Por Tomaz Paoliello, no site Outras Palavras:
O ministro das Relações Exteriores, José Serra, parece desastrado. Declarações fortes, posições polêmicas, bate-bocas diplomáticos. Os chamativos primeiros passos da política externa do ministro indicado pelo presidente Michel Temer poderiam ser descritos mais precisamente como tropeços. Em pouco tempo à frente do governo, crises nas relações com Bolívia, Equador, Uruguai e Venezuela, todos importantes parceiros regionais do Brasil. No entanto, apesar da aparência de incompetência alimentada por seus críticos, é possível perceber a espetaculosidade da agenda serrista para a América do Sul também como estratégia. Por mais que pareça à deriva, o atual ministro das Relações Exteriores navega. Sua política externa pode ser explicada por quatro forças distintas, ventos que por ora sopram na mesma direção. São esses os ventos que guiam as ações do chanceler na direção do confronto e do dissenso, notavelmente nas relações com os parceiros de Mercosul, Uruguai e Venezuela.
A principal força que empurra Serra é sua ambição pessoal para a presidência em 2018, cogitada por analistas como o principal motivo para que aceitasse o ministério. Para esse fim, Serra terá que trabalhar rapidamente para superar três adversários, dois deles concorrentes diretos dentro do PSDB, Geraldo Alckmin e Aécio Neves. Os dois acumulam uma derrota a menos que o chanceler em disputas presidenciais. Além disso, os dois tiveram mais palanque do que Serra até sua subida ao cargo de ministro, Aécio na disputa à presidência e Alckmin ao governo de São Paulo em 2014. A atenção gerada pela grande repercussão das ações de Serra junto aos vizinhos do Mercosul, mesmo que vista de maneira negativa, traz o nome do possível candidato de volta às manchetes. A polêmica é, atualmente, aliada de Serra. Adicionalmente, o ministro corre ainda contra mais um importante adversário rumo à indicação presidencial, a operação Lava Jato. É dali que pode vir o golpe mais forte contra sua ambição presidencial. Uma denúncia significaria uma mudança nos rumos da política externa, possivelmente pela via do afastamento precoce do ministro. Até o momento, as operações da Polícia Federal e os grandes veículos de imprensa esconderam ou atenuaram as denúncias contra o ministro. Dadas as disputas internas do PSDB e do governo Temer, esse quadro pode mudar rapidamente.
A segunda força importante que infla as velas de José Serra em sua ação internacional é o antipetismo. É pela via da desaprovação à Dilma e ao PT que Serra se comunica com o público. Como sua própria imagem e aprovação não inspiram confiança, age construindo popularidade através da negação. Nesse sentido, qualquer publicidade obtida por ações que confrontem as diretrizes da política externa do período anterior surge como repercussão positiva. O caso digno de nota é o enfrentamento da Venezuela e do espantalho do bolivarianismo dentro do Mercosul. O acordo que impediu a Venezuela de assumir a presidência do bloco pode ser considerado uma vitória de Serra: reforça a posição de que aceitar a Venezuela dentro do Mercosul foi um erro do governo petista. Por outro lado, se a Venezuela tivesse assumido a presidência do bloco, o fato poderia ter servido de munição para alegar a suposta irrelevância da clausula democrática do Mercosul e impulsionado o desmonte de uma das principais peças da política externa do PT. Em seu embate com a Venezuela, Serra ganha em qualquer cenário. Apesar dessa evidente situação de vantagem, o vento do antipetismo pode se extinguir tão logo termine a demolição da política externa petista sem que se construa algo em seu lugar. Se a estratégia de Serra funcionar, veremos dois anos de um lento desmonte.
O terceiro vento sopra, até o momento, em uníssono com os anteriores. É a crise do Estado brasileiro. Foi por um dos atos dessa mesma crise, o impeachment de Dilma Rousseff, que Serra chega ao ministério. O chancelar enfrenta uma situação de cortes nos orçamentos do governo, inclusive para o MRE. A escassez de recursos durante o governo Dilma certamente impulsionou a popularidade do impeachment dentro do Itamaraty, que conta com um amplo setor favorável ao ministro. A seca no ministério causou não apenas problemas na manutenção dos funcionários, mas também endividamento junto às grandes organizações internacionais e sucateamento de projetos de cooperação. Enquanto o dinheiro brasileiro fará relativamente pouca falta a grandes organismos internacionais, o fechamento das torneiras brasileiras pode ser bem mais perigoso para os projetos de cooperação sul-sul e para os órgãos regionais, dos quais o Brasil é um dos principais sócios. Ademais, se Serra terá pouca munição para atirar, mas precisa fazer muito barulho, a solução é disparar balas de festim. Não é à toa que os alvos escolhidos até o momento sejam próximos, frágeis e criem muita repercussão: a Venezuela e o Mercosul. Poucas viagens e algumas declarações geram importantes crises diplomáticas e grande estardalhaço. A proposta feita ao Uruguai de negociar acordos comerciais por fora do bloco tem grande impacto, mesmo que não signifique nenhuma ação concreta. Serra ultrajou o governo e a diplomacia uruguaios, tratados como submissos ao Brasil, e comunicou o ímpeto brasileiro de deixar de negociar acordos em bloco, a principal opção estratégica brasileira nas últimas três décadas. A coleção de crises em pouco tempo e em diversos níveis é um sucesso de custo-benefício. O desmonte dos organismos regionais pode combinar com a necessidade de economia de recursos.
