Por Marcelo Zero
Conta o historiador romano Suetônio, em “A Vida dos Doze Césares” (DEVITIS CAESARUM), que o imperador Calígula, conhecido por seu equilíbrio e temperança, dedicava ao seu cavalo Incitatus um profundo amor paternal.
Segundo Suetônio, Incitatus tinha um estábulo de mármore e uma cocheira de marfim.
Dormia com cobertas púrpuras, a cor da realeza romana, e usava um colar de pedras preciosas.
Incitatus tinha também casa própria e dezenas de escravos a sua disposição.
Tal era o amor de Calígula por Incitatus que o imperador chegou a planejar torná-lo cônsul.
Suetônio não esclarece quais as qualificações de Incitatus para assumir tal cargo honroso. Porém, como Incitatus tinha vindo da antiga Hispânia, supõe-se que ele fosse fluente em alguma língua bárbara.
Hoje em dia, essa história é vista como um exemplo extremo do uso indevido de poder para fins privados, que tange o reino da loucura.
Contudo, justiça seja feita a Calígula, não se pode acusá-lo, nesse caso, de nepotismo.
O mesmo não se pode dizer de Bolsonaro, que quer nomear seu filho embaixador em Washington.
Além do claro ato de nepotismo, proibido pelas normas, é decisão absurda como a de Calígula.
Não que o filho do capitão seja equiparável ao impetuoso e senatorial equino.
Ele é um bípede implume, deputado, e pertencente à espécie Homo Sapiens, embora talvez não faça, como muitos, inteira justiça a esse nome biológico.
Não obstante, Eduardo Bolsonaro é tão despreparado para assumir tal cargo quanto Incitatus era desqualificado para o cargo de cônsul. Na realidade, ainda mais.
O cargo de cônsul era o mais alto da República Romana.
Durante o Império, entretanto, o cargo de cônsul era apenas honorífico e não propiciava qualquer poder real ao seu titular. Assim, o simpático quadrúpede não poderia mandar ninguém comer capim ou relinchar.
O mesmo não se pode dizer do cargo de embaixador em Washington.
Trata-se do principal cargo da nossa diplomacia no exterior.
Um cargo de grande responsabilidade e poder. Por isso, ele é reservado a embaixadores muito experientes e que tenham grande destaque na carreira diplomática.
Para tal cargo, não é necessário saber fritar hambúrguer, atividade de altíssima complexidade intelectual.
Contudo, ele requer de seu ocupante amplo conhecimento de política externa e relações internacionais, de economia mundial, de direito internacional público, das relações bilaterais Brasil-EUA, da história de ambos os países etc., além, é claro, de vasta experiência em diplomacia, algo que não se aprende, infelizmente, em programas estudantis de intercâmbio.
Mas além de vasto conhecimento e da ampla experiência, o cargo demanda outra coisa ainda mais importante: compromisso republicano.
Com efeito, a política externa de um país é, por definição, uma política de Estado; não de um governo específico.
Portanto, o ocupante do cargo de embaixador em Washington representa os interesses maiores do Brasil; não as idiossincrasias políticas e ideológicas de um governo específico e, muito menos, os desejos do papai.
Por isso mesmo, os chefes de missão diplomática, ao serem responsáveis por operar uma política de Estado, são submetidos a sabatinas no Senado Federal. Observe-se que, durante o governo Lula, adotou-se a prática de só se nomear embaixadores de carreira para a chefia de missões diplomáticas, prática que vinha sendo respeitada até agora. Além disso, as poucas exceções anteriores de nomeações políticas para esses cargos não alcançaram postos de grande relevo e, muito menos, parentes de presidentes.
Pois bem, suspeita-se, com razão, que o filho do capitão, além de ir fritar hambúrguer em Washington e falar seu inglês de high school (at best), defenderia os interesses de seu grupo político e os de sua família.
Ele é amigo de Steve Bannon, o campeão da extrema direita mundial e mestre das fake news.
Esta seria sua grande qualificação, além de saber fritar hambúrguer. Assim, com toda certeza, o filho do capitão, caso seja nomeado e aprovado, poderia aparelhar a embaixada do Brasil em Washington e a transformaria em um bunker dos interesses do bolsonarismo, com a perspectiva apavorante de ter Olavo de Carvalho nomeado para algum cargo, em sua aliança de submissão geoestratégica ao trumpismo.
