Por Hector R. Torres, no site Outras Palavras:
Em 1958, a Argentina teve de pedir, pela primeira vez, um empréstimo ao Fundo Monetário Internacional. Nas seis décadas seguintes, o país assinou 22 acordos com o Fundo. A maioria descarrilhou mais tarde, ou terminou em fracasso.
As credenciais pró-mercado do atual presidente da Argentina, Mauricio Macri, não o impediram de se somar a este desfile de decepções. Em pouco mais de três anos, seu governo firmou dois acordos com o FMI. E os acontecimentos recentes sugerem que a problemática história da Argentina com o Fundo pode estar a ponto de se repetir.
O último capítulo começou em junho de 2018, quando o país tinha déficits fiscais e de conta corrente [externo] que, somados, equivaliam a cerca de 11% do PIB. Os investidores desconfiaram dos bônus da dívida argentina, o que obrigou o governo Macri a bater às portas do FMI em busca de ajuda.
Com forte respaldo dos Estados Unidos, o Fundo concedeu à Argentina, rapidamente, um empréstimo de 50 bilhões de dólares, que deveria ser usado em três anos. O governo fingiu que era apenas um programa “preventivo”: a Argentina não necessitava do dinheiro, o importante era que os investidores privados soubessem que este estava à disposição.
No entanto, apenas dois meses depois, Macri admitiu que a Argentina precisava até mais que os 50 bilhões, e de imediato. Na gíria do FMI, o acordo tinha de ser “pago à vista” [charged up front”].
Neste ponto, a amizade de Macri com o presidente norte-americano, Donald Trump (conheceram-se no mundo imobiliário), deu frutos. O FMI concordou, ainda que rangendo os dentes, em engordar o empréstimo com 7 bilhões adicionais, o que o elevou a US$ 57 bi. Além disso, 90% do valor total, ou US$ 51,2 bilhões, serão desembolsados antes da próxima eleição presidencial da Argentina, marcada para 27 de outubro.
É o maior empréstimo já concedido pelo FMI a um país, e a economia da Argentina, em crise, depende muito deste apoio financeiro. Em 15 de abril, o Fundo enviou uma quota de US$ 9,6 bi. Mas, em vez de usar este dinheiro para acumular reservas de divisas ou recomprar dívida em dólares, o governo Macri vai usá-lo para comprar pesos argentinos [Trata-se de uma jogada protelatória, quase idêntica à de Fernando Henrique Cardoso, na crise cambial brasileira de 1998. O Brasil estava quebrado. Mas o dinheiro das reservas internacionais, e o do FMI, foi usado para vender dólares aos especuladores (ou seja, para “comprar reais”). Estes puderam “fugir” da moeda brasileira, evitando a mega-desvalorização que se seguiria às eleições. Mas durante meses, com a cotação do real em queda vagarosa, foi possível fingir certa “estabilidade” (Nota do Tradutor)].
Como era de esperar, as taxas de risco da Argentina dispararam. Os investidores estão inquietos, e não apenas porque a ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner lidera as pesquisas. Sabem que, ao concentrar praticamente todo o apoio financeiro do FMI em seu atual mandato, Macri também concentrou os vencimentos das obrigações de reembolso da Argentina com o Fundo. Como o FMI tem status de credor preferencial, será o primeiro da fila dos credores e, por isso, o primeiro a cobrar. Em outras palavras, se depois de 2020 a Argentina não tiver dólares suficientes para pagar todos os seus credores, os inversores privados podem ver-se obrigados a reestruturar seus créditos, com perdas. Eles sabem disso e também sabem que têm oportunidade limitada para sair da Argentina. É provável que a usem rápido
O governo argumenta que o Tesouro precisa vender os US$ 9,6 bilhões no mercado interno, para cobrir os gastos orçamentários em pesos. Que o governo use empréstimos do Fundo para comprar pesos argentinas parece alarmante, mas o FMI aceitou. No entanto, o governo só poderá comprar pesos argentinos em doses homeopáticas, de até US$ 60 milhões por dia, através do Banco Central e em leilões públicos.
