“O fracasso de Guillermo Lasso no Equador é também o fracasso do modelo econômico do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do rentismo financeiro”, afirmou o economista Andrés Arauz, líder do movimento Revolução Cidadã, para quem a luta das eleições presidenciais e parlamentares que se avizinha, nos próximos três meses, será fundamentalmente contra as mentiras e calúnias da mídia hegemônica.
Ex-ministro do presidente Rafael Correa, Andrés Arauz acredita que “este foi um ponto que tivemos importantes avanços no nosso governo, mas nos faltou constituir meios comunitários mais fortes, dar mais apoio aos já existentes, para que pudessem fazer um contrapeso à narrativa midiática dominante”. “O relato na televisão e nos demais meios de comunicação privados, também ditado pela administração da publicidade, feita pela dependência dos setores oligárquicos, é contra os partidários de Rafael Correa, vinculando os setores progressistas com terroristas, nos identificando como marginais que quiséssemos prejudicar o país”, denuncia. “No processo eleitoral anterior, a batalha foi basicamente contra a mídia, dominada pelos banqueiros. E agora também será assim”, enfatiza Arauz.
Como avalias o decreto de “Morte Cruzada” e a que interesses serve?
O decreto de “Morte Cruzada” foi um decreto de fuga de Guillermo Lasso, foi sua forma de se evadir do julgamento político, pois seria destituído da Presidência. Preferiu destituir o parlamento antes de ser declarado culpado. No entanto, o decreto dá a possibilidade para que daqui três meses o povo equatoriano possa ir às urnas e escolher uma nova opção democrática.
Diante do fracasso de Lasso nestes dois anos de governo, há um contraste marcante, uma diferença que se coloca, e é justamente a Revolução Cidadã. Porque no segundo turno das eleições presidenciais de 2021 apresentamos ao Equador o confronto entre dois modelos: o dos banqueiros com o do país.
Obviamente, o que vimos no governo de Lasso é um modelo totalmente orientado pelos interesses dos banqueiros, onde os lucros pessoais de Guillermo Lasso dispararam, enquanto o povo equatoriano se vê mergulhado numa crise de insegurança, de saúde pública, emigração, abandono de sua pátria, e de desmantelamento dos serviços públicos, como a educação.
O decreto de “Morte Cruzada” abre uma oportunidade para o povo equatoriano, porém ao mesmo tempo cria riscos com o neoliberalismo autoritário, que possibilita a Guillermo Lasso emitir decretos-leis no plano econômico. Lasso já disse que o que não conseguiu fazer nestes dois anos por causa da oposição da Assembleia [unicameral], vai fazer de forma direta: uma reforma trabalhista, desregulando e retirando direitos dos trabalhadores; uma reforma tributária que retira a transparência do pagamento de impostos e declara secreta essa informação; zonas francas financeiras, para converter o Equador em paraíso fiscal do narcolavado (lavagem de dinheiro do narcotráfico) e uma série de medidas em matéria mineira, petroleira, hidrocarborífera em geral, energética e elétrica, para privatizar o patrimônio público nestes setores estratégicos e, evidentemente, poder abrir caminho a uma enorme negociata do espectro radioelétrico, com a telefonia móvel [justamente neste ano expira o prazo de concessão] e que pretende drenar para os seus amigos do governo.
O decreto de “Morte Cruzada” é, em síntese, uma medida covarde de Lasso, porém que abre uma oportunidade democrática para o povo equatoriano, com riscos autoritários no caminho. É dentro deste contexto que precisamos avançar, sem nos descuidar em nenhuma das frentes.
As forças nacionais e democráticas têm, portanto, o importante desafio de ampliar sua mobilização, organização e unidade contra Lasso e, ao mesmo tempo, de construir uma alternativa para disputar e vencer as próximas eleições.
Exatamente. Neste momento que entramos na disputa eleitoral precisamos evitar repetir o que ocorreu em 2021. Quando fazemos um cálculo frio das cifras, das estatísticas eleitorais, vamos nos deparar que na Costa [litoral] a Revolução Cidadã prevaleceu por ampla margem. Todo nosso voto duro [convicto] e o voto brando foi totalmente capitalizado na Costa. Já na Serra houve uma predominância do voto nulo, que deveria ter estado conosco, gente que preferiu não apoiar nenhuma das duas candidaturas e se posicionou com um voto antissistema, alcançando entre 20, 25 e até 30%, dependendo da província.
