sábado, 14 de dezembro de 2019

Saldo desastroso da política externa em 2019

Por André Barrocal, na revista CartaCapital:

O encerramento da 25a conferência da ONU sobre o clima nesta sexta-feira 13 coroa uma sequência de acontecimentos capazes de resumir um ano de política externa do governo Bolsonaro. Um saldo que beira o desastre, a julgar pela conferência (COP 25), realizada em Madrid, pela 55a Cúpula do Mercosul, na gaúcha Bento Gonçalves, e pelos 70 anos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), festejados na cidade britânica de Watford.

O Brasil portou-se de modo confuso na COP 25, na visão de alguns observadores, sem posições claras para defender. Sinal disso foi a ausência de um estande oficial no evento. Militantes ambientalistas e representantes do setor privado tiveram de montar um estande por conta própria.

Inimigo dos ambientalistas, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi a Madrid disposto a conseguir dinheiro. “Já tomamos uma decisão no Brasil, que é pró-negócio, de monetizar o ativo ambiental brasileiro”, disse ao Valor. Não conseguiu. E ainda viu Izabela Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente, dizer por lá que COP não é lugar de passar o chapéu, mas de construir acordos e leis.

Marina Silva, outra ex-ministra, afirmou durante o evento que o Brasil praticava “chantagem” ao cobrar grana para fazer o que se comprometera a fazer no passado, preservar a Amazônia.

O Brasil tinha dinheiro da Alemanha e da Noruega no Fundo Amazônia, de conservação da floresta. A fonte secou em agosto, por causa das queimadas amazônicas. Salles disse na COP que a Alemanha havia topado novas regras para o fundo, o que levaria à retomada do financiamento. Foi desmentido pela embaixada alemã em Brasília, que comentou ter visto “com espanto” a declaração.

Outra declaração espantosa partiu do presidente Jair Bolsonaro em Brasília, enquanto a conferência climática acontecia na Espanha. Ele chamou de “pirralha” a jovem ambientalista sueca Greta Thunberg. Um dia depois, 11 de dezembro, Greta, de 16 anos, despontava na capa da revista americana Time na condição de “personalidade do ano”.

Com a atual política ambiental pró-fazendeiros, o Brasil não apenas perde prestígio diplomático internacional, como sabota mas outros objetivos de política externa do próprio governo. Por exemplo: o acordo de livre comércio firmado em junho entre Mercosul e União Europeia.

Durante as queimadas amazônicas, o presidente da França, Emmanuel Macron, disse que o Brasil havia mentido sobre compromissos ambientais e que isso inviabilizaria a entrada em vigor do acordo comercial. Para este sair do papel, é necessária a aprovação no parlamento de todos os países envolvidos. Basta a reprovação de um, para tudo ir por água abaixo.

Em setembro, o parlamento austríaco aprovou uma moção contra acordo. Em outubro, a ministra francesa do Meio Ambiente, Élisabeth Borne, manifestou-se em linha com o chefe. “Não podemos assinar um acordo comercial com um país que não respeita a Amazônia e não respeita o acordo de Paris [clima]. A França não assinará o acordo com o Mercosul nessas condições”, disse.

O bloco-sul americano reuniu-se dias 4 e 5 no Rio Grande do Sul, e Bolsonaro passou o comando rotativo do grupo ao Paraguai, de seu amigo direitista Mario Abdo Benitez.

Alguns dias antes, em 29 de novembro, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, havia anunciado que o setor educacional brasileiro sairia do Mercosul. Segundo ele, já foram gastos 30 milhões de reais até hoje com reuniões desse setor sem “resultados concretos”. Consta, porém, que a motivação do ministro foi “ideológica”, hipótese compatível com a ideologia conservadora dele.

O anúncio mostrou a falta de comando e de rumo da atual política externa brasileira. Weintraub agiu por conta própria, sem negociar com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ou com o Itamaraty. Será que tal decisão não terá impacto em alguma outra dimensão do Mercosul? O novo presidente Argentino, Alberto Fernández, defende valorizar o bloco, por exemplo.

Bolsonaro criticou Fernández antes da vitória do argentino. Fez campanha aberta pela reeleição de Mauricio Macri, dizia inclusive que a derrota do empresário neoliberal significaria a volta do socialismo e do comunismo.

Essa visão ideológica anti-esquerda do bolsonarismo alimenta uma “queridinha” da atual política externa brasileira, o namoro com a Organização do Tratado do Atlântico Norte. Um assunto em que Emannuel Macron é personagem também.

Em novembro, o francês disse à revista britânica The Economist que a Otan está com “morte cerebral”. Repetiu a avaliação durante a comemoração de 70 anos do organismo, no início de dezembro, em Watford, na Inglaterra.

A Otan é uma aliança militar de europeus e americanos montada em 1949 para conter o avanço do comunismo e da então União Soviética. “É um anacronismo da Guerra Fria”, na definição de um experiente diplomata brasileiro, e hoje enxerga na Rússia o mesmo fantasma da ex-URSS, vide o papel desempenhado pela Otan na Ucrânia, nas barbas russas.

Um exemplo de “morte cerebral” foi a decisão da Turquia, que pertence à Otan, de comprar da Rússia um sistema de defesa aéreo, equipamentos que começaram a chegar aos turcos em julho deste ano. É possível que haja outro negócio entre os dois países em 2020. Ué, mas a Otan não é contra a Rússia?

Apesar de “anacrônica” e com “morte cerebral”, a Otan entusiasma o governo desde a visita de Bolsonaro a Donald Trump, em março de 2019. Na época, o americano anunciou que designaria o Brasil como um aliado da Otan. Cumpriu a palavra no fim de julho, e agora são 16 países nessa condição. Uma decisão unilateral dos Estados Unidos, não da Otan.

Integrantes efetivos, a aliança militar tem 29. Estes estão comprometidos a defender-se mútua e militarmente em caso de ataque. Aliado de fora da Otan não tem esse compromisso. Para um país de fora do organismo que se alia via EUA, a vantagem é poder comprar com mais de facilidade produtos da indústria americana de defesa (armas, equipamentos).

No início de dezembro, Trump decidiu cobrar mais impostos do aço brasileiro comprado pela indústria americana, apesar do atrelamento incondicional do governo Bolsonaro aos EUA. Outra para o saldo do primeiro ano de política externa bolsonarista.

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