Por Marcelo Zero
No Brasil, as questões relativas à inserção internacional do país normalmente não têm centralidade nos debates e programas eleitorais. Com efeito, ao contrário dos temas atinentes à política econômica, educação, saúde, segurança pública etc., a política externa ocupa espaços secundários, muito restritos, nos discursos eleitorais.
Isso é o que é, mas não é o que deveria ser.
Por quê? Porque a política externa, que conduz a uma determina inserção internacional do país, condiciona ou mesmo determina o possível projeto de Nação a ser implantado e o rumo das próprias políticas internas.
De fato, a política externa e a inserção internacional do país condicionam fortemente a condução das políticas internas. Na realidade, em alguns casos, a política externa pode criar balizamentos estreitos e irreversíveis para a condução das políticas internas. Pode até impedir, ou tornar muito difícil, a implantação de políticas autônomas relativas ao desenvolvimento científico e tecnológico, ao desenvolvimento industrial e ao desenvolvimento econômico como um todo. Pode criar novas formas de dependência relativas ao capital financeiro internacional. Pode até mesmo criar obstáculos intransponíveis à implementação de algumas políticas de cunho social, como as relativas à saúde pública, por exemplo.
Em síntese, a política externa e a forma de inserção no cenário mundial podem determinar que o Brasil se torne, de novo, um país periférico, deitado eternamente no leito de Procusto das políticas neoliberais amigáveis ao capital mundializado, que geram mecanismos de dependência de difícil reversão, uma vez sedimentados em tratados internacionais.
Assim como golpes de Estado substituem a soberania do voto popular pela vontade de maioria parlamentares circunstanciais, uma política externa de país periférico pode substituir a soberania do Estado-Nação pelos interesses de nações hegemônicas e pelos ditames do capital internacional.
Desse modo, o grande golpe contra a democracia pode ser construído no cenário externo, pelos mecanismos aparentemente neutros e “técnicos” dos compromissos internacionais.
Normalmente, esse comprometimento dos países com as políticas neoliberais se dá por via de acordos de livre comércio, principalmente os de “nova geração”, que incluem não apenas a abertura comercial estrito senso, mas também regras relativas à propriedade intelectual, serviços, compras governamentais e regime de investimentos, que privilegiam os interesses dos capitais internacionais, em detrimento da capacidade dos Estados-Nação de controlá-los conforme o interesse público.
Assim, muitos desses acordos permitem que investidores estrangeiros possam acionar o Estado receptor dos investimentos em arbitragens internacionais, sem passar pelos tribunais locais, sempre que julgarem que seus interesses forem negativamente afetados por políticas públicas.
Saliente-se que esses compromissos internacionais, uma vez assumidos, são de difícil reversão, até mesmo para países poderosos. Está aí o exemplo de Trump, que enfrenta grandes resistências e embaraços diplomáticos para voltar a praticar uma política comercial protecionista.
No caso de países em desenvolvimento, o rompimento com esses compromissos internacionais é muito mais difícil, apesar de serem os grandes afetados pelas normas desses tratados. É preciso recordar o exemplo do México, que, além de ter ingressado no Nafta, firmou outros 32 acordos de livre comércio, inclusive com a União Europeia e o Japão. Trata-se de um dos países que mais assinou acordos de livre comércio no mundo. Se o livre-cambismo estivesse correto, o México provavelmente seria hoje um país com uma economia extremamente dinâmica e diversificada, um triunfo absoluto da globalização e do livre comércio.
É o contrário. Hoje, o México tem cerca de 50% da população abaixo da linha pobreza. As famosas “maquiladoras” criaram somente 700 mil empregos em 20 anos, ou cerca de 35 mil ao ano, um número ridículo, quando se leva em consideração que, nesse período, ao redor de 1 milhão de mexicanos entraram todos os anos no mercado de trabalho. O desemprego é alto e os empregos gerados são muito precários, de rendimentos muito baixos. Por isso, o México continua exportando imigrantes às pencas para os EUA, os quais agora são jogados em masmorras junto com seus filhos.
