Por Marcelo Zero
A infindável série das baixarias do Executivo e do Legislativo brasileiros, os piores da história, vem eclipsando temas internacionais relevantes no debate público brasileiro, centralizado num inacreditável House of Cards tupiniquim.
Por isso, foram pouco discutidos o lançamento da Missile Defense Review (nova política de mísseis) dos EUA para 2019 e a saída desse país, anunciada por Trump, do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, conhecido como Tratado INF (Intermediate-Range Nuclear Forces).
Tal tratado internacional foi firmado entre Estados Unidos e a então União Soviética, em 8 de dezembro de 1987.
O acordo estabeleceu a eliminação dos mísseis balísticos e de cruzeiro, nucleares ou convencionais, cujo alcance estivesse entre 500 e 5.500 km.
Na época, a União Soviética tinha estacionados na Europa misséis móveis SS-20, de alcance intermediário.
Por sua vez, os EUA tinham estacionados no continente europeu, especialmente na então Alemanha Ocidental, os seus mísseis Pershing, com o mesmo alcance.
Pois bem, até a data-limite de 1º de junho de 1991, prevista no tratado, 2.692 mísseis foram destruídos, 846 dos Estados Unidos e 1.846 da então União Soviética. O mundo tornou-se mais seguro.
Esse tratado foi fundamental para reduzir a tensão da Guerra Fria, especialmente na Europa.
Sem ele, dificilmente teria ocorrido a rápida reunificação da Alemanha.
Ele veio na esteira de uma série de acordos, como os STARTs, destinados a reduzir sensivelmente o arsenal nuclear mundial e diminuir significativamente a probabilidade de uma guerra nuclear regional ou global.
Entretanto, em 2001 o presidente Bush tomou a decisão de retirar os EUA do Tratado sobre Mísseis Antibalísticos, de 1972, pelo qual aquele país e a União Soviética se comprometiam a ter apenas um sistema de mísseis antimísseis.
Retirado esse limite, os EUA passaram desenvolver um novo sistema de defesa, localizado principalmente no Alaska e na Califórnia.
Esse novo sistema pretendia extinguir o chamado “equilíbrio do terror”, pelo qual ambos os polos da Guerra Fria asseguravam a sua mútua destruição (Mutual Assured Destruction).
Era esse equilíbrio que impossibilitava praticamente a ocorrência de uma guerra nuclear.
A estratégia norte-americana era simples.
Com um novo e moderno sistema antimísseis, os EUA poderiam promover um primeiro ataque nuclear, destruir boa parte dos mísseis russos, e, ao mesmo tempo, contrarrestar um subsequente contra-ataque russo, fazendo ruir, desse modo, o “equilíbrio do terror”.
Como bem advertiu Putin poucos anos depois, essa estratégia era extremamente perigosa para o mundo e até para os EUA, pois criava a ilusão de “invencibilidade” e invulnerabilidade.
De fato, essa é uma ilusão muito perigosa, que pode precipitar decisões trágicas.
Felizmente, essa estratégia norte-americana fracassou inteiramente.
Os novos sistemas mostraram-se, em testes, bastante ineficientes e pouco confiáveis, além de extremamente caros.
Por outro lado, a Rússia de Putin, recuperada economicamente e empenhada no seu reerguimento geopolítico, passou a desenvolver, em resposta à ameça de desequilíbrio entre as grandes forças nucleares estratégicas, uma série de novas armas ofensivas, bem mais baratas, mas mais eficazes.
Entre elas, destacam-se torpedos de distância extremamente longa, mísseis cruise de propulsão nuclear e, sobretudo, mísseis hipersônicos de extrema precisão.
Esses últimos, em especial, causam grande apreensão no Departamento de Estado dos EUA.
O míssel russo Avantgarde, anunciado no ano passado, promete chegar, com cargas nucleares, ao território norte-americano em velocidades de até mach 20 (vinte vezes a velocidade do som) e com capacidade de manobra capaz de driblar qualquer sistema defensivo.
Com isso, todo o caríssimo investimento feito desde Bush na estratégia antimíssil cai por terra.
Ademais, no campo dos mísseis de médio alcance, o modelo russo Kalibr, já usado com muito sucesso na Síria, mostrou ser extremamente preciso.
Esse míssil, com alcance entre 1.500 e 2500 quilômetros, possui sistema de navegação passiva com análise de images ópticas. Com isso escapa de sensores de ondas eletromagnéticas do inimigo.
