Por Marco Piva
Em 1995, 74% dos chilenos se declaravam católicos. Em 2017, esse número caiu para 45%. A conclusão é do instituto Latinobarómetro, que analisa tendências no continente e fez a pesquisa “El Papa Francisco y la religión en Chile y América Latina 1995-2017”, divulgada no início deste ano. As explicações residem, principalmente, na falta de compromisso da Igreja com os mais pobres, na secularização da sociedade e na falta de coragem para enfrentar e punir casos de pedofilia, como a do padre Fernando Karadima, cuja folha corrida de molestamento sexual contra crianças deixaria corado o próprio diabo.
Para esquentar ainda mais o ambiente, uma estranha onda de atentados contra paróquias católicas aconteceu nos últimos dias. Foram quatro templos incendiados em Santiago. Esses eventos acenderam a luz amarela nas autoridades policiais, que não conseguiram ainda identificar os criminosos.
Mas, certamente, quem está com as barbas de molho é a classe política. Francisco chega a um Chile recém-saído de uma eleição presidencial que desalojou do histórico palácio La Moneda a aliança “Nueva Mayoria”, que governou o país desde a redemocratização em 1990, alternando presidentes do Partido Socialista e da Democracia Cristã. A exceção foi o período de 2006 a 2010, com Sebastián Piñera, agora novamente eleito pelo movimento de direita Chile Vamos.
A derrota da coalização governamental de centro-esquerda alimenta a sensação de que o modelo de transição pós-Pinochet se esgotou sem haver dado conta de questões fundamentais como o acesso público ao ensino superior, a falta de moradia e a garantia de emprego e aposentadoria. No lugar desse esgotamento, ressurge a sombra da extrema-direita, de um lado, e um novo tipo de esquerda, de outro, representado pela Frente Ampla, cuja candidata, a jornalista Beatriz Sánchez, obteve um notável terceiro lugar com 20% dos votos.
É um cenário político sobre o qual a Igreja tem refletido muito pouco e atuado menos ainda. No ano eleitoral, por exemplo, se limitou a divulgar a carta pastoral “Chile, un hogar para todos”, o que, trocando em miúdos, foi uma espécie de validação do discurso de Piñera de que o governo de centro-esquerda estava dividindo o país.
Outro dado interessante é que a Conferência Episcopal do país é presidida por um bispo cuja responsabilidade pastoral é levar a palavra de Deus às Forças Armadas. O prelado castrense Santiago Silva Retamales é conhecido por suas posições conservadoras e não tem colaborado muito para que a avaliação do Papa Francisco entre os chilenos fique melhor. Segundo a pesquisa do Latinobárometro, o Chile é o país que dá a nota mais baixa ao dirigente máximo da Igreja Católica. Numa escala de 0 a 10, ele recebe nota 5,3% para uma média de 6,8% no continente. Esse resultado tem a ver com as posições tradicionalistas do episcopado local que vê com reserva as manifestações do papa em favor das mulheres e das minorias em geral.
No roteiro de Francisco, além de uma missa em Santiago, estão programadas celebrações em Iquique, no norte, para falar sobre as migrações, e em Temuco, no sul, onde encontrará os índios Mapuches, ameaçados de extermínio por conta da invasão de suas terras.
O papa tem alguns desafios em sua curta visita ao Chile a partir do dia 15. O principal deles, talvez, vai ser o de evangelizar seus próprios bispos e convencê-los a trilhar o caminho de uma Igreja sensível com a realidade e comprometida com os mais pobres.
* Marco Piva é jornalista e apresentador do programa “Brasil latino”, na Rádio USP.
Em 1995, 74% dos chilenos se declaravam católicos. Em 2017, esse número caiu para 45%. A conclusão é do instituto Latinobarómetro, que analisa tendências no continente e fez a pesquisa “El Papa Francisco y la religión en Chile y América Latina 1995-2017”, divulgada no início deste ano. As explicações residem, principalmente, na falta de compromisso da Igreja com os mais pobres, na secularização da sociedade e na falta de coragem para enfrentar e punir casos de pedofilia, como a do padre Fernando Karadima, cuja folha corrida de molestamento sexual contra crianças deixaria corado o próprio diabo.
Para esquentar ainda mais o ambiente, uma estranha onda de atentados contra paróquias católicas aconteceu nos últimos dias. Foram quatro templos incendiados em Santiago. Esses eventos acenderam a luz amarela nas autoridades policiais, que não conseguiram ainda identificar os criminosos.
Mas, certamente, quem está com as barbas de molho é a classe política. Francisco chega a um Chile recém-saído de uma eleição presidencial que desalojou do histórico palácio La Moneda a aliança “Nueva Mayoria”, que governou o país desde a redemocratização em 1990, alternando presidentes do Partido Socialista e da Democracia Cristã. A exceção foi o período de 2006 a 2010, com Sebastián Piñera, agora novamente eleito pelo movimento de direita Chile Vamos.
A derrota da coalização governamental de centro-esquerda alimenta a sensação de que o modelo de transição pós-Pinochet se esgotou sem haver dado conta de questões fundamentais como o acesso público ao ensino superior, a falta de moradia e a garantia de emprego e aposentadoria. No lugar desse esgotamento, ressurge a sombra da extrema-direita, de um lado, e um novo tipo de esquerda, de outro, representado pela Frente Ampla, cuja candidata, a jornalista Beatriz Sánchez, obteve um notável terceiro lugar com 20% dos votos.
É um cenário político sobre o qual a Igreja tem refletido muito pouco e atuado menos ainda. No ano eleitoral, por exemplo, se limitou a divulgar a carta pastoral “Chile, un hogar para todos”, o que, trocando em miúdos, foi uma espécie de validação do discurso de Piñera de que o governo de centro-esquerda estava dividindo o país.
Outro dado interessante é que a Conferência Episcopal do país é presidida por um bispo cuja responsabilidade pastoral é levar a palavra de Deus às Forças Armadas. O prelado castrense Santiago Silva Retamales é conhecido por suas posições conservadoras e não tem colaborado muito para que a avaliação do Papa Francisco entre os chilenos fique melhor. Segundo a pesquisa do Latinobárometro, o Chile é o país que dá a nota mais baixa ao dirigente máximo da Igreja Católica. Numa escala de 0 a 10, ele recebe nota 5,3% para uma média de 6,8% no continente. Esse resultado tem a ver com as posições tradicionalistas do episcopado local que vê com reserva as manifestações do papa em favor das mulheres e das minorias em geral.
No roteiro de Francisco, além de uma missa em Santiago, estão programadas celebrações em Iquique, no norte, para falar sobre as migrações, e em Temuco, no sul, onde encontrará os índios Mapuches, ameaçados de extermínio por conta da invasão de suas terras.
O papa tem alguns desafios em sua curta visita ao Chile a partir do dia 15. O principal deles, talvez, vai ser o de evangelizar seus próprios bispos e convencê-los a trilhar o caminho de uma Igreja sensível com a realidade e comprometida com os mais pobres.
* Marco Piva é jornalista e apresentador do programa “Brasil latino”, na Rádio USP.
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