Por Alexandre Padilha, na revista Fórum:
Nesta semana, até a grande imprensa foi obrigada a colocar luz no sofrimento de milhares de paulistanos, provocado pelas decisões do atual prefeito, que revela o que acontece com a Saúde da cidade quando o que move a decisão do gestor é o número de views e likes no Facebook e não número de atendimentos a quem mais precisa.
No inicio de 2016, o homem que está no cargo de prefeito da maior cidade do Brasil, e acumulando o programa pessoal de milhagens aéreas pelo Brasil fazendo campanha para uma obsessiva candidatura presidencial, anunciou que acabaria com as filas de exames, em uma cidade que realiza cerca de 500 mil exames todos os meses pelo SUS municipal, como em um passe de mágica.
A promessa vinha com a devida carga ideológica: isso seria possível pela eficiência do setor privado. Os exames seriam realizados nos horários noturnos dos grandes hospitais privados de São Paulo, sem contar que tais hospitais, desde 2008, por uma lei que ajudei a construir e aprovar quando estive no Ministério da Coordenação Política do governo Lula, já eram obrigados e ofereciam tais exames ao município, em horário regular diurno.
Aliás, embasados nesta lei, quando Haddad era Prefeito e eu Ministro da Saúde de Dilma, fizemos o acordo que permitiu a abertura do Hospital Vila Santa Catarina, localizado na periferia da região sudeste de São Paulo, o primeiro hospital municipal aberto depois de 10 anos na cidade.
Invertendo o dito popular, tratou de mostrar o santo, neste caso Doria e seus vídeos nas redes sociais, mas não contou o milagre, que não ocorreu.
Sem qualquer justificativa técnica, a atual gestão criou uma nova regra: todos os pacientes que aguardam há mais de 180 dias, bem como os que não conseguiram comparecer ao Corujão no horário marcado, muitas vezes na madrugada, em locais longe das periferias, são automaticamente excluídos da fila, mesmo sem realizar o exame. Desta forma, diziam ter reduzido a quantidade, bem como o tempo médio de espera. Fizeram ainda a promessa de ofertar exames em até 45 dias.
O tempo e os dados provaram que não era bem assim. A matéria da Folha de São Paulo traz pacientes que aguardam há quase um ano por exames e outros que não conseguem retorno com médico para apresentar os resultados.
Garantir o direito a saúde em uma cidade como São Paulo não é tarefa simples.
Há gargalos conhecidos de um sistema que atende mais de 6,5 milhões de pessoas/mês. Mesmo assim, buscamos garantir avanços estruturantes ao longo dos quatros anos da gestão Haddad.
Cientes de que não há bala de prata, trabalhamos em quatro frentes: fortalecer a atenção primária de saúde com o atendimento mais perto de onde a pessoa mora ou trabalha, trazendo mais de 300 profissionais do Mais Médicos e a integração UBS/AMA e sem fechá-las; consolidar uma rede especializada potente em cada região por meio da implantação dos 32 hospitais-dia da Rede Hora Certa que permitiram ampliar em 14% a oferta de exames, consultas especializadas e cirurgias eletivas; reduzimos o absenteísmo e a chamada perda primária – existia a oferta do exame ou consulta, mas o sistema não fazia o agendamento e realizamos ações concentradas para absorver a fila de espera, com as unidades do Hora Certa Móvel que percorreram a periferia da cidade e também pela realização de 13 mil cirurgias de catarata na zona sul, cirurgias infantis no Hospital Municipal Menino Jesus e para mulheres na Maternidade Escola Vila Nova Cachoeirinha, citando apenas alguns exemplos.
O factoide de Doria em reduzir artificialmente a fila de exames está baseado em um ponto de vista errado: separar o exame do cuidado ao usuário. O exame não cura nem alivia os sintomas de ninguém.
Montaram um fluxo separado e nefasto para exame e outro para acessar o cuidado, seja a equipe que pede ou a equipe que irá cuidar desse usuário. Só interessa aos donos das máquinas que fazem o exame. Máquina não ouve, não fala, não indica terapia e cuidado.
Por isso nossa aposta na gestão Haddad foi levar as equipes, os exames, os serviços todos juntos por região, próximos entre si, cuidando integralmente daquele usuário.
Para isso, organizamos a rede municipal de saúde com a territorialização de todos os serviços. Em uma cidade do tamanho de São Paulo, os serviços, a organização dos fluxos, planejamento das ações, devem ser regionalizados, em cada subprefeitura. Antes, vários serviços de uma mesma região eram administrados por até cinco OSS diferentes, mais serviços próprios da Prefeitura.
Organizamos a administração e cada região passou a ter uma coordenação, com apenas uma OSS, evitando assim que continuasse a haver falta de comunicação entre os serviços.
Justamente o oposto do que estamos vendo agora. Nos primeiros nove meses deste ano, a Saúde já registra uma redução de 16% em seu orçamento em relação ao ano passado – garantimos mais de 20% do orçamento mesmo com a crise econômica nacional.
