Reproduzo excelente artigo de Hideyo Saito, publicado no sítio Carta Maior:
A blogueira Yoani Sánchez é hoje a figura mais cortejada pela coalizão de forças que combate a revolução cubana, liderada por Washington e composta por outros governos, por partidos políticos, por órgãos da mídia e por ONGs do mundo inteiro. Trata-se de uma poderosa tropa de choque que exige ampla liberdade política, respeito aos direitos humanos e democracia, mas apenas em Cuba. Aparentemente nenhuma outra nação no mundo inspira seus cuidados em relação a esses direitos políticos e humanos. Da mesma forma, denuncia também a escassez de bens de consumo em Cuba, mas jamais menciona o estrangulamento econômico praticado por Washington (que, aliás, é condenado por todos os países-membros da ONU, com as únicas exceções dos próprios Estados Unidos e de Israel).
O objetivo central dessa coalizão passou a ser, desde os anos 90, organizar e financiar uma oposição interna em Cuba. O congresso dos Estados Unidos aprovou leis especiais para respaldar essa política: a Torricelli, de 1992, e a Helms-Burton, de 1996. O intervencionismo teve seu auge no período de George W. Bush, que criou a Comissão de Apoio a uma Cuba Livre, presidida pela secretária de Estado, Condoleezza Rice, e indicou Caleb McCarry (um dos artífices do golpe contra o presidente Jean-Bertrand Aristide no Haiti), como responsável pela transição à democracia naquele país.
Os recursos oficiais estadunidenses destinados a essa finalidade foram, em 2009, de US$ 45 milhões, sem considerar o orçamento da Rádio e TV Martí e verbas paralelas não declaradas [1]. No atual exercício, haviam sido liberados US$ 20 milhões, com a orientação de que fossem distribuídos diretamente aos destinatários em Cuba. O programa, entretanto, foi provisoriamente suspenso em abril último pelo presidente do Comitê Exterior do Senado, John Kerry (ex-candidato presidencial), provavelmente por causa da prisão em flagrante, em Cuba, de Alan P. Gross, quando fazia a distribuição de dinheiro e de equipamentos de comunicação [2].
O advogado José Pertierra, que atua em Washington, relacionou de forma exaustiva os diversos itens da ajuda provisoriamente suspensa, com base em informe oficial do Senado dos EUA. Destacamos apenas alguns, a título de exemplo: US$ 750 mil para os defensores de direitos humanos e da democracia; US$ 750 mil para parentes de presos políticos, como as “Damas de Branco”, e para ativistas que lutam para libertar aqueles presos; US$ 3,8 milhões para promover a liberdade de expressão, especialmente entre artistas, músicos, escritores, jornalistas e blogueiros (com ênfase nos afrocubanos); US$ 1,15 milhão para capacitar os ativistas mencionados no uso das novas tecnologias de comunicação.
A corrida pelo dinheiro de Washington
Essas informações tornam insustentável negar o financiamento estadunidense aos chamados dissidentes, de maneira geral. Não custa recordar ainda que aqueles que a mídia dominante insiste em chamar de presos políticos (cuja libertação está sendo reclamada pelo grevista de fome Guillermo Fariñas Hernández) foram julgados em 2003 justamente sob a acusação de receber dinheiro de Washington para combater a revolução. Em relatório de 2006, a Anistia Internacional registrou a realização, no ano anterior, de um congresso de dissidentes com a participação de mais de 350 organizações (a ata do encontro, porém, menciona a presença de 171 pessoas) nos arredores de Havana. Essa proliferação, porém, longe de mostrar a força da oposição, esconde a corrida de seus idealizadores para arrancar dinheiro de Washington.
Praticamente todas são organizações artificiais, criadas para que suas lideranças possam apresentar-se no escritório de representação dos EUA em Havana para receber a sua parte na cobiçada "ajuda em prol da democracia". Não há notícias sobre discussões políticas ou doutrinárias nessas entidades e muito menos de ações públicas sérias de sua iniciativa. Mas há fartos registros, isto sim, de brigas e denúncias recíprocas envolvendo a repartição e o uso da dinheirama. É por isso que, neste momento, a maioria dos dissidentes não vê com bons olhos a ascensão de Yoani Sánchez.
Lech Walesa de saias
O sonho dourado dos ideólogos de Washington é forjar em Cuba um novo Lech Walesa, o líder do sindicato Solidariedade e depois presidente da Polônia, apontado pelo National Endowment for Democracy (NED), do Departamento de Estado, como o maior triunfo de sua política. No caso de Cuba, isso foi tentado, entre 2000 e 2002, com um dissidente chamado Osvaldo Payá Sardiñas, organizador de um projeto de lei de iniciativa popular, que teve pouco mais de 11 mil assinaturas. O projeto foi recebido oficialmente, mas rejeitado pelo parlamento cubano.
Ele pretendia estabelecer nada menos que a liberdade para a criação de empresas privadas, inclusive órgãos de imprensa, a instituição do pluripartidarismo e outras medidas que implicavam eliminar o socialismo cubano de uma penada, baseado no suporte daquelas assinaturas (o número de eleitores no país é de 8,5 milhões). Equivale a um projeto de lei de iniciativa popular que fosse apresentado ao Congresso brasileiro, prevendo o fim da propriedade privada dos meios de produção, a convocação de eleições com candidatos indicados exclusivamente em assembleias de bairro e o fechamento dos oligopólios da comunicação. Seria cômico se o conteúdo da iniciativa não coincidisse com o do “programa de transição” divulgado em 2006 pela Comissão de Apoio a uma Cuba Livre, do governo Bush.
Em todo caso, com base nesse projeto Osvaldo Payá foi transformado em herói pela mídia dominante. Como acontece atualmente com a blogueira Sánchez, foi alvo de prêmios e honrarias mundo afora, além de merecer espaços enormes na mídia dominante. Recebeu, entre tantos outros, o Prêmio Andrei Sakharov da União Européia, quando estava sob a presidência do ex-premiê espanhol, José Maria Aznar, e foi recepcionado em audiência especial pelo Papa João Paulo II. Como o esforço não produziu os resultados esperados, a mesma mídia que o glorificava o esqueceu (como havia feito antes com Armando Valladares).
Agora, chegou a vez de Yoani Sánchez. Após ter resolvido subitamente voltar a Cuba de seu exílio na Suíça, colocou o blog no ar em abril de 2007. Pouco mais de meio ano mais tarde, ela já se transformava em personalidade mundial, com o acionamento da engrenagem publicitária da coalizão anticubana. Começaram a aparecer entrevistas de página inteira com a blogueira, não raro com chamadas de capa, em grandes publicações como The Wall Street Journal, The New York Times, The Washington Post, Die Zeit e El País, sem falar nos jornalões brasileiros e na indefectível Veja.
Ao mesmo tempo, sempre de forma significativamente sincronizada, surgiram os prêmios, os convites para viagens e outras iniciativas de cunho promocional. Em 2008 a blogueira foi premiada em vários países da Europa e nos Estados Unidos, além de ter sido incluída, pela revista Time, na relação das 100 personalidades mais influentes do mundo e pelo diário espanhol El País, entre os 100 hispano-americanos mais influentes. No mesmo ano, a revista estadunidense Foreign Policy a considerou um dos 10 intelectuais mais importantes do ano, assim como a revista mexicana Gato Pardo. Mais recentemente, lançou um livro em grande estilo, com edições quase simultâneas em diversos países, e adiantamento por conta de direito autoral (como os € 50 mil pagos pela editora italiana Rizzoli). Digno de registro também é que Yoani Sánchez enviou um questionário dirigido ao presidente Barack Obama e ele o respondeu prontamente. Ela explicou candidamente a atenção que Obama lhe dedicou: “talvez eu tenha sorte”.
Um blog multimilionário
A verdade é que o blog que a fez famosa desfruta de sorte não menos fantástica. Ele foi registrado por intermédio de um serviço chamado GoDaddy, uma companhia que costuma ser contratada pelo Pentágono para compra de domínios de forma anônima e segura para suas guerras no cyberespaço, conforme denunciou a jornalista espanhola Norelys Morales Aguilera [3]. “Não há em toda Cuba uma só página de internet, nem privada, nem pública, com o potencial tecnológico e de design da que ela exibe em seu blog”, sustenta.
O blog é atualmente hospedado em servidor espanhol, que não lhe cobra nada ("por 18 meses", diz ela), embora processe 14 milhões de visitas mensais e ofereça suporte técnico praticamente exclusivo. No mercado, custaria milhares de dólares por mês. É traduzido para nada menos que 18 idiomas, luxo que nem os portais dos mais importantes organismos multilaterais, como a ONU, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional ou a OCDE, exibem. Sánchez diz que são amigos que fazem as traduções.
Segundo o jornalista Pascual Serrano, ela usa recursos da web 2.0 a que muito poucos cubanos têm acesso, como o Twitter, os foros sociais e outros [4]. Em 2009, segundo o jornalista francês Salim Lamrani, o Departamento do Tesouro dos EUA, baseando-se na lei do bloqueio, fechou mais de 80 sítios de internet relacionados a Cuba, alegando que eles promoviam comércio. A única exceção foi justamente o blog de Sánchez, embora lá também haja venda de livros. Aliás, o sistema de pagamento utilizado por ele, o Paypal, e o de “copyright” que protege os textos da blogueira estão igualmente vedados a qualquer outro cidadão cubano, pelas mesmas razões [5].
Em recente entrevista a Lamrani, feita em Havana, Sánchez disse que seu blog não pode ser acessado de Cuba, como costuma “denunciar” aos dóceis jornalistas da mídia dominante. Só que desta vez foi desmentida no ato pelo entrevistador, que havia acabado de entrar na página sem qualquer restrição. Então, espertamente se corrigiu: “com freqüência ele fica bloqueado” [6]. A verdade é que o blog – assim como qualquer outro sítio – jamais foi objeto de medida repressiva do governo cubano. Isso é comprovado pela Alexa - The Web Information Company, que mede o volume de acesso de páginas de internet do mundo inteiro: segundo seus dados, o portal Desde Cuba, que abriga o blog de Sánchez, tinha 7,1% do seu tráfego originário de equipamentos cubanos, no final de 2009 [7].
O blog de Sánchez também foi distinguido em 2008 como um dos 25 melhores do mundo pela TV CNN, além de ter sido premiado pela revista Time e pela TV Deutsche Welle. As justificativas das premiações e honrarias alegam a coragem cívica de sua idealizadora e exaltam a qualidade de suas crônicas, embora elas se caracterizem, na verdade, por uma descrição pouco sutil da situação cubana, num tom catastrofista, sem qualquer nuance. Em sua prosa simplista, Cuba não passa de uma “imensa prisão com muros ideológicos”, onde se ouvem os “gritos do déspota” e as pessoas vivem entre “o desencanto e a asfixia econômica”, por culpa exclusiva do governo. Não há programas sociais bem-sucedidos, mesmo que eles sejam reconhecidos até pelo Banco Mundial, assim como não há fatores externos que agravam as dificuldades do país – exatamente como no diagnóstico maniqueísta da extrema-direita de Miami.
Apesar de tudo, após se casar com um alemão e se estabelecer na Suíça entre 2002 e 2004, Yoani Sánchez não só decidiu voltar espontaneamente a esse inferno que descreve com tintas carregadas, como implorou ao governo cubano que anulasse a sua condição de emigrada [8]. Definitivamente, não estamos diante de uma amadora que resolveu despretensiosamente escrever sobre sua rotina e a de seu país, como ela é descrita pela mídia dominante.
NOTAS
1- Diversas auditorias pedidas por congressistas concluíram que havia desvio e corrupção envolvendo esse dinheiro, mas a "ajuda" continuou, a pedido dos próprios dissidentes, como Elizárdo Sánchez e Martha Beatriz Roque.
2- José Pertierra. La guerra contra Cuba: Nuevos presupuestos y la misma premisa. CubaDebate, 02/04/2010. http://www.cubadebate.cu/opinion/2010/04/02/guerra-eeuu-contra-cuba-nuevos-presupuestos-misma-premisa/.
3- Norelys Morales Aguilera. Si los blogs son terapéuticos ¿Quién paga la terapia de Yoani Sánchez?. La República , 13/08/2009. http://larepublica.es/firmas/blogs/index.php/norelys/main-32/?paged=3.
4- Pascual Serrano. Yoani en el país de las paradojas. Blog Pessoal, 19/01/2010. http://blogs.publico.es/dominiopublico/1781/yoani-en-el-pais-de-las-paradojas/.
5- Salim Lamrani. Cuba y la “ciberdisidencia”. Cubadebate, 26/11/2009. http://www.cubadebate.cu/opinion/2009/11/26/cuba-y-ciberdisidencia/.
6- Repórter desmascara blogueira cubana Yoani Sánchez em entrevista. Portal Vermelho, 25/04/2010. http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=128182&id_secao=7.
7- Ver http://www.alexa.com/siteinfo/desdecuba.com. O jornalista espanhol Pascual Serrano solicitou a amigos de Havana que tentassem acessar o blog de Yoani Sánchez no mesmo horário. De cinco diferentes computadores, alguns residenciais, outros públicos, usando diferentes provedores, quatro entraram na página sem problema. Pascual Serrano. El blog censurado en Cuba. Rebelión, 26/03/2008. http://www.rebelion.org/noticia.php?id=65134.
8- Ela contou em seu blog que se surpreendeu com a existência, no serviço de imigração, de fila de pessoas que retornam a Cuba após terem pedido para sair.
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domingo, 30 de maio de 2010
Mídia se esforça para ser o que não é
Reproduzo artigo do escritor Washington Araújo, publicado no Observatório da Imprensa:
Recentemente aceitei convite de estudantes de jornalismo para analisar o comportamento da grande mídia ante as eleições majoritárias de outubro próximo. Embora não me apeteça deitar falação sobre tema tão circunscrito, não posso recusar sempre tais convites. Às vezes há que se aceitar, não porque este ou aquele tipo de cobertura me agrade ou desagrade, mas porque está dentro do perfil esperado de um crítico da mídia. Ora, os que me conhecem sabem que sou bem mais afeito a tratar de direitos humanos, liberdade de opinião, direitos da mulher, defesa de índios e outras populações vulneráveis, crítica às estruturas de poder capitalista, ao consumismo e por aí vai. O problema é que uma vez escrito o texto este se transforma em munição de uns em relação a outros desvirtuando por completo a intenção original que era apenas a de oferecer uma outra visão sobre o trabalho jornalístico capenga e sectário de parte majoritária de nossa grande imprensa.
Feitas as considerações pertinentes, vamos ao que interessa. Chama atenção a assimetria crítica vista na imprensa para cobrir as pré-campanhas presidenciais já postas. Multa para Lula e Dilma repercute antes mesmo de haver sido exarada. Passa a tema de editoriais inflamados, com blogueiro clamando por impugnação de candidatura na fase atual ou, então, a cassação caso a atual candidata logre êxito nas urnas. Enquanto isso, multa para o consórcio demotucano não chega nem a figurar em rodapé de coluna política. E se é mencionada, por distração do destino, ocupa menos espaço que a recordação do que levou o TSE a multar o consórcio governista.
A desfaçatez é de tal monta que, não obstante a declaração acima citada, os veículos mantêm a ambígua posição de se afirmarem imparciais e apolíticas. Esforçam-se para divulgar pesquisas para consumo interno dando conta que são vistos como equânimes, justos na cobertura do pleito político que se aproxima. À exceção de CartaCapital, que desde sempre declara sua posição política, as demais grandes revistas semanais de informação e os grandes jornais, emissoras de tevê e de rádio com cobertura nacional fincam raízes no engodo de divulgar o que é, de fato, sua prática: jornalismo atrelado a projeto de poder partidário. Qualquer coisa, menos isença, independência, visão crítica.
A grande mídia tem ideia fixa de fazer Aécio Neves vice na chapa presidencial de José Serra. Qualquer sinal, seja de fumaça ou não, dando a entender que Aécio baixou a guarda e já aceita considerar dedicar um átimo de milionésimo de segundo sobre a não tão remotíssima possibilidade de vir a ser parceiro de Serra para que, então, todas as pautas caiam, todos os temas sejam sumariamente liquidados, todas as reportagens em andamento desandem de imediato e todas as editorias entrem em pausada letargia.
É impressionante a disposição de nossa grande imprensa em ecoar um zumbido quiçá ouvido em Minas e mencionando a odisséia travada por José Serra para fazer vice o ex-governador mineiro. E não precisava ser assim. Esquece a mesma grande imprensa que o perfil adequado e cinzelado com extremo bom senso está bem ali, ao alcance de seus olhos, dentro de casa.
Porque não lançam a autora da estupenda declaração que, desde 18 de março de 2010, abriu inédita clareira para se entender o lait-motiv de nosso vetusto baronato da comunicação? A declaração é de Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e executiva do grupo Folha de S.Paulo e diz o seguinte: "A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação e, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo."
Nada mais justo que se encare o jogo político em toda sua inteireza. E se matariam dois coelhos com uma caixa d´água só, como diria amigo meu dos anos 1980. O primeiro seria solucionar a questão labiríntica de encontrar um Aécio para Serra. O segundo seria cacifar a posição político-partidária de nossa grande imprensa através de sua entidade de classe por excelência. Resta saber se agradaria aos gregos, troianos e democratas, sempre de olhos postos na vaga. É como a dupla Roberto Carlos e Erasmo Carlos com Erasmo querendo ocupar o lugar de Roberto. Caso Roberto cedesse provavelmente outros seriam os sucessos. Mas, com certeza, não existiria não existiria a bela Detalhes.
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Recentemente aceitei convite de estudantes de jornalismo para analisar o comportamento da grande mídia ante as eleições majoritárias de outubro próximo. Embora não me apeteça deitar falação sobre tema tão circunscrito, não posso recusar sempre tais convites. Às vezes há que se aceitar, não porque este ou aquele tipo de cobertura me agrade ou desagrade, mas porque está dentro do perfil esperado de um crítico da mídia. Ora, os que me conhecem sabem que sou bem mais afeito a tratar de direitos humanos, liberdade de opinião, direitos da mulher, defesa de índios e outras populações vulneráveis, crítica às estruturas de poder capitalista, ao consumismo e por aí vai. O problema é que uma vez escrito o texto este se transforma em munição de uns em relação a outros desvirtuando por completo a intenção original que era apenas a de oferecer uma outra visão sobre o trabalho jornalístico capenga e sectário de parte majoritária de nossa grande imprensa.
Feitas as considerações pertinentes, vamos ao que interessa. Chama atenção a assimetria crítica vista na imprensa para cobrir as pré-campanhas presidenciais já postas. Multa para Lula e Dilma repercute antes mesmo de haver sido exarada. Passa a tema de editoriais inflamados, com blogueiro clamando por impugnação de candidatura na fase atual ou, então, a cassação caso a atual candidata logre êxito nas urnas. Enquanto isso, multa para o consórcio demotucano não chega nem a figurar em rodapé de coluna política. E se é mencionada, por distração do destino, ocupa menos espaço que a recordação do que levou o TSE a multar o consórcio governista.
A desfaçatez é de tal monta que, não obstante a declaração acima citada, os veículos mantêm a ambígua posição de se afirmarem imparciais e apolíticas. Esforçam-se para divulgar pesquisas para consumo interno dando conta que são vistos como equânimes, justos na cobertura do pleito político que se aproxima. À exceção de CartaCapital, que desde sempre declara sua posição política, as demais grandes revistas semanais de informação e os grandes jornais, emissoras de tevê e de rádio com cobertura nacional fincam raízes no engodo de divulgar o que é, de fato, sua prática: jornalismo atrelado a projeto de poder partidário. Qualquer coisa, menos isença, independência, visão crítica.
A grande mídia tem ideia fixa de fazer Aécio Neves vice na chapa presidencial de José Serra. Qualquer sinal, seja de fumaça ou não, dando a entender que Aécio baixou a guarda e já aceita considerar dedicar um átimo de milionésimo de segundo sobre a não tão remotíssima possibilidade de vir a ser parceiro de Serra para que, então, todas as pautas caiam, todos os temas sejam sumariamente liquidados, todas as reportagens em andamento desandem de imediato e todas as editorias entrem em pausada letargia.
É impressionante a disposição de nossa grande imprensa em ecoar um zumbido quiçá ouvido em Minas e mencionando a odisséia travada por José Serra para fazer vice o ex-governador mineiro. E não precisava ser assim. Esquece a mesma grande imprensa que o perfil adequado e cinzelado com extremo bom senso está bem ali, ao alcance de seus olhos, dentro de casa.
Porque não lançam a autora da estupenda declaração que, desde 18 de março de 2010, abriu inédita clareira para se entender o lait-motiv de nosso vetusto baronato da comunicação? A declaração é de Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e executiva do grupo Folha de S.Paulo e diz o seguinte: "A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação e, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo."
Nada mais justo que se encare o jogo político em toda sua inteireza. E se matariam dois coelhos com uma caixa d´água só, como diria amigo meu dos anos 1980. O primeiro seria solucionar a questão labiríntica de encontrar um Aécio para Serra. O segundo seria cacifar a posição político-partidária de nossa grande imprensa através de sua entidade de classe por excelência. Resta saber se agradaria aos gregos, troianos e democratas, sempre de olhos postos na vaga. É como a dupla Roberto Carlos e Erasmo Carlos com Erasmo querendo ocupar o lugar de Roberto. Caso Roberto cedesse provavelmente outros seriam os sucessos. Mas, com certeza, não existiria não existiria a bela Detalhes.