Então, é claro que é para aí onde temos que trabalhar do ponto de vista eleitoral, matemático, aritmético e em termos políticos. Precisamos assegurar que os setores que buscam uma representação e não a obtém possam ser efetivamente representados pelo que eu chamo de bloco histórico, uma ampla coalizão de forças progressistas, populares, mas também de centro, de setores honestos e democráticos, que querem retomar o caminho do desenvolvimento. Isso obviamente requer uma liderança que demarque posições, que seja generosa politicamente e firme na hora de saber aglutinar outras forças.
Estamos avançando. Na próxima semana teremos a oportunidade que esse bloco histórico se consolide, emerja, e somente então terá naturalmente um nome, uma identificação específica de quem serão os seus candidatos à Presidência e ao parlamento.
E como estão as negociações junto aos movimentos sociais e às demais forças?
Melhor do que nunca estas negociações estão bem encaminhadas em termos programáticos, para que sejam consolidados acordos. Do ponto de vista eleitoral será um pouco mais complicado, por distintos problemas e procedimentos a respeito da conformação de alianças. Mas creio que em termos programáticos temos sinais positivos como nunca e espero que nos próximos dias as negociações sejam afinadas nos detalhes. E com resultados palpáveis.
Acredito que estamos às vésperas de um grande acordo a nível de coalizão nacional, de bloco histórico, o que será uma boa notícia para o país e para a América Latina. Temos muito o que aprender com o Brasil e com a Colômbia, com essas grandes maiorias que foram indispensáveis para conformar a vitória.
Tens afirmado o papel do Estado no desenvolvimento nacional, condenando os neoliberais, que o renegam com medidas de submissão a Washington, de privatização e desmantelamento dos serviços.
O fracasso de Lasso é também o fracasso do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do rentismo financeiro. Eles que apostavam na revalorização dos preços dos bônus nos mercados de capitais no exterior como única medida de política econômica. Fracassaram até mesmo nos seus próprios termos. A direita que se queixava de que supostamente com a esquerda aumentaria o “risco país” é a responsável de que ele tenha alcançado os níveis mais altos da história. A direita que se queixava de que não havia disciplina fiscal, etc. com a esquerda, agora protagoniza uma série de excedentes de liquidez, uma enorme fuga de capitais. Há falta de reativação econômica, de crescimento e inclusão, com cifras estarrecedoras em termos de pobreza, uma situação que nunca se recuperou a partir da pandemia.
Acredito que o fracasso de Lasso é também o fracasso do programa econômico do FMI. Foram tão cínicos, tão dogmáticos e desumanos que, logo após a pandemia, em vez de impulsionar uma agressiva política de investimentos públicos para recuperar a economia, para poder acionar processos de desenvolvimento, de valor agregado, de trabalho e de dignidade, o que fizeram foi ampliar ainda mais os cortes nos serviços.
Evidentemente, o principal sinal deste fracasso foi o êxodo de equatorianos. Muito pouca gente sabe, mas neste ano de 2023 há mais equatorianos que cruzaram a selva panamenha de Darién do que venezuelanos, colombianos, haitianos ou de qualquer país. Ou seja, o Equador é hoje o principal emissor de emigrantes.
Em meio ao agravamento da crise, tens denunciado que a cereja do bolo para Lasso é a entrega do sistema de seguridade social aos bancos.
Lamentavelmente, o risco está aí. Lasso é um banqueiro e isso é o prisma através do qual temos que ler todas as suas ações de política econômica. O que busca por meio de uma Comissão de Reforma da Seguridade Social é que a Administração de Fundos de Pensão, que no Equador é exclusivamente estatal, passe a ser gerenciada por bancos privados. Para que administrando esse portfólio possam jogar no cassino com os recursos dos nossos filiados e aposentados. E, além disso, possam mudar a economia política na negociação do financiamento do orçamento fiscal.
