terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Milicianos e laranjas no PSL de Bolsonaro

Por João Filho, no site The Intercept-Brasil:

“Estão nomeando corruptos e gente de esquerda no segundo escalão. Não foi esse o combinado e o prometido durante a campanha. Falei para o ministro que, agindo assim, o governo está ‘dando pano para manga’ e aí vão bater mesmo”, disse a senadora do PSL Soraya Thronicke, como se o grande problema do governo estivesse no segundo escalão, e não no Planalto.

Não, senadora. Não estão batendo no governo por causa dos corruptos e “esquerdistas” do segundo escalão, mas pelos vários esquemas de desvios de verbas públicas em esquemas de candidatos laranja comandados por líderes do PSL. Também pelo envolvimento da família presidencial com o crime organizado do Rio de Janeiro. O noticiário desta semana mostra inclusive que há conexão entre os dois assuntos.

Praticamente todo santo dia se descobre uma pilantragem nova nas campanhas do partido do presidente. É tanta laranja caindo que por um momento a gente pensa se os devotos do bolsonarismo devem estar mesmo certos: deve ser tudo invenção da “extrema imprensa”. Mas não, o laranjal está fartamente comprovado, e os responsáveis não conseguem explicar. E o que caiu de laranja nova nessa semana não é brincadeira, meus amigos.

Os holofotes agora estão todos em cima do baixo clero ascendente, e ele está nu com a mão no bolso. As “rachadinhas” são coisa do passado. A moda agora é desviar dinheiro do Fundo Partidário.

Está comprovado que o ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio usou verbas públicas para financiar candidaturas de laranjas em Minas Gerais. Essa semana, Cleuzenir Barbosa, uma das candidatas laranja, entregou ao Ministério Público as trocas de mensagens em que um assessor do ministro pede para que ela transfira parte da sua cota para uma gráfica com a qual ela não estava fazendo serviço algum. Disse também que o ministro conhecia o esquema para lavar dinheiro do PSL. Cleuzenir fugiu para Portugal com medo dos que ela chama de “bandidos”. Fez muito bem.

O ministro era o presidente do PSL mineiro e responsável por definir quem seriam os candidatos no estado. O seu envolvimento com candidatos laranja está muito mais claro do que o de Bebianno, que foi demitido. Segundo Onyx Lorenzoni, o presidente da República nem sequer cogita demitir o ministro do Turismo, a não ser que haja “algo de gravidade, de responsabilidade direta dele”. Mas o que seria mais grave que desviar dinheiro do povo para patrocinar candidatos de mentira? Empregar parentes e amigos das milícias cariocas já sabemos que não é. Fazer caixa 2 também perdeu a gravidade. Mas se o ministro brigar com o Carluxo…hum…aí, sim, o bicho vai pegar.

Durante a campanha eleitoral, o ministro do Turismo dizia, em sua propaganda,que era contra o fundo partidário e o foro privilegiado. Pois bem, ele não só usou - e desviou - recursos do fundo partidário como, com a mesma cara de pau de Flávio Bolsonaro, recorreu ao STF pedindo foro. É o bolsonarismo em estado bruto.

Mas não foi só em Minas e Pernambuco que o PSL desviou verba pública. No Rio Grande do Sul, a presidente do diretório regional e candidata ao Senado Carmen Flores usou parte da grana do fundo partidário para abastecer as contas bancárias de seus parentes. A sua filha recebeu pelo aluguel de um imóvel que foi sede do partido durante a campanha. A neta recebeu para panfletar na rua. Além da contratação dos parentes, Carmen Flores usou a verba para mobiliar a sede. Tudo foi comprado em uma loja da rede “Carmen Flores”. Sim, ela usou verba pública para comprar móveis para o partido em sua própria loja.

Como toda boa bolsonarista, Carmen estava perdida e não sabia muito bem o que fazia ali. Só tinha um coração batendo pelo mito. “Eu não sabia o que era PSL, eu era Bolsonaro. Sempre admirei a causa Bolsonaro. O ministro Onyx Lorenzoni e o presidente, na época deputado [Bolsonaro], jogaram no meu colo em 20 de março a presidência do partido”, falou. Foi dessa forma atabalhoada que a empresária caiu de paraquedas na presidência do PSL gaúcho. A política na nova era se faz nas coxas.