Mesmo com esse grande contraexemplo, o governo do Golpe está totalmente empenhado em assinar, o mais rapidamente possível, e de qualquer jeito, um acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Ninguém sabe como está esse acordo, quais as concessões que foram feitas, pois tudo está sendo negociado em surdina. Porém, é fácil adivinhar que não vem coisa boa por aí. Muito provavelmente, o governo do Golpe, que já rifou a nossa soberania há muito tempo, está disposto a tudo para incluir nesse acordo concessões ao capital e aos investidores estrangeiros, que inviabilizarão a retomada de um projeto desenvolvimentista sustentado por fatores endógenos. Seria um golpe mortal contra o Brasil, pois, muito provavelmente, outros países também pressionariam, com base na cláusula de terceiro país da OMC, para que tais concessões feitas aos europeus sejam também a eles estendidas.
Além disso, todos sabem que o governo golpista adotou uma política externa passiva e submissa caracterizada por:
1. Desconstrução da integração regional, inclusive do Mercosul e da Unasul, e construção de um “regionalismo aberto”, o qual destrói o caráter estratégico da união do subcontinente.
2. Desinvestimento na vertente geoestratégica Sul-Sul da política externa anterior e forte investimento político na vertente Norte-Sul.
3. Abandono, ao menos parcial, da aposta num mundo multipolar e reingresso do Brasil na órbita geoestratégica dos EUA e aliados.
4. Desinvestimento no BRICS e forte investimento no ingresso na OCDE (o Clube dos Ricos) e na celebração, de qualquer forma, de acordos comerciais de “nova geração” com países desenvolvidos.
5. Abandono da postura equilibrada e negociadora em conflitos regionais, como o da Venezuela, e adoção de postura agressiva e confrontadora com regimes que não são agrado dos EUA.
6. Desinvestimento parcial na presença do Brasil em grandes áreas geográficas como África e Ásia.
7. Submissão da política de defesa aos interesses geopolíticos e militares norte-americanos.
8. Destruição dos núcleos estratégicos da indústria defesa, como no caso da venda da Embraer a Boeing.
9. Total alienação do nosso patrimônio público a empresas estrangeiras.
10. Baixo protagonismo internacional do Brasil.
Pois bem, a combinação dessa política externa com a provável celebração de acordos comerciais de “nova geração” com países desenvolvidos, bem como com outras iniciativas, como a assinatura de um novo acordo sobre a Base de Alcântara com os EUA, por exemplo, imporá limites praticamente intransponíveis para que eventuais governos nacionais e progressistas possam praticar políticas autônomas de desenvolvimento, de industrialização, de ciência e tecnologia, de defesa e até mesmo de saúde e de meio ambiente.
Este é ponto fundamental: de nada adianta conceber políticas internas progressistas, se a política externa e a forma de inserção do país no cenário mundial não forem com elas condizentes.
Por isso, nessas próximas eleições é preciso que o debate sobre a política externa e as políticas a ela correlatas, como a política de defesa e a política comercial, tenha centralidade.
Embora os pré-candidatos não tenham apresentado ainda os seus programas de governo, é fácil inferir que as chamadas candidaturas de centro e de direita, como a de Alckmin, Marina Silva, Meirelles, Bolsonaro etc. vão investir na continuidade e mesmo no aprofundamento da política exterior do Golpe. Vão apostar na subserviência a interesses estrangeiros e na política externa de país periférico. Vão apostar no contínuo “apequenamento” do Brasil, com resultados que imporão importantes limites de longo prazo ao desenvolvimento do país.
Ciro Gomes, por seu turno, tem dado declarações lúcidas sobre questões como a Base de Alcântara, integração regional etc., bem como sobre o vergonhoso entreguismo do governo golpista. Contudo, como uma candidatura é uma construção coletiva, sua possível aliança com setores da direita poderá comprometer a luta pela soberania nacional.
Por conseguinte, hoje apenas a candidatura ilegalmente sequestrada de Lula oferece a certeza do enfrentamento a essa lamentável política que destrói o Brasil e o futuro das nossas novas gerações de cidadãos.
Talvez seja esse o principal motivo que o mantém aprisionado, sem cometimento de crime. O governo golpista deve ter prometido mundos e fundos a governos e empresas estrangeiras. São centenas de bilhões de dólares envolvidos em grandes e obscuras negociações. Os interesses na abertura incondicional da economia brasileira e na transformação do Brasil em país definitivamente periférico são imensos. Enquanto a Lava Jato e seu braço midiático distraem a população com as migalhas da corrupção política, a gigantesca corrupção da alienação do patrimônio público e do comprometimento da soberania nacional prossegue impávida e incontestada.
A prisão de Lula é relevante para a geoestratégia de grandes potências.
Nessas eleições, temos de debater a fundo política externa.