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“Mídia é obstáculo à vitória de Dilma”
Reproduzo entrevista de Emir Sader, concedida ao jornalista Anselmo Massad da Rede Brasil Atual:
O sociólogo Emir Sader acredita que a mídia é a única opção ao alcance da oposição para tentar desestruturar o que considera ser a tendência de vitória da pré-candidata Dilma Rousseff (PT) à Presidência da República. Ele acredita que as políticas públicas adotadas na gestão atual não estão garantidas caso "a oligarquia volte ao poder", em referência à pré-candidatura de José Serra (PSDB).
"O governo Lula pode ser uma ponte para sair definitivamente do modelo ou um parênteses", opina em entrevista à Rede Brasil Atual. "As políticas feitas pelos tucanos, seja em nível nacional, seja nos estados, são de privatização", constata. Isso quer dizer que "nenhuma conquista do governo Lula seria irreversível".
Sader é autor de diversos livros, sendo o mais recente “Brasil, entre o passado e o futuro”, que discute a história da esquerda, as políticas realizadas no governo de Luiz Inácio Lula da Silva e as perspectivas para os próximos anos.
A respeito do discurso adotado por Serra no início da pré-campanha, tentando colocar-se como o mais capacitado para o "pós-Lula", o sociólogo faz um alerta: "A campanha eleitoral não é feita dizendo o que 'vou fazer', é feita do que 'o eleitorado quer que eu diga'. Senão não ganho". Na prática, isso quer dizer que a opção de tentar prometer continuidade está mais baseada nos índices de aprovação do governo Lula do que em convicções.
Sader qualifica Serra ainda como "autoritário" e "prepotente", e faz duras críticas à mídia. "Eu diria que o obstáculo maior à vitória da Dilma é o monopólio privado dos meios de comunicação", avalia. "O fato de que todos estão alinhados com o Serra. Isso indica o fracasso absoluto da política de comunicação do governo", critica.
As conquistas em política externa do Brasil estão garantidas para o próximo período?
Em política externa, as declarações do Serra demonstram que seria claramente uma mudança significativa (caso ele fosse eleito). Disse que o Mercosul era uma farsa, que o ingresso da Venezuela no mercado comum seria uma insensatez, que como presidente não convidaria o presidente do Irã nem visitaria o país no Oriente Médio, que o Brasil fez uma trapalhada em Honduras, etc. Ele está a favor de se afrouxarem laços na integração regional e voltar a estabelecer relações privilegiadas com os Estados Unidos. Isso seria uma mudança importante também no modelo interno, que só é possível porque há soberania externa.
A opção de priorizar relações comerciais e políticas externas com países em desenvolvimento, nas chamadas relações Sul-Sul, seria abandonada?
Nas eleições há quatro anos, quando (Felipe) Calderón foi eleito presidente do México de maneira possivelmente fraudulenta, o (Geraldo) Alckmin o saudou, dizendo que aquele é o caminho. O caminho do México é o do tratado de livre comércio, de quem retrocedeu 7% no PIB ano passado, quem foi ao Fundo Monetário Internacional, não diversificou no comércio internacional, não intensificou distribuição de renda, mercado interno e consumo popular. Quanto se retomaria o caminho é difícil imaginar, porque seria equivocado e ineficiente. O Brasil conseguiu superar a crise com rapidez pela demanda asiática – especialmente chinesa –, pelo intercâmbio regional com países sul-americanos. E também pela manutenção do poder aquisitivo no mercado popular.
Inicialmente o pré-candidato José Serra tem assumido uma postura de continuidade, de se colocar como o melhor para realizar políticas "pós-Lula". Ainda assim o senhor acredita que haveria mudanças?
O governo Lula pode ser uma ponte para sair definitivamente do modelo ou um parênteses, se a oligarquia voltar ao poder. As políticas feitas pelos tucanos, seja em nível nacional, seja nos estados, são de privatização. Pode não fazer tão grosseiramente quanto antes, mas os dois bancos estaduais de São Paulo foram vendidos. O Banespa foi privatizado para o capital estrangeiro. A Nossa Caixa teria o mesmo destino não fosse o Banco do Brasil comprar. Quem não faz políticas sociais, quem não financia programas populares, não precisa ter bancos. É mais importante fazer caixa para estrada, rodoanel, que dá mais impacto para o público. A própria prioridade das políticas sociais poderia ser questionada perfeitamente com uma mudança de governo.
Então, por que a opção de pregar a continuidade com, no máximo, alguns aprimoramentos?
A campanha eleitoral não é feita dizendo o que "vou fazer", é feita do que "o eleitorado quer que eu diga". Senão não ganho. Mais de 70% apoiam o governo Lula, portanto várias declarações são cosméticas para não se contrapor ao eleitorado. Talvez se esteja vendo que isso também seria um caminho de derrota, porque a sucessora normal seria a Dilma (Rousseff), mas até agora houve muito mais tentativa de buscar elementos de consenso com o governo, sem deixar claro o que se faria. Mas pelo que é feito em São Paulo... Se o Bolsa Família é tão bom, porque diminuiu aqui? Há uma série de políticas concretas que provavelmente seriam transferidas nacionalmente caso (os aliados de Serra) chegasssem a ganhar. Nenhuma conquista do governo Lula seria irreversível.
Nas últimas semanas, Serra chegou a bater boca com alguns jornalistas. Muitos apoiadores da candidatura de Dilma sustentam que a mídia tem um comportamento de apoio incondicional ao pré-candidato tucano. Como explicar essas reações contra repórteres?
Ele (Serra) tem um estilo autoritário, prepotente. Basta ser colocado em situações de risco e de incerteza para se comportar assim. Sobretudo quando é questionado sobre coisas que ele acha serem inquestionáveis. "Vai continuar o Bolsa Família?", etc. Ele acha ruim, sabe que são temas agudos e acaba perdendo o controle. Mas ele é assim, eu o conheço desde o movimento estudantil, é sempre autoritário. E ainda dizem que Dilma é autoritária. Quando uma mulher tem capacidade e competência é autoritária, senão, seria frouxa. Autoritário é o Serra. O estilo que vocês estão vendo agora é o normal dele de relação, de ser um trator, impor pela força, pela reiteração.
Agora, perdendo a liderança, vai cometer mais erros, inclusive no perfil da atitude sobre o governo Lula. Se continuar a se identificar, mais fácil a passagem de votos para a Dilma, se bater, vai estar na contramão do eleitorado. Se ficar o bicho pega, se correr o bicho pega.
Mas o senhor vê também a partidarização da mídia nas eleições?
A executiva da Folha (de S.Paulo, Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional de Jornais, ANJ) que assumiu que, como a oposição é fraca, eles (veículos de comunicação) assumem o papel de oposição, significa uma consciência clara do papel que estão desempenhando. Eu diria que o obstáculo maior à vitória da Dilma é o monopólio privado dos meios de comunicação. O fato de que todos estão alinhados com o Serra. Isso indica o fracasso absoluto da política de comunicação do governo.
Há cinco anos é um governo com uma popularidade altíssima, sem um meio de comunicação autônomo. O Lula não fala para o povo, a imprensa escolhe o que ele vai falar. Parecem intermediários viciados no diálogo entre o presidente mais popular que o Brasil já teve e a massa, a cidadania. Vão se manter assim em ano de eleição porque é a única chance de tentar conter a provável vitória da Dilma.
A popularidade de Lula apesar dessa intermediação da mídia não indica que esse efeito da mídia sobre a população está inócuo?
É o instrumento que eles (oposição) têm a mão. Se vai ter eficácia ou não... Qual é o modelo de política popular melhor que a do Lula que tenham a apresentar? Qual é o projeto de país mais significativo? O que têm é a possibilidade de desarticular a imagem da Dilma por meio de denúncias baixas. É o que resta. O Lula já provou que está acima de qualquer campanha. Não pega. Os argumentos do Serra são de nenhuma compreensão para o povo.
Dizer que é "o governo mais patrimonialista que existiu", é o quê? "Apropria-se dos cargos"? Para o eleitorado, além de não ser claro o que isso quer dizer, fica a impressão de que, se o governo faz tudo isso mas o resultado é bom, não é um problema tão grave. A opção pode reiterar argumentos para quem já está contra. Eles não têm argumentos fortes. A comparação dos dois governos (FHC e Lula) é acachapante. A opção de apontar Serra como a melhor continuidade deixou de ser viável, porque os votos transferidos para Dilma são os que apoiam o candidato indicado por Lula. Matematicamente é uma tendência de derrota mesmo. O que está ao alcance é a mídia, e vão jogar com ele até onde puderem.
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O sociólogo Emir Sader acredita que a mídia é a única opção ao alcance da oposição para tentar desestruturar o que considera ser a tendência de vitória da pré-candidata Dilma Rousseff (PT) à Presidência da República. Ele acredita que as políticas públicas adotadas na gestão atual não estão garantidas caso "a oligarquia volte ao poder", em referência à pré-candidatura de José Serra (PSDB).
"O governo Lula pode ser uma ponte para sair definitivamente do modelo ou um parênteses", opina em entrevista à Rede Brasil Atual. "As políticas feitas pelos tucanos, seja em nível nacional, seja nos estados, são de privatização", constata. Isso quer dizer que "nenhuma conquista do governo Lula seria irreversível".
Sader é autor de diversos livros, sendo o mais recente “Brasil, entre o passado e o futuro”, que discute a história da esquerda, as políticas realizadas no governo de Luiz Inácio Lula da Silva e as perspectivas para os próximos anos.
A respeito do discurso adotado por Serra no início da pré-campanha, tentando colocar-se como o mais capacitado para o "pós-Lula", o sociólogo faz um alerta: "A campanha eleitoral não é feita dizendo o que 'vou fazer', é feita do que 'o eleitorado quer que eu diga'. Senão não ganho". Na prática, isso quer dizer que a opção de tentar prometer continuidade está mais baseada nos índices de aprovação do governo Lula do que em convicções.
Sader qualifica Serra ainda como "autoritário" e "prepotente", e faz duras críticas à mídia. "Eu diria que o obstáculo maior à vitória da Dilma é o monopólio privado dos meios de comunicação", avalia. "O fato de que todos estão alinhados com o Serra. Isso indica o fracasso absoluto da política de comunicação do governo", critica.
As conquistas em política externa do Brasil estão garantidas para o próximo período?
Em política externa, as declarações do Serra demonstram que seria claramente uma mudança significativa (caso ele fosse eleito). Disse que o Mercosul era uma farsa, que o ingresso da Venezuela no mercado comum seria uma insensatez, que como presidente não convidaria o presidente do Irã nem visitaria o país no Oriente Médio, que o Brasil fez uma trapalhada em Honduras, etc. Ele está a favor de se afrouxarem laços na integração regional e voltar a estabelecer relações privilegiadas com os Estados Unidos. Isso seria uma mudança importante também no modelo interno, que só é possível porque há soberania externa.
A opção de priorizar relações comerciais e políticas externas com países em desenvolvimento, nas chamadas relações Sul-Sul, seria abandonada?
Nas eleições há quatro anos, quando (Felipe) Calderón foi eleito presidente do México de maneira possivelmente fraudulenta, o (Geraldo) Alckmin o saudou, dizendo que aquele é o caminho. O caminho do México é o do tratado de livre comércio, de quem retrocedeu 7% no PIB ano passado, quem foi ao Fundo Monetário Internacional, não diversificou no comércio internacional, não intensificou distribuição de renda, mercado interno e consumo popular. Quanto se retomaria o caminho é difícil imaginar, porque seria equivocado e ineficiente. O Brasil conseguiu superar a crise com rapidez pela demanda asiática – especialmente chinesa –, pelo intercâmbio regional com países sul-americanos. E também pela manutenção do poder aquisitivo no mercado popular.
Inicialmente o pré-candidato José Serra tem assumido uma postura de continuidade, de se colocar como o melhor para realizar políticas "pós-Lula". Ainda assim o senhor acredita que haveria mudanças?
O governo Lula pode ser uma ponte para sair definitivamente do modelo ou um parênteses, se a oligarquia voltar ao poder. As políticas feitas pelos tucanos, seja em nível nacional, seja nos estados, são de privatização. Pode não fazer tão grosseiramente quanto antes, mas os dois bancos estaduais de São Paulo foram vendidos. O Banespa foi privatizado para o capital estrangeiro. A Nossa Caixa teria o mesmo destino não fosse o Banco do Brasil comprar. Quem não faz políticas sociais, quem não financia programas populares, não precisa ter bancos. É mais importante fazer caixa para estrada, rodoanel, que dá mais impacto para o público. A própria prioridade das políticas sociais poderia ser questionada perfeitamente com uma mudança de governo.
Então, por que a opção de pregar a continuidade com, no máximo, alguns aprimoramentos?
A campanha eleitoral não é feita dizendo o que "vou fazer", é feita do que "o eleitorado quer que eu diga". Senão não ganho. Mais de 70% apoiam o governo Lula, portanto várias declarações são cosméticas para não se contrapor ao eleitorado. Talvez se esteja vendo que isso também seria um caminho de derrota, porque a sucessora normal seria a Dilma (Rousseff), mas até agora houve muito mais tentativa de buscar elementos de consenso com o governo, sem deixar claro o que se faria. Mas pelo que é feito em São Paulo... Se o Bolsa Família é tão bom, porque diminuiu aqui? Há uma série de políticas concretas que provavelmente seriam transferidas nacionalmente caso (os aliados de Serra) chegasssem a ganhar. Nenhuma conquista do governo Lula seria irreversível.
Nas últimas semanas, Serra chegou a bater boca com alguns jornalistas. Muitos apoiadores da candidatura de Dilma sustentam que a mídia tem um comportamento de apoio incondicional ao pré-candidato tucano. Como explicar essas reações contra repórteres?
Ele (Serra) tem um estilo autoritário, prepotente. Basta ser colocado em situações de risco e de incerteza para se comportar assim. Sobretudo quando é questionado sobre coisas que ele acha serem inquestionáveis. "Vai continuar o Bolsa Família?", etc. Ele acha ruim, sabe que são temas agudos e acaba perdendo o controle. Mas ele é assim, eu o conheço desde o movimento estudantil, é sempre autoritário. E ainda dizem que Dilma é autoritária. Quando uma mulher tem capacidade e competência é autoritária, senão, seria frouxa. Autoritário é o Serra. O estilo que vocês estão vendo agora é o normal dele de relação, de ser um trator, impor pela força, pela reiteração.
Agora, perdendo a liderança, vai cometer mais erros, inclusive no perfil da atitude sobre o governo Lula. Se continuar a se identificar, mais fácil a passagem de votos para a Dilma, se bater, vai estar na contramão do eleitorado. Se ficar o bicho pega, se correr o bicho pega.
Mas o senhor vê também a partidarização da mídia nas eleições?
A executiva da Folha (de S.Paulo, Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional de Jornais, ANJ) que assumiu que, como a oposição é fraca, eles (veículos de comunicação) assumem o papel de oposição, significa uma consciência clara do papel que estão desempenhando. Eu diria que o obstáculo maior à vitória da Dilma é o monopólio privado dos meios de comunicação. O fato de que todos estão alinhados com o Serra. Isso indica o fracasso absoluto da política de comunicação do governo.
Há cinco anos é um governo com uma popularidade altíssima, sem um meio de comunicação autônomo. O Lula não fala para o povo, a imprensa escolhe o que ele vai falar. Parecem intermediários viciados no diálogo entre o presidente mais popular que o Brasil já teve e a massa, a cidadania. Vão se manter assim em ano de eleição porque é a única chance de tentar conter a provável vitória da Dilma.
A popularidade de Lula apesar dessa intermediação da mídia não indica que esse efeito da mídia sobre a população está inócuo?
É o instrumento que eles (oposição) têm a mão. Se vai ter eficácia ou não... Qual é o modelo de política popular melhor que a do Lula que tenham a apresentar? Qual é o projeto de país mais significativo? O que têm é a possibilidade de desarticular a imagem da Dilma por meio de denúncias baixas. É o que resta. O Lula já provou que está acima de qualquer campanha. Não pega. Os argumentos do Serra são de nenhuma compreensão para o povo.
Dizer que é "o governo mais patrimonialista que existiu", é o quê? "Apropria-se dos cargos"? Para o eleitorado, além de não ser claro o que isso quer dizer, fica a impressão de que, se o governo faz tudo isso mas o resultado é bom, não é um problema tão grave. A opção pode reiterar argumentos para quem já está contra. Eles não têm argumentos fortes. A comparação dos dois governos (FHC e Lula) é acachapante. A opção de apontar Serra como a melhor continuidade deixou de ser viável, porque os votos transferidos para Dilma são os que apoiam o candidato indicado por Lula. Matematicamente é uma tendência de derrota mesmo. O que está ao alcance é a mídia, e vão jogar com ele até onde puderem.
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A nova direita se ancora na mídia
Reproduzo artigo de Leandro Fortes, publicado no seu blog “Brasília, eu vi”:
Três eventos distintos, separados em períodos esparsos, definiram nos últimos meses o arrazoado doutrinário e os modos da nova direita brasileira, remodelada em forma e conteúdo, mas não nas intenções, como era de se esperar. Aterrissaram em sua pista dourada intelectuais do calibre de Fernando Gabeira, Ferreira Gullar, Nelson Motta e Arnaldo Jabor, grupo ao qual se agregou, para estupefação do humor, o humorista Marcelo Madureira, do abismal Casseta & Planeta.
Essa nova direita, cheia de cristãos novos e comunistas arrependidos tem no DNA um instinto de sobrevivência mais pragmático, gestado nos verdadeiros interesses em jogo, não mais na espuma do gosto popular. Não por outra razão, se ancora menos na ação parlamentar e mais na mídia, onde mantém brigadas de colunistas, e onde também atua, nas redações, de cima para baixo, de modo a estabelecer um padrão único de abordagem sobre os temas que lhe dizem respeito: dinheiro, liberdade irrestrita de negócios, dominação de classe, individualismo, acúmulo de riqueza e concentração fundiária.
Os três eventos aos quais me refiro causaram um razoável revertério na estratégia de comunicação social bolada por esse grupo neoconservador tupiniquim montado na rabeira da história dos neocons americanos. Senão, vejamos:
A surpreendente confissão de Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ).
“A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação. E, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo.”
Judith, autora da fala acima, primeira mulher a assumir a presidência da ANJ, é diretora-superintendente do Grupo Folha da Manhã, responsável pela publicação do diário “Folha de S.Paulo”. Disse o que disse porque, como chefe da entidade, tinha como certo de que não haveria outra interpretação, senão à dos editoriais dos jornais que representa, todos favoráveis ao papel da imprensa anunciado por ela.
Em suma, Judith Brito, embora não seja jornalista, representa bem um dos piores vícios da categoria, sobretudo no que diz respeito à cobertura política: falar exclusivamente para si e para os seus pares de ofício, prisioneira em um círculo de giz no qual repórteres escrevem para outros repórteres, certos de que uns irão repercutir os outros, escravos de uma fantasia jornalística alheia à realidade do mundo digital que está no cerne, por e xemplo, da decadência e no descrédito dos jornais impressos – não por acaso, fonte do poder e da autoridade de Judith Brito.
O acordo nuclear com o Irã, capitaneado por Luiz Inácio Lula da Silva e pelo primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.
O sucesso da diplomacia brasileira nesse episódio criou um paradigma de atuação profissional do Itamaraty até então considerado impossível. De forma pacífica e disciplinada, a operação que resultou no acordo foi conduzida com extrema leveza, a caminhar sobre os ovos de aves agourentas distintas que se odeiam desde as primeiras luzes. Incorporou à biografia de Lula essa aura dos que lutam pela paz, requisito fundamental para a seleção dos premiados do Prêmio Nobel da Paz. Mas, antes que isso aconteça, a mídia brasileira vai finalmente descobrir que o milionário Alfred Nobel inventou a dinamite.
O resultado concretamente político dessa ação no Oriente Médio, apesar da bem sucedida pressão da extrema-direita americana sobre Barack Obama a favor de sanções contra o Irã, foi a desconstrução do discurso conservador da diplomacia brasileira, todo ele montado sobre as teses de alinhamento automático aos Estados Unidos, reação acrítica de atos de barbárie cometidos por Estados ocidentais e a submissão pura e simples às regras financeiras ditadas pelas nações ricas.
Nesse aspecto, a história do chanceler Celso Amorim será extremamente mais relevante do que a de seus antecessores, torcedores vibrantes pelo fracasso do ministro com ampla visibilidade nas matérias e programas de entrevista da velha mídia nacional. Entre eles, Celso Lafer, o ministro das Relações Exteriores de FHC que acatou a ordem de tirar os sapatos no aeroporto de Washi ngton, em 2002, para entrar nos EUA. Agora, Lafer acusa Lula de ter montado um palanque eleitoral no Itamaraty e encabeça a turma de ressentidos com a nova imagem do órgão, incomodado com a natural comparação entre tempos tão próximos. A ele se juntaram os diplomatas Sérgio Amaral, ex-porta-voz de FHC, e Rubens Barbosa, embaixador nos Estados Unidos à época em que Lafer se entregou à cerimônia do lava-pés da alfândega americana.