Por conseguinte, ao contrário do pobre Incitatus, que não podia fazer mal algum, o estrago que o filho do capitão poderia fazer seria enorme.
Seguramente, ele colocaria as relações bilaterais Brasil/EUA a serviço de seu grupo político e até dos interesses de sua parentada.
Nesse caso, a nossa política externa ficaria parecida com a política externa de países como a Arábia Saudita, a qual serve somente aos interesses da família real absolutista daquele país.
Ademais, alguns afirmam que a família do capitão é especialista em patrimonialismo.
Dizem que trata a coisa pública como privada. Teria privatizado até os salários de seus funcionários.
Mas uma coisa seria exercer esse patrimonialismo no nível micropolítico de seus cargos de antanho.
Outra, muito diferente, seria colocar tal patrimonialismo no centro da nossa política externa.
Sabe-se lá quais agendas informais de cooperação que ele poderia estabelecer com as agências de inteligência e segurança dos EUA, com o intuito pouco republicano de incidir nos assuntos internos brasileiros, em benefício de seu grupo político.
A denominada Vaza Jato já está comprovando como as instituições brasileiras podem ser capturadas por interesses externos. Imaginem com um embaixador do bolsonarismo em Washington.
E sempre restaria a dúvida se o filho do capitão seria embaixador do Brasil em Washington ou embaixador do trumpismo no Brasil.
A julgar pelo boné que vestiu em sua ida à cidade de Washington, a hipótese mais provável é a segunda.
A política externa do Brasil e sua competente diplomacia já foram suficientemente golpeadas pelo festival de trapalhadas do governo Bolsonaro, que, em sua ânsia de agradar Trump, fere de morte os autênticos interesses nacionais.
A provável nomeação do filho de capitão para o nosso principal posto diplomático acrescenta escárnio a essa tragédia que transformou o Brasil em pária diplomático.
Mais que fritar hambúrguer, o filho do capitão poderá fritar o Brasil.
Conta o historiador romano Suetônio, em “A Vida dos Doze Césares” (DEVITIS CAESARUM), que o imperador Calígula, conhecido por seu equilíbrio e temperança, dedicava ao seu cavalo Incitatus um profundo amor paternal.
Segundo Suetônio, Incitatus tinha um estábulo de mármore e uma cocheira de marfim.
Dormia com cobertas púrpuras, a cor da realeza romana, e usava um colar de pedras preciosas.
Incitatus tinha também casa própria e dezenas de escravos a sua disposição.
Tal era o amor de Calígula por Incitatus que o imperador chegou a planejar torná-lo cônsul.
Suetônio não esclarece quais as qualificações de Incitatus para assumir tal cargo honroso. Porém, como Incitatus tinha vindo da antiga Hispânia, supõe-se que ele fosse fluente em alguma língua bárbara.
Hoje em dia, essa história é vista como um exemplo extremo do uso indevido de poder para fins privados, que tange o reino da loucura.
Contudo, justiça seja feita a Calígula, não se pode acusá-lo, nesse caso, de nepotismo.
O mesmo não se pode dizer de Bolsonaro, que quer nomear seu filho embaixador em Washington.
Além do claro ato de nepotismo, proibido pelas normas, é decisão absurda como a de Calígula.
Não que o filho do capitão seja equiparável ao impetuoso e senatorial equino.
Ele é um bípede implume, deputado, e pertencente à espécie Homo Sapiens, embora talvez não faça, como muitos, inteira justiça a esse nome biológico.
Não obstante, Eduardo Bolsonaro é tão despreparado para assumir tal cargo quanto Incitatus era desqualificado para o cargo de cônsul. Na realidade, ainda mais.
O cargo de cônsul era o mais alto da República Romana.
Durante o Império, entretanto, o cargo de cônsul era apenas honorífico e não propiciava qualquer poder real ao seu titular. Assim, o simpático quadrúpede não poderia mandar ninguém comer capim ou relinchar.
O mesmo não se pode dizer do cargo de embaixador em Washington.