Por fim, é possível indicar que uma brisa de convicção também seja responsável por mover a política externa serrista. O ímpeto pela implosão do Mercosul, por exemplo, já aparecera nos discursos e no programa de governo apresentado por Aécio Neves em 2014. Esse programa, formulado pelo ex-embaixador Rubens Barbosa, teve eco também no documento Uma Ponte para o Futuro, apresentada pelo PMDB como um “programa de governo Temer”. As ideias fortes dos documentos são a redução das parcerias brasileiras com o chamado Sul Global, que supostamente custariam muito caro e trariam pouco benefício; e a inclusão do Brasil nas chamadas “cadeias globais de valor” através da assinatura de acordos de comércio bilaterais com os países desenvolvidos. Apesar da fraqueza ideológica dessa posição, essa brisa traz amarrados os interesses de diversos dos fiadores da ascensão de Serra ao ministério, entre eles setores políticos, das burocracias estatais e principalmente do empresariado e do agronegócio. Se o afastamento das parcerias no Sul é fácil de fazer, a aproximação com novos parceiros pode ser demorada e custosa, erodindo o bloco de interesses que apoia essa visão de mundo.
O ministro das Relações Exteriores, José Serra, parece desastrado. Declarações fortes, posições polêmicas, bate-bocas diplomáticos. Os chamativos primeiros passos da política externa do ministro indicado pelo presidente Michel Temer poderiam ser descritos mais precisamente como tropeços. Em pouco tempo à frente do governo, crises nas relações com Bolívia, Equador, Uruguai e Venezuela, todos importantes parceiros regionais do Brasil. No entanto, apesar da aparência de incompetência alimentada por seus críticos, é possível perceber a espetaculosidade da agenda serrista para a América do Sul também como estratégia. Por mais que pareça à deriva, o atual ministro das Relações Exteriores navega. Sua política externa pode ser explicada por quatro forças distintas, ventos que por ora sopram na mesma direção. São esses os ventos que guiam as ações do chanceler na direção do confronto e do dissenso, notavelmente nas relações com os parceiros de Mercosul, Uruguai e Venezuela.
A principal força que empurra Serra é sua ambição pessoal para a presidência em 2018, cogitada por analistas como o principal motivo para que aceitasse o ministério. Para esse fim, Serra terá que trabalhar rapidamente para superar três adversários, dois deles concorrentes diretos dentro do PSDB, Geraldo Alckmin e Aécio Neves. Os dois acumulam uma derrota a menos que o chanceler em disputas presidenciais. Além disso, os dois tiveram mais palanque do que Serra até sua subida ao cargo de ministro, Aécio na disputa à presidência e Alckmin ao governo de São Paulo em 2014. A atenção gerada pela grande repercussão das ações de Serra junto aos vizinhos do Mercosul, mesmo que vista de maneira negativa, traz o nome do possível candidato de volta às manchetes. A polêmica é, atualmente, aliada de Serra. Adicionalmente, o ministro corre ainda contra mais um importante adversário rumo à indicação presidencial, a operação Lava Jato. É dali que pode vir o golpe mais forte contra sua ambição presidencial. Uma denúncia significaria uma mudança nos rumos da política externa, possivelmente pela via do afastamento precoce do ministro. Até o momento, as operações da Polícia Federal e os grandes veículos de imprensa esconderam ou atenuaram as denúncias contra o ministro. Dadas as disputas internas do PSDB e do governo Temer, esse quadro pode mudar rapidamente.