Também perfilado com eles está Luiz Felipe Lampreia, que odiava, com razão, ser chamado de “Lampréia”, nome de uma enguia sugadora com boca de ventosa. Isso significa que o ex-chanceler de Fernando Henrique deve estar também irritado com a reforma ortográfica, já que “lampréia” virou “lampreia” mesmo. Além de secar a gestão de Amorim, Lampreia se apresenta como “um dos 100 melhores palestrantes do Brasil” no site “palestrantes.org”. Justiça seja feita, trata-se de uma lista plural e, aparentemente, preparada a partir de parâmetros profissionais estabelecidos pelo site.
Interessante, contudo, é descobrir que Lampreia se apresenta, entre outros títulos, como membro dos conselhos consultivos de multinacionais e firmas de interesse ostensivamente americanos como Coca-Cola, Unilever, Council on Foreign Relations de Nova York, Inter-American Dialogue de Washington, e Kissinger MC Larty Associates, escritório de consultoria política montado pelo ex-secretário de Estado Henry Kissinger, primeiro chefe da comissão de investigação sobre os atentados de 11 de setembro de 2001, nomeado por George W. Bush. O outro sócio, Mack MacLarty, foi chefe-de-gabinete de Bill Clinton, na Casa Branca. A banca de Kissinger e MacLarty é filiada ao Council of the Americas, uma agremiação de defesa da livre iniciativa intimamente ligada ao movimento neoliberal e neoconservador que tanto sucesso ainda faz entre tucanos e os liberais do DEM.
Fica fácil, portanto, de entender a birra de Lampreia com a política sul-sul, independente dos EUA, encabeçada por Celso Amorim. Da mesma maneira que ficou fácil entender por que, com Amorim, passamos a nos apresentar ao mundo de cabeça erguida, apesar de manchetes em contrário.
A adequação do Bolsa Família ao discurso da oposição e o refortalecimento do Estado.
O PSDB apelidou o Bolsa Família de “bolsa esmola” por duas razões. A primeira, por vingança, porque “bolsa esmola” era justamente o apelido dado pelo PT ao programa “Bolsa Escola”, do governo Fernando Henrique Cardoso, que dava 15 reais por filho matriculado na escola, no limite de três por família. Atingiu, entre 2001 e 2003, cerca de cinco milhões de famílias. Era, de fato, uma merreca. A partir de 2003, o Bolsa Escola foi incorporado ao Bolsa Família, assim como outros programa assistenciais da confusa burocracia tucano-pefelista. Desde então, virou um programa de transferência de renda centralizado no Ministério do Desenvolvimento Social, condicionado à freqüência escolar e ao cuidado com a vacinação de crianças e adolescentes. Os pagamentos variam de 22 reais a 200 reais e beneficiam perto de 13 milhões de família, ou um quarto de todas as famílias brasileiras. Daí, a segunda razão do apelido: despeito.
O potencial eleitoral do Bolsa Família está intrinsecamente ligado ao poder de transferência do prestígio e da popularidade de Lula à candidata do PT, Dilma Rousseff. A oposição percebeu isso muito cedo, mas nada pôde fazer. Simplesmente, não combina com a doutrina neoliberal a intervenção do Estado de forma tão ostensiva no combate à pobreza e à miséria. Além disso, o movimento tectônico de classes sociais provocado pelas intervenções estatais na economia incomoda em demasia o establishment, trazendo para a classe média uma população até então tratada como escória pela mesmíssima classe média. Sem falar nessa história de pobre andar de avião e comprar geladeira.
De uma hora para outra, as críticas ao Bolsa Família sumiram. O emblema dessa nova postura da oposição foi a reação nervosa do candidato tucano José Serra à pergunta, feita por um repórter da TV Brasil, sobre o futuro do Bolsa Família em um eventual governo do PSDB.
Desconfortável, Serra não consegue responder a essa pergunta de forma direta e convincente. Jamais vai conseguir. Confrontado, apela para o despiste, assume um comportamento rude com os repórteres e passa a responder fazendo perguntas, um expediente tão primário quanto constrangedor. Infelizmente, às vezes dá resultado: a presidente da Empresa Brasileira de Comunicação, Teresa Cruvinel, pediu desculpas (!) a Serra pela pergunta e prometeu um manual para cobertura das eleições. Eu pergunto, então, duas coisas:
1) Será vedado aos repórteres da EBC (TV Brasil, Agência Brasil e Rádio Nacional) perguntar ao candidatos sobre o Bolsa Família? Sob que argumento?
2) O que fazer com o Manual de Jornalismo da Radiobrás (atual EBC) lançado, em 12 de julho de 2006, pelo então presidente da empresa, Eugênio Bucci? Trata-se de um livro de 245 páginas construído em dois anos de trabalho com a participação de dezenas de grupos temáticos compostos por todos os funcionários da estatal. Esse manual perdeu a validade? E o protocolo de conduta da Radiobrás para eleições que ficava disponível na página da empresa na internet? Onde está?
E eu, ingênuo, pensei que José Serra é que devia desculpas ao repórter da EBC.
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Três eventos distintos, separados em períodos esparsos, definiram nos últimos meses o arrazoado doutrinário e os modos da nova direita brasileira, remodelada em forma e conteúdo, mas não nas intenções, como era de se esperar. Aterrissaram em sua pista dourada intelectuais do calibre de Fernando Gabeira, Ferreira Gullar, Nelson Motta e Arnaldo Jabor, grupo ao qual se agregou, para estupefação do humor, o humorista Marcelo Madureira, do abismal Casseta & Planeta.
Essa nova direita, cheia de cristãos novos e comunistas arrependidos tem no DNA um instinto de sobrevivência mais pragmático, gestado nos verdadeiros interesses em jogo, não mais na espuma do gosto popular. Não por outra razão, se ancora menos na ação parlamentar e mais na mídia, onde mantém brigadas de colunistas, e onde também atua, nas redações, de cima para baixo, de modo a estabelecer um padrão único de abordagem sobre os temas que lhe dizem respeito: dinheiro, liberdade irrestrita de negócios, dominação de classe, individualismo, acúmulo de riqueza e concentração fundiária.
Os três eventos aos quais me refiro causaram um razoável revertério na estratégia de comunicação social bolada por esse grupo neoconservador tupiniquim montado na rabeira da história dos neocons americanos. Senão, vejamos:
A surpreendente confissão de Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ).
“A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação. E, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo.”
Judith, autora da fala acima, primeira mulher a assumir a presidência da ANJ, é diretora-superintendente do Grupo Folha da Manhã, responsável pela publicação do diário “Folha de S.Paulo”. Disse o que disse porque, como chefe da entidade, tinha como certo de que não haveria outra interpretação, senão à dos editoriais dos jornais que representa, todos favoráveis ao papel da imprensa anunciado por ela.
Em suma, Judith Brito, embora não seja jornalista, representa bem um dos piores vícios da categoria, sobretudo no que diz respeito à cobertura política: falar exclusivamente para si e para os seus pares de ofício, prisioneira em um círculo de giz no qual repórteres escrevem para outros repórteres, certos de que uns irão repercutir os outros, escravos de uma fantasia jornalística alheia à realidade do mundo digital que está no cerne, por e xemplo, da decadência e no descrédito dos jornais impressos – não por acaso, fonte do poder e da autoridade de Judith Brito.
O acordo nuclear com o Irã, capitaneado por Luiz Inácio Lula da Silva e pelo primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.
O sucesso da diplomacia brasileira nesse episódio criou um paradigma de atuação profissional do Itamaraty até então considerado impossível. De forma pacífica e disciplinada, a operação que resultou no acordo foi conduzida com extrema leveza, a caminhar sobre os ovos de aves agourentas distintas que se odeiam desde as primeiras luzes. Incorporou à biografia de Lula essa aura dos que lutam pela paz, requisito fundamental para a seleção dos premiados do Prêmio Nobel da Paz. Mas, antes que isso aconteça, a mídia brasileira vai finalmente descobrir que o milionário Alfred Nobel inventou a dinamite.
O resultado concretamente político dessa ação no Oriente Médio, apesar da bem sucedida pressão da extrema-direita americana sobre Barack Obama a favor de sanções contra o Irã, foi a desconstrução do discurso conservador da diplomacia brasileira, todo ele montado sobre as teses de alinhamento automático aos Estados Unidos, reação acrítica de atos de barbárie cometidos por Estados ocidentais e a submissão pura e simples às regras financeiras ditadas pelas nações ricas.
Nesse aspecto, a história do chanceler Celso Amorim será extremamente mais relevante do que a de seus antecessores, torcedores vibrantes pelo fracasso do ministro com ampla visibilidade nas matérias e programas de entrevista da velha mídia nacional. Entre eles, Celso Lafer, o ministro das Relações Exteriores de FHC que acatou a ordem de tirar os sapatos no aeroporto de Washi ngton, em 2002, para entrar nos EUA. Agora, Lafer acusa Lula de ter montado um palanque eleitoral no Itamaraty e encabeça a turma de ressentidos com a nova imagem do órgão, incomodado com a natural comparação entre tempos tão próximos. A ele se juntaram os diplomatas Sérgio Amaral, ex-porta-voz de FHC, e Rubens Barbosa, embaixador nos Estados Unidos à época em que Lafer se entregou à cerimônia do lava-pés da alfândega americana.
Também perfilado com eles está Luiz Felipe Lampreia, que odiava, com razão, ser chamado de “Lampréia”, nome de uma enguia sugadora com boca de ventosa. Isso significa que o ex-chanceler de Fernando Henrique deve estar também irritado com a reforma ortográfica, já que “lampréia” virou “lampreia” mesmo. Além de secar a gestão de Amorim, Lampreia se apresenta como “um dos 100 melhores palestrantes do Brasil” no site “palestrantes.org”. Justiça seja feita, trata-se de uma lista plural e, aparentemente, preparada a partir de parâmetros profissionais estabelecidos pelo site.
Interessante, contudo, é descobrir que Lampreia se apresenta, entre outros títulos, como membro dos conselhos consultivos de multinacionais e firmas de interesse ostensivamente americanos como Coca-Cola, Unilever, Council on Foreign Relations de Nova York, Inter-American Dialogue de Washington, e Kissinger MC Larty Associates, escritório de consultoria política montado pelo ex-secretário de Estado Henry Kissinger, primeiro chefe da comissão de investigação sobre os atentados de 11 de setembro de 2001, nomeado por George W. Bush. O outro sócio, Mack MacLarty, foi chefe-de-gabinete de Bill Clinton, na Casa Branca. A banca de Kissinger e MacLarty é filiada ao Council of the Americas, uma agremiação de defesa da livre iniciativa intimamente ligada ao movimento neoliberal e neoconservador que tanto sucesso ainda faz entre tucanos e os liberais do DEM.
Fica fácil, portanto, de entender a birra de Lampreia com a política sul-sul, independente dos EUA, encabeçada por Celso Amorim. Da mesma maneira que ficou fácil entender por que, com Amorim, passamos a nos apresentar ao mundo de cabeça erguida, apesar de manchetes em contrário.
A adequação do Bolsa Família ao discurso da oposição e o refortalecimento do Estado.
O PSDB apelidou o Bolsa Família de “bolsa esmola” por duas razões. A primeira, por vingança, porque “bolsa esmola” era justamente o apelido dado pelo PT ao programa “Bolsa Escola”, do governo Fernando Henrique Cardoso, que dava 15 reais por filho matriculado na escola, no limite de três por família. Atingiu, entre 2001 e 2003, cerca de cinco milhões de famílias. Era, de fato, uma merreca. A partir de 2003, o Bolsa Escola foi incorporado ao Bolsa Família, assim como outros programa assistenciais da confusa burocracia tucano-pefelista. Desde então, virou um programa de transferência de renda centralizado no Ministério do Desenvolvimento Social, condicionado à freqüência escolar e ao cuidado com a vacinação de crianças e adolescentes. Os pagamentos variam de 22 reais a 200 reais e beneficiam perto de 13 milhões de família, ou um quarto de todas as famílias brasileiras. Daí, a segunda razão do apelido: despeito.
O potencial eleitoral do Bolsa Família está intrinsecamente ligado ao poder de transferência do prestígio e da popularidade de Lula à candidata do PT, Dilma Rousseff. A oposição percebeu isso muito cedo, mas nada pôde fazer. Simplesmente, não combina com a doutrina neoliberal a intervenção do Estado de forma tão ostensiva no combate à pobreza e à miséria. Além disso, o movimento tectônico de classes sociais provocado pelas intervenções estatais na economia incomoda em demasia o establishment, trazendo para a classe média uma população até então tratada como escória pela mesmíssima classe média. Sem falar nessa história de pobre andar de avião e comprar geladeira.
De uma hora para outra, as críticas ao Bolsa Família sumiram. O emblema dessa nova postura da oposição foi a reação nervosa do candidato tucano José Serra à pergunta, feita por um repórter da TV Brasil, sobre o futuro do Bolsa Família em um eventual governo do PSDB.
Desconfortável, Serra não consegue responder a essa pergunta de forma direta e convincente. Jamais vai conseguir. Confrontado, apela para o despiste, assume um comportamento rude com os repórteres e passa a responder fazendo perguntas, um expediente tão primário quanto constrangedor. Infelizmente, às vezes dá resultado: a presidente da Empresa Brasileira de Comunicação, Teresa Cruvinel, pediu desculpas (!) a Serra pela pergunta e prometeu um manual para cobertura das eleições. Eu pergunto, então, duas coisas:
1) Será vedado aos repórteres da EBC (TV Brasil, Agência Brasil e Rádio Nacional) perguntar ao candidatos sobre o Bolsa Família? Sob que argumento?
2) O que fazer com o Manual de Jornalismo da Radiobrás (atual EBC) lançado, em 12 de julho de 2006, pelo então presidente da empresa, Eugênio Bucci? Trata-se de um livro de 245 páginas construído em dois anos de trabalho com a participação de dezenas de grupos temáticos compostos por todos os funcionários da estatal. Esse manual perdeu a validade? E o protocolo de conduta da Radiobrás para eleições que ficava disponível na página da empresa na internet? Onde está?
E eu, ingênuo, pensei que José Serra é que devia desculpas ao repórter da EBC.
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sábado, 29 de maio de 2010
A Conclat e os desafios do sindicalismo (3)
O enfrentamento destes graves problemas estruturais dependerá, sobremaneira, do resultado da batalha eleitoral de outubro próximo. A poder político tem centralidade na definição do futuro dos trabalhadores; não dá para fugir desta verdade. Mantendo sua autonomia e independência, o movimento sindical será chamado a jogar um papel militante e ativo nesta contenda. Suas bases cobrarão posicionamentos sobre os projetos em disputa.
Avançar nas mudanças ou retroceder – eis o dilema. Com sabedoria e determinação, o sindicalismo poderá aproveitar esta disputa para acumular forças, para reforçar seu time de defensores, para ocupar novos espaços políticos e para se robustecer ainda mais. A omissão nesta batalha decisiva seria um grave erro e cobraria alto preço num futuro bem próximo. Muitos interesses estarão em jogo nas eleições, principalmente na presidencial, mas também para governos estaduais, senadores e deputados.
A orquestração das forças de direita
Os EUA, como já alertou o jornal Guardian, acompanharão atentamente o pleito. O império sabe do peso do Brasil na geopolítica mundial, do perigo que representa a integração soberana da América Latina, da importância do pré-sal na crise energética ou da riqueza da biodiversidade da Amazônia. Já as forças de direita do Brasil encaram o pleito como uma batalha de vida ou morte. Elas estão furiosas com a política de valorização do salário mínimo, exigem novas regressões na Previdência e nos direitos trabalhistas, criticam o fictício “Custo Brasil”, rotulam os programas sociais de “gastança pública”, não toleram as conferências democráticas, exigem maior rigor na criminalização dos movimentos sociais, defendem o retorno ao “alinhamento automático” com os EUA.
Numa operação orquestrada que relembra a funesta “Marcha com Deus, pela família e a liberdade”, que deflagrou o golpe de 1964, elas atacam o Plano Nacional de Direitos Humanos e esbravejam na CPMI contra o MST. Por último, vale destacar o papel que a mídia jogará nesta eleição. Controlada por nove famílias oligárquicas, ela fará de tudo para manipular informações e deformar comportamentos. Inimiga declarada do sindicalismo, a quem tenta asfixiar financeiramente e estigmatizar diante da sociedade, a mídia é o principal “partido da direita” na atualidade. Urge denunciar suas tramóias e fortalecer os veículos próprios dos trabalhadores.
Dilemas do sindicalismo brasileiro
O sindicalismo brasileiro enfrentará esta nova conjuntura em melhores condições do que no passado. Durante os anos de hegemonia neoliberal, os sindicatos ficaram na defensiva devido à explosão do desemprego e à brutal regressão do trabalho, que fragmentou a classe trabalhadora e dificultou suas lutas. Hoje, o cenário é mais favorável. As conquistas recentes na economia e na política não foram dádivas. O sindicalismo foi protagonista destes avanços.
Ele sempre defendeu o fortalecimento do mercado interno, o reforço ao papel do estado, a valorização do trabalho, a prioridade aos programas sociais e a soberania nacional. Nas 65 conferências promovidas pelo governo, que reuniram 4,5 milhões de pessoas em debates democráticos sobre os rumos do país, o movimento sindical sempre propôs um novo projeto nacional de desenvolvimento. Ele nunca aceitou a postura ortodoxa que impera no Banco Central, com o seu tripé neoliberal de política monetária restritiva (juros elevados), política fiscal contracionista (superávit primário) e política cambial entreguista.
Sem abdicar da sua autonomia e independência, o sindicalismo participará das batalhas políticas deste ano opondo-se a qualquer tentativa de retrocesso e exigindo ainda maiores avanços nas mudanças. Sua plataforma exigirá a valorização do trabalho e o combate aos graves problemas estruturais do país, com reformas progressistas contra as injustiças.
Retomada da ofensiva sindical
O atual quadro econômico também permite uma retomada da ofensiva do sindicalismo. Ele é mais favorável às lutas dos trabalhadores. Se em plena crise internacional, 93% das categorias conquistaram reajustes iguais ou superiores à inflação, num cenário de crescimento econômico é possível exigir muito mais dos empresários. Eles estão auferindo lucros recordes na sua história, não têm do que choramingar. Este é o momento ideal para exigir melhor distribuição dos lucros decorrentes do elevado aumento da produtividade e do comércio de mercadorias.
Esta é a melhor hora para enterrar os entulhos da regressão trabalhista imposta pelo neoliberalismo, em especial as medidas de precarização da jornada (banco de horas), da contratação (terceirização e outras formas de contratos e precários) e remuneração (salários variáveis). Na contramão da ofensiva mundial contra os direitos do trabalho, o Brasil reúne as melhores condições para conquistar a redução da jornada para 40 horas semanais – o que seria uma vitória história do sindicalismo brasileiro, uma autêntica “reforma revolucionária”. No rastro da recente aprovação da Convenção 151 da OIT, que garante o direito à organização sindical e à negociação coletiva dos servidores públicos, é possível também retomar a campanha pela ratificação da Convenção 158, que estancaria as demissões imotivadas e representaria um enorme impulso à ação sindical.
Enfrentar os gargalos do sindicalismo
Para transformar o atual momento numa “janela de oportunidades”, o sindicalismo precisará enfrentar os seus próprios gargalos. Não há como avançar nas conquistas de forma isolada, por categorias. A unidade da classe é fundamental. Daí a importância histórica da convocação, para início de junho, da Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat). Este evento pode unificar o sindicalismo em torno de uma plataforma progressista para a sucessão presidencial, exigindo que os candidatos se comprometam com as bandeiras trabalhistas – em especial, com a imediata redução da jornada de trabalho, restrição às terceirizações, direito à organização sindical no local de trabalho, entre outras reivindicações.
Numa correlação de forças mais favorável, também é possível investir mais na intensificação das lutas da classe, no enraizamento nos locais de trabalho, na renovação das lideranças, no aperfeiçoamento dos instrumentos sindicais de formação e informação e na politização dos trabalhadores. Este é o momento ideal para avançar. É o momento ideal para o sindicalismo ocupar o seu papel protagonista na luta pelos objetivos imediatos e futuros da classe, mantendo como perspectiva a luta pela superação do capitalismo e pela construção do socialismo.
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Avançar nas mudanças ou retroceder – eis o dilema. Com sabedoria e determinação, o sindicalismo poderá aproveitar esta disputa para acumular forças, para reforçar seu time de defensores, para ocupar novos espaços políticos e para se robustecer ainda mais. A omissão nesta batalha decisiva seria um grave erro e cobraria alto preço num futuro bem próximo. Muitos interesses estarão em jogo nas eleições, principalmente na presidencial, mas também para governos estaduais, senadores e deputados.
A orquestração das forças de direita
Os EUA, como já alertou o jornal Guardian, acompanharão atentamente o pleito. O império sabe do peso do Brasil na geopolítica mundial, do perigo que representa a integração soberana da América Latina, da importância do pré-sal na crise energética ou da riqueza da biodiversidade da Amazônia. Já as forças de direita do Brasil encaram o pleito como uma batalha de vida ou morte. Elas estão furiosas com a política de valorização do salário mínimo, exigem novas regressões na Previdência e nos direitos trabalhistas, criticam o fictício “Custo Brasil”, rotulam os programas sociais de “gastança pública”, não toleram as conferências democráticas, exigem maior rigor na criminalização dos movimentos sociais, defendem o retorno ao “alinhamento automático” com os EUA.
