingisse em cheio. Porque, seja como for, o governo Temer é justamente o oposto do que se clamava. E, pior, uma versão potencializada do que tanto se expurgou.
Ainda que as manifestações pró-impeachment tenham sido terreno mais do que fértil para todas as formas de violência contra direitos sociais, alguns consensos em torno do caráter patrimonialista do Estado passaram quase despercebidos pela esquerda e por governistas.
Por exemplo, entre aqueles que desfilaram pela Avenida Paulista nos protestos de agosto no ano passado, 97% concordavam com a universalidade de serviços públicos de Saúde e 96% com a sua gratuidade. Já sobre Educação, os índices sobem para 98% e 97%, respectivamente.
São números mais que expressivos. E hoje eles reforçam que o que motivou milhões de brasileiros a irem às ruas contra o governo petista não foi – pelo menos não majoritariamente – o ódio de classe, a aversão aos programas sociais e o macartismo, mas a percepção de que a corrupção estava instalada nas estruturas de um Estado corroído por ela. 99% consideravam graves, como era de se esperar, os escândalos do Mensalão e da Lava-Jato.
E o que fez o governo Temer foi, primeiro, nomear um exército de envolvidos em esquemas de corrupção para acomodar a classe política com medo de ir para a cadeia e, segundo, explorar a crise econômica e o sucateamento dos serviços públicos para afagar a iniciativa privada sinalizando concessões.
Tem sido assim com o ministro Ricardo Barros, que, diante da precariedade da Saúde, tem oferecido como remédio a drástica redução do SUS. Se ainda faltava o exemplo perfeito para a metáfora do bebê jogado fora junto com a água do banho, agora não falta mais.
Essa rasteira foi possível, dentre outras coisas, porque tanto o PMDB quanto os principais grupos pró-impeachment souberam desvincular com maestria a derrocada da presidenta eleita da posse de Temer. Quer dizer, quem foi às ruas pedir o “Fora Dilma” não estava embalado pelo “Bora Temer”, embora fosse justamente isso que, hoje sabe-se, queriam os movimentos sociais que convocaram as manifestações e as entidades patronais que as financiaram.
Noutra ponta, a esquerda ligada ao PT errou ao se colocar nas ruas mais como pressão pela volta de Dilma do que pelos direitos sociais, diariamente golpeados durante a interinidade e que, verdade seja dita, já estavam ao menos parcialmente comprometidos antes do impeachment. Desta forma, a adesão de coletivos e mesmo cidadãos mais independentes acabou sendo severamente prejudicada. E muito do que se viu no “Fora Temer” era apenas uma versão do “Volta Dilma”.
Com a consolidação do impeachment no Senado, a “guerra de mentira”, como apontou em analogia brilhante no El País Brasil o filósofo Rodrigo Nunes, chegou ao fim. E o retorno da presidenta já não é mais uma possibilidade. Não é coincidência, portanto, que de lá para cá as mobilizações contra Temer só tenham crescido.
Por mais forçoso que seja admitir para a militância de esquerda, encontrar esses pontos de convergência com os que pressionaram o Congresso nas ruas pela queda de Dilma é mais do que urgente se se quer um Estado capaz de garantir direitos historicamente adquiridos e nunca tão fortemente ameaçados.
Porque o Vem Pra Rua já avisou que não vai mais. A cada dia que passa o MBL se mostra menos livre. Os Revoltados Online desligaram o wi-fi. E a Fiesp, como prometeu, não vai mesmo pagar o pato. Alguém foi enganado e precisa saber disso.
* Murilo Cleto é professor, historiador, autor e organizador do livro “Por que gritamos Golpe?” (Boitempo, 2016).
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