Especialistas acreditam que, com poucas transformações, tal míssil poderia ser lançado do solo e escapar totalmente também de radares, tornando-o veículo ideal para levar cargas nucleares táticas e estratégicas em médias distâncias, desafiando os sistemas defensivos dos países da OTAN, aliados dos EUA na Europa.
Pois bem, tanto a nova Missile Defense Review quanto a saída dos EUA do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário destinam-se a tentar recuperar a iniciativa norte-americana nesse campo e contrarrestar os notáveis avanços russos.
Não obstante, a Missile Defense Review de 2019 também menciona Irã, Coreia do Norte e China como rivais dos EUA, que precisam ser enfrentados.
Nesse documento, a China é analisada com esmero.
Esse país, obviamente, não faz parte do tratado de mísseis de alcance intermediário e, além disso, vem desenvolvendo uma série de mísseis de curto, médio e longo alcance, com muito êxito.
Segundo o documento da Missile Defense Review, a China também estaria desenvolvendo mísseis hipersónicos semelhantes aos russos, capazes, da mesma forma, de driblar os sistemas de defesa dos EUA e de seus parceiros na Ásia, como Japão, Coreia do Sul e Taiwan.
Assim, a Missile Defense Review de 2019 e a saída do Tratado INF pretende contrapor-se não apenas aos avanços russos, suscitados pela ofensiva estratégica norte-americana iniciada no governo Bush, mas também às iniciativas independentes da China, nesse campo.
Trata-se, no fundo, e do ponto de vista geoestratégico, de uma iniciativa anti-BRICS.
A Missile Defense Review pretende, entre outras coisas, ressuscitar a “Star Wars” de Ronald Reagan, o delirante e caríssimo escudo espacial antimíssil, baseado em satélites equipados com raios laser.
Especialistas alertam que apenas o custo de transporte de colocar 1 kg de equipamento militar no espaço varia entre US$ 5.000 e US$ 20.000.
Um escudo desses demandaria milhares de sistemas satelitais de defesa, com várias toneladas cada um, um valor proibitivo. Além disso, ele deverá ser sensível a contra-ataques desde terra e dificilmente terá sucesso contra os novos mísseis hipersônicos.
Mesmo assim, a ofensiva armamentista norte-americana prosseguirá. Num diapasão mais realista, o governo dos EUA já encomendou à Lockheed Martin uma nova versão do míssil de cruzeiro AGM-158, com alcance estendido de 1.900 quilômetros e massa de 2.300 kilos, que será lançado de terra, em vez de aviões.
Como essa nova corrida armamentista dos EUA poderá afetar o Brasil?
Nosso país e nossa região não são citados no documento.
Nele, são citados como aliados e parceiros na estratégia de mísseis dos EUA, países da Ásia do Leste, como Japão, Coreia do Sul e Taiwan. Países do Sul da Ásia, como Índia. Países da Oceania, como Austrália. Países da OTAN, situados principalmente na Europa, e países da América do Norte, como Canadá.
Contudo, é preciso levar em consideração que a nova estratégia de defesa dos EUA colocou, em seu centro, a luta pelo poder mundial, principalmente com a Rússia e a China. Nessa estratégia, a nossa região está envolvida.
O enfrentamento que hoje ocorre na Venezuela, dona das maiores reservas de petróleo do mundo, é demonstração cabal de que os EUA estão determinados a reconquistar sua antiga hegemonia inconteste na América do Sul.
Do mesmo modo, as mudanças de regime que ocorreram no subcontinente, inclusive a que levou ao golpe de Estado de 2016 e à eleição de Bolsonaro, não podem ser desvinculadas desse grande embate estratégico mundial.
Nesse sentido, o Brasil e a América do Sul podem acabar se envolvendo na nova corrida armamentista, propugnada na Missile Defense Review de 2019.
A constituição de bases militares norte-americanas no nosso subcontinente, inclusive com finalidade de uso aeroespacial, poderia ser de grande utilidade.
Em recente artigo publicado no site da CNN, intitulado US Should Go Big in Brazil, o senador Marco Rubio, uma das figuras mais influentes na política de Trump para a América Latina, afirmou que em troca do apoio do Brasil aos interesses norte-americanos na região, principalmente no que tange à Venezuela, os EUA poderiam, entre outras coisas, “cooperar” com nosso país no campo aeroespacial e firmar um novo acordo para o uso da Base de Alcântara.