Numa operação orquestrada que relembra a funesta “Marcha com Deus, pela família e a liberdade”, que deflagrou o golpe de 1964, elas atacam o Plano Nacional de Direitos Humanos e esbravejam na CPMI contra o MST. Por último, vale destacar o papel que a mídia jogará nesta eleição. Controlada por nove famílias oligárquicas, ela fará de tudo para manipular informações e deformar comportamentos. Inimiga declarada do sindicalismo, a quem tenta asfixiar financeiramente e estigmatizar diante da sociedade, a mídia é o principal “partido da direita” na atualidade. Urge denunciar suas tramóias e fortalecer os veículos próprios dos trabalhadores.
Dilemas do sindicalismo brasileiro
O sindicalismo brasileiro enfrentará esta nova conjuntura em melhores condições do que no passado. Durante os anos de hegemonia neoliberal, os sindicatos ficaram na defensiva devido à explosão do desemprego e à brutal regressão do trabalho, que fragmentou a classe trabalhadora e dificultou suas lutas. Hoje, o cenário é mais favorável. As conquistas recentes na economia e na política não foram dádivas. O sindicalismo foi protagonista destes avanços.
Ele sempre defendeu o fortalecimento do mercado interno, o reforço ao papel do estado, a valorização do trabalho, a prioridade aos programas sociais e a soberania nacional. Nas 65 conferências promovidas pelo governo, que reuniram 4,5 milhões de pessoas em debates democráticos sobre os rumos do país, o movimento sindical sempre propôs um novo projeto nacional de desenvolvimento. Ele nunca aceitou a postura ortodoxa que impera no Banco Central, com o seu tripé neoliberal de política monetária restritiva (juros elevados), política fiscal contracionista (superávit primário) e política cambial entreguista.
Sem abdicar da sua autonomia e independência, o sindicalismo participará das batalhas políticas deste ano opondo-se a qualquer tentativa de retrocesso e exigindo ainda maiores avanços nas mudanças. Sua plataforma exigirá a valorização do trabalho e o combate aos graves problemas estruturais do país, com reformas progressistas contra as injustiças.
Retomada da ofensiva sindical
O atual quadro econômico também permite uma retomada da ofensiva do sindicalismo. Ele é mais favorável às lutas dos trabalhadores. Se em plena crise internacional, 93% das categorias conquistaram reajustes iguais ou superiores à inflação, num cenário de crescimento econômico é possível exigir muito mais dos empresários. Eles estão auferindo lucros recordes na sua história, não têm do que choramingar. Este é o momento ideal para exigir melhor distribuição dos lucros decorrentes do elevado aumento da produtividade e do comércio de mercadorias.
Esta é a melhor hora para enterrar os entulhos da regressão trabalhista imposta pelo neoliberalismo, em especial as medidas de precarização da jornada (banco de horas), da contratação (terceirização e outras formas de contratos e precários) e remuneração (salários variáveis). Na contramão da ofensiva mundial contra os direitos do trabalho, o Brasil reúne as melhores condições para conquistar a redução da jornada para 40 horas semanais – o que seria uma vitória história do sindicalismo brasileiro, uma autêntica “reforma revolucionária”. No rastro da recente aprovação da Convenção 151 da OIT, que garante o direito à organização sindical e à negociação coletiva dos servidores públicos, é possível também retomar a campanha pela ratificação da Convenção 158, que estancaria as demissões imotivadas e representaria um enorme impulso à ação sindical.
Enfrentar os gargalos do sindicalismo
Para transformar o atual momento numa “janela de oportunidades”, o sindicalismo precisará enfrentar os seus próprios gargalos. Não há como avançar nas conquistas de forma isolada, por categorias. A unidade da classe é fundamental. Daí a importância histórica da convocação, para início de junho, da Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat). Este evento pode unificar o sindicalismo em torno de uma plataforma progressista para a sucessão presidencial, exigindo que os candidatos se comprometam com as bandeiras trabalhistas – em especial, com a imediata redução da jornada de trabalho, restrição às terceirizações, direito à organização sindical no local de trabalho, entre outras reivindicações.
Numa correlação de forças mais favorável, também é possível investir mais na intensificação das lutas da classe, no enraizamento nos locais de trabalho, na renovação das lideranças, no aperfeiçoamento dos instrumentos sindicais de formação e informação e na politização dos trabalhadores. Este é o momento ideal para avançar. É o momento ideal para o sindicalismo ocupar o seu papel protagonista na luta pelos objetivos imediatos e futuros da classe, mantendo como perspectiva a luta pela superação do capitalismo e pela construção do socialismo.
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Que tal uma Caravana JN neste ano?
Reproduzo artigo do professor Laurindo Lalo Leal Filho, publicado no sítio Carta Maior:
Neste ano não vamos ter a Caravana do Jornal Nacional? Alguém ainda se lembra da tal Caravana que rodou o Brasil antes das eleições de 2006? Foi um dos momentos altos do jornalismo-espetáculo comprometido com uma candidatura presidencial. Não por acaso, aquela que procurava evitar a reeleição de Lula.
O governo superava a tentativa de golpe orquestrada em meio ao primeiro mandato, mas sofria ainda algumas seqüelas. Todas muito bem aproveitadas pelo jornalismo global. E ai inventou-se a Caravana pilotada por um publicitário e por um animador de programas de auditório para mostrar o Brasil no Jornal Nacional. O curioso é que essas imagens poderiam ser muito mais facilmente captadas pelas afiliadas da emissora espalhadas por todo o pais. Mas ai haveria a possibilidade da informação sobreviver jogando o espetáculo por água abaixo.
E nem original ela era. Tratava-se da adaptação brasileira de uma cobertura eleitoral realizada nos Estados Unidos, nos anos 1950, pelo jornalista Peter Jennings, para a rede de televisão ABC. Aqui exagerou-se no show, com um conteúdo marcado pelo partidarismo. Exemplo disso foi dado no dia 7 de setembro de 2006, quando a Caravana passou pela “pior estrada do Brasil’: a BR-116, entre o Maranhão e o Pará. A reportagem, com 1 minuto e 16 segundos, exibiu crateras e sugeriu que os candidatos passassem por lá”. No dia seguinte, o JN repetiu parte da matéria com frases do tipo “mostra a vergonha do Brasil, mostra onde foram parar nossos impostos, olhas as placas de sinalização, as faixas no asfalto. Olha o asfalto...”
No dia 9, o JN repercutia a reportagem com os candidatos. Geraldo Alckimin, como que obedecendo às chamadas do repórter, dizia ter estado lá e ter visto “o estado de abandono da estrada (com) graves riscos para os caminhoneiros (e) aumento do custo do frete”. Tabelinha perfeita, do tipo Pelé-Coutinho ou, para atualizar, Ganso-Neymar.
As informações são da pesquisadora Flora Neves e estão num livro publicado por ela, em 2008, chamado "Telejornalismo e Poder nas Eleições Presidenciais" (Summus Editorial). A cobertura dos pleitos de 2006 e 2008 realizada pelo JN é minuciosamente analisada e destrói, com provas, o discurso de equilíbrio tão propagandeado pela emissora. Vale a pena ser lido às vésperas de uma nova eleição.
Agora, em 2010, um novo livro aprofunda a análise sobre a Caravana do JN. Trata-se da publicação da tese de doutorado, defendida na PUC de São Paulo, por Carla Montuori Fagundes sob o titulo “Os contrapontos eleitorais e os cinco ‘brasis’ em campanha pela Caravana JN” (Porto de Ideias Editora).
São analisados 52 programas cujo conteúdo é minuciosamente confrontado com os dados apresentados no “Atlas da exclusão social no Brasil: classes sociais” organizado por Ricardo Amorim e Márcio Pochmann. Aí o espetáculo pseudo jornalístico vira espuma. Revela-se a nítida intenção de jogar nas costas do candidato da situação todas os problemas sociais das regiões mais pobres, sem dar a ele o crédito do sucesso onde as condições de vida melhoraram.
A região sul-sudeste seguia maravilhosa para a Caravana em contraste com a beira do inferno encarnada no norte-nordeste. Nada como o reforço de bons estereótipos para garantir a audiência. E mais, segundo a pesquisa, para não mostrar os avanços sociais que já eram visíveis em regiões menos favorecidas.
E agora? Por que não há uma nova Caravana? Simplesmente porque será difícil esconder esses avanços, fortalecidos a partir do segundo mandato do presidente Lula. Vamos ficar apenas no Nordeste, onde a Caravana destacava, em 2006, a miséria por todo o lado. É para lá que estão voltando centenas de brasileiros expulsos do país durante o auge da vigência do regime neoliberal. Eis um exemplo isolado, mas emblemático: as dezenas de dekasseguis brasileiros que migraram do sul maravilha para o Japão e agora voltam contratados pelo Estaleiro Atlântico Sul, instalado no distrito portuário industrial do Suape, em Pernambuco.
Seria difícil realizar uma nova Caravana JN sem mostrar fatos como esse. Então, em nome do partido do qual ela fazia parte, é melhor deixar para lá.
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Neste ano não vamos ter a Caravana do Jornal Nacional? Alguém ainda se lembra da tal Caravana que rodou o Brasil antes das eleições de 2006? Foi um dos momentos altos do jornalismo-espetáculo comprometido com uma candidatura presidencial. Não por acaso, aquela que procurava evitar a reeleição de Lula.
O governo superava a tentativa de golpe orquestrada em meio ao primeiro mandato, mas sofria ainda algumas seqüelas. Todas muito bem aproveitadas pelo jornalismo global. E ai inventou-se a Caravana pilotada por um publicitário e por um animador de programas de auditório para mostrar o Brasil no Jornal Nacional. O curioso é que essas imagens poderiam ser muito mais facilmente captadas pelas afiliadas da emissora espalhadas por todo o pais. Mas ai haveria a possibilidade da informação sobreviver jogando o espetáculo por água abaixo.
E nem original ela era. Tratava-se da adaptação brasileira de uma cobertura eleitoral realizada nos Estados Unidos, nos anos 1950, pelo jornalista Peter Jennings, para a rede de televisão ABC. Aqui exagerou-se no show, com um conteúdo marcado pelo partidarismo. Exemplo disso foi dado no dia 7 de setembro de 2006, quando a Caravana passou pela “pior estrada do Brasil’: a BR-116, entre o Maranhão e o Pará. A reportagem, com 1 minuto e 16 segundos, exibiu crateras e sugeriu que os candidatos passassem por lá”. No dia seguinte, o JN repetiu parte da matéria com frases do tipo “mostra a vergonha do Brasil, mostra onde foram parar nossos impostos, olhas as placas de sinalização, as faixas no asfalto. Olha o asfalto...”
No dia 9, o JN repercutia a reportagem com os candidatos. Geraldo Alckimin, como que obedecendo às chamadas do repórter, dizia ter estado lá e ter visto “o estado de abandono da estrada (com) graves riscos para os caminhoneiros (e) aumento do custo do frete”. Tabelinha perfeita, do tipo Pelé-Coutinho ou, para atualizar, Ganso-Neymar.
As informações são da pesquisadora Flora Neves e estão num livro publicado por ela, em 2008, chamado "Telejornalismo e Poder nas Eleições Presidenciais" (Summus Editorial). A cobertura dos pleitos de 2006 e 2008 realizada pelo JN é minuciosamente analisada e destrói, com provas, o discurso de equilíbrio tão propagandeado pela emissora. Vale a pena ser lido às vésperas de uma nova eleição.
Agora, em 2010, um novo livro aprofunda a análise sobre a Caravana do JN. Trata-se da publicação da tese de doutorado, defendida na PUC de São Paulo, por Carla Montuori Fagundes sob o titulo “Os contrapontos eleitorais e os cinco ‘brasis’ em campanha pela Caravana JN” (Porto de Ideias Editora).
São analisados 52 programas cujo conteúdo é minuciosamente confrontado com os dados apresentados no “Atlas da exclusão social no Brasil: classes sociais” organizado por Ricardo Amorim e Márcio Pochmann. Aí o espetáculo pseudo jornalístico vira espuma. Revela-se a nítida intenção de jogar nas costas do candidato da situação todas os problemas sociais das regiões mais pobres, sem dar a ele o crédito do sucesso onde as condições de vida melhoraram.
A região sul-sudeste seguia maravilhosa para a Caravana em contraste com a beira do inferno encarnada no norte-nordeste. Nada como o reforço de bons estereótipos para garantir a audiência. E mais, segundo a pesquisa, para não mostrar os avanços sociais que já eram visíveis em regiões menos favorecidas.
E agora? Por que não há uma nova Caravana? Simplesmente porque será difícil esconder esses avanços, fortalecidos a partir do segundo mandato do presidente Lula. Vamos ficar apenas no Nordeste, onde a Caravana destacava, em 2006, a miséria por todo o lado. É para lá que estão voltando centenas de brasileiros expulsos do país durante o auge da vigência do regime neoliberal. Eis um exemplo isolado, mas emblemático: as dezenas de dekasseguis brasileiros que migraram do sul maravilha para o Japão e agora voltam contratados pelo Estaleiro Atlântico Sul, instalado no distrito portuário industrial do Suape, em Pernambuco.
Seria difícil realizar uma nova Caravana JN sem mostrar fatos como esse. Então, em nome do partido do qual ela fazia parte, é melhor deixar para lá.
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O Estadão e o pelourinho aos sindicatos
Reproduzo artigo de André Cintra, publicado no sítio Vermelho:
Há vários aspectos emblemáticos nas chibatas que o jornal O Estado de S.Paulo lançou, neste domingo (23), sobre as costas do movimento sindical. Nada sobressai mais do que a hipocrisia. Em poucas palavras, o Estadão quer tratamento privilegiado e exclusivo nas relações com os Três Poderes: tudo para a grande mídia, tudo de ruim para o sindicalismo.
O centenário jornal da família Mesquita cobra alforria total para a imprensa burguesa — nada de regulamentação, diploma para seus jornalistas, Lei da Imprensa, direito de resposta, cotas temáticas, concorrência leal com mídias públicas e independentes, etc. Em compensação, o Estadão, do alto de seus 135 anos, comporta-se como um autêntico “Velho do Restelo”, atribuindo crimes e imoralidades a tudo que envolva as entidades sindicais e suas lideranças.
A fanfarronice tem razão de ser. Pela primeira vez na história do Brasil, a imensa maioria do movimento sindical entende a singularidade das eleições presidenciais. Os principais presidenciáveis de 2010 — José Serra e Dilma Rousseff — encarnam projetos antagônicos, e a relação de cada um deles com o movimento sindical explicita tamanha discrepância.
Serra não se permite dialogar com trabalhadores, persegue lideranças sindicais, joga a força policial contra manifestantes e asfixia entidades com multas extorsivas. Dilma é o símbolo de um governo que legalizou as centrais e lhes cedeu parte legítima do imposto sindical, ampliou as políticas de transferência de renda desenvolveu uma política de valorização real do salário mínimo, promoveu centenas de audiências, multiplicou as conferências públicas.
O movimento sindical não tem dúvida de que lado está. Tampouco a mídia tem dúvidas de qual projeto ela mesma representa. O que a mídia faz é usar sua força para desacreditar e emparedar o sindicalismo. O movimento sindical quer apenas que se aplique a legislação. A mídia quer ficar à margem da lei.
É a própria mídia, aliás, quem proclama a “liberdade de imprensa” como um valor universal, absoluto — quase um “destino manifesto”. Mas quem criou o universo midiático brasileiro que mereceria tamanha liberdade? Quem conferiu à mídia o direito de estar acima de tudo? Ela mesma ou o conjunto da sociedade? O povo historicamente oprimido ou as elites encravadas há 500 anos no poder? Por que não democratizar as comunicações para aí, sim, se falar em liberdades — mas, antes de tudo, em igualdade?
Sindicatos, federações, confederações e centrais representam um universo de mais de 50 milhões de trabalhadores formais. São funcionários públicos, pessoas assalariadas ou pequenos e médios produtores, no caso de parte dos trabalhadores rurais. Por que a mídia quer fazer crer que ela tem mais legitimidade do que o movimento sindical para falar dessas categorias organizadas? Em nome de quem se pronuncia a velha mídia nacional?
As seis famílias que dominam as comunicações no Brasil não foram eleitas com um voto sequer e, ainda assim, regem-se por uma licenciosidade descomunal, impune. A depender desses barões, isso só pode valer para a mídia grande — que quer impor controle irrestrito à atuação de entidades dos movimentos sindical, estudantil, camponês e comunitário.
Grandes jornais, revistas e emissoras de TV estrebuchem sobre os R$ 2 bilhões arrecadados anualmente via imposto sindical — mas não abram mão de um centavo sequer de verbas oficiais tão mais expressivas. Curiosamente, é a grande mídia — e não o movimento sindical — que não tem musculatura para sobreviver sem dinheiro público. Os sindicalistas deviam seguir a UNE e propor um desafio à canalhada midiática: que tanto as entidades quanto os tradicionais veículos de comunicação abram mão em definitivo da verba pública.
As perseguições ao movimento sindical não são de hoje, nem se trata de uma cruzada restrita às páginas do Estadão. Na semana passada mesmo, Época levou à sua capa uma matéria supostamente investigativa sobre a participação de sindicalistas em órgãos e instâncias do governo federal. Não há uma única denúncia de irregularidade. O que a revista oferece a seus leitores são pílulas de preconceito sobre o que chama de “República Sindicalista”.
“Essa visão conservadora quer considerar reserva de mercado das elites o exercício de altas funções públicas. O melhor exemplo para demolir essa tese furada é o Lula, ele próprio um sindicalista, celebrado no mundo todo ao ocupar o mais alto cargo da República”, rebateu em seu blog Nivaldo Santana, vice-presidente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadores do Brasil).
A matéria do Estadão se pendura numa esquadrilha igualmente preconceituosa. Critica Lula por ter ampliado a distribuição do imposto sindical, mas nada de dizer que o imposto não é a única fonte de sustentação dos sindicatos — assim como o movimento estudantil não vive de carteirinhas meia-entrada. Irregularidades há, e o Estadão pega dois casos explícitos de oportunismo, ambos minoritários, residuais. Mas são também pretextos de calamidade pública, a crer nos textos do Estadão e no título falacioso de sua manchete principal numa edição de domingo— “Sindicato vira negócio lucrativo e País registra uma nova entidade por dia”.
A verdade é que o movimento sindical nunca esteve tão organizado e unido na história do Brasil, de modo a participar dos destinos da nação. As entidades sindicais influenciam como nunca nas decisões trabalhistas e sociais do governo federal, bem como serão protagonistas nas eleições de outubro.
A grande mídia, por sua vez, dita cada vez menos ordens. Infelizmente para o Estadão, não há matéria oportunista que reverta isso.
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Há vários aspectos emblemáticos nas chibatas que o jornal O Estado de S.Paulo lançou, neste domingo (23), sobre as costas do movimento sindical. Nada sobressai mais do que a hipocrisia. Em poucas palavras, o Estadão quer tratamento privilegiado e exclusivo nas relações com os Três Poderes: tudo para a grande mídia, tudo de ruim para o sindicalismo.
O centenário jornal da família Mesquita cobra alforria total para a imprensa burguesa — nada de regulamentação, diploma para seus jornalistas, Lei da Imprensa, direito de resposta, cotas temáticas, concorrência leal com mídias públicas e independentes, etc. Em compensação, o Estadão, do alto de seus 135 anos, comporta-se como um autêntico “Velho do Restelo”, atribuindo crimes e imoralidades a tudo que envolva as entidades sindicais e suas lideranças.
A fanfarronice tem razão de ser. Pela primeira vez na história do Brasil, a imensa maioria do movimento sindical entende a singularidade das eleições presidenciais. Os principais presidenciáveis de 2010 — José Serra e Dilma Rousseff — encarnam projetos antagônicos, e a relação de cada um deles com o movimento sindical explicita tamanha discrepância.
Serra não se permite dialogar com trabalhadores, persegue lideranças sindicais, joga a força policial contra manifestantes e asfixia entidades com multas extorsivas. Dilma é o símbolo de um governo que legalizou as centrais e lhes cedeu parte legítima do imposto sindical, ampliou as políticas de transferência de renda desenvolveu uma política de valorização real do salário mínimo, promoveu centenas de audiências, multiplicou as conferências públicas.
O movimento sindical não tem dúvida de que lado está. Tampouco a mídia tem dúvidas de qual projeto ela mesma representa. O que a mídia faz é usar sua força para desacreditar e emparedar o sindicalismo. O movimento sindical quer apenas que se aplique a legislação. A mídia quer ficar à margem da lei.
É a própria mídia, aliás, quem proclama a “liberdade de imprensa” como um valor universal, absoluto — quase um “destino manifesto”. Mas quem criou o universo midiático brasileiro que mereceria tamanha liberdade? Quem conferiu à mídia o direito de estar acima de tudo? Ela mesma ou o conjunto da sociedade? O povo historicamente oprimido ou as elites encravadas há 500 anos no poder? Por que não democratizar as comunicações para aí, sim, se falar em liberdades — mas, antes de tudo, em igualdade?