Isso não tem sentido. Em virtude de seu acordo com o FMI, o governo comprometeu-se a executar o Orçamento de 2019 sem déficit primário (ou seja, excluído o pagamento de juros) e também a refinanciar pelo menos 70% dos vencimentos da dívida em pesos e de seus juros. O governo está cumprindo ambas condições. Mais ainda: está refinanciando mais de 100% da dívida que vence, superando a meta deste ano.
Portanto, o governo não tem necessidade orçamentária de utilizar os dólares do FMI para comprar pesos. Ainda assim, as autoridades, com o respaldo do Fundo, utilizarão o dinheiro para manter estáveis as cotações do dólar, até as eleições deste ano, aumentando as possibilidades de reeleição de Macri.
O FMI não poderia apoiar esta manobra, por várias razões. Para começar, o disparate de se endividar com o FMI para comprar pesos colocará os esforços para normalizar as relações entra a Argentina e o Fundo. Em segundo lugar, os dólares que o governo se propõe a vender agora, para comprar pesos, serão muito necessários para que o próximo governo possa fazer frente aos pagamentos da dívida e dos juros que vencem em 2020.
Além disso, ter US$ 9,6 bilhões, em vez da quantidade equivalente de pesos depreciados, colocaria o próximo governo em posição um pouco mais cômoda — já que, como parece inevitável, precisará renegociar o atual acordo com o FMI. Vale notar, que Macri pode inclusive fracassar, em seu objetivo de assegurar um peso estável até as eleições. Um leilão diário de US$ 60 milhões não dará ao governo munição suficiente para evitar picos de volatilidade no mercado cambial.
Por fim, quanto mais dinheiro a Argentina dever a um credor privilegiado, como o FMI, mais difícil será convencer os investidores privados, “não privilegiados”, a retornar seus capitais e continuar financiando o país em 2020 e depois.
Lamentavelmente, a história pode estar a ponto de se repetir. Em outubro de 2001, uns 60 dias antes de interromper o pagamento de suas dívidas, a Argentina solicitou um empréstimo de US$ 8 bilhões ao Fundo. A maior parte do dinheiro foi usada para comprar pesos de investidores institucionais que abandonavam o país . O FMI está a ponto de cometer o mesmo erro. Não se deve esperar, agora, um resultado diferente.
Em 1958, a Argentina teve de pedir, pela primeira vez, um empréstimo ao Fundo Monetário Internacional. Nas seis décadas seguintes, o país assinou 22 acordos com o Fundo. A maioria descarrilhou mais tarde, ou terminou em fracasso.
As credenciais pró-mercado do atual presidente da Argentina, Mauricio Macri, não o impediram de se somar a este desfile de decepções. Em pouco mais de três anos, seu governo firmou dois acordos com o FMI. E os acontecimentos recentes sugerem que a problemática história da Argentina com o Fundo pode estar a ponto de se repetir.
O último capítulo começou em junho de 2018, quando o país tinha déficits fiscais e de conta corrente [externo] que, somados, equivaliam a cerca de 11% do PIB. Os investidores desconfiaram dos bônus da dívida argentina, o que obrigou o governo Macri a bater às portas do FMI em busca de ajuda.
Com forte respaldo dos Estados Unidos, o Fundo concedeu à Argentina, rapidamente, um empréstimo de 50 bilhões de dólares, que deveria ser usado em três anos. O governo fingiu que era apenas um programa “preventivo”: a Argentina não necessitava do dinheiro, o importante era que os investidores privados soubessem que este estava à disposição.
No entanto, apenas dois meses depois, Macri admitiu que a Argentina precisava até mais que os 50 bilhões, e de imediato. Na gíria do FMI, o acordo tinha de ser “pago à vista” [charged up front”].
Neste ponto, a amizade de Macri com o presidente norte-americano, Donald Trump (conheceram-se no mundo imobiliário), deu frutos. O FMI concordou, ainda que rangendo os dentes, em engordar o empréstimo com 7 bilhões adicionais, o que o elevou a US$ 57 bi. Além disso, 90% do valor total, ou US$ 51,2 bilhões, serão desembolsados antes da próxima eleição presidencial da Argentina, marcada para 27 de outubro.
