Paulo Guedes e Roberto Campos Neto mantêm recursos em paraísos fiscais, preservando assim seu patrimônio em dólares e liberados de impostos. Segundo eles, tudo feito como manda o figurino. O fato de serem, respectivamente, ministro da Economia e presidente do Banco Central, no entanto, muda a moral da história. A regra é clara, autoridades financeiras não podem ter esse tipo de investimento caso possuam informações privilegiadas ou possam determinar ações que os favoreçam.
Quando sobem os juros ou o dólar se valoriza, não são apenas as empregadas domésticas que deixam de ir a Disney ou os porteiros que ficam em dificuldade para mandar seus filhos para a universidade, os donos de offshores vão, duplamente, ao paraíso. Na mesma operação, os brasileiros ficam mais pobres, o combustível mais caro e os investidores mais ricos. Há uma política de vasos comunicantes sem escalas. Não é só ilegal e imoral, mas indecente.
Quando sobem os juros ou o dólar se valoriza, não são apenas as empregadas domésticas que deixam de ir a Disney ou os porteiros que ficam em dificuldade para mandar seus filhos para a universidade, os donos de offshores vão, duplamente, ao paraíso. Na mesma operação, os brasileiros ficam mais pobres, o combustível mais caro e os investidores mais ricos. Há uma política de vasos comunicantes sem escalas. Não é só ilegal e imoral, mas indecente.
Até outro dia, Guedes e Campos Neto eram uma espécie de dupla dinâmica dos interesses financeiros. Não importa que tenham demonstrado durante mil dias uma incompetência abissal, traduzida em queda do PIB, inflação, desemprego e aumento da miséria. O Brasil voltou para o mapa da fome, os brasileiros disputam ossos e pelancas, numa cena que lembra o poema “O Bicho”, de Manuel Bandeira, escrito em 1947: “Vi ontem um bicho/ Na imundície do pátio / Catando comida entre os detritos (...) / O bicho, meu Deus, era um homem”.
Mesmo assim, eles mantinham-se protegidos pelo mercado. O que parecia um fracasso, na verdade, era apenas um dano secundário do plano maior: transferir recursos da sociedade para o capital financeiro. Vale tudo nesse jogo: tirar dinheiro da saúde em meio à pandemia, não reajustar o Bolsa Família, cortar o auxílio emergencial, financiar a liberalização do mercado de trabalho, jogar o Brasil no apagão por falta de investimentos, privatizar empresas estratégicas.
Para um programa tão ambicioso, o que são os poucos milhões de dólares a mais nas contas do ministro e do presidente do Banco Central, que afinal de contas, meritocraticamente fizeram por merecê-los?
O apagão moral atingiu também a imprensa, não fossem seus barões igualmente useiros e vezeiros de paraísos fiscais. A mídia familiar passou pano, cobriu o caso como se fosse uma espécie de ressentimento dos pobres contra o patrimônio de financistas bem-sucedidos e não um crime contra a ordem econômica e um desvio ético inaceitável numa república digna do nome. Como a denúncia foi fruto de um coletivo internacional de jornalistas, que apontou integrantes desse seleto clube de prevaricadores em diversos países e funções, ficou fácil ver a diferença no tratamento do caso.
Duplo vínculo
Curiosamente, Paulo Guedes sofreu mais com os colegas de governo do que com a imprensa ou com o Congresso. Como é próprio de tudo na gestão Bolsonaro, o presidente sempre deixa os seus soldados feridos estendidos no campo de batalha, mesmo que tenha sido ele o responsável pelo tiro de fuzil na reputação. O presidente prefere deixar que as hienas façam seu trabalho. Já há uma boa movimentação em torno de interessados na cadeira de Guedes, não por sua incompetência, mas em nome da oportunidade de levar adiante seu projeto de destruição do país.
O caso Guedes-Campos Neto é paradigmático de uma forma de atuação dos gestores públicos: o duplo vínculo. Para cada ação ou política proposta há uma face voltada para toda a sociedade e outra para seu público cativo. Enquanto o povo amarga medidas que dificultam sua vida, os especuladores ganham com a crise e cativam sua base com um discurso liberal afiado. Nunca a economia esteve tão ruim em seus fundamentos, jamais houve tantos novos bilionários no país. Não é preciso desenhar.
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, deu esta semana outro exemplo dessa lógica de dupla face. Ele sempre detestou pobre. Mas em plena campanha eleitoral antecipada, resolveu lançar mão de um valor de R$ 600 a ser distribuído para as famílias em situação de extrema pobreza, em razão da pandemia que já completa mais de um ano e meio de avassaladora presença na vida das pessoas, sem que ele se mexesse. Apoiou Bolsonaro e sua gestão genocida, não se alinhou a governadores que brigaram por sua população, se limitou a ser um repassador de protocolos.
Como é alérgico à solidariedade e à justiça social, mas percebeu que o expediente ainda poderia render popularidade, precisou correr para agir antes que a situação sanitária começasse a dar sinais de melhora por causa do avanço da vacinação. A pandemia é ruim para as pessoas, mas é possível fazer uma limonada eleitoral com sua exploração sórdida. Mesmo assim, Zema custou a enfiar a mão no bolso e parece que o fez com muito sofrimento. O projeto foi sancionado em maio, o decreto foi publicado em junho e o dinheiro só vai sair no meio de outubro.