Sindicatos, federações, confederações e centrais representam um universo de mais de 50 milhões de trabalhadores formais. São funcionários públicos, pessoas assalariadas ou pequenos e médios produtores, no caso de parte dos trabalhadores rurais. Por que a mídia quer fazer crer que ela tem mais legitimidade do que o movimento sindical para falar dessas categorias organizadas? Em nome de quem se pronuncia a velha mídia nacional?
As seis famílias que dominam as comunicações no Brasil não foram eleitas com um voto sequer e, ainda assim, regem-se por uma licenciosidade descomunal, impune. A depender desses barões, isso só pode valer para a mídia grande — que quer impor controle irrestrito à atuação de entidades dos movimentos sindical, estudantil, camponês e comunitário.
Grandes jornais, revistas e emissoras de TV estrebuchem sobre os R$ 2 bilhões arrecadados anualmente via imposto sindical — mas não abram mão de um centavo sequer de verbas oficiais tão mais expressivas. Curiosamente, é a grande mídia — e não o movimento sindical — que não tem musculatura para sobreviver sem dinheiro público. Os sindicalistas deviam seguir a UNE e propor um desafio à canalhada midiática: que tanto as entidades quanto os tradicionais veículos de comunicação abram mão em definitivo da verba pública.
As perseguições ao movimento sindical não são de hoje, nem se trata de uma cruzada restrita às páginas do Estadão. Na semana passada mesmo, Época levou à sua capa uma matéria supostamente investigativa sobre a participação de sindicalistas em órgãos e instâncias do governo federal. Não há uma única denúncia de irregularidade. O que a revista oferece a seus leitores são pílulas de preconceito sobre o que chama de “República Sindicalista”.
“Essa visão conservadora quer considerar reserva de mercado das elites o exercício de altas funções públicas. O melhor exemplo para demolir essa tese furada é o Lula, ele próprio um sindicalista, celebrado no mundo todo ao ocupar o mais alto cargo da República”, rebateu em seu blog Nivaldo Santana, vice-presidente da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadores do Brasil).
A matéria do Estadão se pendura numa esquadrilha igualmente preconceituosa. Critica Lula por ter ampliado a distribuição do imposto sindical, mas nada de dizer que o imposto não é a única fonte de sustentação dos sindicatos — assim como o movimento estudantil não vive de carteirinhas meia-entrada. Irregularidades há, e o Estadão pega dois casos explícitos de oportunismo, ambos minoritários, residuais. Mas são também pretextos de calamidade pública, a crer nos textos do Estadão e no título falacioso de sua manchete principal numa edição de domingo— “Sindicato vira negócio lucrativo e País registra uma nova entidade por dia”.
A verdade é que o movimento sindical nunca esteve tão organizado e unido na história do Brasil, de modo a participar dos destinos da nação. As entidades sindicais influenciam como nunca nas decisões trabalhistas e sociais do governo federal, bem como serão protagonistas nas eleições de outubro.
A grande mídia, por sua vez, dita cada vez menos ordens. Infelizmente para o Estadão, não há matéria oportunista que reverta isso.
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Ruralistas versus direitos humanos
Reproduzo artigo de Maria Inês Nassif, publicado no jornal Valor Econômico:
Existem inúmeras razões para colocar a erradicação do trabalho escravo como a prioridade número um do Século XXI - de ordem econômica, religiosa ou social. O difícil é imaginar alguma razão para defender a acumulação de riqueza por meio da exploração do trabalho de forma desumana e degradante. A despeito de todo horror que causa a existência de seres humanos que, em estado de miséria, são submetidos a condições de exploração extrema, a barreira ruralista que rapidamente se arma a qualquer vaga ameaça sobre a propriedade tenta se impor ao bom senso. O bom senso - único, inescapável - é que o trabalho escravo tem que ser eliminado da vida brasileira.
As atuações das secretarias de Direitos Humanos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não foram de ruptura. Sob a liderança de militantes históricos da área - José Gregori, no governo FHC, e Nilmário Miranda e Paulo Vannuchi, no governo Lula -, os governos tucano e petista mantiveram uma agenda que era comum à sociedade civil que, desde a ditadura, lutava por direitos políticos e de cidadania. Talvez por terem a mesma origem, dificilmente - com a triste exceção da desmedida reação conservadora ao 3º Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH-3), apoiada por tucanos por razões que fugiram aos seus compromissos históricos - encontram grandes resistências no terreno de disputa partidária entre as duas legendas que lideram o cenário da política institucional, o PT e o PSDB. A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, as tentativas de resgate da memória da repressão política no período militar (1964-1985), o combate ao trabalho infantil, as ações para universalizar o registro civil e vários outros programas dos que se desenvolvem hoje, na SEDH, começaram no período anterior.
O Programa de Erradicação do Trabalho Escravo é um deles. O Brasil tornou-se referência mundial de combate ao trabalho degradante em 1995, quando o governo de FHC reconheceu publicamente a existência do trabalho escravo no país. O Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf) foi criado naquela época e elevado a Comissão Nacional Para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), órgão colegiado vinculado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos, no governo Lula. É de 1995 a criação do Grupo de Fiscalização Móvel - que, de lá para cá, tem tornado relativamente comuns as ações, estampadas pelos jornais, de libertação de mão de obra em regime análogo ao trabalho escravo em fazendas pelo Brasil afora.
O 1ºEncontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que acontece desde terça-feira em Brasília, coloca o problema como política pública que envolve Executivo, Legislativo e Judiciário, por demanda de setores sociais engajados em apagar a escravidão da triste história brasileira. O encontro reúne ministros do governo, o ministro Carlos Ayres Brito, do Supremo Tribunal Federal, organizações sociais envolvidas no combate à escravidão, ministros do Tribunal Superior do Trabalho, juízes do Trabalho, representantes do Ministério Público, a relatora Especial das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de escravidão, Gulnara Shahinian etc. Se, de um lado, reúne consensos, de outro tem um enorme potencial do confronto.
A aprovação, o Congresso, da proposta de iniciativa popular da Ficha Limpa, a despeito de todas as previsões, recolocou a PEC nº438/2001 com mais força na agenda desses setores que querem transformar a luta pela erradicação do trabalho escravo em consenso. A emenda foi apresentada ainda no governo de FHC, foi votada pelo Senado em dois turnos e apenas conseguiu ser apreciada no primeiro turno pela Câmara em 2004, em meio à comoção do massacre de Unaí, quando fiscais do trabalho foram massacrados a mando de um fazendeiro. Espera a votação em segundo turno até hoje. A PEC autoriza a desapropriação, para fins de reforma agrária, das propriedades rurais que fizerem uso do trabalho escravo - a exemplo do que a Constituição de 1988 definiu para as propriedades rurais que fizerem plantio de drogas. Impede a votação a oposição da bancada ruralista, o setor mais conservador da sociedade brasileira e mais super-representado no Congresso Nacional. É enorme o poder de veto da bancada, no que se refere a qualquer assunto que envolva a propriedade rural.
O momento, segundo o ministro Paulo Vannuchi, pode ser propício: a efetividade da pressão popular que levou à votação do Ficha Limpa pode neutralizar o poder de veto da bancada ruralista. Foi entregue ao presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), um abaixo-assinado com 284 mil assinaturas em favor da votação da PEC do Trabalho Escravo. Houve empenho inclusive de empresa na coleta de assinaturas ao abaixo-assinado.
A PEC não será definitiva na erradicação do trabalho escravo, mas sua aprovação poderá ser um importante instrumento de desestímulo a essa prática. Segundo Leonardo Sakamoto, jornalista e coordenador da organização Repórter Brasil, que também coordena o movimento, tem grande efetividade na luta pela erradicação do trabalho escravo o pacto empresarial firmado em torno da Lista Suja divulgada pelo Ministério do Trabalho, com o nome de empresas e pessoas físicas que tenham feito uso do trabalho escravo. Os integrantes dessa lista são excluídos do rol de fornecedores das duas centenas de empresas e os bancos oficiais têm suspendido crédito a eles. Segundo José Guerra, do Movimento Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, essas 200 empresas que punem comercialmente as empresas rurais que fazem uso da escravidão representam uma boa parcela do PIB nacional.
A questão, todavia, é evitar que o tema seja tragado pelos setores mais atrasados, cuja resistência a uma rígida punição ao uso do trabalho escravo pode configurar até como uma confissão de culpa.
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Existem inúmeras razões para colocar a erradicação do trabalho escravo como a prioridade número um do Século XXI - de ordem econômica, religiosa ou social. O difícil é imaginar alguma razão para defender a acumulação de riqueza por meio da exploração do trabalho de forma desumana e degradante. A despeito de todo horror que causa a existência de seres humanos que, em estado de miséria, são submetidos a condições de exploração extrema, a barreira ruralista que rapidamente se arma a qualquer vaga ameaça sobre a propriedade tenta se impor ao bom senso. O bom senso - único, inescapável - é que o trabalho escravo tem que ser eliminado da vida brasileira.
As atuações das secretarias de Direitos Humanos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não foram de ruptura. Sob a liderança de militantes históricos da área - José Gregori, no governo FHC, e Nilmário Miranda e Paulo Vannuchi, no governo Lula -, os governos tucano e petista mantiveram uma agenda que era comum à sociedade civil que, desde a ditadura, lutava por direitos políticos e de cidadania. Talvez por terem a mesma origem, dificilmente - com a triste exceção da desmedida reação conservadora ao 3º Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH-3), apoiada por tucanos por razões que fugiram aos seus compromissos históricos - encontram grandes resistências no terreno de disputa partidária entre as duas legendas que lideram o cenário da política institucional, o PT e o PSDB. A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, as tentativas de resgate da memória da repressão política no período militar (1964-1985), o combate ao trabalho infantil, as ações para universalizar o registro civil e vários outros programas dos que se desenvolvem hoje, na SEDH, começaram no período anterior.
O Programa de Erradicação do Trabalho Escravo é um deles. O Brasil tornou-se referência mundial de combate ao trabalho degradante em 1995, quando o governo de FHC reconheceu publicamente a existência do trabalho escravo no país. O Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf) foi criado naquela época e elevado a Comissão Nacional Para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), órgão colegiado vinculado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos, no governo Lula. É de 1995 a criação do Grupo de Fiscalização Móvel - que, de lá para cá, tem tornado relativamente comuns as ações, estampadas pelos jornais, de libertação de mão de obra em regime análogo ao trabalho escravo em fazendas pelo Brasil afora.
O 1ºEncontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que acontece desde terça-feira em Brasília, coloca o problema como política pública que envolve Executivo, Legislativo e Judiciário, por demanda de setores sociais engajados em apagar a escravidão da triste história brasileira. O encontro reúne ministros do governo, o ministro Carlos Ayres Brito, do Supremo Tribunal Federal, organizações sociais envolvidas no combate à escravidão, ministros do Tribunal Superior do Trabalho, juízes do Trabalho, representantes do Ministério Público, a relatora Especial das Nações Unidas sobre formas contemporâneas de escravidão, Gulnara Shahinian etc. Se, de um lado, reúne consensos, de outro tem um enorme potencial do confronto.
A aprovação, o Congresso, da proposta de iniciativa popular da Ficha Limpa, a despeito de todas as previsões, recolocou a PEC nº438/2001 com mais força na agenda desses setores que querem transformar a luta pela erradicação do trabalho escravo em consenso. A emenda foi apresentada ainda no governo de FHC, foi votada pelo Senado em dois turnos e apenas conseguiu ser apreciada no primeiro turno pela Câmara em 2004, em meio à comoção do massacre de Unaí, quando fiscais do trabalho foram massacrados a mando de um fazendeiro. Espera a votação em segundo turno até hoje. A PEC autoriza a desapropriação, para fins de reforma agrária, das propriedades rurais que fizerem uso do trabalho escravo - a exemplo do que a Constituição de 1988 definiu para as propriedades rurais que fizerem plantio de drogas. Impede a votação a oposição da bancada ruralista, o setor mais conservador da sociedade brasileira e mais super-representado no Congresso Nacional. É enorme o poder de veto da bancada, no que se refere a qualquer assunto que envolva a propriedade rural.
O momento, segundo o ministro Paulo Vannuchi, pode ser propício: a efetividade da pressão popular que levou à votação do Ficha Limpa pode neutralizar o poder de veto da bancada ruralista. Foi entregue ao presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), um abaixo-assinado com 284 mil assinaturas em favor da votação da PEC do Trabalho Escravo. Houve empenho inclusive de empresa na coleta de assinaturas ao abaixo-assinado.
A PEC não será definitiva na erradicação do trabalho escravo, mas sua aprovação poderá ser um importante instrumento de desestímulo a essa prática. Segundo Leonardo Sakamoto, jornalista e coordenador da organização Repórter Brasil, que também coordena o movimento, tem grande efetividade na luta pela erradicação do trabalho escravo o pacto empresarial firmado em torno da Lista Suja divulgada pelo Ministério do Trabalho, com o nome de empresas e pessoas físicas que tenham feito uso do trabalho escravo. Os integrantes dessa lista são excluídos do rol de fornecedores das duas centenas de empresas e os bancos oficiais têm suspendido crédito a eles. Segundo José Guerra, do Movimento Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, essas 200 empresas que punem comercialmente as empresas rurais que fazem uso da escravidão representam uma boa parcela do PIB nacional.
A questão, todavia, é evitar que o tema seja tragado pelos setores mais atrasados, cuja resistência a uma rígida punição ao uso do trabalho escravo pode configurar até como uma confissão de culpa.
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Os interesses do império e a nossa mídia
Reproduzo artigo de Mino Carta, publicado na revista CartaCapital:
Ao ler os jornalões na manhã de segunda (17), dos editoriais aos textos ditos jornalísticos, sem omitir as colunas, sobretudo as de O Globo, me atrevi a perguntar aos meus perplexos botões se Lula não seria um agente, ocidental e duplo, a serviço do Irã. Limitaram-se a responder soturnamente com uma frase de Raymundo Faoro: “A elite brasileira é entreguista”.
Entendi a mensagem. A elite brasileira aceita com impávida resignação o papel reservado ao País há quase um século, de súdito do Império. Antes, foi de outros. Súdito por séculos, embora graúdo por causa de suas dimensões e infindas potencialidades, destacado dentro do quintal latino-americano. Mas subordinado, sempre e sempre, às vontades do mais forte.
Para citar eventos recentíssimos, me vem à mente a foto de Fernando Henrique Cardoso, postado dois degraus abaixo de Bill Clinton, que lhe apoia as mãos enormes sobre os ombros, em sinal de tolerante proteção e imponência inescapável. O americano sorri, condescendente. O brasileiro gargalha. O presidente que atrelou o Brasil ao mando neoliberal e o quebrou três vezes revela um misto de lisonja e encantamento servil. A alegria de ser notado. Admitido no clube dos senhores, por um escasso instante.
Não pretendo aqui celebrar o êxito da missão de Lula e Erdogan. Sei apenas que em país nenhum do mundo democrático um presidente disposto a buscar o caminho da paz não contaria, ao menos, com o respeito da mídia. Aqui não. Em perfeita sintonia, o jornalismo pátrio enxerga no presidente da República, um ex-metalúrgico que ousou demais, o surfista do exibicionismo, o devoto da autopromoção a beirar o ridículo. Falamos, porém, é do chefe do Estado e do governo do Brasil. Do nosso país. E a esperança da mídia é que se enrede em equívocos e desatinos.
Não há entidade, instituição, setor, capaz de representar de forma mais eficaz a elite brasileira do que a nossa mídia. Desta nata, creme do creme, ela é, de resto, o rosto explícito. E a elite brasileira fica a cada dia mais anacrônica, como a Igreja do papa Ratzinger. Recusa-se a entender que o tempo passa, ou melhor, galopa. Tudo muda, ainda que nem sempre a galope. No entanto, o partido da mídia nativa insiste nos vezos de antanho, e se arma, compacto, diante daquilo que considera risco comum. Agora, contra a continuidade de Lula por meio de Dilma.
Imaginemos o que teriam estampado os jornalões se na manhã da segunda 17, em lugar de Lula, o presidente FHC tivesse passado por Teerã? Ele, ou, se quiserem, uma neoudenista qualquer? Verifiquem os leitores as reações midiáticas à fala de Marta Suplicy a respeito de Fernando Gabeira, um dos sequestradores do embaixador dos Estados Unidos em 1969. Disse a ex-prefeita de São Paulo: por que só falam da “ex-guerrilheira” Dilma, e não dele, o sequestrador?
A pergunta é cabível, conquanto Gabeira tenha se bandeado para o outro lado enquanto Dilma está longe de se envergonhar do seu passado de resistência à ditadura, disposta a aderir a uma luta armada da qual, de fato, nunca participou ao vivo. Nada disso impede que a chamem de guerrilheira, quando não terrorista. Quanto a Gabeira, Marta não teria lhe atribuído o papel exato que de fato desempenhou, mas no sequestro esteve tão envolvido a ponto de alugar o apartamento onde o sequestrado ficaria aprisionado. E com os demais implicados foi desterrado pela ditadura.
Por que não catalogá-lo, como se faz com Dilma? Ocorre que o candidato ao governo do Rio de Janeiro perpetrou outra adesão. Ficou na oposição a Lula, primeiro alvo antes de sua candidata. Cabe outro pensamento: em qual país do mundo democrático a mídia se afinaria em torno de uma posição única ao atirar contra um único alvo? Só no Brasil, onde os profissionais do jornalismo chamam os patrões de colegas.
Até que ponto o fenômeno atual repete outros tantos do passado, ou, quem sabe, acrescenta uma pedra à construção do monumento? A verificar, no decorrer do período. Vale, contudo, anotar o comportamento dos jornalões em relação às pesquisas eleitorais. Os números do Vox Populi e da Sensus, a exibirem, na melhor das hipóteses para os neoudenistas, um empate técnico entre candidatos, somem das manchetes para ganhar algum modesto recanto das páginas internas.
Recôndito espaço. Ao mesmo tempo Lula, pela enésima vez, é condenado sem apelação ao praticar uma política exterior independente em relação aos interesses do Império. Recomenda-se cuidado: a apelação vitoriosa ameaça vir das urnas.
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Ao ler os jornalões na manhã de segunda (17), dos editoriais aos textos ditos jornalísticos, sem omitir as colunas, sobretudo as de O Globo, me atrevi a perguntar aos meus perplexos botões se Lula não seria um agente, ocidental e duplo, a serviço do Irã. Limitaram-se a responder soturnamente com uma frase de Raymundo Faoro: “A elite brasileira é entreguista”.
Entendi a mensagem. A elite brasileira aceita com impávida resignação o papel reservado ao País há quase um século, de súdito do Império. Antes, foi de outros. Súdito por séculos, embora graúdo por causa de suas dimensões e infindas potencialidades, destacado dentro do quintal latino-americano. Mas subordinado, sempre e sempre, às vontades do mais forte.
Para citar eventos recentíssimos, me vem à mente a foto de Fernando Henrique Cardoso, postado dois degraus abaixo de Bill Clinton, que lhe apoia as mãos enormes sobre os ombros, em sinal de tolerante proteção e imponência inescapável. O americano sorri, condescendente. O brasileiro gargalha. O presidente que atrelou o Brasil ao mando neoliberal e o quebrou três vezes revela um misto de lisonja e encantamento servil. A alegria de ser notado. Admitido no clube dos senhores, por um escasso instante.
Não pretendo aqui celebrar o êxito da missão de Lula e Erdogan. Sei apenas que em país nenhum do mundo democrático um presidente disposto a buscar o caminho da paz não contaria, ao menos, com o respeito da mídia. Aqui não. Em perfeita sintonia, o jornalismo pátrio enxerga no presidente da República, um ex-metalúrgico que ousou demais, o surfista do exibicionismo, o devoto da autopromoção a beirar o ridículo. Falamos, porém, é do chefe do Estado e do governo do Brasil. Do nosso país. E a esperança da mídia é que se enrede em equívocos e desatinos.
Não há entidade, instituição, setor, capaz de representar de forma mais eficaz a elite brasileira do que a nossa mídia. Desta nata, creme do creme, ela é, de resto, o rosto explícito. E a elite brasileira fica a cada dia mais anacrônica, como a Igreja do papa Ratzinger. Recusa-se a entender que o tempo passa, ou melhor, galopa. Tudo muda, ainda que nem sempre a galope. No entanto, o partido da mídia nativa insiste nos vezos de antanho, e se arma, compacto, diante daquilo que considera risco comum. Agora, contra a continuidade de Lula por meio de Dilma.
Imaginemos o que teriam estampado os jornalões se na manhã da segunda 17, em lugar de Lula, o presidente FHC tivesse passado por Teerã? Ele, ou, se quiserem, uma neoudenista qualquer? Verifiquem os leitores as reações midiáticas à fala de Marta Suplicy a respeito de Fernando Gabeira, um dos sequestradores do embaixador dos Estados Unidos em 1969. Disse a ex-prefeita de São Paulo: por que só falam da “ex-guerrilheira” Dilma, e não dele, o sequestrador?