Neste momento, quando a Seguridade Social é parte do Estado, do setor público, a coordenação com o Ministério da Fazenda é muito mais fácil. No momento em que os Fundos de Pensão passem a ser administrados por banqueiros privados, o próximo ministro da Fazenda não terá que ir bater na porta de um funcionário público para ter acesso a um financiamento, terá que ir bater na porta do próprio Guillermo Lasso, na qualidade de acionista dos bancos privados. Buscam dar mais poder macroeconômico aos banqueiros, por cima do financiamento estatal.
Por isso os equatorianos estamos muito vigilantes para que não passe tal medida, da mesma forma que não passe a regressão da legislação trabalhista ou a declaração das “zonas francas financeiras”, que é um apelido que inventaram para o paraíso fiscal do narcolavado (lavagem de dinheiro do narcotráfico). São medidas que Guillermo Lasso quer implementar neste curto período transitório enquanto governa sem parlamento.
Neste confronto de projetos, a quem pertencem e como se comportam os meios de comunicação?
Os principais canais de televisão no Equador estão vinculados permanentemente ao setor financeiro. O principal canal, que se chama Teleamazonas, pertence ao dono do maior banco do país. Na época do presidente Rafael Correa (15 de janeiro de 2007 - 24 de maio de 2017), por terem dívidas com o Estado, dois outros canais que pertenciam a banqueiros foram confiscados e passaram a ser de propriedade pública. Porém, lamentavelmente, quando mudou a administração do Estado, assumiram uma posição totalmente pró-banqueiros, pró-neoliberal, pró-direita e pela perseguição política contra as forças progressistas. O relato na televisão e nos demais meios de comunicação privados, também ditado pela administração da publicidade, feita pela dependência dos setores oligárquicos, é contra os partidários de Rafael Correa, vinculando os setores progressistas com terroristas, nos identificando como marginais que quiséssemos prejudicar o país.
Acredito este foi um ponto que tivemos importantes avanços no nosso governo, mas nos faltou constituir meios comunitários mais fortes, dar mais apoio aos já existentes, para que pudessem fazer um contrapeso à narrativa midiática dominante. No processo eleitoral anterior a batalha foi basicamente contra a mídia. E agora também será assim.
Como avalias o papel da integração e da solidariedade internacional?
O povo equatoriano tem profundas convicções integracionistas. Está em nosso sangue apoiar a integração. Foi com grande orgulho que sediamos a Unasul (União de Nações Sul-Americanas), a capital da América do Sul, a vimos com grande privilégio e honra. Mas, lamentavelmente, nos vieram a governar traidores do projeto de integração, como Lenin Moreno [que além de fechar a sede da Unasul, mandou remover em 2019 a estátua erguida para homenagear o presidente argentino Nestor Kirchner, falecido em 2010] e Guillermo Lasso, que terminou renunciando à capitalidade da região. Algo absurdo que ninguém pôde entender como ocorreu semelhante coisa.
Agora as forças progressistas, esse bloco histórico que esperamos constituir e consolidar, têm como um dos seus pontos prioritários impulsionar a integração regional, retomar a agenda da Unasul, mas com um acréscimo: que não seja apenas uma integração dos partidos, dos governos ou dos presidentes, necessitamos uma integração dos povos. E isso significa uma integração produtiva, em termos de mobilidade humana, integração educativa para que os jovens possam aprender em escolas e universidades de outros países da região, necessitamos a integração dos trabalhadores, estruturar uma política sindical regional, integração do movimento de mulheres, dos estudantes, dos povos indígenas, particularmente amazônicos, para poder ter uma plataforma comum. Temos que dar um salto rumo a uma integração que não fique somente no plano dos documentos ou das cúpulas, mas que seja tangível, concreta e palpável, para que nossos povos possam se defender dos próximos combates frente aos interesses hegemônicos e aos traidores servis ao estrangeiro.
Acredito que há uma plena consciência em relação a isso em nosso povo e que o próximo governo, com toda a segurança, será um incentivador da integração regional. Para isso dedicaremos todo o nosso esforço e compromisso para conseguir avançar rumo à construção da Pátria Grande para nossos filhos e netos.
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