Essa é a notícia que o governador-candidato envia para o eleitorado. Para seus apoiadores, entra em cena o duplo vínculo: dá com uma mão o dinheiro que é da sociedade e retira o mérito da medida com a outra, rebaixando o cidadão a portador de carências e falta de caráter. Calculadamente insensível para agradar os neoliberais de raiz, Zema disse que é preciso cuidado na distribuição da grana, já que as pessoas podem gastar tudo “em boteco”. O governador, como se vê, mede os outros com a régua de seus valores.
Um ministro da economia que enriquece no exercício do cargo, em razão de suas ações e informações exclusivas; um presidente do Banco Central que lucra pessoalmente com suas decisões sobre o câmbio, alimentando a alta de preços e a inflação que deveria controlar; um governador que identifica os extremamente miseráveis para melhor humilhá-los. Enquanto isso, o bicho-homem chafurda numa fétida carroceria de caminhão de sobejos. Nessa hora, nem a poesia salva. É preciso raiva.
Mesmo assim, eles mantinham-se protegidos pelo mercado. O que parecia um fracasso, na verdade, era apenas um dano secundário do plano maior: transferir recursos da sociedade para o capital financeiro. Vale tudo nesse jogo: tirar dinheiro da saúde em meio à pandemia, não reajustar o Bolsa Família, cortar o auxílio emergencial, financiar a liberalização do mercado de trabalho, jogar o Brasil no apagão por falta de investimentos, privatizar empresas estratégicas.
Para um programa tão ambicioso, o que são os poucos milhões de dólares a mais nas contas do ministro e do presidente do Banco Central, que afinal de contas, meritocraticamente fizeram por merecê-los?
O apagão moral atingiu também a imprensa, não fossem seus barões igualmente useiros e vezeiros de paraísos fiscais. A mídia familiar passou pano, cobriu o caso como se fosse uma espécie de ressentimento dos pobres contra o patrimônio de financistas bem-sucedidos e não um crime contra a ordem econômica e um desvio ético inaceitável numa república digna do nome. Como a denúncia foi fruto de um coletivo internacional de jornalistas, que apontou integrantes desse seleto clube de prevaricadores em diversos países e funções, ficou fácil ver a diferença no tratamento do caso.
Duplo vínculo
Curiosamente, Paulo Guedes sofreu mais com os colegas de governo do que com a imprensa ou com o Congresso. Como é próprio de tudo na gestão Bolsonaro, o presidente sempre deixa os seus soldados feridos estendidos no campo de batalha, mesmo que tenha sido ele o responsável pelo tiro de fuzil na reputação. O presidente prefere deixar que as hienas façam seu trabalho. Já há uma boa movimentação em torno de interessados na cadeira de Guedes, não por sua incompetência, mas em nome da oportunidade de levar adiante seu projeto de destruição do país.
O caso Guedes-Campos Neto é paradigmático de uma forma de atuação dos gestores públicos: o duplo vínculo. Para cada ação ou política proposta há uma face voltada para toda a sociedade e outra para seu público cativo. Enquanto o povo amarga medidas que dificultam sua vida, os especuladores ganham com a crise e cativam sua base com um discurso liberal afiado. Nunca a economia esteve tão ruim em seus fundamentos, jamais houve tantos novos bilionários no país. Não é preciso desenhar.
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, deu esta semana outro exemplo dessa lógica de dupla face. Ele sempre detestou pobre. Mas em plena campanha eleitoral antecipada, resolveu lançar mão de um valor de R$ 600 a ser distribuído para as famílias em situação de extrema pobreza, em razão da pandemia que já completa mais de um ano e meio de avassaladora presença na vida das pessoas, sem que ele se mexesse. Apoiou Bolsonaro e sua gestão genocida, não se alinhou a governadores que brigaram por sua população, se limitou a ser um repassador de protocolos.
Como é alérgico à solidariedade e à justiça social, mas percebeu que o expediente ainda poderia render popularidade, precisou correr para agir antes que a situação sanitária começasse a dar sinais de melhora por causa do avanço da vacinação. A pandemia é ruim para as pessoas, mas é possível fazer uma limonada eleitoral com sua exploração sórdida. Mesmo assim, Zema custou a enfiar a mão no bolso e parece que o fez com muito sofrimento. O projeto foi sancionado em maio, o decreto foi publicado em junho e o dinheiro só vai sair no meio de outubro.
Essa é a notícia que o governador-candidato envia para o eleitorado. Para seus apoiadores, entra em cena o duplo vínculo: dá com uma mão o dinheiro que é da sociedade e retira o mérito da medida com a outra, rebaixando o cidadão a portador de carências e falta de caráter. Calculadamente insensível para agradar os neoliberais de raiz, Zema disse que é preciso cuidado na distribuição da grana, já que as pessoas podem gastar tudo “em boteco”. O governador, como se vê, mede os outros com a régua de seus valores.
Um ministro da economia que enriquece no exercício do cargo, em razão de suas ações e informações exclusivas; um presidente do Banco Central que lucra pessoalmente com suas decisões sobre o câmbio, alimentando a alta de preços e a inflação que deveria controlar; um governador que identifica os extremamente miseráveis para melhor humilhá-los. Enquanto isso, o bicho-homem chafurda numa fétida carroceria de caminhão de sobejos. Nessa hora, nem a poesia salva. É preciso raiva.
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