A pergunta é cabível, conquanto Gabeira tenha se bandeado para o outro lado enquanto Dilma está longe de se envergonhar do seu passado de resistência à ditadura, disposta a aderir a uma luta armada da qual, de fato, nunca participou ao vivo. Nada disso impede que a chamem de guerrilheira, quando não terrorista. Quanto a Gabeira, Marta não teria lhe atribuído o papel exato que de fato desempenhou, mas no sequestro esteve tão envolvido a ponto de alugar o apartamento onde o sequestrado ficaria aprisionado. E com os demais implicados foi desterrado pela ditadura.
Por que não catalogá-lo, como se faz com Dilma? Ocorre que o candidato ao governo do Rio de Janeiro perpetrou outra adesão. Ficou na oposição a Lula, primeiro alvo antes de sua candidata. Cabe outro pensamento: em qual país do mundo democrático a mídia se afinaria em torno de uma posição única ao atirar contra um único alvo? Só no Brasil, onde os profissionais do jornalismo chamam os patrões de colegas.
Até que ponto o fenômeno atual repete outros tantos do passado, ou, quem sabe, acrescenta uma pedra à construção do monumento? A verificar, no decorrer do período. Vale, contudo, anotar o comportamento dos jornalões em relação às pesquisas eleitorais. Os números do Vox Populi e da Sensus, a exibirem, na melhor das hipóteses para os neoudenistas, um empate técnico entre candidatos, somem das manchetes para ganhar algum modesto recanto das páginas internas.
Recôndito espaço. Ao mesmo tempo Lula, pela enésima vez, é condenado sem apelação ao praticar uma política exterior independente em relação aos interesses do Império. Recomenda-se cuidado: a apelação vitoriosa ameaça vir das urnas.
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sexta-feira, 28 de maio de 2010
Filme e charges das lutas dos trabalhadores
Reproduzo importante e urgente release da Oboré:
Para celebrar a história de lutas da classe trabalhadora no mundo todo, a Matilha Cultural e a OBORÉ promovem até 29 de maio a mostra Obra Pública: uma intensa programação que procura contextualizar o movimento dos trabalhadores no final dos anos 1970, sobretudo em São Paulo.
A mostra reúne fotos de greves, passeatas, manifestações e comemorações do 1º de Maio de 1980 produzidas pelo repórter fotográfico Ricardo Alves, além de ilustrações do cartunista Laerte feitas para o movimento sindical e reprodução de cartazes históricos do movimento operário de vários países. A programação também inclui sessões do documentário “Utopia e Barbárie”, a mais recente produção do cineasta Silvio Tendler, que traz um panorama dos conflitos políticos mundiais da 2ª Guerra Mundial aos nossos dias.
A exposição marca o relançamento do catálogo Ilustração Sindical do Laerte (OBORÉ, 1986), em versão digital e que reúne cerca de mil ilustrações das mais significativas de sua produção voltada para a imprensa dos trabalhadores, entre 1972 e 1986, e que foram colocadas, desde aquela época, sob domínio público pelo artista e pela editora, antecipando, assim, em pelo menos uma década, o contrato de Creative Commons.
No encerramento (29 de maio, sábado), a mostra contará com a presença do cineasta Silvio Tendler para um bate-papo com o público na sessão das 16h.
Obra Pública retrata a luta sindical
Visitação: até 29 de maio de 2010, das 10 às 22h
Exibição do UTOPIA E BARBÁRIE.
Horários das sessões:
Sexta, 28 – 16 e 20h
Sábado, 29 – 16h* e 20h
*sessão seguida de debate com o diretor Silvio Tendler
Espaço Matilha Cultural - Rua Rego Freitas, 542, Vila Buarque, São Paulo. Informações: 55 11 3256.2535 e 3214.3766.
Resenha do filme
“Utopia e Barbárie” é o novo documentário em longa-metragem do cineasta Silvio Tendler. Silvio trabalhou durante dezenove anos na elaboração deste filme. Durante estes anos fez uma minuciosa pesquisa; entrevistou filósofos, teatrólogos, cineastas, escritores, jornalistas, militantes, historiadores e economistas e viajou o mundo para entender as questões que mobilizam esses dias tumultuados: a Utopia e a Barbárie.
O filme é um road movie histórico: para reconstruir o mundo a partir da II Guerra Mundial, passa pela Itália, EUA, Brasil, Vietnam, Cuba, Uruguai, Chile, entre outros países. Em cada um desses lugares, documenta os protagonistas da história. Tão importante quanto o tema é o olhar do autor. Este olhar foi se construindo a partir da elaboração do filme.
Por isso, buscou a reconstrução da história de maneira não partidarizada. Ouviu diferentes personagens com abordagens distintas. Juntos compõem um rico painel de nossa época.
O filme é narrado por Letícia Spiller, Chico Diaz e Amir Haddad e a trilha sonora foi especialmente composta pelo grupo Cabruêra, Caíque Botkay, BNegão e Marcelo Yuka.
“Utopia e barbárie” é uma revisão nos eventos políticos e econômicos que elevaram ao extremo, ao risco e até à desaparição dos sonhos de igualdade, de justiça e de harmonia. Sonhos que balizaram o século XX e inauguram o século XXI.
Nas telas, o documentarista Silvio Tendler trafega por alguns dos episódios mais polêmicos dos últimos séculos. O diretor passa em revista a Revolução de Outubro, o Holocausto, a queda do Muro de Berlim e a explosão do neoliberalismo mais canibal que a História já conheceu.
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Para celebrar a história de lutas da classe trabalhadora no mundo todo, a Matilha Cultural e a OBORÉ promovem até 29 de maio a mostra Obra Pública: uma intensa programação que procura contextualizar o movimento dos trabalhadores no final dos anos 1970, sobretudo em São Paulo.
A mostra reúne fotos de greves, passeatas, manifestações e comemorações do 1º de Maio de 1980 produzidas pelo repórter fotográfico Ricardo Alves, além de ilustrações do cartunista Laerte feitas para o movimento sindical e reprodução de cartazes históricos do movimento operário de vários países. A programação também inclui sessões do documentário “Utopia e Barbárie”, a mais recente produção do cineasta Silvio Tendler, que traz um panorama dos conflitos políticos mundiais da 2ª Guerra Mundial aos nossos dias.
A exposição marca o relançamento do catálogo Ilustração Sindical do Laerte (OBORÉ, 1986), em versão digital e que reúne cerca de mil ilustrações das mais significativas de sua produção voltada para a imprensa dos trabalhadores, entre 1972 e 1986, e que foram colocadas, desde aquela época, sob domínio público pelo artista e pela editora, antecipando, assim, em pelo menos uma década, o contrato de Creative Commons.
No encerramento (29 de maio, sábado), a mostra contará com a presença do cineasta Silvio Tendler para um bate-papo com o público na sessão das 16h.
Obra Pública retrata a luta sindical
Visitação: até 29 de maio de 2010, das 10 às 22h
Exibição do UTOPIA E BARBÁRIE.
Horários das sessões:
Sexta, 28 – 16 e 20h
Sábado, 29 – 16h* e 20h
*sessão seguida de debate com o diretor Silvio Tendler
Espaço Matilha Cultural - Rua Rego Freitas, 542, Vila Buarque, São Paulo. Informações: 55 11 3256.2535 e 3214.3766.
Resenha do filme
“Utopia e Barbárie” é o novo documentário em longa-metragem do cineasta Silvio Tendler. Silvio trabalhou durante dezenove anos na elaboração deste filme. Durante estes anos fez uma minuciosa pesquisa; entrevistou filósofos, teatrólogos, cineastas, escritores, jornalistas, militantes, historiadores e economistas e viajou o mundo para entender as questões que mobilizam esses dias tumultuados: a Utopia e a Barbárie.
O filme é um road movie histórico: para reconstruir o mundo a partir da II Guerra Mundial, passa pela Itália, EUA, Brasil, Vietnam, Cuba, Uruguai, Chile, entre outros países. Em cada um desses lugares, documenta os protagonistas da história. Tão importante quanto o tema é o olhar do autor. Este olhar foi se construindo a partir da elaboração do filme.
Por isso, buscou a reconstrução da história de maneira não partidarizada. Ouviu diferentes personagens com abordagens distintas. Juntos compõem um rico painel de nossa época.
O filme é narrado por Letícia Spiller, Chico Diaz e Amir Haddad e a trilha sonora foi especialmente composta pelo grupo Cabruêra, Caíque Botkay, BNegão e Marcelo Yuka.
“Utopia e barbárie” é uma revisão nos eventos políticos e econômicos que elevaram ao extremo, ao risco e até à desaparição dos sonhos de igualdade, de justiça e de harmonia. Sonhos que balizaram o século XX e inauguram o século XXI.
Nas telas, o documentarista Silvio Tendler trafega por alguns dos episódios mais polêmicos dos últimos séculos. O diretor passa em revista a Revolução de Outubro, o Holocausto, a queda do Muro de Berlim e a explosão do neoliberalismo mais canibal que a História já conheceu.
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O “corvo” Noblat e o risco de golpe
No lançamento do Centro de Estudos da Mídia Alternativa “Barão de Itararé”, em 14 de maio, o blogueiro Paulo Henrique Amorim advertiu para o risco de um “golpe” contra a eleição de Dilma Rousseff. Afirmou que, no desespero com a queda nas pesquisas, a oposição demotucana poderia tentar cassar o registro da sua candidatura e, até mesmo, inviabilizar a sua diplomação. Seu grave alerta foi encarado pelos quase 300 participantes do evento com um misto de temor e ceticismo.
Na sequência, o próprio Datafolha foi forçado a reconhecer o crescimento da candidatura Dilma, “num espantoso fenômeno sísmico”, segundo nova ironia de PHA –, mas não confessou o crime eleitoral da sua pesquisa anterior. O pânico abalou a direita nativa. A fantasia do “Serrinha paz e amor”, que não é de “oposição nem da situação” e que dará “continuidade” ao governo Lula, foi rifada. No ajuste do discurso, já sem a pele de cordeiro, José Serra partiu para o ataque contra “o bolchevismo sem utopia” e o “patrimonialismo selvagem” infiltrados no atual governo.
“A luta sangrenta” de Bornhausen
Antes mesmo da Copa do Mundo, o clima já esquentou. O presidente do PSDB, Sérgio Guerra, afirmou que a eleição “será uma batalha campal”, reforçando sua imagem de “senador-jagunço”. Já o presidente de honra do DEM, o banqueiro Jorge Bornhausen, o mesmo que no passado jurou “acabar com raça da esquerda”, disse que o pleito será “uma luta sangrenta”. E O Globo informa que a reunião do comando serrista nesta semana foi tensa. A ordem é atacar. Xico Graziano, o coordenador de programa do demotucano, esbravejou: “Vamos enfrentar essa gente mentirosa”.
No desespero do naufrágio, a oposição demotucano resolveu se agarrar numa bóia de salvação. A vice-procuradora da República, Sandra Cureau, numa entrevista apocalíptica, deu uma mãozinha aos golpistas do plantão. De forma irresponsável, ela afirmou que há “uma quantidade imensa de coisas” [crimes eleitorais] e que “a candidatura Dilma Rousseff caminha para ter problema já no registro e, se eleita, na sua diplomação”. Cureau ainda disse que pedirá a abertura de uma Ação de Investigação Judicial-Eleitoral (Aije) “por abuso de poder econômico e político”.
“Falta coragem”, reclama o blogueiro
A procuradora, que também já recomendou a cassação do deputado Paulo Pereira, o Paulinho da Força Sindical, nada falou sobre os tais “crimes eleitorais” de José Serra – inclusive sua recente presença num culto religioso em Santa Catarina bancado pelo governo tucano do estado, ou sua exposição em programas do DEM e PTB. Judicializando a disputa sucessória, este poder parece que resolveu tomar de vez partido nas eleições, gerando esperanças aos golpistas de plantão.
Um dos mais excitados com as ameaças da Cureau é o jornalista Ricardo Noblat, um serviçal da famíglia Marinho, famosa por orquestrar golpes na história do Brasil. No seu blog, ele afirmou que “há abusos suficientes para ameaçar o registro da candidatura Dilma” e que isto não ocorre porque “falta ao tribunal coragem para tomar qualquer medida mais drástica a esse respeito”. O blogueiro tucano, que escondia seu nome em contratos suspeitos no Senado, parece não acreditar mais na vitória de José Serra e resolveu apelar – inclusive dando broncas no Poder Judiciário.
Um aprendiz de Carlos Lacerda
Recentemente, o sociólogo Emir Sader lançou o concurso para eleger o “Corvo” da mídia nativa. O prêmio é uma alusão a Carlos Lacerda, dono da Tribuna da Imprensa, que recebeu este apelido por conspirar contra a democracia nos anos 1950/60. “Getúlio Vargas não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”, afirmou em maio de 1950.
Ricardo Noblat é um forte concorrente ao prêmio “O Corvo”. Ele vocaliza o espírito golpista das elites. Daí a importância do alerta do escaldado Paulo Henrique Amorim, que acompanhou as tramóias da TV Globo/Proconsult para sabotar a eleição do governador Leonel Brizola, em 1982. O deputado Brizola Neto (PDT-RJ) inclusive já propôs a criação de uma campanha da legalidade para evitar rasteiras na eleição. A sucessão será uma batalha de “vida ou morte”, como afirmou recentemente a comentarista “global” Cristiana Lobo. Nenhuma hipótese deve ser descartada!
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Na sequência, o próprio Datafolha foi forçado a reconhecer o crescimento da candidatura Dilma, “num espantoso fenômeno sísmico”, segundo nova ironia de PHA –, mas não confessou o crime eleitoral da sua pesquisa anterior. O pânico abalou a direita nativa. A fantasia do “Serrinha paz e amor”, que não é de “oposição nem da situação” e que dará “continuidade” ao governo Lula, foi rifada. No ajuste do discurso, já sem a pele de cordeiro, José Serra partiu para o ataque contra “o bolchevismo sem utopia” e o “patrimonialismo selvagem” infiltrados no atual governo.
“A luta sangrenta” de Bornhausen
Antes mesmo da Copa do Mundo, o clima já esquentou. O presidente do PSDB, Sérgio Guerra, afirmou que a eleição “será uma batalha campal”, reforçando sua imagem de “senador-jagunço”. Já o presidente de honra do DEM, o banqueiro Jorge Bornhausen, o mesmo que no passado jurou “acabar com raça da esquerda”, disse que o pleito será “uma luta sangrenta”. E O Globo informa que a reunião do comando serrista nesta semana foi tensa. A ordem é atacar. Xico Graziano, o coordenador de programa do demotucano, esbravejou: “Vamos enfrentar essa gente mentirosa”.
No desespero do naufrágio, a oposição demotucano resolveu se agarrar numa bóia de salvação. A vice-procuradora da República, Sandra Cureau, numa entrevista apocalíptica, deu uma mãozinha aos golpistas do plantão. De forma irresponsável, ela afirmou que há “uma quantidade imensa de coisas” [crimes eleitorais] e que “a candidatura Dilma Rousseff caminha para ter problema já no registro e, se eleita, na sua diplomação”. Cureau ainda disse que pedirá a abertura de uma Ação de Investigação Judicial-Eleitoral (Aije) “por abuso de poder econômico e político”.
“Falta coragem”, reclama o blogueiro
A procuradora, que também já recomendou a cassação do deputado Paulo Pereira, o Paulinho da Força Sindical, nada falou sobre os tais “crimes eleitorais” de José Serra – inclusive sua recente presença num culto religioso em Santa Catarina bancado pelo governo tucano do estado, ou sua exposição em programas do DEM e PTB. Judicializando a disputa sucessória, este poder parece que resolveu tomar de vez partido nas eleições, gerando esperanças aos golpistas de plantão.
Um dos mais excitados com as ameaças da Cureau é o jornalista Ricardo Noblat, um serviçal da famíglia Marinho, famosa por orquestrar golpes na história do Brasil. No seu blog, ele afirmou que “há abusos suficientes para ameaçar o registro da candidatura Dilma” e que isto não ocorre porque “falta ao tribunal coragem para tomar qualquer medida mais drástica a esse respeito”. O blogueiro tucano, que escondia seu nome em contratos suspeitos no Senado, parece não acreditar mais na vitória de José Serra e resolveu apelar – inclusive dando broncas no Poder Judiciário.
Um aprendiz de Carlos Lacerda
Recentemente, o sociólogo Emir Sader lançou o concurso para eleger o “Corvo” da mídia nativa. O prêmio é uma alusão a Carlos Lacerda, dono da Tribuna da Imprensa, que recebeu este apelido por conspirar contra a democracia nos anos 1950/60. “Getúlio Vargas não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”, afirmou em maio de 1950.
Ricardo Noblat é um forte concorrente ao prêmio “O Corvo”. Ele vocaliza o espírito golpista das elites. Daí a importância do alerta do escaldado Paulo Henrique Amorim, que acompanhou as tramóias da TV Globo/Proconsult para sabotar a eleição do governador Leonel Brizola, em 1982. O deputado Brizola Neto (PDT-RJ) inclusive já propôs a criação de uma campanha da legalidade para evitar rasteiras na eleição. A sucessão será uma batalha de “vida ou morte”, como afirmou recentemente a comentarista “global” Cristiana Lobo. Nenhuma hipótese deve ser descartada!
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A Conclat e os desafios do sindicalismo (2)
A crise econômica mundial atingiu o Brasil numa situação distinta de outras recessões recentes que geraram explosões de desemprego e corrosão salarial. Não houve um tsunami, como torcia a oposição neoliberal-conservadora, mas também não foi uma suave “marolinha”, como afirmou o presidente Lula. O PIB brasileiro encolheu 0,2% em 2009, ceifando milhares de empregos. As empresas também utilizaram a crise para fazer terrorismo, cortando salários e benefícios sociais.
Mas, objetivamente, o Brasil demorou a entrar na crise e revelou surpreendente capacidade para sair rapidamente dela. O governo já projeta crescimento de 5% na economia em 2010; e o Fundo Monetário Internacional (FMI), saudoso das teses neoliberais, alerta para “o risco do país crescer mais de 6%”. Como na depressão de 1929, quando Getúlio Vargas apostou na industrialização e na superação da condição de nação arcaica, a atual crise também pode abrir uma nova “janela de oportunidades”. Para o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), a robusta retomada do crescimento projeta o Brasil como a quinta economia mundial, como melhores condições para enfrentar os seus gargalos estruturais e seus graves problemas sociais.
Quadro mais favorável às lutas
A rápida recuperação da economia é saudada pelos trabalhadores e cria um quadro bem mais favorável às lutas sindicais. Somente no primeiro trimestre deste ano, já foram criados 657.259 empregos com carteira assinada – o melhor resultado desde o início do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), em 1992. A estimativa é que o ano se encerre com a criação de mais de 2 milhões de postos de trabalho, o que aquece o mercado interno, reforça a produção e o comércio e eleva a renda dos assalariados num circulo virtuoso de desenvolvimento sustentado.
Dado surpreendente da vitalidade da economia nacional é que em pleno ápice da crise mundial a renda do trabalho não despencou. Segundo o Dieese, 93% das categorias obtiveram aumento real ou igual à inflação em 2009. O crescimento econômico, que já preocupa o FMI e os neoliberais nativos, também possibilitou o aumento da arrecadação tributária, o que garante a manutenção e ampliação dos programas sociais, maior investimento do estado na infra-estrutura e desmascara a falácia sobre déficit na Previdência como forma de se opor ao reajuste de aposentarias e pensões.
Causas da retomada econômica
A surpreendente retomada da economia nacional decorre de vários fatores. Não é expressão de pura sorte, como bravateiam os invejosos neoliberais. O sindicalismo brasileiro, que lutou e arrancou a política de aumento real do salário mínimo, é um dos responsáveis pela atual reação. Estudo da Fundação Getúlio Vargas comprova que a valorização do mínimo foi decisiva para aquecer o mercado interno, atenuando os estragos da crise mundial.
Já os programas sociais implantados pelo atual governo, que também derivam da pressão dos movimentos populares por saídas emergências para a fome e miséria, tiveram papel de destaque, principalmente nas regiões interioranas do país. O Bolsa Família é hoje um fator de dinamização das economias locais. Ele saltou de um atendimento de 3,6 milhões de famílias, em 2003, para 12,3 milhões, em 2009. Para Marcelo Neri, economista da FGV/RJ, a valorização do salário mínimo e os programas sociais foram os responsáveis pela contenção da crise. “Foi uma ‘pequena grande década’. A melhora da renda hoje é muita mais sustentável”, confessa Neri, um crítico do atual governo.
A melhora da renda garantiu maior consumo, o que alavancou a produção e gerou empregos. Desde 2003 foram criados 12,2 milhões de empregos formais no Brasil. A renda média no país cresceu 5,3% ao ano; no Nordeste, o ritmo de crescimento foi “chinês”, de 7,3% - segundo a FGV. Em 2003, um salário mínimo comprava pouco mais de uma cesta básica. Hoje, paga 2,2 cestas.
Estatais e política externa
A rápida reação à crise mundial também decorreu da existência de potentes estatais, como a Petrobras, e de musculosos bancos públicos, como o Banco do Brasil, o BNDES e a Caixa Econômica – que não foram privatizados no reinado de FHC graças à intensa resistência social. Eles garantiram liquidez ao mercado interno num momento de sumiço dos recursos externos e de chantagens da ditadura financeira. Diferentemente das gestões neoliberais, o governo também utilizou medidas anticíclicas, reduzindo impostos, para aquecer a economia interna.