Assim, não é difícil imaginar que a Base de Alcântara, que permite lançamentos espaciais com custo muito reduzido, graças a sua posição próxima ao Equador, poderia facilmente inserir-se dentro da estratégia norte-americana de construção e monitoramento de um escudo antimíssil, além de poder ser utilizada para outras finalidades.
Saliente-se que um dos motivos que levaram à rejeição do antigo Acordo de Alcântara pelo Congresso Nacional foi a impossibilidade de que as autoridades brasileiras tivessem qualquer controle ou informação sobre as cargas úteis que poderiam ser de lá lançadas.
Alcântara poderia vir a ser, dessa maneira, uma espécie de “casa da mãe joana” espacial para os norte-americanos.
Com o governo Bolsonaro, que bate continência até para os “subs” de Trump, essa é uma hipótese novamente plausível.
Mas, mesmo que não haja nenhum envolvimento direto do Brasil na nova estratégia sobre mísseis dos EUA, haverá, é claro, um profundo impacto indireto.
Com tal estratégia, que ressuscita o delírio paranoico da era Reagan e acaba com o Tratado de Mísseis de Alcance Intermediário, fundamental para a paz mundial, todo o planeta se torna mais inseguro e tenso.
Trump, um inimigo da paz que não se conforma com a emergência de novos atores globais, encontrou no governo Bolsonaro o aliado ideal: submisso e disposto a renunciar à sua própria grandeza para agradá-lo.
Um governo ideológico e obtuso, que atira sistematicamente contra os interesses de seu próprio país.
No cenário mundial, o Brasil é hoje um país que já consegue mais projetar interesses próprios.
Já não faz mais nada no BRICS, inviabilizou-se como mediador na América Latina e comprou briga com seus aliados reais, como China e países árabes. Tornou-se mero capitão-do-mato do Império, disposto a fazer trabalhos sujos, como preconiza o senador Marco Rubio em seu artigo. Perdeu o autorrespeito e o respeito do mundo.
Com efeito, o Brasil, que era até pouco tempo um soft power respeitado em todo o mundo por sua disposição para a paz, a cooperação e o diálogo, agora é um vira-lata raivoso, que rejeita o diálogo na Venezuela e parece disposto a secundar todas as loucuras belicosas de Trump.
O Brasil de Bolsonaro está investindo na guerra e na guerra contra si mesmo.
A infindável série das baixarias do Executivo e do Legislativo brasileiros, os piores da história, vem eclipsando temas internacionais relevantes no debate público brasileiro, centralizado num inacreditável House of Cards tupiniquim.
Por isso, foram pouco discutidos o lançamento da Missile Defense Review (nova política de mísseis) dos EUA para 2019 e a saída desse país, anunciada por Trump, do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário, conhecido como Tratado INF (Intermediate-Range Nuclear Forces).
Tal tratado internacional foi firmado entre Estados Unidos e a então União Soviética, em 8 de dezembro de 1987.
O acordo estabeleceu a eliminação dos mísseis balísticos e de cruzeiro, nucleares ou convencionais, cujo alcance estivesse entre 500 e 5.500 km.
Na época, a União Soviética tinha estacionados na Europa misséis móveis SS-20, de alcance intermediário.
Por sua vez, os EUA tinham estacionados no continente europeu, especialmente na então Alemanha Ocidental, os seus mísseis Pershing, com o mesmo alcance.
Pois bem, até a data-limite de 1º de junho de 1991, prevista no tratado, 2.692 mísseis foram destruídos, 846 dos Estados Unidos e 1.846 da então União Soviética. O mundo tornou-se mais seguro.
Esse tratado foi fundamental para reduzir a tensão da Guerra Fria, especialmente na Europa.
Sem ele, dificilmente teria ocorrido a rápida reunificação da Alemanha.
Ele veio na esteira de uma série de acordos, como os STARTs, destinados a reduzir sensivelmente o arsenal nuclear mundial e diminuir significativamente a probabilidade de uma guerra nuclear regional ou global.
Entretanto, em 2001 o presidente Bush tomou a decisão de retirar os EUA do Tratado sobre Mísseis Antibalísticos, de 1972, pelo qual aquele país e a União Soviética se comprometiam a ter apenas um sistema de mísseis antimísseis.
Retirado esse limite, os EUA passaram desenvolver um novo sistema de defesa, localizado principalmente no Alaska e na Califórnia.
Esse novo sistema pretendia extinguir o chamado “equilíbrio do terror”, pelo qual ambos os polos da Guerra Fria asseguravam a sua mútua destruição (Mutual Assured Destruction).
