terça-feira, 18 de outubro de 2016

Mercosul e Brics: alvos do golpismo

Por José Arbex Jr., na revista Caros Amigos:

“Não gostamos muito do fato de que o chanceler (José) Serra tenha vindo ao Uruguai nos dizer – ele fez isso publicamente, por isso digo – que pretendiam suspender a passagem (da presidência do Mercosul para a Venezuela) e que, se ela fosse realmente suspensa, nos apoiariam em suas negociações com outros países, como se estivesse tentando comprar o voto do Uruguai”, disse Rodolfo Nin Novoa, ministro das Relações Exteriores uruguaio, aos deputados de seu país, em 10 de agosto, durante uma audiência da Comissão de Assuntos Internacionais.

A denúncia de Novoa provocou um previsível desmentido do Itamaraty, que não convence ninguém. A tentativa de “comprar” o voto do Uruguai contra a Venezuela está plenamente de acordo com a política externa adotada pelo governo golpista: abandonar, ou deixar à míngua, o Mercosul e os Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), privilegiando a participação do Brasil nos tratados ultraliberais em fase de negociações, como o Tisa (comércio de serviços), o TPP (transpacífico) e o Tafta (transatlântico), conforme deseja a Casa Branca.

Pelo andar normal da carruagem, que prevê o rodízio de países na presidência do Mercosul, a Venezuela deveria assumir, neste semestre, o comando da aliança, mas Brasil, Paraguai e Argentina se opõem à medida, tendo como pretexto o cenário de crise política e econômica no país. Do ponto de vista “doutrinário”, os golpistas alegam não poderem aceitar a Venezuela, por Caracas não ter assinado o Protocolo de Ushuaia, que impõe o respeito à democracia e aos direitos humanos como condição para participar do Mercosul.

Coube ao deputado Jean Wyllys (PSol) dar a melhor resposta: “Um governo que chega ao poder sem respeitar o voto de 54 milhões de brasileiros não se pode atrever a dar lições de democracia”. Se um dos primeiros alvos da política externa do governo golpista foi a Venezuela, isso se deve precisamente ao fato de Caracas ser a “besta negra” da esquerda latino-americana (independentemente do desastre ambulante chamado Nicolás Maduro).

Trata-se de abandonar qualquer propósito de voo livre, ainda que de curta amplitude, e submeter-se completa e passivamente às determinações de Washington. É preciso acabar com essa história de concluir acordos regionais para proteger os respectivos mercados (como no caso do Mercosul), e de traçar estratégias de bloco que criem alternativas fi nanceiras às instituições controladas por Washington (como no caso dos Brics, que decidiram criar o seu próprio banco central).O governo golpista não esconde sua aversão à participação do Brasil no Mercosul e nos Brics. Ao contrário, assim que assumiu o cargo de ministro, em 12 de maio, Serra declarou que sua intenção era “despolitizar” a política externa brasileira, para abraçar uma perspectiva “pragmática” e “sem ideologia”. O Mercosul – e, em outra dimensão, os Brics –, para o novo ministro, é uma plataforma anacrônica e ultrapassada, que apenas atrapalha a realização de acordos bilaterais, em nome de uma política externa supostamente independente.

A atual crise do Mercosul, artificialmente produzida, serve como pretexto para aprofundar a paralisia da aliança, aplainando o caminho para que o Brasil “flexibilize” cláusulas fundamentais como a 32/2000, que impede que qualquer país-membro, isoladamente, concretize ações bilaterais de livre comércio praticando taxas inferiores às acertadas mediante comum acordo entre os membros. O fim da cláusula esvaziará o Mercosul de qualquer significado econômico. Significará o seu fim.

Banida a cláusula, na prática, qualquer integrante da aliança poderá importar produtos dos Estados Unidos e europeus, sem passar sequer por uma consulta junto aos demais membros. Considerando que boa parte da produção brasileira de manufaturados (produtos que empregam tecnologia de ponta, com alto valor agregado) é destinada ao próprio Mercosul, a liberalização total vai empurrar a indústria nacional para um buraco ainda maior do que já está. Basta considerar que a indústria de transformação nacional contribui com apenas 11% do Produto Interno Bruto (PIB), taxa baixíssima, sob qualquer ponto de vista. O Brasil passa, de fato, por um processo perigoso de desindustrialização. O Big Brother do norte agradece.

Para acalmar os temores dos poucos empresários nacionais que ainda ocupam um lugar importante na produção industrial, Serra disse que os acordos bilaterais serão limitados, por enquanto, a pequenos países europeus, como Suíça e Islândia. Mas é óbvio que nada poderá impedir a realização de acordos, posteriormente, com a União Europeia e os Estados Unidos. Não por acaso, os golpistas proclamaram, em julho, a adesão do Brasil às negociações em torno do Tisa. E tanto Temer quanto Serra já disseram que querem se aproximar da Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, Peru, México e Costa Rica), porta de entrada para o TPP, por se tratar da “região mais promissora do século 21”.

A viagem de Temer a China, em setembro, teve um caráter bilateral. Não deve ocultar o crescente distanciamento do Brasil em relação aos Brics, como nota o próprio governo chinês. “O presidente interino, Michel Temer, se aproveitou para alterar a estratégia diplomática do País e deixar de priorizar as relações com os Brics”, diz um artigo publicado, em junho, pela agência oficial Xinhua, porta-voz dos mandarins de Pequim. Zhou Zhiwei, diretor executivo do Centro de Estudos Brasileiros do Instituto de América Latina da Academia de Ciências Sociais da China, vê um sentido político imediato nas ações do governo golpista: “Temer tentará fortalecer a relação com os Estados Unidos e Europa a fim de que eles reconheçam a legitimidade do governo interino, e, para tanto, será forçado a manter distância dos membros do Brics para evitar desagradar Washington”.

Assim, a lumpemburguesia brasileira assume descaradamente o seu caráter mais vil, vagabundo e subordinado ao superimperialismo. Sequer as veleidades minimamente protecionistas, ensaiadas pelo governo Lula, são toleradas. Mercosul e Brics são descartados como excrescências pelo juggernaut do capital. A total subordinação da política externa apenas complementa a reforma das leis domésticas – como a da Previdência e a da CLT – que desamparam o trabalho frente ao capital. O lumpesinato burguês prepara as condições para a destruição.

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