É o maior empréstimo já concedido pelo FMI a um país, e a economia da Argentina, em crise, depende muito deste apoio financeiro. Em 15 de abril, o Fundo enviou uma quota de US$ 9,6 bi. Mas, em vez de usar este dinheiro para acumular reservas de divisas ou recomprar dívida em dólares, o governo Macri vai usá-lo para comprar pesos argentinos [Trata-se de uma jogada protelatória, quase idêntica à de Fernando Henrique Cardoso, na crise cambial brasileira de 1998. O Brasil estava quebrado. Mas o dinheiro das reservas internacionais, e o do FMI, foi usado para vender dólares aos especuladores (ou seja, para “comprar reais”). Estes puderam “fugir” da moeda brasileira, evitando a mega-desvalorização que se seguiria às eleições. Mas durante meses, com a cotação do real em queda vagarosa, foi possível fingir certa “estabilidade” (Nota do Tradutor)].
Como era de esperar, as taxas de risco da Argentina dispararam. Os investidores estão inquietos, e não apenas porque a ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner lidera as pesquisas. Sabem que, ao concentrar praticamente todo o apoio financeiro do FMI em seu atual mandato, Macri também concentrou os vencimentos das obrigações de reembolso da Argentina com o Fundo. Como o FMI tem status de credor preferencial, será o primeiro da fila dos credores e, por isso, o primeiro a cobrar. Em outras palavras, se depois de 2020 a Argentina não tiver dólares suficientes para pagar todos os seus credores, os inversores privados podem ver-se obrigados a reestruturar seus créditos, com perdas. Eles sabem disso e também sabem que têm oportunidade limitada para sair da Argentina. É provável que a usem rápido
O governo argumenta que o Tesouro precisa vender os US$ 9,6 bilhões no mercado interno, para cobrir os gastos orçamentários em pesos. Que o governo use empréstimos do Fundo para comprar pesos argentinas parece alarmante, mas o FMI aceitou. No entanto, o governo só poderá comprar pesos argentinos em doses homeopáticas, de até US$ 60 milhões por dia, através do Banco Central e em leilões públicos.
Isso não tem sentido. Em virtude de seu acordo com o FMI, o governo comprometeu-se a executar o Orçamento de 2019 sem déficit primário (ou seja, excluído o pagamento de juros) e também a refinanciar pelo menos 70% dos vencimentos da dívida em pesos e de seus juros. O governo está cumprindo ambas condições. Mais ainda: está refinanciando mais de 100% da dívida que vence, superando a meta deste ano.
Portanto, o governo não tem necessidade orçamentária de utilizar os dólares do FMI para comprar pesos. Ainda assim, as autoridades, com o respaldo do Fundo, utilizarão o dinheiro para manter estáveis as cotações do dólar, até as eleições deste ano, aumentando as possibilidades de reeleição de Macri.
O FMI não poderia apoiar esta manobra, por várias razões. Para começar, o disparate de se endividar com o FMI para comprar pesos colocará os esforços para normalizar as relações entra a Argentina e o Fundo. Em segundo lugar, os dólares que o governo se propõe a vender agora, para comprar pesos, serão muito necessários para que o próximo governo possa fazer frente aos pagamentos da dívida e dos juros que vencem em 2020.
Além disso, ter US$ 9,6 bilhões, em vez da quantidade equivalente de pesos depreciados, colocaria o próximo governo em posição um pouco mais cômoda — já que, como parece inevitável, precisará renegociar o atual acordo com o FMI. Vale notar, que Macri pode inclusive fracassar, em seu objetivo de assegurar um peso estável até as eleições. Um leilão diário de US$ 60 milhões não dará ao governo munição suficiente para evitar picos de volatilidade no mercado cambial.
Por fim, quanto mais dinheiro a Argentina dever a um credor privilegiado, como o FMI, mais difícil será convencer os investidores privados, “não privilegiados”, a retornar seus capitais e continuar financiando o país em 2020 e depois.
Lamentavelmente, a história pode estar a ponto de se repetir. Em outubro de 2001, uns 60 dias antes de interromper o pagamento de suas dívidas, a Argentina solicitou um empréstimo de US$ 8 bilhões ao Fundo. A maior parte do dinheiro foi usada para comprar pesos de investidores institucionais que abandonavam o país . O FMI está a ponto de cometer o mesmo erro. Não se deve esperar, agora, um resultado diferente.
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