quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Embraer não pode ser vendida nem dividida

Editorial do site Vermelho:

A pretensão da Boeing em adquirir a Embraer, expõe várias facetas da relação entre o “mercado” e o Estado, principalmente quando se trata de uma empresa estratégica com atuação direta na defesa nacional.

A Embraer nasceu em 1969, com apoio do Ministério da Aeronáutica, para fabricar aviões de pequeno porte para uso no mercado regional. Destacou-se, nestes quase cinqüenta anos, como uma das empresas de ponta da tecnologia brasileira, projetando e fabricando jatos para uso civil e militar de grande sucesso no mundo. Rapidamente se tornou um grande fabricante mundial no setor. Em 1994, o governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso prestou ao Brasil o desserviço de privatizar a Embraer e, hoje, 85% de suas ações está nas mãos de investidores privados estrangeiros. Na época, em virtude das implicações para a defesa nacional que decorriam da privatização da empresa, foi criada a golden share (ação preferencial), nas mãos do governo federal e que dá ao presidente da República poder de veto sobre ações que envolvam a empresa.

Este aspecto, do desenvolvimento e aplicação de tecnologia brasileira, é um dos pontos sensíveis na negociação entre a Embraer e a Boeing.

Outro aspecto, revelador da verdadeira natureza das relações entre o mercado e o Estado, decorre da própria motivação da Boeing, que a levou à proposta de compra da Embraer. A gigante estadunidense foi colhida numa disputa causada pela compra, pela européia Airbus, da canadense Bombardier – disputa que envolveu os governos do Canadá e do Reino Unido, de um lado, e dos EUA, de outro. Além dos aspectos de segurança nacional envolvidos na fabricação de aviões para uso militar, o confronto envolveu também a defesa da indústria destes países e dos milhares de empregos que a Bombardier mantém na Irlanda do Norte, que é parte do Reino Unido. A disputa opõe, deve ser frisado, os governos destas nações (isto é, o Estado), e deixa em plano subordinado o “mercado” (isto é, as próprias empresas).

Há ainda a ressaltar a questão fundamental da defesa nacional. Nenhuma nação que pretenda ter um desenvolvimento soberano privatiza, e muito menos desnacionaliza, empresas que fabricam itens militares usados na defesa nacional.

No caso Boeing-Embraer este talvez seja o ponto mais sensível. Há notícias de que setores do governo e da mídia hegemônica (o jornal O Globo sobretudo) teriam simpatia por uma fórmula para contornar esta dificuldade – a criação de uma nova empresa, juntando Boeing e Embraer, e ela ficaria com a linha civil e comercial da Embraer, e não envolveria sua área de aviões militares. Não envolveria em termos, é preciso dizer. Em uma empresa de ponta como a Embraer, a interligação entre suas várias áreas é forte e sensível. As inovações criadas na área militar acabam sendo, muitas vezes, empregadas em áreas civis. Principalmente quando se trata de aviões, e envolvem técnicas de vôo e segurança, entre outras inovações úteis para uso militar e civil.

Uma Embraer dividida perderia os benefícios dessas inovações compartilhadas, tanto do ponto de vista operacional, quanto do ponto de vista financeiro pois seu emprego, como valor agregado nos aviões que fabrica ajuda a financiar a pesquisa científica.
A Embraer faz parte, deste ponto de vista, de um patrimônio brasileiro que não se exprime apenas em valores monetários e financeiros, mas sobretudo científico e industrial. Ela pertence ao povo brasileiro e não pode ser vendida e nem dividida, sob nenhum pretexto.

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