Trata-se do principal cargo da nossa diplomacia no exterior.
Um cargo de grande responsabilidade e poder. Por isso, ele é reservado a embaixadores muito experientes e que tenham grande destaque na carreira diplomática.
Para tal cargo, não é necessário saber fritar hambúrguer, atividade de altíssima complexidade intelectual.
Contudo, ele requer de seu ocupante amplo conhecimento de política externa e relações internacionais, de economia mundial, de direito internacional público, das relações bilaterais Brasil-EUA, da história de ambos os países etc., além, é claro, de vasta experiência em diplomacia, algo que não se aprende, infelizmente, em programas estudantis de intercâmbio.
Mas além de vasto conhecimento e da ampla experiência, o cargo demanda outra coisa ainda mais importante: compromisso republicano.
Com efeito, a política externa de um país é, por definição, uma política de Estado; não de um governo específico.
Portanto, o ocupante do cargo de embaixador em Washington representa os interesses maiores do Brasil; não as idiossincrasias políticas e ideológicas de um governo específico e, muito menos, os desejos do papai.
Por isso mesmo, os chefes de missão diplomática, ao serem responsáveis por operar uma política de Estado, são submetidos a sabatinas no Senado Federal. Observe-se que, durante o governo Lula, adotou-se a prática de só se nomear embaixadores de carreira para a chefia de missões diplomáticas, prática que vinha sendo respeitada até agora. Além disso, as poucas exceções anteriores de nomeações políticas para esses cargos não alcançaram postos de grande relevo e, muito menos, parentes de presidentes.
Pois bem, suspeita-se, com razão, que o filho do capitão, além de ir fritar hambúrguer em Washington e falar seu inglês de high school (at best), defenderia os interesses de seu grupo político e os de sua família.
Ele é amigo de Steve Bannon, o campeão da extrema direita mundial e mestre das fake news.
Esta seria sua grande qualificação, além de saber fritar hambúrguer. Assim, com toda certeza, o filho do capitão, caso seja nomeado e aprovado, poderia aparelhar a embaixada do Brasil em Washington e a transformaria em um bunker dos interesses do bolsonarismo, com a perspectiva apavorante de ter Olavo de Carvalho nomeado para algum cargo, em sua aliança de submissão geoestratégica ao trumpismo.
Por conseguinte, ao contrário do pobre Incitatus, que não podia fazer mal algum, o estrago que o filho do capitão poderia fazer seria enorme.
Seguramente, ele colocaria as relações bilaterais Brasil/EUA a serviço de seu grupo político e até dos interesses de sua parentada.
Nesse caso, a nossa política externa ficaria parecida com a política externa de países como a Arábia Saudita, a qual serve somente aos interesses da família real absolutista daquele país.
Ademais, alguns afirmam que a família do capitão é especialista em patrimonialismo.
Dizem que trata a coisa pública como privada. Teria privatizado até os salários de seus funcionários.
Mas uma coisa seria exercer esse patrimonialismo no nível micropolítico de seus cargos de antanho.
Outra, muito diferente, seria colocar tal patrimonialismo no centro da nossa política externa.
Sabe-se lá quais agendas informais de cooperação que ele poderia estabelecer com as agências de inteligência e segurança dos EUA, com o intuito pouco republicano de incidir nos assuntos internos brasileiros, em benefício de seu grupo político.
A denominada Vaza Jato já está comprovando como as instituições brasileiras podem ser capturadas por interesses externos. Imaginem com um embaixador do bolsonarismo em Washington.
E sempre restaria a dúvida se o filho do capitão seria embaixador do Brasil em Washington ou embaixador do trumpismo no Brasil.
A julgar pelo boné que vestiu em sua ida à cidade de Washington, a hipótese mais provável é a segunda.
A política externa do Brasil e sua competente diplomacia já foram suficientemente golpeadas pelo festival de trapalhadas do governo Bolsonaro, que, em sua ânsia de agradar Trump, fere de morte os autênticos interesses nacionais.
A provável nomeação do filho de capitão para o nosso principal posto diplomático acrescenta escárnio a essa tragédia que transformou o Brasil em pária diplomático.
Mais que fritar hambúrguer, o filho do capitão poderá fritar o Brasil.
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