segunda-feira, 28 de agosto de 2023

O segundo encontro com o Papa Francisco

Frei Betto com o papa Francisco. Foto: Vaticano Media
Por Frei Betto, em seu site:


Em abril de 2014, há nove anos, tive o primeiro contato pessoal com o papa Francisco. Na época, pedi que valorizasse as Comunidades Eclesiais de Base (ele enviou mensagem aos participantes do 15º encontro das CEBS realizado em Rondonópolis (MT), em julho último); o papel das mulheres na Igreja; jamais se esquecesse dos pobres e dos indígenas; e reabilitasse Giordano Bruno, teólogo e astrônomo do século XVI, meu confrade na Ordem Dominicana, queimado vivo em 1600, em Roma, acusado de ideias heréticas.

Agora, na quarta, 23 de agosto, tivemos nosso segundo encontro na sala Paulo VI, no Vaticano, um dos maiores auditórios do mundo, com 6.300 cadeiras. Estava lotado. Fui credenciado para tomar assento na primeira fila, de modo que a equipe cinematográfica dirigida por Roberto Mader e acompanhada pelo cinegrafista Jacques Cheuiche, pudesse me filmar para o documentário que eles preparam sobre minha trajetória de vida.

Às 9h em ponto, o papa Francisco entrou caminhando, apoiado apenas na bengala, e tomou assento sob a impressionante escultura “A ressurreição”, em bronze e cobre, do artista Pericle Fazzini.
A palavra de Deus (Mateus 11,25-27) foi lida por homens e mulheres em italiano, francês, inglês, alemão, espanhol, polonês, árabe e português. Em seguida, o papa fez alusão e abençoou as delegações oriundas de países desses idiomas. Embora naquele dia se comemorasse a festa litúrgica de Santa Rosa de Lima, leiga de espiritualidade dominicana, Francisco se ateve, em sua alocução, em ressaltar a inculturação da mensagem evangélica ao exaltar o encontro do indígena Juan Diego com Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira das Américas.

Criticou o eurocentrismo cristão e destacou o valor dos povos indígenas. Entre o público, presentes um xamã e seu filho da etnia Yawanawa, do Acre, que presentearam Francisco com uma tabuleta onde o Pai Nosso está gravado em língua pano, uma das mais antigas do continente americano.

Antes de abandonar o palco, o papa orou o Pai Nosso em latim, deu a bênção apostólica e, em cadeira de rodas, cumprimentou os convidados instalados na primeira fila de cadeiras.

Após saudar, ao meu lado, duas mulheres equatorianas, Francisco me abraçou e beijou. Dei-lhe de presente meu livro “Jesus militante – o Evangelho e o projeto político do Reino de Deus” (Vozes) e, em espanhol, a cartilha popular, redigida por mim, e traduzida para o espanhol, sobre o Plano de Soberania e Educação Nutricional de Cuba, que assessoro desde 2019.

Expliquei-lhe que o “Jesus militante” defende a tese de que o Nazareno veio nos trazer um novo projeto político, civilizatório, que denominava Reino de Deus, em oposição ao reino de César, no qual viveu e pelo qual foi assassinado na cruz devido à ousadia de anunciar um outro reino possível.

Insisti para que participe da COP 30, a conferência mundial do clima, a ser realizada em Belém, em novembro de 2025. Ele disse que tem pensado nessa possibilidade. Pedi que intervenha junto a Biden, que se considera católico, para suspender ou, ao menos, flexibilizar o criminoso bloqueio dos EUA a Cuba, já que com Obama, que não é católico, ele havia conseguido reatar as relações diplomáticas entre os dois países e minorar as duras medidas do bloqueio imposto desde 1962 à ilha revolucionária do Caribe. E repeti o pedido feito em nosso primeiro encontro: a reabilitação de meu confrade Giordano Bruno, cujas “heresias” estão hoje integradas à teologia e às ciências ou foram descartadas como anacrônicas.

Francisco, mais uma vez, me impressionou pela simplicidade e radical opção pelos pobres. Prepara agora um complemento à encíclica socioambiental “Laudato Sí”, devido às novas questões incorporadas ao tema.

Deus conceda a ele longa vida, pois ainda há muito a reformar na Igreja e Francisco é, hoje, uma das raras vozes europeias a criticar a hegemonia capitalista (globocolonização), apontar as causas da degradação socioambiental e defender os refugiados vítimas da secular exploração da Europa aos países africanos.

* Frei Betto é escritor, autor de “Por uma educação crítica e participativa” (Rocco), entre outros livros. 

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