A confirmação do general Eduardo Pazuello como titular do Ministério da Saúde não chegou a surpreender. Ela reafirma o descaso com a pandemia, o vazio de quadros competentes na órbita bolsonarista e a concepção ultrapassada de que tudo no mundo pode ser traduzido em guerra. Para tal situação, nada melhor que um soldado, capaz de obedecer sem questionar e mandar sem saber muito bem do que está falando.
A história da saúde pública registra esse equívoco bélico em outros momentos, o que gerou um vocabulário militarizado que até hoje é usado no setor, como campanhas e brigadas. Sem falar nos coletes do SUS, de corte castrense, quase sempre portados orgulhosamente em entrevistas coletivas por quem nunca defendeu o setor. Era um estilo infantil de exibir autoridade em função do posto, e não o contrário.
Pazuello estreou no ministério cumprindo ordens de incentivar o uso da cloroquina, o que fez por meio de instrumento legal para o qual não tinha preparo técnico nem chancela profissional para assinar. Em seguida, também afeito ao estilo vertical das Forças Armadas, cancelou comunicados diários com a imprensa, mudou a forma de divulgar dados oficiais e tentou alterar os critérios de registro de casos, na contramão da ciência epidemiológica.
Para fazer valer sua presença na pasta, para a qual entrou como fiador do presidente contra eventual destaque do ministro titular (Bolsonaro é burro, mas não é bobo), Pazuello tentou apresentar como currículo sua experiência em logística. Ainda que não tenha conseguido melhorar os índices de distribuição de equipamentos, testes e fármacos e de apoio às estruturas de atendimento estaduais e municipais.
Almoxarifado mal gerido, compras insuficientes, ameaça de desabastecimento de insumos indispensáveis. A porteira da corrupção, frente à ineficácia de planejamento e controle no âmbito da União, se abriu para todo lado como furos numa mangueira. O país demorou a ampliar sua rede de testes, viu escassear medicamentos importantes e comprou equipamentos por preços acima da média do mercado internacional.
O Ministério da Saúde perdeu ainda a centralidade política e técnica sem com isso ganhar em parceria com outras instâncias de governo. Deixou de ser liderança necessária para assumir o papel de crítico de ações desenvolvidas por estados e municípios, em vez de compor com eles um sistema integrado e eficiente, como preconiza a Constituição. Fez mal o seu trabalho político, comprometendo seus resultados técnicos. Gerou divisão no momento em que a situação clamava por confiança.
A mudança de secretários da pasta criou ainda interrupção de ações em andamento, que foram suspensas até que os novos titulares, muitos deles militares sem formação na área, tomassem pé da missão para a qual não foram treinados. Em saúde pública, o tempo não é apenas uma variável entre outras, mas muitas vezes a mais fundamental das condições de resultados satisfatórios. Não se trata de insistir nos erros, mas de garantir os padrões de excelência cientificamente validados.
Pazuello deixou de ser o zero-dois de Nelson Teich em maio, assumindo a interinidade que ora se confirma, quando a pandemia registrava 14.817 mortes e 218.223 casos de covid-19. Quando tomou posse definitiva da cadeira de ministro, na quarta-feira, dia 16, os números eram, respectivamente, 134.174 e 4,4 milhões, de acordo com o consórcio dos veículos de imprensa (o ministério já havia deixado de ser a fonte mais confiável). Cada caso foi multiplicado por nove! Mesmo assim, tanto ele quanto seu chefe se apressaram a comemorar os resultados. Para Pazuello, chegamos à estabilidade, para Bolsonaro, somos exemplo no mundo.
Pode-se argumentar que a curva se acentuaria de qualquer maneira, mas não foi o que se observou na maioria dos países que foram aprendendo com o tempo. A ação e inação do Ministério da Saúde nesses meses pode ser caracterizada pelo misto descaso, incompetência e recusa de assumir a responsabilidade de liderar o combate à pandemia.
A saúde, como é fácil perceber, ficou sempre a reboque das preocupações com a abertura da economia. A isso se soma a conivência com atitudes provocadoras do próprio presidente e de seu séquito de bajuladores, que exibiam o rosto odioso e descoberto, espalhando mentiras e perdigotos contaminados.
Passando em revista a atuação de Pazuello, é possível contabilizar suas baixas no campo de batalha, que explicam a multiplicação trágica de vítimas. O Ministério da Saúde, sob sua gestão, orientou o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes e potencialmente perigosos.
Acompanhou o envio da carga do mesmo remédio ao Brasil, numa ação “amistosa” dos EUA, que desovou por aqui o rebotalho que sua agência de controle de medicamentos desautorizava expressamente.Para coroar sua relação inexplicável com elixir de quinino, em entrevista na ocasião de sua posse bateu novamente na tecla da cloroquina, anunciando que avalia a distribuição de kit composto por outras drogas imprestáveis para o coronavírus. Inclusive remédio para piolho, que comporia um “kit covid” a ser distribuído pelo programa Farmácia Popular.
Pazuello atentou ainda contra a transparência, fechando o diálogo com a sociedade, interrompendo o fluxo de informações e mudando critérios de notificação de casos e mortes. Somado à rede de mentiras, ao negacionismo e ao comportamento temerário que parte do presidente para chegar aos boçais espalhados pelo mundo real e virtual, a estratégia de desinformação se tornou um dos agentes mais graves para o espalhamento da doença no país.