Os sinais vindos do gabinete de Doria – nos raros momentos em que ele despacha na Prefeitura – e verbalizados pelos gestores da Secretaria apontam para o fechamento de serviços e, consequentemente, piora no atendimento aos cidadãos. O povo já começa a sentir os efeitos maléficos desta administração: pesquisa deste ano encomendada pela rede nossa São Paulo apontou que 71% dos paulistanos reprovam a saúde. No início da nossa gestão, eram 69% e reduzimos o indicador para 58% no ano passado, mesmo com toda a crise de planos de saúde, que provocaram aumento de até 30% na retirada de medicamentos na rede municipal, por exemplo.
Seus subordinados da Secretaria Municipal da Saúde apresentam diretrizes da gestão, as laminas sintetizam o projeto geral/real do prefeito: a) restringir o atendimento para seis milhões de pessoas – sendo que a capital possui 12 milhões de habitantes – dizendo que os demais têm plano de saúde; a redistribuição das equipes de saúde de acordo com a cobertura de planos de saúde; retirar das áreas mais industrializadas do território as equipes de saúde da família, desconhecendo essa distribuição na cidade e colocando a atenção básica como a oitava prioridade, quando, em todo o mundo, recomenda-se que ela seja prioridade.
Enquanto isso, Doria continua a fazer marketing e maquia as práticas da velha política provinciana e as entrega como inovação e eficiência. Prometem três, quatro, cinco coisas novas por dia para passar a ideia de um bom ritmo de trabalho, mas nem 10% do que fala é concretizado.
Passa mais tempo em viagens pelo Brasil – até setembro foram 47 dias fora da cidade – mais disputando com seu padrinho Alckmin a escolha do PSDB para disputar à Presidência, do que governando a cidade.
Por ser marqueteiro, usa a estratégia de colocar as informações relevantes em letras minúsculas no canto da tela. Foi assim com a fila de espera: diz que zerou, mas não contou sobre as milhares de pessoas que ainda não fizeram o exame e, portanto, não foram atendidas. Também anda dizendo que o povo ficou interessado em fazer exame e, por isso, a procura aumentou. Demanda reprimida ou fila oculta? Para tentar minimizar esse resultado, a gestão anunciou nesta quinta-feira (5) a segunda fase do Corujão da Saúde, com exames mais complexos.
Até o Tribunal de Contas do Município pediu esclarecimentos sobre os dados apresentados pela gestão sobre o Corujão. Em entrevistas durante a eleição e após a vitória, Doria disse que a saúde seria sua prioridade. Creio que a deixou de lado com o olhar voltado agora ao Planalto. Saúde de qualidade não se faz com mágica e nem com comerciais na TV. É preciso trabalhar sério e viajar menos.
* Alexandre Padilha é médico, foi secretário municipal da saúde na gestão de Fernando Haddad e ministro nas gestões Lula e Dilma.
No inicio de 2016, o homem que está no cargo de prefeito da maior cidade do Brasil, e acumulando o programa pessoal de milhagens aéreas pelo Brasil fazendo campanha para uma obsessiva candidatura presidencial, anunciou que acabaria com as filas de exames, em uma cidade que realiza cerca de 500 mil exames todos os meses pelo SUS municipal, como em um passe de mágica.
A promessa vinha com a devida carga ideológica: isso seria possível pela eficiência do setor privado. Os exames seriam realizados nos horários noturnos dos grandes hospitais privados de São Paulo, sem contar que tais hospitais, desde 2008, por uma lei que ajudei a construir e aprovar quando estive no Ministério da Coordenação Política do governo Lula, já eram obrigados e ofereciam tais exames ao município, em horário regular diurno.
Aliás, embasados nesta lei, quando Haddad era Prefeito e eu Ministro da Saúde de Dilma, fizemos o acordo que permitiu a abertura do Hospital Vila Santa Catarina, localizado na periferia da região sudeste de São Paulo, o primeiro hospital municipal aberto depois de 10 anos na cidade.
Invertendo o dito popular, tratou de mostrar o santo, neste caso Doria e seus vídeos nas redes sociais, mas não contou o milagre, que não ocorreu.
Sem qualquer justificativa técnica, a atual gestão criou uma nova regra: todos os pacientes que aguardam há mais de 180 dias, bem como os que não conseguiram comparecer ao Corujão no horário marcado, muitas vezes na madrugada, em locais longe das periferias, são automaticamente excluídos da fila, mesmo sem realizar o exame. Desta forma, diziam ter reduzido a quantidade, bem como o tempo médio de espera. Fizeram ainda a promessa de ofertar exames em até 45 dias.
O tempo e os dados provaram que não era bem assim. A matéria da Folha de São Paulo traz pacientes que aguardam há quase um ano por exames e outros que não conseguem retorno com médico para apresentar os resultados.
Garantir o direito a saúde em uma cidade como São Paulo não é tarefa simples.
Há gargalos conhecidos de um sistema que atende mais de 6,5 milhões de pessoas/mês. Mesmo assim, buscamos garantir avanços estruturantes ao longo dos quatros anos da gestão Haddad.