No Brasil, as questões relativas à inserção internacional do país normalmente não têm centralidade nos debates e programas eleitorais. Com efeito, ao contrário dos temas atinentes à política econômica, educação, saúde, segurança pública etc., a política externa ocupa espaços secundários, muito restritos, nos discursos eleitorais.
Isso é o que é, mas não é o que deveria ser.
Por quê? Porque a política externa, que conduz a uma determina inserção internacional do país, condiciona ou mesmo determina o possível projeto de Nação a ser implantado e o rumo das próprias políticas internas.
De fato, a política externa e a inserção internacional do país condicionam fortemente a condução das políticas internas. Na realidade, em alguns casos, a política externa pode criar balizamentos estreitos e irreversíveis para a condução das políticas internas. Pode até impedir, ou tornar muito difícil, a implantação de políticas autônomas relativas ao desenvolvimento científico e tecnológico, ao desenvolvimento industrial e ao desenvolvimento econômico como um todo. Pode criar novas formas de dependência relativas ao capital financeiro internacional. Pode até mesmo criar obstáculos intransponíveis à implementação de algumas políticas de cunho social, como as relativas à saúde pública, por exemplo.
Em síntese, a política externa e a forma de inserção no cenário mundial podem determinar que o Brasil se torne, de novo, um país periférico, deitado eternamente no leito de Procusto das políticas neoliberais amigáveis ao capital mundializado, que geram mecanismos de dependência de difícil reversão, uma vez sedimentados em tratados internacionais.
Assim como golpes de Estado substituem a soberania do voto popular pela vontade de maioria parlamentares circunstanciais, uma política externa de país periférico pode substituir a soberania do Estado-Nação pelos interesses de nações hegemônicas e pelos ditames do capital internacional.
Desse modo, o grande golpe contra a democracia pode ser construído no cenário externo, pelos mecanismos aparentemente neutros e “técnicos” dos compromissos internacionais.
Normalmente, esse comprometimento dos países com as políticas neoliberais se dá por via de acordos de livre comércio, principalmente os de “nova geração”, que incluem não apenas a abertura comercial estrito senso, mas também regras relativas à propriedade intelectual, serviços, compras governamentais e regime de investimentos, que privilegiam os interesses dos capitais internacionais, em detrimento da capacidade dos Estados-Nação de controlá-los conforme o interesse público.
Assim, muitos desses acordos permitem que investidores estrangeiros possam acionar o Estado receptor dos investimentos em arbitragens internacionais, sem passar pelos tribunais locais, sempre que julgarem que seus interesses forem negativamente afetados por políticas públicas.
Saliente-se que esses compromissos internacionais, uma vez assumidos, são de difícil reversão, até mesmo para países poderosos. Está aí o exemplo de Trump, que enfrenta grandes resistências e embaraços diplomáticos para voltar a praticar uma política comercial protecionista.
No caso de países em desenvolvimento, o rompimento com esses compromissos internacionais é muito mais difícil, apesar de serem os grandes afetados pelas normas desses tratados. É preciso recordar o exemplo do México, que, além de ter ingressado no Nafta, firmou outros 32 acordos de livre comércio, inclusive com a União Europeia e o Japão. Trata-se de um dos países que mais assinou acordos de livre comércio no mundo. Se o livre-cambismo estivesse correto, o México provavelmente seria hoje um país com uma economia extremamente dinâmica e diversificada, um triunfo absoluto da globalização e do livre comércio.
É o contrário. Hoje, o México tem cerca de 50% da população abaixo da linha pobreza. As famosas “maquiladoras” criaram somente 700 mil empregos em 20 anos, ou cerca de 35 mil ao ano, um número ridículo, quando se leva em consideração que, nesse período, ao redor de 1 milhão de mexicanos entraram todos os anos no mercado de trabalho. O desemprego é alto e os empregos gerados são muito precários, de rendimentos muito baixos. Por isso, o México continua exportando imigrantes às pencas para os EUA, os quais agora são jogados em masmorras junto com seus filhos.