O general não escolheu sua guerra particular, é preciso justiça para reconhecer. Mas vem atuando de forma determinada e irresponsável para perder a batalha contra o vírus, sucatear a saúde pública, atacar os valores da ciência e multiplicar o número de casos e mortes evitáveis. Missão dada, missão cumprida.
A história da saúde pública registra esse equívoco bélico em outros momentos, o que gerou um vocabulário militarizado que até hoje é usado no setor, como campanhas e brigadas. Sem falar nos coletes do SUS, de corte castrense, quase sempre portados orgulhosamente em entrevistas coletivas por quem nunca defendeu o setor. Era um estilo infantil de exibir autoridade em função do posto, e não o contrário.
Pazuello estreou no ministério cumprindo ordens de incentivar o uso da cloroquina, o que fez por meio de instrumento legal para o qual não tinha preparo técnico nem chancela profissional para assinar. Em seguida, também afeito ao estilo vertical das Forças Armadas, cancelou comunicados diários com a imprensa, mudou a forma de divulgar dados oficiais e tentou alterar os critérios de registro de casos, na contramão da ciência epidemiológica.
Para fazer valer sua presença na pasta, para a qual entrou como fiador do presidente contra eventual destaque do ministro titular (Bolsonaro é burro, mas não é bobo), Pazuello tentou apresentar como currículo sua experiência em logística. Ainda que não tenha conseguido melhorar os índices de distribuição de equipamentos, testes e fármacos e de apoio às estruturas de atendimento estaduais e municipais.
Almoxarifado mal gerido, compras insuficientes, ameaça de desabastecimento de insumos indispensáveis. A porteira da corrupção, frente à ineficácia de planejamento e controle no âmbito da União, se abriu para todo lado como furos numa mangueira. O país demorou a ampliar sua rede de testes, viu escassear medicamentos importantes e comprou equipamentos por preços acima da média do mercado internacional.
O Ministério da Saúde perdeu ainda a centralidade política e técnica sem com isso ganhar em parceria com outras instâncias de governo. Deixou de ser liderança necessária para assumir o papel de crítico de ações desenvolvidas por estados e municípios, em vez de compor com eles um sistema integrado e eficiente, como preconiza a Constituição. Fez mal o seu trabalho político, comprometendo seus resultados técnicos. Gerou divisão no momento em que a situação clamava por confiança.
A mudança de secretários da pasta criou ainda interrupção de ações em andamento, que foram suspensas até que os novos titulares, muitos deles militares sem formação na área, tomassem pé da missão para a qual não foram treinados. Em saúde pública, o tempo não é apenas uma variável entre outras, mas muitas vezes a mais fundamental das condições de resultados satisfatórios. Não se trata de insistir nos erros, mas de garantir os padrões de excelência cientificamente validados.
Pazuello deixou de ser o zero-dois de Nelson Teich em maio, assumindo a interinidade que ora se confirma, quando a pandemia registrava 14.817 mortes e 218.223 casos de covid-19. Quando tomou posse definitiva da cadeira de ministro, na quarta-feira, dia 16, os números eram, respectivamente, 134.174 e 4,4 milhões, de acordo com o consórcio dos veículos de imprensa (o ministério já havia deixado de ser a fonte mais confiável). Cada caso foi multiplicado por nove! Mesmo assim, tanto ele quanto seu chefe se apressaram a comemorar os resultados. Para Pazuello, chegamos à estabilidade, para Bolsonaro, somos exemplo no mundo.
Pode-se argumentar que a curva se acentuaria de qualquer maneira, mas não foi o que se observou na maioria dos países que foram aprendendo com o tempo. A ação e inação do Ministério da Saúde nesses meses pode ser caracterizada pelo misto descaso, incompetência e recusa de assumir a responsabilidade de liderar o combate à pandemia.
A saúde, como é fácil perceber, ficou sempre a reboque das preocupações com a abertura da economia. A isso se soma a conivência com atitudes provocadoras do próprio presidente e de seu séquito de bajuladores, que exibiam o rosto odioso e descoberto, espalhando mentiras e perdigotos contaminados.
Passando em revista a atuação de Pazuello, é possível contabilizar suas baixas no campo de batalha, que explicam a multiplicação trágica de vítimas. O Ministério da Saúde, sob sua gestão, orientou o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes e potencialmente perigosos.
Acompanhou o envio da carga do mesmo remédio ao Brasil, numa ação “amistosa” dos EUA, que desovou por aqui o rebotalho que sua agência de controle de medicamentos desautorizava expressamente.Para coroar sua relação inexplicável com elixir de quinino, em entrevista na ocasião de sua posse bateu novamente na tecla da cloroquina, anunciando que avalia a distribuição de kit composto por outras drogas imprestáveis para o coronavírus. Inclusive remédio para piolho, que comporia um “kit covid” a ser distribuído pelo programa Farmácia Popular.
Pazuello atentou ainda contra a transparência, fechando o diálogo com a sociedade, interrompendo o fluxo de informações e mudando critérios de notificação de casos e mortes. Somado à rede de mentiras, ao negacionismo e ao comportamento temerário que parte do presidente para chegar aos boçais espalhados pelo mundo real e virtual, a estratégia de desinformação se tornou um dos agentes mais graves para o espalhamento da doença no país.
O general não escolheu sua guerra particular, é preciso justiça para reconhecer. Mas vem atuando de forma determinada e irresponsável para perder a batalha contra o vírus, sucatear a saúde pública, atacar os valores da ciência e multiplicar o número de casos e mortes evitáveis. Missão dada, missão cumprida.
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