A segunda força importante que infla as velas de José Serra em sua ação internacional é o antipetismo. É pela via da desaprovação à Dilma e ao PT que Serra se comunica com o público. Como sua própria imagem e aprovação não inspiram confiança, age construindo popularidade através da negação. Nesse sentido, qualquer publicidade obtida por ações que confrontem as diretrizes da política externa do período anterior surge como repercussão positiva. O caso digno de nota é o enfrentamento da Venezuela e do espantalho do bolivarianismo dentro do Mercosul. O acordo que impediu a Venezuela de assumir a presidência do bloco pode ser considerado uma vitória de Serra: reforça a posição de que aceitar a Venezuela dentro do Mercosul foi um erro do governo petista. Por outro lado, se a Venezuela tivesse assumido a presidência do bloco, o fato poderia ter servido de munição para alegar a suposta irrelevância da clausula democrática do Mercosul e impulsionado o desmonte de uma das principais peças da política externa do PT. Em seu embate com a Venezuela, Serra ganha em qualquer cenário. Apesar dessa evidente situação de vantagem, o vento do antipetismo pode se extinguir tão logo termine a demolição da política externa petista sem que se construa algo em seu lugar. Se a estratégia de Serra funcionar, veremos dois anos de um lento desmonte.
O terceiro vento sopra, até o momento, em uníssono com os anteriores. É a crise do Estado brasileiro. Foi por um dos atos dessa mesma crise, o impeachment de Dilma Rousseff, que Serra chega ao ministério. O chancelar enfrenta uma situação de cortes nos orçamentos do governo, inclusive para o MRE. A escassez de recursos durante o governo Dilma certamente impulsionou a popularidade do impeachment dentro do Itamaraty, que conta com um amplo setor favorável ao ministro. A seca no ministério causou não apenas problemas na manutenção dos funcionários, mas também endividamento junto às grandes organizações internacionais e sucateamento de projetos de cooperação. Enquanto o dinheiro brasileiro fará relativamente pouca falta a grandes organismos internacionais, o fechamento das torneiras brasileiras pode ser bem mais perigoso para os projetos de cooperação sul-sul e para os órgãos regionais, dos quais o Brasil é um dos principais sócios. Ademais, se Serra terá pouca munição para atirar, mas precisa fazer muito barulho, a solução é disparar balas de festim. Não é à toa que os alvos escolhidos até o momento sejam próximos, frágeis e criem muita repercussão: a Venezuela e o Mercosul. Poucas viagens e algumas declarações geram importantes crises diplomáticas e grande estardalhaço. A proposta feita ao Uruguai de negociar acordos comerciais por fora do bloco tem grande impacto, mesmo que não signifique nenhuma ação concreta. Serra ultrajou o governo e a diplomacia uruguaios, tratados como submissos ao Brasil, e comunicou o ímpeto brasileiro de deixar de negociar acordos em bloco, a principal opção estratégica brasileira nas últimas três décadas. A coleção de crises em pouco tempo e em diversos níveis é um sucesso de custo-benefício. O desmonte dos organismos regionais pode combinar com a necessidade de economia de recursos.
Por fim, é possível indicar que uma brisa de convicção também seja responsável por mover a política externa serrista. O ímpeto pela implosão do Mercosul, por exemplo, já aparecera nos discursos e no programa de governo apresentado por Aécio Neves em 2014. Esse programa, formulado pelo ex-embaixador Rubens Barbosa, teve eco também no documento Uma Ponte para o Futuro, apresentada pelo PMDB como um “programa de governo Temer”. As ideias fortes dos documentos são a redução das parcerias brasileiras com o chamado Sul Global, que supostamente custariam muito caro e trariam pouco benefício; e a inclusão do Brasil nas chamadas “cadeias globais de valor” através da assinatura de acordos de comércio bilaterais com os países desenvolvidos. Apesar da fraqueza ideológica dessa posição, essa brisa traz amarrados os interesses de diversos dos fiadores da ascensão de Serra ao ministério, entre eles setores políticos, das burocracias estatais e principalmente do empresariado e do agronegócio. Se o afastamento das parcerias no Sul é fácil de fazer, a aproximação com novos parceiros pode ser demorada e custosa, erodindo o bloco de interesses que apoia essa visão de mundo.
O governo de Michel Temer se inicia sob o marco do desmonte dos direitos conquistados durante o ciclo democrático iniciado na segunda metade dos anos 1980. Se é possível vislumbrar os golpes que serão desferidos contra a educação, a saúde e a previdência, o mesmo pode ser dito para as relações exteriores. O principal projeto da política externa brasileira contemporânea, a integração regional, é uma conquista dos brasileiros obtida durante sucessivos governos ao longo dos últimos 30 anos. Esse projeto pode sobreviver ao desmonte, mas terá de resistir à força dos ventos que inflam as velas da política externa e navegam José Serra em rota de colisão rumo a 2018.
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