Mesmo com esse grande contraexemplo, o governo do Golpe está totalmente empenhado em assinar, o mais rapidamente possível, e de qualquer jeito, um acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Ninguém sabe como está esse acordo, quais as concessões que foram feitas, pois tudo está sendo negociado em surdina. Porém, é fácil adivinhar que não vem coisa boa por aí. Muito provavelmente, o governo do Golpe, que já rifou a nossa soberania há muito tempo, está disposto a tudo para incluir nesse acordo concessões ao capital e aos investidores estrangeiros, que inviabilizarão a retomada de um projeto desenvolvimentista sustentado por fatores endógenos. Seria um golpe mortal contra o Brasil, pois, muito provavelmente, outros países também pressionariam, com base na cláusula de terceiro país da OMC, para que tais concessões feitas aos europeus sejam também a eles estendidas.
Além disso, todos sabem que o governo golpista adotou uma política externa passiva e submissa caracterizada por:
1. Desconstrução da integração regional, inclusive do Mercosul e da Unasul, e construção de um “regionalismo aberto”, o qual destrói o caráter estratégico da união do subcontinente.
2. Desinvestimento na vertente geoestratégica Sul-Sul da política externa anterior e forte investimento político na vertente Norte-Sul.
3. Abandono, ao menos parcial, da aposta num mundo multipolar e reingresso do Brasil na órbita geoestratégica dos EUA e aliados.
4. Desinvestimento no BRICS e forte investimento no ingresso na OCDE (o Clube dos Ricos) e na celebração, de qualquer forma, de acordos comerciais de “nova geração” com países desenvolvidos.
5. Abandono da postura equilibrada e negociadora em conflitos regionais, como o da Venezuela, e adoção de postura agressiva e confrontadora com regimes que não são agrado dos EUA.
6. Desinvestimento parcial na presença do Brasil em grandes áreas geográficas como África e Ásia.
7. Submissão da política de defesa aos interesses geopolíticos e militares norte-americanos.
8. Destruição dos núcleos estratégicos da indústria defesa, como no caso da venda da Embraer a Boeing.
9. Total alienação do nosso patrimônio público a empresas estrangeiras.
10. Baixo protagonismo internacional do Brasil.
Pois bem, a combinação dessa política externa com a provável celebração de acordos comerciais de “nova geração” com países desenvolvidos, bem como com outras iniciativas, como a assinatura de um novo acordo sobre a Base de Alcântara com os EUA, por exemplo, imporá limites praticamente intransponíveis para que eventuais governos nacionais e progressistas possam praticar políticas autônomas de desenvolvimento, de industrialização, de ciência e tecnologia, de defesa e até mesmo de saúde e de meio ambiente.
Este é ponto fundamental: de nada adianta conceber políticas internas progressistas, se a política externa e a forma de inserção do país no cenário mundial não forem com elas condizentes.
Por isso, nessas próximas eleições é preciso que o debate sobre a política externa e as políticas a ela correlatas, como a política de defesa e a política comercial, tenha centralidade.
Embora os pré-candidatos não tenham apresentado ainda os seus programas de governo, é fácil inferir que as chamadas candidaturas de centro e de direita, como a de Alckmin, Marina Silva, Meirelles, Bolsonaro etc. vão investir na continuidade e mesmo no aprofundamento da política exterior do Golpe. Vão apostar na subserviência a interesses estrangeiros e na política externa de país periférico. Vão apostar no contínuo “apequenamento” do Brasil, com resultados que imporão importantes limites de longo prazo ao desenvolvimento do país.
Ciro Gomes, por seu turno, tem dado declarações lúcidas sobre questões como a Base de Alcântara, integração regional etc., bem como sobre o vergonhoso entreguismo do governo golpista. Contudo, como uma candidatura é uma construção coletiva, sua possível aliança com setores da direita poderá comprometer a luta pela soberania nacional.
Por conseguinte, hoje apenas a candidatura ilegalmente sequestrada de Lula oferece a certeza do enfrentamento a essa lamentável política que destrói o Brasil e o futuro das nossas novas gerações de cidadãos.
Talvez seja esse o principal motivo que o mantém aprisionado, sem cometimento de crime. O governo golpista deve ter prometido mundos e fundos a governos e empresas estrangeiras. São centenas de bilhões de dólares envolvidos em grandes e obscuras negociações. Os interesses na abertura incondicional da economia brasileira e na transformação do Brasil em país definitivamente periférico são imensos. Enquanto a Lava Jato e seu braço midiático distraem a população com as migalhas da corrupção política, a gigantesca corrupção da alienação do patrimônio público e do comprometimento da soberania nacional prossegue impávida e incontestada.
A prisão de Lula é relevante para a geoestratégia de grandes potências.
Nessas eleições, temos de debater a fundo política externa.
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