Era esse equilíbrio que impossibilitava praticamente a ocorrência de uma guerra nuclear.
A estratégia norte-americana era simples.
Com um novo e moderno sistema antimísseis, os EUA poderiam promover um primeiro ataque nuclear, destruir boa parte dos mísseis russos, e, ao mesmo tempo, contrarrestar um subsequente contra-ataque russo, fazendo ruir, desse modo, o “equilíbrio do terror”.
Como bem advertiu Putin poucos anos depois, essa estratégia era extremamente perigosa para o mundo e até para os EUA, pois criava a ilusão de “invencibilidade” e invulnerabilidade.
De fato, essa é uma ilusão muito perigosa, que pode precipitar decisões trágicas.
Felizmente, essa estratégia norte-americana fracassou inteiramente.
Os novos sistemas mostraram-se, em testes, bastante ineficientes e pouco confiáveis, além de extremamente caros.
Por outro lado, a Rússia de Putin, recuperada economicamente e empenhada no seu reerguimento geopolítico, passou a desenvolver, em resposta à ameça de desequilíbrio entre as grandes forças nucleares estratégicas, uma série de novas armas ofensivas, bem mais baratas, mas mais eficazes.
Entre elas, destacam-se torpedos de distância extremamente longa, mísseis cruise de propulsão nuclear e, sobretudo, mísseis hipersônicos de extrema precisão.
Esses últimos, em especial, causam grande apreensão no Departamento de Estado dos EUA.
O míssel russo Avantgarde, anunciado no ano passado, promete chegar, com cargas nucleares, ao território norte-americano em velocidades de até mach 20 (vinte vezes a velocidade do som) e com capacidade de manobra capaz de driblar qualquer sistema defensivo.
Com isso, todo o caríssimo investimento feito desde Bush na estratégia antimíssil cai por terra.
Ademais, no campo dos mísseis de médio alcance, o modelo russo Kalibr, já usado com muito sucesso na Síria, mostrou ser extremamente preciso.
Esse míssil, com alcance entre 1.500 e 2500 quilômetros, possui sistema de navegação passiva com análise de images ópticas. Com isso escapa de sensores de ondas eletromagnéticas do inimigo.
Especialistas acreditam que, com poucas transformações, tal míssil poderia ser lançado do solo e escapar totalmente também de radares, tornando-o veículo ideal para levar cargas nucleares táticas e estratégicas em médias distâncias, desafiando os sistemas defensivos dos países da OTAN, aliados dos EUA na Europa.
Pois bem, tanto a nova Missile Defense Review quanto a saída dos EUA do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário destinam-se a tentar recuperar a iniciativa norte-americana nesse campo e contrarrestar os notáveis avanços russos.
Não obstante, a Missile Defense Review de 2019 também menciona Irã, Coreia do Norte e China como rivais dos EUA, que precisam ser enfrentados.
Nesse documento, a China é analisada com esmero.
Esse país, obviamente, não faz parte do tratado de mísseis de alcance intermediário e, além disso, vem desenvolvendo uma série de mísseis de curto, médio e longo alcance, com muito êxito.
Segundo o documento da Missile Defense Review, a China também estaria desenvolvendo mísseis hipersónicos semelhantes aos russos, capazes, da mesma forma, de driblar os sistemas de defesa dos EUA e de seus parceiros na Ásia, como Japão, Coreia do Sul e Taiwan.
Assim, a Missile Defense Review de 2019 e a saída do Tratado INF pretende contrapor-se não apenas aos avanços russos, suscitados pela ofensiva estratégica norte-americana iniciada no governo Bush, mas também às iniciativas independentes da China, nesse campo.
Trata-se, no fundo, e do ponto de vista geoestratégico, de uma iniciativa anti-BRICS.
A Missile Defense Review pretende, entre outras coisas, ressuscitar a “Star Wars” de Ronald Reagan, o delirante e caríssimo escudo espacial antimíssil, baseado em satélites equipados com raios laser.
Especialistas alertam que apenas o custo de transporte de colocar 1 kg de equipamento militar no espaço varia entre US$ 5.000 e US$ 20.000.
Um escudo desses demandaria milhares de sistemas satelitais de defesa, com várias toneladas cada um, um valor proibitivo. Além disso, ele deverá ser sensível a contra-ataques desde terra e dificilmente terá sucesso contra os novos mísseis hipersônicos.
