Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Do ponto de vista do bunker, a prisão preventiva de Rocha Loures foi o fato que inaugurou a reta final para a retirada de Michel Temer da presidência da República.
Minha opinião é que o destino presidencial de Temer já se encontra na fase 2 do problema.
A fase 1 consistia em saber se deve ou não ser derrubado, o que parece resolvido pelos senhores da república jurídico-midiática que derrubaram Dilma e deram posse ao um vice que prometia realizar reformas que jamais seriam viáveis pelo voto popular.
A fase 2 é mais complexa. Consiste em impedir que a população brasileira - convencida de que tem o direito inalienável de influir nos destinos de seu país - aproveite a queda de Temer para ocupar as ruas, invadir edifícios públicos e pressionar Brasília para exigir eleições diretas para presidente. Aquilo que seria um minueto de gabinete, mesmo delicado, pode transformar-se num conflito aberto e difícil de controlar.
O risco de tentar substituir o presidente por um dos inúmeros sósias disponíveis é reverter o golpe e inviabilizar as reformas de uma vez por todas. Quanto mais Temer permanece no cargo, maior será mobilização para que seja retirado dali.
É nesse ponto em que a crise se encontra.
Como a prisão do Homem da Mala era um risco evitável - bastava o presidente ter aberto uma das muitas brechas oferecidas pelo Estado brasileiro para assegurar a imunidade de Loures - a medida acrescenta duas consequências malignas do ponto de vista de quem sobrevive no bunker.
A primeira é óbvia. A experiência da Lava Jato ensina que as celas da Polícia Federal, frequentadas por personagens de identidade obscura - parentes que relatam aflições da família, delatores que prestam serviço para melhorar a própria ficha, advogados interessados em falar no assunto - costumam exercer uma pressão irresistível para um detido abrir o bico. Cedo ou tarde, a maioria acaba falando. Ainda mais no caso de Loures, cuja mulher está grávida.
Os poucos que resistem parecem possuir uma motivação particular - de natureza política - para ficar em silêncio. Transmitem a certeza de quem sabe que cedo ou tarde será preciso prestar contas aos amigos, familiares e aliados de luta política - e se resguardam para olhar todos e cada um nos olhos.
Embora fosse capaz de carregar malas de dinheiro na porta de uma pizzaria, tarefa que costuma ser assumida por auxiliares de escalão mais baixo, que se perdem no anonimato de grandes investigações, a julgar pelo depoimento de Joesley Batista, Loures era um personagem em ascensão no grupo de Temer. Segundo Joesley, Loures acabou desempenhando um papel de interlocutor graduado que até novembro de 2016 pertencia a Geddel Vieira Lima, forçado a se demitir depois de uma tentativa de carteirada no Ministro da Cultura.
A segunda causa de preocupação no bunker mostra a dificuldade de Temer manter a liderança sobre seu próprio grupo político. A exposição de Loures aos ventos e marés da Lava Jato corrói a confiança que aliados e assessores devem depositar no chefe, indispensável para enfrentar uma situação de debandada. Está cada vez mais difícil proteger até ministros, como mostra a investida mais recente para cima de Moreira Franco. A rigor, o presidente enfrentar dificuldades para proteger a si próprio, como mostra o questionário da Polícia Federal, que deve ser respondido em dramáticas 24 horas.
O processo de abandono não se limita a quem frequenta a cozinha do bunker, mas envolve uma das pernas da Republica que depôs Dilma. No domingo, 24 horas depois da prisão de Loures, dois dos três jornais brasileiros de maior circulação, que atuaram como vanguarda do golpe e pareciam dispostos a engolir a exótica teoria da separação de contas, passaram a defender em editorial que ele seja cassado pelo TSE.
A biografia de Temer na Wikipedia não ajuda quem espera uma recuperação. Descreve um político de horizonte rasteiro, personalidade presente nos melhores e nos piores parlamentos do mundo, ainda que poucos tenham subido tanto. Vivem a espreita de oportunidades que a conjuntura é capaz de criar - mas não tem envergadura para abrir um caminho próprio. Há mais de trinta anos, ao tornar-se presidente da Câmara, uma das primeiras providências de Temer foi triplicar verbas de gabinete e autorizar aumento de salário nos assessores parlamentares.
