segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Por que o povo vai às ruas contra Bolsonaro?

Belo Horizonte, 02/10/21. Foto: Mídia Ninja
Por Jair de Souza


Acabamos de ir novamente às ruas para protestar pelo fim do governo Bolsonaro. Diferentemente do que tinha ocorrido nos outros cinco atos realizados com anterioridade, nos palanques deste 2 de outubro, estiveram presentes figuras de outros espectros políticos, os quais até então tinham se mantido bem distantes da luta contra o extremista de direita.

Está mais do que evidente que Bolsonaro chefia o governo mais corrupto de que se tem notícia na história do Brasil. A simples menção a Bolsonaro já nos traz à mente termos como rachadinha, tráfico de influências para favorecer aliados, negociatas por vantagens pessoais, propriedade de imóveis sem rendimentos legalmente comprovados para sua aquisição, envolvimento em atividades milicianas, etc.

Além disso, ninguém pode deixar de se sentir abismado diante do mortal descaso com o qual Bolsonaro encara os gravíssimos problemas surgidos com a pandemia. É profundamente entristecedor constatar que as mais de 600.000 mortes derivadas da inação proposital do governo bolsonarista resultaram, em grande medida, da procrastinação governamental, que visava facilitar as negociatas através de alguns atravessadores, as quais renderiam milhões de dólares para seus intermediadores.

Entretanto, apesar de ser intolerável, precisamos ter clareza de que a corrupção bolsonarista não é o que de mais grave está afetando a vida da maioria do povo brasileiro e nem mesmo é o fator de maior responsabilidade por seu imenso sofrimento.

A prática da corrupção para benefício próprio ou de alguns achegados é sempre condenável e não deveria jamais ser tolerada. Mas, também não pode ser confundida como a causa basilar dos problemas essenciais que condenam o povo à miséria.

É fundamental que entendamos este ponto para não extrairmos conclusões equivocadas. Se a questão crucial com relação ao governo Bolsonaro fosse o fato de ele e seus auxiliares serem corruptos, não seria um trabalho tão difícil eliminar os danos que vêm sendo causados ao conjunto da nação. Bastaria tirar Bolsonaro do comando, colocar em seu lugar alguém de maior probidade, e zelar por sua atuação dentro de parâmetros de civilidade e honestidade.

Porém, as desgraças causadas pelo governo Bolsonaro no campo econômico-social são muito mais sérias e difíceis de contornar. A solução para os problemas gerados para a maioria de nosso povo e para o país como um todo não depende única e exclusivamente da remoção da figura asquerosa e corrupta de Bolsonaro. Sem tocar na essência das políticas bolsonaristas que nos conduziram à catástrofe em que estamos inseridos, não seremos capazes de sair do estado de desespero em que fomos lançados.

Como pudemos constatar nos atos de agora, desta vez, nos palanques de oposição a Bolsonaro não havia apenas gente identificada com as pautas trabalhistas e de esquerda. Em São Paulo, por exemplo, os manifestantes puderam ouvir o discurso de Neca Setubal, herdeira do grupo Itaú, e de vários outros discursantes alinhados com a defesa dos interesses dos grupos de maiores recursos econômicos no país.

Também ficou muito evidente que a composição do palanque não era semelhante entre o público que havia atendido à convocatória. Ali, predominavam de maneira esmagadora os simpatizantes das causas e dos partidos ligados aos interesses do povo trabalhador. No meio da multidão, poucos podiam ser detectados defendendo as pautas mais relacionadas com o capital. O que de mais próximo se podia observar nesse sentido eram alguns cartazes com o nome de Ciro Gomes levantados por gente do PDT. Mas, ainda assim, eram bastante minoritários.

O certo é que toda essa gente ligada ao capital que agora se voltou contra Bolsonaro não aderiu às manifestações contra seu governo por discordar das duras medidas antitrabalhistas, antipopulares e antinacionais que haviam sido tomadas em sua gestão. E sua presença nos palanques não significou muita coisa em termos de seguidores nos públicos das manifestações.

