sábado, 19 de janeiro de 2019

Bolsonaro apura bagrinhos e ignora tubarões

Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

Cartão de visitas que Jair Bolsonaro pretende apresentar em Davos, a Medida Provisória destinada a apurar fraudes na Previdência constitui um retrato sem retoques da visão social de seu governo.

O plano é passar o pente fino em irregularidades que envolvem auxílio-reclusão, aposentadoria rural e pensão por morte, benefícios no valor de um salário mínimo. Espera-se levantar R$ 9,8 bilhões até o final de 2019, e elevar essa quantia nos anos seguintes. Não há reparo a ser feito num esforço legítimo para apurar ganhos indevidos.

Mas o governo não planeja nenhuma medida de impacto equivalente para enfrentar os calotes contra a Previdência aplicados por grandes empresas, uma montanha que cresceu 172,6% em dez anos. Em valores nominais, sem correção da inflação acumulada, a dívida chegava a R$ 179, 4 bilhões em 2008 e atingia R$ 476,7 bilhões no final de 2018, conforme dados da Dívida Ativa da União. (Uol, 18/11/2018).

Com um histórico de tolerância em relação aos maus pagadores, que pediam falência antes de acertar as dívidas com os aposentados, generosidade extrema que só foi interrompida em 2008, boa parte dessa dívida tornou-se irrecuperável.

Diz respeito a mamutes como a Varig, a Vasp, a Tv Manchete. A Procuradoria-Geral da Fazenda estima, contudo, que é possível recuperar R$ 190 bilhões, 19 vezes aquilo que se pretende levantar através da Medida Provisória dirigida às fraudes nas aposentadorias de um salário mínimo. Conforme denunciado na CPI da Previdência, realizada em 2017 no Senado, boa parte desse desfalque envolve uma prática de natureza criminosa, por parte de empresas que descontam a contribuição do funcionário mas não fazem o repasse devido.

No governo do presidente que já disse que "é muito difícil ser patrão no Brasil", não há nenhum sinal nessa direção. Eixo da reforma da Previdência em elaboração pela equipe de Paulo Guedes, o principal efeito do sistema de capitalização individual é eliminar de uma vez por todas a contribuição das empresas para a aposentadoria de seus funcionários.

O sistema em vigor, hoje em dia, constitui um dos casos raríssimos de distribuição de renda obrigatória do Estado brasileiro. Enquanto os trabalhadores registrados contribuem com 10% de seus vencimentos para o INSS, as empresas pagam 20% sobre a remuneração dos funcionários.

Com o sistema de capitalização individual, as empresas deixam de contribuir para a aposentadoria dos empregados, que se tornam os únicos responsáveis pela própria aposentadoria. Com essa mudança, a conta não fecha -- o que explica o fiasco do sistema nos países aonde foi implantado.

Alguma dúvida?

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