Temer nunca foi um político de ideias próprias mencionáveis nem lances de gênio, fez carreira como um operador de favores e serviços dos aparelhos políticos, um espadachim nos bastidores cinzentos da política. Manipulando lances curtos de adaga, comprou amizades e eliminou adversários. Fez da arte da dissimulação uma natureza oculta de seu modo de agir, como se viu no momento no qual cravejou a lâmina nas costas da presidente da República. (O esforço para separar as duas candidaturas no julgamento no TSE é a repetição atualizada desse comportamento). Será difícil esquecer, em todo caso, a cena de setembro de 2015. Ainda vice, ele aceitou convite para ser sabatinado publicamente pelo grupo Acorda Brasil, uma das inúmeras bandinhas de extrema-direita que faziam barulho pelo golpe.
Primeiro Secretário de Segurança Pública após o massacre do Carandiru, recomendou tratamento psicológico e outras formas de terapia a policiais envolvidos em casos de violência. Mas deixou o cargo sem apontar um único responsável pelo crime que inaugurou uma nova etapa de ferocidade em nosso sistema penitenciário, numa contribuição inestimável para que tudo se encontre como está -- só um pouco mais confuso do ponto de vista da segurança dos cidadãos e vergonhoso do ponto de vista dos direitos humanos.
Do ponto de vista do bunker, a prisão preventiva de Rocha Loures foi o fato que inaugurou a reta final para a retirada de Michel Temer da presidência da República.
Minha opinião é que o destino presidencial de Temer já se encontra na fase 2 do problema.
A fase 1 consistia em saber se deve ou não ser derrubado, o que parece resolvido pelos senhores da república jurídico-midiática que derrubaram Dilma e deram posse ao um vice que prometia realizar reformas que jamais seriam viáveis pelo voto popular.
A fase 2 é mais complexa. Consiste em impedir que a população brasileira - convencida de que tem o direito inalienável de influir nos destinos de seu país - aproveite a queda de Temer para ocupar as ruas, invadir edifícios públicos e pressionar Brasília para exigir eleições diretas para presidente. Aquilo que seria um minueto de gabinete, mesmo delicado, pode transformar-se num conflito aberto e difícil de controlar.
O risco de tentar substituir o presidente por um dos inúmeros sósias disponíveis é reverter o golpe e inviabilizar as reformas de uma vez por todas. Quanto mais Temer permanece no cargo, maior será mobilização para que seja retirado dali.
É nesse ponto em que a crise se encontra.
Como a prisão do Homem da Mala era um risco evitável - bastava o presidente ter aberto uma das muitas brechas oferecidas pelo Estado brasileiro para assegurar a imunidade de Loures - a medida acrescenta duas consequências malignas do ponto de vista de quem sobrevive no bunker.
A primeira é óbvia. A experiência da Lava Jato ensina que as celas da Polícia Federal, frequentadas por personagens de identidade obscura - parentes que relatam aflições da família, delatores que prestam serviço para melhorar a própria ficha, advogados interessados em falar no assunto - costumam exercer uma pressão irresistível para um detido abrir o bico. Cedo ou tarde, a maioria acaba falando. Ainda mais no caso de Loures, cuja mulher está grávida.
Os poucos que resistem parecem possuir uma motivação particular - de natureza política - para ficar em silêncio. Transmitem a certeza de quem sabe que cedo ou tarde será preciso prestar contas aos amigos, familiares e aliados de luta política - e se resguardam para olhar todos e cada um nos olhos.
Embora fosse capaz de carregar malas de dinheiro na porta de uma pizzaria, tarefa que costuma ser assumida por auxiliares de escalão mais baixo, que se perdem no anonimato de grandes investigações, a julgar pelo depoimento de Joesley Batista, Loures era um personagem em ascensão no grupo de Temer. Segundo Joesley, Loures acabou desempenhando um papel de interlocutor graduado que até novembro de 2016 pertencia a Geddel Vieira Lima, forçado a se demitir depois de uma tentativa de carteirada no Ministro da Cultura.
A segunda causa de preocupação no bunker mostra a dificuldade de Temer manter a liderança sobre seu próprio grupo político. A exposição de Loures aos ventos e marés da Lava Jato corrói a confiança que aliados e assessores devem depositar no chefe, indispensável para enfrentar uma situação de debandada. Está cada vez mais difícil proteger até ministros, como mostra a investida mais recente para cima de Moreira Franco. A rigor, o presidente enfrentar dificuldades para proteger a si próprio, como mostra o questionário da Polícia Federal, que deve ser respondido em dramáticas 24 horas.