Por último, vale realçar o papel da política externa nos últimos anos. Fugindo da armadilha do “alinhamento automático com os EUA”, o Brasil procurou diversificar o seu comércio exterior e fortaleceu o Mercosul e as relações Sul-Sul. Caso mantivesse a política anterior, quando o país dependia em quase 30% do comércio com os EUA, o desastre brasileiro seria inevitável. A política externa soberana e altiva foi decisiva para salvar o Brasil dos graves efeitos da capitalista internacional.
Graves problemas estruturais
Estas conquistas, porém, não superam os graves problemas estruturais do país. Elas devem ser comemoradas, mas não podem nos embriagar ou acomodar. Afinal, o Brasil ainda é um país extremamente injusto. O capital financeiro mantém seus privilégios. Mesmo na crise, os bancos registraram as mais altas taxas de lucros das Américas, segundo a consultoria Economática, devido aos estratosféricos juros (153% nos cheques especiais), às taxas escorchantes dos serviços bancários (alta de 328% no ano passado) e à brutal exploração dos bancários.
Já a estrutura agrária ainda é uma das mais atrasadas do mundo, com 1% dos latifundiários controlando 48% das terras agricultáveis. E a renda do trabalho ainda é grotesca. Pesquisa da OIT revela que um em cada quatro brasileiros ganha menos de US$ 75 por mês e que a cobertura do seguro-desemprego atende menos de 10% de suas vítimas. Mesmo reconhecendo que houve melhoria na distribuição de renda – a pobreza caiu de 43%, em 2003, para 25,8%, em 2008 –, a OIT garante que o Brasil ainda é um dos países de pior distribuição de renda e riqueza do planeta.
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Mas, objetivamente, o Brasil demorou a entrar na crise e revelou surpreendente capacidade para sair rapidamente dela. O governo já projeta crescimento de 5% na economia em 2010; e o Fundo Monetário Internacional (FMI), saudoso das teses neoliberais, alerta para “o risco do país crescer mais de 6%”. Como na depressão de 1929, quando Getúlio Vargas apostou na industrialização e na superação da condição de nação arcaica, a atual crise também pode abrir uma nova “janela de oportunidades”. Para o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), a robusta retomada do crescimento projeta o Brasil como a quinta economia mundial, como melhores condições para enfrentar os seus gargalos estruturais e seus graves problemas sociais.
Quadro mais favorável às lutas
A rápida recuperação da economia é saudada pelos trabalhadores e cria um quadro bem mais favorável às lutas sindicais. Somente no primeiro trimestre deste ano, já foram criados 657.259 empregos com carteira assinada – o melhor resultado desde o início do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), em 1992. A estimativa é que o ano se encerre com a criação de mais de 2 milhões de postos de trabalho, o que aquece o mercado interno, reforça a produção e o comércio e eleva a renda dos assalariados num circulo virtuoso de desenvolvimento sustentado.
Dado surpreendente da vitalidade da economia nacional é que em pleno ápice da crise mundial a renda do trabalho não despencou. Segundo o Dieese, 93% das categorias obtiveram aumento real ou igual à inflação em 2009. O crescimento econômico, que já preocupa o FMI e os neoliberais nativos, também possibilitou o aumento da arrecadação tributária, o que garante a manutenção e ampliação dos programas sociais, maior investimento do estado na infra-estrutura e desmascara a falácia sobre déficit na Previdência como forma de se opor ao reajuste de aposentarias e pensões.
Causas da retomada econômica
A surpreendente retomada da economia nacional decorre de vários fatores. Não é expressão de pura sorte, como bravateiam os invejosos neoliberais. O sindicalismo brasileiro, que lutou e arrancou a política de aumento real do salário mínimo, é um dos responsáveis pela atual reação. Estudo da Fundação Getúlio Vargas comprova que a valorização do mínimo foi decisiva para aquecer o mercado interno, atenuando os estragos da crise mundial.
Já os programas sociais implantados pelo atual governo, que também derivam da pressão dos movimentos populares por saídas emergências para a fome e miséria, tiveram papel de destaque, principalmente nas regiões interioranas do país. O Bolsa Família é hoje um fator de dinamização das economias locais. Ele saltou de um atendimento de 3,6 milhões de famílias, em 2003, para 12,3 milhões, em 2009. Para Marcelo Neri, economista da FGV/RJ, a valorização do salário mínimo e os programas sociais foram os responsáveis pela contenção da crise. “Foi uma ‘pequena grande década’. A melhora da renda hoje é muita mais sustentável”, confessa Neri, um crítico do atual governo.
A melhora da renda garantiu maior consumo, o que alavancou a produção e gerou empregos. Desde 2003 foram criados 12,2 milhões de empregos formais no Brasil. A renda média no país cresceu 5,3% ao ano; no Nordeste, o ritmo de crescimento foi “chinês”, de 7,3% - segundo a FGV. Em 2003, um salário mínimo comprava pouco mais de uma cesta básica. Hoje, paga 2,2 cestas.
Estatais e política externa
A rápida reação à crise mundial também decorreu da existência de potentes estatais, como a Petrobras, e de musculosos bancos públicos, como o Banco do Brasil, o BNDES e a Caixa Econômica – que não foram privatizados no reinado de FHC graças à intensa resistência social. Eles garantiram liquidez ao mercado interno num momento de sumiço dos recursos externos e de chantagens da ditadura financeira. Diferentemente das gestões neoliberais, o governo também utilizou medidas anticíclicas, reduzindo impostos, para aquecer a economia interna.
Por último, vale realçar o papel da política externa nos últimos anos. Fugindo da armadilha do “alinhamento automático com os EUA”, o Brasil procurou diversificar o seu comércio exterior e fortaleceu o Mercosul e as relações Sul-Sul. Caso mantivesse a política anterior, quando o país dependia em quase 30% do comércio com os EUA, o desastre brasileiro seria inevitável. A política externa soberana e altiva foi decisiva para salvar o Brasil dos graves efeitos da capitalista internacional.
Graves problemas estruturais
Estas conquistas, porém, não superam os graves problemas estruturais do país. Elas devem ser comemoradas, mas não podem nos embriagar ou acomodar. Afinal, o Brasil ainda é um país extremamente injusto. O capital financeiro mantém seus privilégios. Mesmo na crise, os bancos registraram as mais altas taxas de lucros das Américas, segundo a consultoria Economática, devido aos estratosféricos juros (153% nos cheques especiais), às taxas escorchantes dos serviços bancários (alta de 328% no ano passado) e à brutal exploração dos bancários.
Já a estrutura agrária ainda é uma das mais atrasadas do mundo, com 1% dos latifundiários controlando 48% das terras agricultáveis. E a renda do trabalho ainda é grotesca. Pesquisa da OIT revela que um em cada quatro brasileiros ganha menos de US$ 75 por mês e que a cobertura do seguro-desemprego atende menos de 10% de suas vítimas. Mesmo reconhecendo que houve melhoria na distribuição de renda – a pobreza caiu de 43%, em 2003, para 25,8%, em 2008 –, a OIT garante que o Brasil ainda é um dos países de pior distribuição de renda e riqueza do planeta.
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quinta-feira, 27 de maio de 2010
A Conclat e os desafios do sindicalismo (1)
Na próxima terça-feira, 1º de junho, mais de 30 mil sindicalistas de todo país estarão reunidos na Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat), no Estádio do Pacaembu (SP), para aprovar uma plataforma com vistas à sucessão presidencial. Numa modesta contribuição ao debate, publico quatro artigos analisando a conjuntura internacional e nacional e os desafios do sindicalismo na atualidade:
I- O fantasma da crise internacional
Os trabalhadores do mundo inteiro acompanharam, tensos e temerosos, a crise que se abateu sobre a economia capitalista desde a falência do banco Lehman Brothers em setembro de 2008. Afinal, em todas as recessões econômicas, sejam nas mais suaves ou nas mais profundas, os que vivem do salário são sempre as principais vítimas, com a explosão do desemprego, o arrocho dos salários e a precarização do trabalho. No caso desta crise, ela teve um agravante. Ela começou no coração do sistema capitalista, nos EUA – e não na sua periferia.
Detonada a partir do estouro da bolha especulativa no setor imobiliário, o chamado subprime, ela logo atingiu o setor financeiro, levando à falência centenas de bancos. Na sequência, indústria e comércio sentiram seu impacto, cuja concordata da ex-poderosa GM foi o caso mais emblemático. Diferente das crises cíclicas anteriores, esta foi e ainda é uma crise estrutural e sistêmica, cujos efeitos deverão ser mais prolongados e destrutivos.
16 milhões sumariamente demitidos
No rastro devastador da crise, que logo contaminou as economias “avançadas” da Europa e do Japão, cerca de 16 milhões de trabalhadores foram sumariamente demitidos; inúmeros sindicatos assinaram acordos de redução salarial; vários governos reduziram investimentos nas áreas sociais e impuseram leis de flexibilização trabalhista. Estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revela que apenas nas 20 maiores economias do planeta o desemprego ceifou 6 milhões de empregos na indústria, 3 milhões na construção civil e 2,3 milhões no comércio.
Culpados pela crise, os capitalistas novamente jogaram o seu ônus nas costas dos assalariados. Numa prova de cinismo, também rasgaram os dogmas neoliberais, que pregavam o desmonte do Estado, da nação e do trabalho e que foram os maiores culpados pela eclosão da crise. O poder público, antes satanizado e reduzido a “estado mínimo”, foi acionado para salvar os avarentos capitalistas. Os governos de George Bush e Barack Obama saquearam do cofre público mais de 1,5 trilhão de dólares para socorrer bancos, indústrias e comércio. Para os ricaços, tudo e com urgência; para os trabalhadores, o brutal ônus da crise – como sempre ocorreu no sistema de exploração capitalista.
Novos repiques da crise mundial
A grave retração mundial confirmou que o capitalismo é um sistema de crises periódicas. Elas fazem parte da sua dinâmica, com todas suas chagas sociais. Mas também revelou que o sistema não cai de maduro. Ele desenvolveu mecanismos para se safar da completa falência. No auge da crise, em meados do ano passado, muitos analistas previram uma profunda reforma do sistema, com formas de controle de agiotagem financeira e de maior justiça social. Mas isto não ocorreu.
O capitalismo mantém sua dinâmica de exploração do trabalho, de concentração das riquezas nas mãos de uma minoria e de especulação rentista. A crise não foi terminal, como muitos previam. Mas também ainda não foi superada, como os apologistas do capital bravateiam. Nas potências capitalistas, ela continua gerando instabilidade política e insegurança para os trabalhadores. Na maior parte da periferia do sistema, os efeitos da brutal recessão ainda são sentidos, inclusive nos países da América Latina mais dependentes do mercado externo. Os sinais de novos repiques da crise mundial ainda assombram os povos, como um fantasma que ronda o mundo capitalista.
Socorro às poderosas corporações
Nos EUA, epicentro da crise, o desemprego alcançou o recorde histórico de 10% em 2009 – o dobro de 2008. O déficit público, decorrente do salvamento aos poderosos, já engoliu US$ 12,36 trilhões do erário e o Orçamento para 2011 prevê cortes de US$ 1,6 trilhão nos gastos sociais – o que agravará o drama de milhões de miseráveis deste país símbolo do capitalismo. O socorro até agora dispensado às poderosas corporações ainda não surtiu efeito.
Em abril último, a comissão de valores mobiliários dos EUA (SEC) acusou os 19 maiores bancos do país de usarem artifícios contábeis para desviar fortunas dos cofres públicos. Já a auditoria federal teme pela capacidade de sobrevivência da GM, apesar dos US$ 13,4 bilhões que garfou da União, revela o jornal Valor (20/4/10). Na Europa, a situação é ainda mais dramática. A Grécia faliu e outros primos pobres da região, como Portugal e Espanha, caminham para o mesmo desfiladeiro. Para o Banco Central Europeu, há forte risco de “novas turbulências econômicas”, alerta o jornal O Estado de S.Paulo (16/4/10). “Nós podemos já ter entrado na próxima fase da crise”, afirma Jürgen Stark, executivo do BCE. Algumas economias inclusive já ameaçam abandonar a moeda única da região, o Euro.
Desenvolvimento desigual e os Bric
Como em outros momentos históricos, a grave crise das maiores economias capitalistas abriu espaço para o crescimento de alguns países da periferia do sistema – o que reforça a tese de que, na lógica do desenvolvimento combinado e desigual do capitalismo, a crise pode se tornar uma janela de oportunidades. Isto é que explicaria a situação distinta do chamado Bric, que reúne as economias do Brasil, Rússia, Índia e China. Segundo previsões do Banco Mundial para 2010, a China terá um crescimento de quase 10% no seu PIB; a Índia pode beirar os 7%; e o Brasil deve superar os 5%. A Rússia, que foi destruída pela restauração capitalista, é que apresenta maiores dificuldades – mesmo assim, ela está em melhores condições do que várias potências capitalistas.
Um dos segredos desta situação favorável dos Bric é que estas nações não seguiram o receituário neoliberal imposto pela ditadura financeira – de desmonte do estado, da nação e do trabalho. Elas ainda possuem empresas estatais fortes, bancos públicos de peso, maior capacidade dos governos de regulação e indução econômica e mercados internos protegidos. A negação do neoliberalismo foi decisiva para que estes países fossem os últimos a entrar em crise e os primeiros a sair dela.
II- Instabilidade política e ofensiva belicista
A grave crise promoveu alterações no quadro político mundial, o que tem reflexos na luta dos trabalhadores. Nos EUA, a retração econômica e a agressiva política externa de George W. Bush foram responsáveis pela eleição do primeiro presidente negro desta nação racista. Barack Obama foi eleito com a promessa de mudança, mas até agora só causou decepção. Tanto que seu índice de popularidade já despencou – de 72% na posse para menos de 50% em fevereiro.
Vacilante, ele não enfrentou o poderoso complexo financeiro/industrial/militar, bancou trilhões de dólares para os rentistas e abrandou até a sua reforma do sistema de saúde. No campo externo, Obama segue os passos genocidas de Bush. Ele reforçou a ocupação militar do Afeganistão, apóia Israel contra os palestinos e, o mais preocupante, dá fortes sinais de uma nova escalada militar – com o risco de guerras contra Irã e Coréia do Norte, o que pode lançar a humanidade numa completa barbárie de conseqüências desastrosas. Historicamente, as guerras sempre foram um instrumento utilizado pelo capitalismo para superar suas graves crises econômicas. Obama vai virando um refém dos setores mais direitistas dos EUA, alojados no Partido Republicano, que ameaçam desestabilizar o seu governo e exigem uma política mais belicista e expansionista.
A fascistização da Europa
Já a Europa, continente envelhecido, presencia o crescimento de forças nitidamente fascistas, que utilizam o discurso xenófobo para jogar a sociedade contra os imigrantes. A maior parte dos governos do continente está sob controle de partidos de direita, que promovem contra-reformas da Previdência, impõem medidas de precarizaçao do trabalho, arrocham brutalmente os salários e desmontam o estado de bem-estar social construído no pós-guerra.
A situação dos trabalhadores europeus é de acelerada regressão dos direitos. Ângela Merkel (Alemanha), Nicolas Sarkozy (França) e Silvio Berlusconi (Itália) estão na linha de frente desta onda direitista na Europa. Seus governos também reforçam os traços imperialistas e belicistas, almejando principalmente maior expansão no Leste Europeu destruído pelo tsunami capitalista e no sofrido continente africano. A Europa, sob a hegemonia de forças de caráter fascista, abandona a bandeira da paz e reforça o discurso guerreiro dos EUA, o que agrava a situação de instabilidade no mundo atual.
A resistência dos trabalhadores
Diante deste cenário dantesco, os trabalhadores europeus resistem, mas ainda numa correlação de forças adversa. As cinco greves gerais na Grécia são a resposta às tentativas de regressão de direitos trabalhistas e previdenciários. Em Portugal, prestes a cair no desfiladeiro, também foram realizadas duas greves gerais neste ano. Na França, que sofre a pior recessão desde o pós-guerra – o PIB recuou 2,2% em 2009 –, uma greve geral parou o país no final de março contra o pacote de maldade do governo direitista de Nicolas Sarkozy, que visa congelar salários e elevar o tempo de aposentadoria dos franceses. Cerca de 3 milhões de franceses participaram de passeatas e atos de protesto. Como resultado da crescente rebeldia, Sarkozy colheu sua primeira derrota eleitoral no pleito regional de março. Na Itália, Berlusconi é hostilizado devido ao seu projeto regressivo de reforma da Previdência Social. Na Inglaterra, a ocupação de fábricas falidas prossegue. A luta de classes deve se aguçar na Europa, que vive a tensa disjuntiva: progresso social ou fascismo!
III- Riscos de retrocesso na América Latina
Na América Latina, o cenário também não é dos mais tranqüilos. Após a heróica luta contra as ditaduras militares, o continente oprimido virou o principal laboratório internacional das políticas neoliberais. A partir do Consenso de Washington, firmado pelas elites empresariais em 1989, um tsunami devastou os países da região com a privatização das empresas estatais, redução do papel do estado, abertura de fronteiras contrária à soberania nacional, corte de investimentos públicos e retirada de direitos trabalhistas.
A taxa de desemprego bateu recordes históricos; a informalidade superou os índices de trabalho formal; os salários perderam peso no Produto Interno Bruto (PIB); a miséria e a barbárie se alastraram na América Latina. O neoliberalismo se tornou hegemônico, elegendo e reelegendo presidentes comprometidos com os seus dogmas, afinados com a ditadura financeira e alinhados servilmente com os EUA. Uma parcela dos trabalhadores, inclusive, foi seduzida pelos slogans midiáticos contra os servidores públicos, os direitos previdenciários e trabalhistas e a soberania das nações. A quebradeira, porém, não durou muito tempo.
A guinada à esquerda no continente
De continente laboratório das políticas neoliberais, a América Latina se transformou, a partir do final da década de 1990, na vanguarda da luta contra o neoliberalismo. Apesar da devastação do trabalho, que fragmentou e tornou mais complexa a classe trabalhadora, o sindicalismo não se curvou e resistiu à brutal ofensiva do capital. Novos movimentos sociais passaram a jogar papel de maior protagonismo no hemisfério. Fruto desta resistência ativa, onze presidentes neoliberais foram depostos e os candidatos identificados com esse receituário destrutivo e regressivo foram rechaçados nas urnas.
Com concepções distintas e ritmos diferenciados, reflexos da realidade da luta de classes em cada país, novos governantes passaram a adotar políticas de fortalecimento do estado, de reversão do processo de privatização, de maior investimento em programas sociais e de diálogo mais democrático com os movimentos sindicais e populares. A hegemonia neoliberal deu lugar a uma guinada à esquerda na América Latina. Os novos governos também perceberam que precisam investir na integração regional; divididos diante do império estadunidense, estes países se desintegrariam. Em curto espaço de tempo, o sonho de uma América Latina mais unida foi ganhando contornos com a retomada do Mercosul, a criação da Unasul e a constituição do Conselho de Defesa Militar do Sul, entre outras medidas integradoras do continente.
Nova ofensiva do imperialismo
Estes expressivos avanços, porém, não estão imunes a risco. Ainda campeia a desigualdade social nesta região devastada pelo colonialismo, ditaduras e neoliberalismo. As experiências em curso também revelam limitações, não conseguindo enfrentar os seus problemas estruturais. Para agravar o cenário, os EUA tentam retomar a ofensiva no seu “quintal”, após uma fase de sensível perda de influência política e econômica. Não dá para subestimar a agressividade deste império, que tem muitos interesses em jogo na região.
Um breve balanço confirma que ele obteve recentes vitórias e recupera terreno no continente, seja através de golpes, ocupações militares e até mesmo pela via eleitoral. Ainda na gestão de George Bush, os EUA reativaram a 4ª Frota, composta por navios nucleares que vigiam os mares do hemisfério, ameaçando os governos progressistas da região e a descoberta do pré-sal. Em maio passado, o empresário direitista Ricardo Martinelli venceu as eleições no Panamá; em junho, o “democrata” Barack Obama foi cúmplice do golpe em Honduras, o que fez ressurgir o fantasma das ditaduras; no mesmo período, os EUA anunciaram a criação de seis bases militares na Colômbia; já no Haiti, o mortífero terremoto serviu de pretexto para o envio de milhares de soldados ianques.
A experiência mais emblemática, no entanto, se deu na eleição do Chile. Apesar da popularidade da presidente Michele Bachelet, ela não conseguiu transferir votos para o seu candidato Eduardo Frei. A direita saiu unificada e as forças de centro à esquerda apresentaram três candidaturas. Resultado: o barão midiático Sebastián Piñera, totalmente servil à política externa dos EUA, venceu o pleito para o delírio da direita latino-americana.
Brasil decide o destino da região
Estes reveses indicam que a guinada progressista na América Latina corre perigo. A opção por programas sociais distributivos, pela retomada do papel indutor do estado e pela integração latino-americana, entre outros avanços, pode ser abortada com o regresso de gestores neoliberais, que pregam o “alinhamento automático” com os EUA. Há sinais de alerta na Argentina, onde a direita ruralista e rentista joga na desestabilização do governo Cristina Kirchner; na Venezuela, onde ressurgem as conspirações golpistas; na Bolívia, sempre sob a ameaça da divisão territorial; e principalmente nos países da América Central, agora sob o espectro assustador do retorno dos golpes e ditaduras militares.