Quando ainda nem havia se lançado candidato, o deputado federal Bibo Nunes (PSL-RS) reclamou com Gustavo Bebianno, então homem de confiança de Bolsonaro, sobre o modo com que Carmen conduzia o partido. “Quando relatei os problemas, ele disse que, se eu continuasse contra a Carmen, poderia ficar sem legenda para concorrer. Me ameaçou”, contou à Folha.

Agora vamos para mais um episódio do capanguismo político no Rio de Janeiro. As relações de Flávio Bolsonaro com o crime organizado vão ficando cada vez mais claras e já começam a surgir os primeiros indícios de que há uma interligação com o laranjal do PSL.

Na quinta-feira, a Folha mostrou como o dinheiro do fundo eleitoral entregue a candidatas do PSL-RJ, presidido por Flávio Bolsonaro, beneficiou a empresa de Alessandra Ferreira de Oliveira, uma ex-assessora sua. Essa empresa recebeu R$ 55,3 mil a partir de pagamentos de 42 candidatos, sendo que R$ 26 mil tiveram como origem 33 candidatas que só receberam a grana nos últimos dias de campanha. Dessas 33 candidatas, 26 tiveram menos de 2.000 votos. Na época em que sua empresa cuidava das contas das candidatas, Alessandra também trabalhava no gabinete da liderança do PSL na Alerj, exercida por Flávio.

Também foram beneficiadas duas parentes de Valdenice de Oliveira Meliga, a Val, não a do Açaí, mas a tesoureira do diretório estadual do PSL. Ela também ajudou a vender os serviços da empresa de Alessandra para as candidaturas do PSL-RJ. Por um acaso, Val é irmã de Alan e Alex Rodrigues Oliveira, aqueles milicianos que fizeram campanha para o Flávio e seu pai e que foram presos por integrarem uma quadrilha de extorsões.

A irmã e a nora de Val também realizaram transferências para a empresa da ex-assessora de Flávio Bolsonaro. Perceba como o bolsonarismo se mostra realmente muito preocupado em ajudar a família brasileira. Ou, como andam dizendo nas redes sociais, a familícia brasileira.

Flávio e Jair Bolsonaro prestigiam festa de aniversário dos irmãos de Val, milicianos presos na Operação Quarto Elemento. “Essa família é nota mil”, escreveu Flávio em seu Instagram.

Na sexta-feira, a ligação com as milícias cariocas voltou a perturbar ainda mais Flávio Bolsonaro. A revista IstoÉ descobriu dois cheques da sua campanha que foram assinados pela Val, o que mostra que ela era uma pessoa da sua mais alta confiança. Flávio chegou a dar uma procuração autorizando Val a assinar os cheques de despesas da campanha em seu nome. Era dela a responsabilidade pelas contas da sua campanha ao Senado. Não foi à toa que Jair e Flávio Bolsonaro compareceram à festa de aniversário dos seus irmãos milicianos antes de serem presos.

Um desses cheques descobertos pela revista estava endereçado à empresa de Alessandra Ferreira Oliveira, a dona da empresa que recebeu verbas das candidaturas laranjas do PSL no Rio. É aí que o laranjal se encontra com as milícias. “Enquanto a irmã de milicianos assinava cheques em nome do ’01’, funcionária do gabinete do filho do presidente mantinha empresa paralela para ‘esquentar’ verba e reter no PSL dinheiro do fundo eleitoral”, publicou a Isto É.

Portanto, ficamos assim: o senador Flávio Bolsonaro é amigo de milicianos. Empregou parentes de milicianos. Concedeu honrarias para milicianos. Defendeu chefe de milícia na Câmara. Deu procuração para uma irmã de milicianos movimentar sua contas de campanha.

O caso é complexo e ainda há muito o que ser investigado. Muitas perguntas não foram esclarecidas. Qual é a participação de Jair Bolsonaro no laranjal do PSL? Qual é o contexto das transações financeiras que Jair e Michele Bolsonaro mantiveram com Fabrício Queiroz? Jair Bolsonaro, amigo próximo de Queiroz por três décadas, não sabia que ele indicava parentes de milicianos para o gabinete do seu filho? Flávio Bolsonaro, depois de anos exaltando as milícias, não sabia de nada? Quem matou Marielle Franco?

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