Mesmo assim, a ofensiva armamentista norte-americana prosseguirá. Num diapasão mais realista, o governo dos EUA já encomendou à Lockheed Martin uma nova versão do míssil de cruzeiro AGM-158, com alcance estendido de 1.900 quilômetros e massa de 2.300 kilos, que será lançado de terra, em vez de aviões.
Como essa nova corrida armamentista dos EUA poderá afetar o Brasil?
Nosso país e nossa região não são citados no documento.
Nele, são citados como aliados e parceiros na estratégia de mísseis dos EUA, países da Ásia do Leste, como Japão, Coreia do Sul e Taiwan. Países do Sul da Ásia, como Índia. Países da Oceania, como Austrália. Países da OTAN, situados principalmente na Europa, e países da América do Norte, como Canadá.
Contudo, é preciso levar em consideração que a nova estratégia de defesa dos EUA colocou, em seu centro, a luta pelo poder mundial, principalmente com a Rússia e a China. Nessa estratégia, a nossa região está envolvida.
O enfrentamento que hoje ocorre na Venezuela, dona das maiores reservas de petróleo do mundo, é demonstração cabal de que os EUA estão determinados a reconquistar sua antiga hegemonia inconteste na América do Sul.
Do mesmo modo, as mudanças de regime que ocorreram no subcontinente, inclusive a que levou ao golpe de Estado de 2016 e à eleição de Bolsonaro, não podem ser desvinculadas desse grande embate estratégico mundial.
Nesse sentido, o Brasil e a América do Sul podem acabar se envolvendo na nova corrida armamentista, propugnada na Missile Defense Review de 2019.
A constituição de bases militares norte-americanas no nosso subcontinente, inclusive com finalidade de uso aeroespacial, poderia ser de grande utilidade.
Em recente artigo publicado no site da CNN, intitulado US Should Go Big in Brazil, o senador Marco Rubio, uma das figuras mais influentes na política de Trump para a América Latina, afirmou que em troca do apoio do Brasil aos interesses norte-americanos na região, principalmente no que tange à Venezuela, os EUA poderiam, entre outras coisas, “cooperar” com nosso país no campo aeroespacial e firmar um novo acordo para o uso da Base de Alcântara.
Assim, não é difícil imaginar que a Base de Alcântara, que permite lançamentos espaciais com custo muito reduzido, graças a sua posição próxima ao Equador, poderia facilmente inserir-se dentro da estratégia norte-americana de construção e monitoramento de um escudo antimíssil, além de poder ser utilizada para outras finalidades.
Saliente-se que um dos motivos que levaram à rejeição do antigo Acordo de Alcântara pelo Congresso Nacional foi a impossibilidade de que as autoridades brasileiras tivessem qualquer controle ou informação sobre as cargas úteis que poderiam ser de lá lançadas.
Alcântara poderia vir a ser, dessa maneira, uma espécie de “casa da mãe joana” espacial para os norte-americanos.
Com o governo Bolsonaro, que bate continência até para os “subs” de Trump, essa é uma hipótese novamente plausível.
Mas, mesmo que não haja nenhum envolvimento direto do Brasil na nova estratégia sobre mísseis dos EUA, haverá, é claro, um profundo impacto indireto.
Com tal estratégia, que ressuscita o delírio paranoico da era Reagan e acaba com o Tratado de Mísseis de Alcance Intermediário, fundamental para a paz mundial, todo o planeta se torna mais inseguro e tenso.
Trump, um inimigo da paz que não se conforma com a emergência de novos atores globais, encontrou no governo Bolsonaro o aliado ideal: submisso e disposto a renunciar à sua própria grandeza para agradá-lo.
Um governo ideológico e obtuso, que atira sistematicamente contra os interesses de seu próprio país.
No cenário mundial, o Brasil é hoje um país que já consegue mais projetar interesses próprios.
Já não faz mais nada no BRICS, inviabilizou-se como mediador na América Latina e comprou briga com seus aliados reais, como China e países árabes. Tornou-se mero capitão-do-mato do Império, disposto a fazer trabalhos sujos, como preconiza o senador Marco Rubio em seu artigo. Perdeu o autorrespeito e o respeito do mundo.
Com efeito, o Brasil, que era até pouco tempo um soft power respeitado em todo o mundo por sua disposição para a paz, a cooperação e o diálogo, agora é um vira-lata raivoso, que rejeita o diálogo na Venezuela e parece disposto a secundar todas as loucuras belicosas de Trump.
O Brasil de Bolsonaro está investindo na guerra e na guerra contra si mesmo.
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