Cientes de que não há bala de prata, trabalhamos em quatro frentes: fortalecer a atenção primária de saúde com o atendimento mais perto de onde a pessoa mora ou trabalha, trazendo mais de 300 profissionais do Mais Médicos e a integração UBS/AMA e sem fechá-las; consolidar uma rede especializada potente em cada região por meio da implantação dos 32 hospitais-dia da Rede Hora Certa que permitiram ampliar em 14% a oferta de exames, consultas especializadas e cirurgias eletivas; reduzimos o absenteísmo e a chamada perda primária – existia a oferta do exame ou consulta, mas o sistema não fazia o agendamento e realizamos ações concentradas para absorver a fila de espera, com as unidades do Hora Certa Móvel que percorreram a periferia da cidade e também pela realização de 13 mil cirurgias de catarata na zona sul, cirurgias infantis no Hospital Municipal Menino Jesus e para mulheres na Maternidade Escola Vila Nova Cachoeirinha, citando apenas alguns exemplos.
O factoide de Doria em reduzir artificialmente a fila de exames está baseado em um ponto de vista errado: separar o exame do cuidado ao usuário. O exame não cura nem alivia os sintomas de ninguém.
Montaram um fluxo separado e nefasto para exame e outro para acessar o cuidado, seja a equipe que pede ou a equipe que irá cuidar desse usuário. Só interessa aos donos das máquinas que fazem o exame. Máquina não ouve, não fala, não indica terapia e cuidado.
Por isso nossa aposta na gestão Haddad foi levar as equipes, os exames, os serviços todos juntos por região, próximos entre si, cuidando integralmente daquele usuário.
Para isso, organizamos a rede municipal de saúde com a territorialização de todos os serviços. Em uma cidade do tamanho de São Paulo, os serviços, a organização dos fluxos, planejamento das ações, devem ser regionalizados, em cada subprefeitura. Antes, vários serviços de uma mesma região eram administrados por até cinco OSS diferentes, mais serviços próprios da Prefeitura.
Organizamos a administração e cada região passou a ter uma coordenação, com apenas uma OSS, evitando assim que continuasse a haver falta de comunicação entre os serviços.
Justamente o oposto do que estamos vendo agora. Nos primeiros nove meses deste ano, a Saúde já registra uma redução de 16% em seu orçamento em relação ao ano passado – garantimos mais de 20% do orçamento mesmo com a crise econômica nacional.
Os sinais vindos do gabinete de Doria – nos raros momentos em que ele despacha na Prefeitura – e verbalizados pelos gestores da Secretaria apontam para o fechamento de serviços e, consequentemente, piora no atendimento aos cidadãos. O povo já começa a sentir os efeitos maléficos desta administração: pesquisa deste ano encomendada pela rede nossa São Paulo apontou que 71% dos paulistanos reprovam a saúde. No início da nossa gestão, eram 69% e reduzimos o indicador para 58% no ano passado, mesmo com toda a crise de planos de saúde, que provocaram aumento de até 30% na retirada de medicamentos na rede municipal, por exemplo.
Seus subordinados da Secretaria Municipal da Saúde apresentam diretrizes da gestão, as laminas sintetizam o projeto geral/real do prefeito: a) restringir o atendimento para seis milhões de pessoas – sendo que a capital possui 12 milhões de habitantes – dizendo que os demais têm plano de saúde; a redistribuição das equipes de saúde de acordo com a cobertura de planos de saúde; retirar das áreas mais industrializadas do território as equipes de saúde da família, desconhecendo essa distribuição na cidade e colocando a atenção básica como a oitava prioridade, quando, em todo o mundo, recomenda-se que ela seja prioridade.
Enquanto isso, Doria continua a fazer marketing e maquia as práticas da velha política provinciana e as entrega como inovação e eficiência. Prometem três, quatro, cinco coisas novas por dia para passar a ideia de um bom ritmo de trabalho, mas nem 10% do que fala é concretizado.
Passa mais tempo em viagens pelo Brasil – até setembro foram 47 dias fora da cidade – mais disputando com seu padrinho Alckmin a escolha do PSDB para disputar à Presidência, do que governando a cidade.
Por ser marqueteiro, usa a estratégia de colocar as informações relevantes em letras minúsculas no canto da tela. Foi assim com a fila de espera: diz que zerou, mas não contou sobre as milhares de pessoas que ainda não fizeram o exame e, portanto, não foram atendidas. Também anda dizendo que o povo ficou interessado em fazer exame e, por isso, a procura aumentou. Demanda reprimida ou fila oculta? Para tentar minimizar esse resultado, a gestão anunciou nesta quinta-feira (5) a segunda fase do Corujão da Saúde, com exames mais complexos.
Até o Tribunal de Contas do Município pediu esclarecimentos sobre os dados apresentados pela gestão sobre o Corujão. Em entrevistas durante a eleição e após a vitória, Doria disse que a saúde seria sua prioridade. Creio que a deixou de lado com o olhar voltado agora ao Planalto. Saúde de qualidade não se faz com mágica e nem com comerciais na TV. É preciso trabalhar sério e viajar menos.
* Alexandre Padilha é médico, foi secretário municipal da saúde na gestão de Fernando Haddad e ministro nas gestões Lula e Dilma.
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