O processo de abandono não se limita a quem frequenta a cozinha do bunker, mas envolve uma das pernas da Republica que depôs Dilma. No domingo, 24 horas depois da prisão de Loures, dois dos três jornais brasileiros de maior circulação, que atuaram como vanguarda do golpe e pareciam dispostos a engolir a exótica teoria da separação de contas, passaram a defender em editorial que ele seja cassado pelo TSE.
A biografia de Temer na Wikipedia não ajuda quem espera uma recuperação. Descreve um político de horizonte rasteiro, personalidade presente nos melhores e nos piores parlamentos do mundo, ainda que poucos tenham subido tanto. Vivem a espreita de oportunidades que a conjuntura é capaz de criar - mas não tem envergadura para abrir um caminho próprio. Há mais de trinta anos, ao tornar-se presidente da Câmara, uma das primeiras providências de Temer foi triplicar verbas de gabinete e autorizar aumento de salário nos assessores parlamentares.
Temer nunca foi um político de ideias próprias mencionáveis nem lances de gênio, fez carreira como um operador de favores e serviços dos aparelhos políticos, um espadachim nos bastidores cinzentos da política. Manipulando lances curtos de adaga, comprou amizades e eliminou adversários. Fez da arte da dissimulação uma natureza oculta de seu modo de agir, como se viu no momento no qual cravejou a lâmina nas costas da presidente da República. (O esforço para separar as duas candidaturas no julgamento no TSE é a repetição atualizada desse comportamento). Será difícil esquecer, em todo caso, a cena de setembro de 2015. Ainda vice, ele aceitou convite para ser sabatinado publicamente pelo grupo Acorda Brasil, uma das inúmeras bandinhas de extrema-direita que faziam barulho pelo golpe.
Primeiro Secretário de Segurança Pública após o massacre do Carandiru, recomendou tratamento psicológico e outras formas de terapia a policiais envolvidos em casos de violência. Mas deixou o cargo sem apontar um único responsável pelo crime que inaugurou uma nova etapa de ferocidade em nosso sistema penitenciário, numa contribuição inestimável para que tudo se encontre como está -- só um pouco mais confuso do ponto de vista da segurança dos cidadãos e vergonhoso do ponto de vista dos direitos humanos.
Sempre foi capaz de entender a direção do vento. Entrou para o PMDB quando a ditadura fazia água. Aliou-se ao PSDB quando Fernando Henrique ocupava a presidência, ao PT quando era a vez de Lula e Dilma. Na década de 1980, quando ocupou a Secretaria de Segurança Pública pela primeira vez, foi acusado de aderir ao poder do jogo do bicho e fazer vista grossa para o poder de grandes contraventores, como denunciou o próprio chefe de polícia paulista em depoimento a uma CPI na Assembleia Legislativa. A denúncia permaneceu durante 20 anos nos tribunais. No fim, em 2006, a adaga foi absolvida no STF.
Na Constituinte, ele tirou certidão de reacionário com uma nota 2,5 no Diap - o máximo possível, num termômetro que avalia apoio a questões de interesse dos trabalhadores, era 10. Esse desempenho permite imaginar que, três décadas depois, quando passou a ameaçar o país com as reformas da Previdência, Trabalhista, Teto de Gastos e tantas outras que, de forma irresponsável, ameaçam o futuro dos brasileiros, ao chegar ao Planalto que Temer passou a agir como ele mesmo sempre foi. Nunca ligou para a popularidade. Cada dia que passa os brasileiros e brasileiras tem uma compreensão mais clara do significado disso.
Na Constituinte, ele tirou certidão de reacionário com uma nota 2,5 no Diap - o máximo possível, num termômetro que avalia apoio a questões de interesse dos trabalhadores, era 10. Esse desempenho permite imaginar que, três décadas depois, quando passou a ameaçar o país com as reformas da Previdência, Trabalhista, Teto de Gastos e tantas outras que, de forma irresponsável, ameaçam o futuro dos brasileiros, ao chegar ao Planalto que Temer passou a agir como ele mesmo sempre foi. Nunca ligou para a popularidade. Cada dia que passa os brasileiros e brasileiras tem uma compreensão mais clara do significado disso.
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