Evidentemente, essas pessoas não estavam ali pedindo a remoção de Bolsonaro por ele ter eliminado drasticamente grande parte dos direitos trabalhistas contidos na CLT; isso também não se deveu ao fato de Bolsonaro ter praticamente inviabilizado qualquer possibilidade de aposentadoria digna para os trabalhadores; nem sequer teve a ver com alguma insatisfação por sua política de entrega de nosso petróleo às multinacionais e nem por ele ter direcionado a política de preços da Petrobrás principalmente no sentido dos interesses de seus acionistas privados; por nenhuma discordância quanto à privatização da Eletrobrás e dos Correios; muito menos por objeção a sua decisão de manter em pauta o criminoso teto de gastos, que congela por 20 anos o montante de recursos públicos para aplicação em saúde e educação; etc., etc.

Diferentemente daquilo que aspirava a esmagadora maioria dos participantes do ato de 2 de outubro, esses representantes do capital estavam lá pedindo FORA BOLSONARO, mas desejando a continuidade das políticas e medidas anti-povo, anti-nação e anti-trabalhador que tinham sido tomadas ou encampadas pelo governo Bolsonaro.

Por isso, precisamos ressaltar que nós do campo popular não estamos na luta contra o governo Bolsonaro pelos mesmos motivos que os representantes do capital. O que impele a burguesia a querer livrar-se de Bolsonaro nesta fase do processo, é por ele acabar se tornando um entrave ao fluido natural dos negócios e, assim, dificultar a otimização de sua lucratividade. Ou seja, o comportamento bestializado e indecente de Bolsonaro, neste momento, cria entraves para que os grandes capitalistas possam usufruir da liberdade total de exploração do povo trabalhador que o próprio Bolsonaro lhes viabilizou com a implementação de suas políticas neoliberais, antitrabalhistas e antinacionais, tomadas pouco tempo atrás.

Em outras palavras, os setores capitalistas querem se livrar de Bolsonaro para continuar ganhando às custas do povo trabalhador. Por sua vez, os trabalhadores querem se livrar de Bolsonaro porque a política de Bolsonaro está levando o povo trabalhador à desgraça.

Portanto, por mais que fiquemos felizes em ver gente do capital se somar à luta pelo FORA BOLSONARO, não podemos nos contentar com apenas isso. Para nós, o FORA BOLSONARO deve vir sempre acompanhado da reivindicação de que as medidas mortíferas tomadas por Bolsonaro contra os trabalhadores e contra a nação sejam eliminadas e revertidas.

É verdade que isto é algo muito difícil de pôr em prática. Não é por outra razão que os setores burgueses descontentes com Bolsonaro só se dispuseram a manifestar seu descontentamento depois de que a retirada de direitos, a expropriação dos trabalhadores, as desnacionalizações e as privatizações mais significativas já estivessem consumadas. Eles sabem que nós vamos ter imensas dificuldades para reverter o quadro.

A esta altura, em que até setores burgueses se desvinculam de Bolsonaro, o campo popular deveria aceitar esta mudança com satisfação. É muito importante que tenhamos cada vez mais gente disposta a retirar o facínora miliciano-nazi-fascista da cena política. No entanto, também é de suma importância que as forças populares mantenham a luta e sigam levantando as bandeiras para que as desgraças provocadas pelo bolsonarismo contra o povo sejam extirpadas.

Podemos e devemos somar forças com aqueles que comungam conosco do desejo de ver a pátria livre do genocida-mor, mas jamais deveríamos abdicar da luta para ter de volta aquilo que o tal genocida-mor nos retirou por meio de sua política. A frente ampla por um objetivo comum, não deveria jamais implicar no abandono do que é mais fundamental para os trabalhadores.

Para o povo trabalhador, a desgraça maior não se deve a que Bolsonaro seja chulo, fale palavrões, enfie o dedo no nariz na hora do jantar, ou coisas pelo estilo. Para nós, Bolsonaro representa uma calamidade em razão das políticas tenebrosas que ele implementou e implementa. Talvez, muitos dos que agora aderiram ao FORA BOLSONARO pensem exatamente o oposto.

* Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.

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