Mas, como apontou recente artigo do jornal britânico Guardian, a aposta decisiva para os rumos da América Latina se dá no Brasil devido ao seu peso geopolítico no continente. “Embora as autoridades do Departamento de Estado sob Bush e Obama tenham mantido postura amigável, é obvio que se ressentem profundamente das mudanças na política externa brasileira que aliaram o país a outros governos social-democratas do hemisfério e se ressentem da posição independente do Brasil em relação ao Oriente Médio, ao Irã e a outros lugares”. O destino da América Latina será decidido no Brasil, garante o influente Guardian.
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I- O fantasma da crise internacional
Os trabalhadores do mundo inteiro acompanharam, tensos e temerosos, a crise que se abateu sobre a economia capitalista desde a falência do banco Lehman Brothers em setembro de 2008. Afinal, em todas as recessões econômicas, sejam nas mais suaves ou nas mais profundas, os que vivem do salário são sempre as principais vítimas, com a explosão do desemprego, o arrocho dos salários e a precarização do trabalho. No caso desta crise, ela teve um agravante. Ela começou no coração do sistema capitalista, nos EUA – e não na sua periferia.
Detonada a partir do estouro da bolha especulativa no setor imobiliário, o chamado subprime, ela logo atingiu o setor financeiro, levando à falência centenas de bancos. Na sequência, indústria e comércio sentiram seu impacto, cuja concordata da ex-poderosa GM foi o caso mais emblemático. Diferente das crises cíclicas anteriores, esta foi e ainda é uma crise estrutural e sistêmica, cujos efeitos deverão ser mais prolongados e destrutivos.
16 milhões sumariamente demitidos
No rastro devastador da crise, que logo contaminou as economias “avançadas” da Europa e do Japão, cerca de 16 milhões de trabalhadores foram sumariamente demitidos; inúmeros sindicatos assinaram acordos de redução salarial; vários governos reduziram investimentos nas áreas sociais e impuseram leis de flexibilização trabalhista. Estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revela que apenas nas 20 maiores economias do planeta o desemprego ceifou 6 milhões de empregos na indústria, 3 milhões na construção civil e 2,3 milhões no comércio.
Culpados pela crise, os capitalistas novamente jogaram o seu ônus nas costas dos assalariados. Numa prova de cinismo, também rasgaram os dogmas neoliberais, que pregavam o desmonte do Estado, da nação e do trabalho e que foram os maiores culpados pela eclosão da crise. O poder público, antes satanizado e reduzido a “estado mínimo”, foi acionado para salvar os avarentos capitalistas. Os governos de George Bush e Barack Obama saquearam do cofre público mais de 1,5 trilhão de dólares para socorrer bancos, indústrias e comércio. Para os ricaços, tudo e com urgência; para os trabalhadores, o brutal ônus da crise – como sempre ocorreu no sistema de exploração capitalista.
Novos repiques da crise mundial
A grave retração mundial confirmou que o capitalismo é um sistema de crises periódicas. Elas fazem parte da sua dinâmica, com todas suas chagas sociais. Mas também revelou que o sistema não cai de maduro. Ele desenvolveu mecanismos para se safar da completa falência. No auge da crise, em meados do ano passado, muitos analistas previram uma profunda reforma do sistema, com formas de controle de agiotagem financeira e de maior justiça social. Mas isto não ocorreu.
O capitalismo mantém sua dinâmica de exploração do trabalho, de concentração das riquezas nas mãos de uma minoria e de especulação rentista. A crise não foi terminal, como muitos previam. Mas também ainda não foi superada, como os apologistas do capital bravateiam. Nas potências capitalistas, ela continua gerando instabilidade política e insegurança para os trabalhadores. Na maior parte da periferia do sistema, os efeitos da brutal recessão ainda são sentidos, inclusive nos países da América Latina mais dependentes do mercado externo. Os sinais de novos repiques da crise mundial ainda assombram os povos, como um fantasma que ronda o mundo capitalista.
Socorro às poderosas corporações
Nos EUA, epicentro da crise, o desemprego alcançou o recorde histórico de 10% em 2009 – o dobro de 2008. O déficit público, decorrente do salvamento aos poderosos, já engoliu US$ 12,36 trilhões do erário e o Orçamento para 2011 prevê cortes de US$ 1,6 trilhão nos gastos sociais – o que agravará o drama de milhões de miseráveis deste país símbolo do capitalismo. O socorro até agora dispensado às poderosas corporações ainda não surtiu efeito.
Em abril último, a comissão de valores mobiliários dos EUA (SEC) acusou os 19 maiores bancos do país de usarem artifícios contábeis para desviar fortunas dos cofres públicos. Já a auditoria federal teme pela capacidade de sobrevivência da GM, apesar dos US$ 13,4 bilhões que garfou da União, revela o jornal Valor (20/4/10). Na Europa, a situação é ainda mais dramática. A Grécia faliu e outros primos pobres da região, como Portugal e Espanha, caminham para o mesmo desfiladeiro. Para o Banco Central Europeu, há forte risco de “novas turbulências econômicas”, alerta o jornal O Estado de S.Paulo (16/4/10). “Nós podemos já ter entrado na próxima fase da crise”, afirma Jürgen Stark, executivo do BCE. Algumas economias inclusive já ameaçam abandonar a moeda única da região, o Euro.
Desenvolvimento desigual e os Bric
Como em outros momentos históricos, a grave crise das maiores economias capitalistas abriu espaço para o crescimento de alguns países da periferia do sistema – o que reforça a tese de que, na lógica do desenvolvimento combinado e desigual do capitalismo, a crise pode se tornar uma janela de oportunidades. Isto é que explicaria a situação distinta do chamado Bric, que reúne as economias do Brasil, Rússia, Índia e China. Segundo previsões do Banco Mundial para 2010, a China terá um crescimento de quase 10% no seu PIB; a Índia pode beirar os 7%; e o Brasil deve superar os 5%. A Rússia, que foi destruída pela restauração capitalista, é que apresenta maiores dificuldades – mesmo assim, ela está em melhores condições do que várias potências capitalistas.
Um dos segredos desta situação favorável dos Bric é que estas nações não seguiram o receituário neoliberal imposto pela ditadura financeira – de desmonte do estado, da nação e do trabalho. Elas ainda possuem empresas estatais fortes, bancos públicos de peso, maior capacidade dos governos de regulação e indução econômica e mercados internos protegidos. A negação do neoliberalismo foi decisiva para que estes países fossem os últimos a entrar em crise e os primeiros a sair dela.
II- Instabilidade política e ofensiva belicista
A grave crise promoveu alterações no quadro político mundial, o que tem reflexos na luta dos trabalhadores. Nos EUA, a retração econômica e a agressiva política externa de George W. Bush foram responsáveis pela eleição do primeiro presidente negro desta nação racista. Barack Obama foi eleito com a promessa de mudança, mas até agora só causou decepção. Tanto que seu índice de popularidade já despencou – de 72% na posse para menos de 50% em fevereiro.
Vacilante, ele não enfrentou o poderoso complexo financeiro/industrial/militar, bancou trilhões de dólares para os rentistas e abrandou até a sua reforma do sistema de saúde. No campo externo, Obama segue os passos genocidas de Bush. Ele reforçou a ocupação militar do Afeganistão, apóia Israel contra os palestinos e, o mais preocupante, dá fortes sinais de uma nova escalada militar – com o risco de guerras contra Irã e Coréia do Norte, o que pode lançar a humanidade numa completa barbárie de conseqüências desastrosas. Historicamente, as guerras sempre foram um instrumento utilizado pelo capitalismo para superar suas graves crises econômicas. Obama vai virando um refém dos setores mais direitistas dos EUA, alojados no Partido Republicano, que ameaçam desestabilizar o seu governo e exigem uma política mais belicista e expansionista.
A fascistização da Europa
Já a Europa, continente envelhecido, presencia o crescimento de forças nitidamente fascistas, que utilizam o discurso xenófobo para jogar a sociedade contra os imigrantes. A maior parte dos governos do continente está sob controle de partidos de direita, que promovem contra-reformas da Previdência, impõem medidas de precarizaçao do trabalho, arrocham brutalmente os salários e desmontam o estado de bem-estar social construído no pós-guerra.
A situação dos trabalhadores europeus é de acelerada regressão dos direitos. Ângela Merkel (Alemanha), Nicolas Sarkozy (França) e Silvio Berlusconi (Itália) estão na linha de frente desta onda direitista na Europa. Seus governos também reforçam os traços imperialistas e belicistas, almejando principalmente maior expansão no Leste Europeu destruído pelo tsunami capitalista e no sofrido continente africano. A Europa, sob a hegemonia de forças de caráter fascista, abandona a bandeira da paz e reforça o discurso guerreiro dos EUA, o que agrava a situação de instabilidade no mundo atual.
A resistência dos trabalhadores
Diante deste cenário dantesco, os trabalhadores europeus resistem, mas ainda numa correlação de forças adversa. As cinco greves gerais na Grécia são a resposta às tentativas de regressão de direitos trabalhistas e previdenciários. Em Portugal, prestes a cair no desfiladeiro, também foram realizadas duas greves gerais neste ano. Na França, que sofre a pior recessão desde o pós-guerra – o PIB recuou 2,2% em 2009 –, uma greve geral parou o país no final de março contra o pacote de maldade do governo direitista de Nicolas Sarkozy, que visa congelar salários e elevar o tempo de aposentadoria dos franceses. Cerca de 3 milhões de franceses participaram de passeatas e atos de protesto. Como resultado da crescente rebeldia, Sarkozy colheu sua primeira derrota eleitoral no pleito regional de março. Na Itália, Berlusconi é hostilizado devido ao seu projeto regressivo de reforma da Previdência Social. Na Inglaterra, a ocupação de fábricas falidas prossegue. A luta de classes deve se aguçar na Europa, que vive a tensa disjuntiva: progresso social ou fascismo!
III- Riscos de retrocesso na América Latina
Na América Latina, o cenário também não é dos mais tranqüilos. Após a heróica luta contra as ditaduras militares, o continente oprimido virou o principal laboratório internacional das políticas neoliberais. A partir do Consenso de Washington, firmado pelas elites empresariais em 1989, um tsunami devastou os países da região com a privatização das empresas estatais, redução do papel do estado, abertura de fronteiras contrária à soberania nacional, corte de investimentos públicos e retirada de direitos trabalhistas.
A taxa de desemprego bateu recordes históricos; a informalidade superou os índices de trabalho formal; os salários perderam peso no Produto Interno Bruto (PIB); a miséria e a barbárie se alastraram na América Latina. O neoliberalismo se tornou hegemônico, elegendo e reelegendo presidentes comprometidos com os seus dogmas, afinados com a ditadura financeira e alinhados servilmente com os EUA. Uma parcela dos trabalhadores, inclusive, foi seduzida pelos slogans midiáticos contra os servidores públicos, os direitos previdenciários e trabalhistas e a soberania das nações. A quebradeira, porém, não durou muito tempo.
A guinada à esquerda no continente
De continente laboratório das políticas neoliberais, a América Latina se transformou, a partir do final da década de 1990, na vanguarda da luta contra o neoliberalismo. Apesar da devastação do trabalho, que fragmentou e tornou mais complexa a classe trabalhadora, o sindicalismo não se curvou e resistiu à brutal ofensiva do capital. Novos movimentos sociais passaram a jogar papel de maior protagonismo no hemisfério. Fruto desta resistência ativa, onze presidentes neoliberais foram depostos e os candidatos identificados com esse receituário destrutivo e regressivo foram rechaçados nas urnas.
Com concepções distintas e ritmos diferenciados, reflexos da realidade da luta de classes em cada país, novos governantes passaram a adotar políticas de fortalecimento do estado, de reversão do processo de privatização, de maior investimento em programas sociais e de diálogo mais democrático com os movimentos sindicais e populares. A hegemonia neoliberal deu lugar a uma guinada à esquerda na América Latina. Os novos governos também perceberam que precisam investir na integração regional; divididos diante do império estadunidense, estes países se desintegrariam. Em curto espaço de tempo, o sonho de uma América Latina mais unida foi ganhando contornos com a retomada do Mercosul, a criação da Unasul e a constituição do Conselho de Defesa Militar do Sul, entre outras medidas integradoras do continente.
Nova ofensiva do imperialismo
Estes expressivos avanços, porém, não estão imunes a risco. Ainda campeia a desigualdade social nesta região devastada pelo colonialismo, ditaduras e neoliberalismo. As experiências em curso também revelam limitações, não conseguindo enfrentar os seus problemas estruturais. Para agravar o cenário, os EUA tentam retomar a ofensiva no seu “quintal”, após uma fase de sensível perda de influência política e econômica. Não dá para subestimar a agressividade deste império, que tem muitos interesses em jogo na região.
Um breve balanço confirma que ele obteve recentes vitórias e recupera terreno no continente, seja através de golpes, ocupações militares e até mesmo pela via eleitoral. Ainda na gestão de George Bush, os EUA reativaram a 4ª Frota, composta por navios nucleares que vigiam os mares do hemisfério, ameaçando os governos progressistas da região e a descoberta do pré-sal. Em maio passado, o empresário direitista Ricardo Martinelli venceu as eleições no Panamá; em junho, o “democrata” Barack Obama foi cúmplice do golpe em Honduras, o que fez ressurgir o fantasma das ditaduras; no mesmo período, os EUA anunciaram a criação de seis bases militares na Colômbia; já no Haiti, o mortífero terremoto serviu de pretexto para o envio de milhares de soldados ianques.
A experiência mais emblemática, no entanto, se deu na eleição do Chile. Apesar da popularidade da presidente Michele Bachelet, ela não conseguiu transferir votos para o seu candidato Eduardo Frei. A direita saiu unificada e as forças de centro à esquerda apresentaram três candidaturas. Resultado: o barão midiático Sebastián Piñera, totalmente servil à política externa dos EUA, venceu o pleito para o delírio da direita latino-americana.
Brasil decide o destino da região
Estes reveses indicam que a guinada progressista na América Latina corre perigo. A opção por programas sociais distributivos, pela retomada do papel indutor do estado e pela integração latino-americana, entre outros avanços, pode ser abortada com o regresso de gestores neoliberais, que pregam o “alinhamento automático” com os EUA. Há sinais de alerta na Argentina, onde a direita ruralista e rentista joga na desestabilização do governo Cristina Kirchner; na Venezuela, onde ressurgem as conspirações golpistas; na Bolívia, sempre sob a ameaça da divisão territorial; e principalmente nos países da América Central, agora sob o espectro assustador do retorno dos golpes e ditaduras militares.
Mas, como apontou recente artigo do jornal britânico Guardian, a aposta decisiva para os rumos da América Latina se dá no Brasil devido ao seu peso geopolítico no continente. “Embora as autoridades do Departamento de Estado sob Bush e Obama tenham mantido postura amigável, é obvio que se ressentem profundamente das mudanças na política externa brasileira que aliaram o país a outros governos social-democratas do hemisfério e se ressentem da posição independente do Brasil em relação ao Oriente Médio, ao Irã e a outros lugares”. O destino da América Latina será decidido no Brasil, garante o influente Guardian.
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TV digital e o drible na Constituição
Reproduzo artigo de João Brant, Jonas Valente e Eloísa Machado, publicado na coluna Tendências/Debates da Folha de S.Paulo:
No meio da Copa do Mundo de 2006, quando ainda achávamos que o Brasil bateria a França e iria rumo ao hexa, o governo federal publicou o decreto nº 5.820, que criou o Sistema Brasileiro de TV Digital. Na mesma semana, duas decepções: o Brasil foi eliminado da Copa e decidiu abrir mão das possibilidades que a TV digital trazia para democratizar as comunicações. Quatro anos depois, temos chance de superar as duas coisas, pelo menos em parte. Uma depende de Dunga e dos 23 jogadores.
A outra depende do Supremo Tribunal Federal, que tem em sua pauta a Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) proposta pelo PSOL em 2007. A Adin contesta o fato de o decreto ter entregue, por meio de consignação, mais um canal para os atuais concessionários de TV.
O argumento da Adin foi reforçado pelas entidades Intervozes, Conectas e Pro Bono, que entraram como "amici curiae" na ação e veem aí duas inconstitucionalidades. Para compreendê-las, é preciso saber que a TV digital não é apenas uma evolução da TV analógica.
Além de melhorar a qualidade de áudio e vídeo das transmissões, a digitalização cria uma nova plataforma, viabilizando interatividade (colocando a TV em diálogo com a internet), recepção portátil (em celulares e pequenos aparelhos) e multiprogramação, ou seja, a transmissão de até 8 programações usando o mesmo canal.
Esse novo serviço deveria ser regulamentado e passar pelo processo de novas concessões, respeitando os artigos 175 e 223 da Constituição Federal, que preveem, inclusive, a apreciação das outorgas pelo Congresso Nacional.
Além de passar por cima desse procedimento, o decreto, ao entregar às emissoras o mesmo espaço que já ocupavam no espectro analógico (6 MHz), deixa de promover o pluralismo e a ampliação da liberdade de expressão, preceitos fundamentais de nossa Constituição.
A proibição a monopólios e oligopólios em rádio e TV, expressa no artigo 220, deveria ser uma diretriz para o ato que instituiu a TV digital.
Mas o decreto deixou de observá-la e privilegiou as atuais concessionárias, que já configuram um oligopólio de fato - as quatro emissoras líderes concentram 83,3% da audiência e 97,2% da receita publicitária. No caso da televisão, esse não é apenas um problema econômico, mas uma ameaça à democracia.
A TV digital poderia significar verdadeira revolução democrática, mas o modelo adotado no Brasil aprofunda as desigualdades, com a manutenção da concentração e ausência de competição. A continuar assim, nem deveríamos falar em TV digital - é a velha TV analógica transmitida em outra tecnologia.
Alguns dirão que, dois anos após o início das transmissões, qualquer tentativa de reconfigurar esse cenário irá afetar investimentos milionários feitos pelas emissoras. Há, na verdade, várias saídas para aproveitá-los. O mais importante, porém, é compreender que está em jogo a possibilidade de ampliar a liberdade de expressão e fortalecer a democracia. E liberdade de expressão e democracia não podem ser reféns de fatos consumados.
Ainda mais quando estes são flagrantemente inconstitucionais.
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No meio da Copa do Mundo de 2006, quando ainda achávamos que o Brasil bateria a França e iria rumo ao hexa, o governo federal publicou o decreto nº 5.820, que criou o Sistema Brasileiro de TV Digital. Na mesma semana, duas decepções: o Brasil foi eliminado da Copa e decidiu abrir mão das possibilidades que a TV digital trazia para democratizar as comunicações. Quatro anos depois, temos chance de superar as duas coisas, pelo menos em parte. Uma depende de Dunga e dos 23 jogadores.
A outra depende do Supremo Tribunal Federal, que tem em sua pauta a Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) proposta pelo PSOL em 2007. A Adin contesta o fato de o decreto ter entregue, por meio de consignação, mais um canal para os atuais concessionários de TV.
O argumento da Adin foi reforçado pelas entidades Intervozes, Conectas e Pro Bono, que entraram como "amici curiae" na ação e veem aí duas inconstitucionalidades. Para compreendê-las, é preciso saber que a TV digital não é apenas uma evolução da TV analógica.
Além de melhorar a qualidade de áudio e vídeo das transmissões, a digitalização cria uma nova plataforma, viabilizando interatividade (colocando a TV em diálogo com a internet), recepção portátil (em celulares e pequenos aparelhos) e multiprogramação, ou seja, a transmissão de até 8 programações usando o mesmo canal.
Esse novo serviço deveria ser regulamentado e passar pelo processo de novas concessões, respeitando os artigos 175 e 223 da Constituição Federal, que preveem, inclusive, a apreciação das outorgas pelo Congresso Nacional.
Além de passar por cima desse procedimento, o decreto, ao entregar às emissoras o mesmo espaço que já ocupavam no espectro analógico (6 MHz), deixa de promover o pluralismo e a ampliação da liberdade de expressão, preceitos fundamentais de nossa Constituição.
A proibição a monopólios e oligopólios em rádio e TV, expressa no artigo 220, deveria ser uma diretriz para o ato que instituiu a TV digital.
Mas o decreto deixou de observá-la e privilegiou as atuais concessionárias, que já configuram um oligopólio de fato - as quatro emissoras líderes concentram 83,3% da audiência e 97,2% da receita publicitária. No caso da televisão, esse não é apenas um problema econômico, mas uma ameaça à democracia.
A TV digital poderia significar verdadeira revolução democrática, mas o modelo adotado no Brasil aprofunda as desigualdades, com a manutenção da concentração e ausência de competição. A continuar assim, nem deveríamos falar em TV digital - é a velha TV analógica transmitida em outra tecnologia.
Alguns dirão que, dois anos após o início das transmissões, qualquer tentativa de reconfigurar esse cenário irá afetar investimentos milionários feitos pelas emissoras. Há, na verdade, várias saídas para aproveitá-los. O mais importante, porém, é compreender que está em jogo a possibilidade de ampliar a liberdade de expressão e fortalecer a democracia. E liberdade de expressão e democracia não podem ser reféns de fatos consumados.
Ainda mais quando estes são flagrantemente inconstitucionais.
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