quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Como calar e intimidar a imprensa

Reproduzo artigo de Luiz Cláudio Cunha, publicado no Observatório da Imprensa:

“Quando o mal é mais audacioso, o bem precisa ser mais corajoso.” (Pierre Chesnelong, 1820-1894, político francês

Agosto, mês de cachorro louco, marcou o décimo ano da mais longa e infame ação na Justiça brasileira contra a liberdade de expressão.

É movida pela família do ex-governador Germano Rigotto, 60 anos, agora candidato ao Senado pelo PMDB do Rio Grande do Sul e supostamente alheio ao processo aberto em 2001 por sua mãe, dona Julieta, hoje com 89 anos. A família atacou em duas frentes, indignada com uma reportagem de quatro páginas, publicada em maio daquele ano em um pequeno mensário (tiragem de 5 mil exemplares) de Porto Alegre, o JÁ, que jogava luzes sobre a maior fraude da história gaúcha e repercutia o envolvimento de Lindomar Rigotto, filho de Julieta e irmão de Germano.

Uma ação, cível, cobrava indenização da editora por dano moral. A outra, por injúria, calúnia e difamação, punia o editor do JÁ e autor da reportagem, Elmar Bones da Costa, hoje com 66 anos. O jornalista foi absolvido em todas as instâncias, apesar dos recursos da família Rigotto, e o processo pelo Código Penal foi arquivado. Mas, em 2003, Bones acabou sendo condenado na área cível ao pagamento de uma indenização de R$ 17 mil. Em agosto de 2005 a Justiça determinou a penhora dos bens da empresa. O JÁ ofereceu o seu acervo de livros, cerca de 15 mil exemplares, mas o juiz não aceitou. Em agosto de 2009, sempre agosto, quando a pena ascendera a quase R$ 55 mil, a Justiça nomeou um perito para bloquear 20% da receita bruta de um jornal comunitário quase moribundo, sem anúncios e reduzido a uma redação virtual que um dia teve 22 jornalistas e hoje se resume a dois – Bones e Patrícia Marini, sua companheira. Cinco meses depois, o perito foi embora com os bolsos vazios, penalizado diante da flagrante indigência financeira da editora.

Até que, na semana passada, no maldito agosto de 2010, a família de Germano Rigotto saboreou mais um giro no inacreditável garrote judicial que asfixia o jornal e seu editor desde o início do Século 21: o juiz Roberto Carvalho Fraga, da 15ª Vara Cível de Porto Alegre, autorizou o bloqueio online das contas bancárias pessoais de Elmar Bones e seu sócio minoritário, o também jornalista Kenny Braga. Assim, depois do cerco judicial que está matando a editora, a família Rigotto assume o risco deliberado de submeter dois dos jornalistas mais conhecidos do Rio Grande ao vexame da inanição, privados dos recursos essenciais à subsistência de qualquer ser humano.

O personagem de Scorsese

Afinal, qual o odioso crime praticado pelo JÁ e por Elmar Bones que possa justificar tanta ira, tanta vindita, ao longo de tanto tempo, pelo bilioso clã Rigotto? O pecado do jornal e seu editor só pode ter sido o jornalismo de primeira qualidade, ousado e corajoso, que lhe conferiu em 2001 os prêmios Esso Regional e ARI (Associação Riograndense de Imprensa), os principais da categoria no sul do país, pela reportagem “Caso Rigotto – Um golpe de US$ 65 milhões e duas mortes não esclarecidas”.

A primeira morte era a de uma garota de programa, Andréa Viviane Catarina, 24 anos, que despencou nua do 14º andar de um prédio na Rua Duque de Caxias, no centro da capital gaúcha, no fim da tarde de 29 de setembro de 1998. O dono do apartamento, Lindomar Rigotto, estava lá na hora da queda. Ele contou à polícia que a garota tinha bebido uísque e ingerido cocaína. Nenhum vestígio de álcool ou droga foi confirmado nos exames de sangue coletados pela criminalística. O laudo da necropsia diz que a vítima mostrava três lesões – duas nas costas, uma no rosto – que não tinham relação com a queda. Ela estava ferida antes de cair, o que indicava que houve luta no apartamento. Um teste do Instituto de Criminalística indicou que o corpo de Andréa recebeu um impulso no início da queda.

No relatório que fez após ouvir Rigotto, o delegado Cláudio Barbedo, um dos mais experientes da polícia gaúcha, achou relevante anotar: “[Lindomar] depôs sorrindo, senhor de si, falando como se estivesse proferindo uma conferência”. Os repórteres que o viram chegar para depor, no dia 12 de novembro, disseram que ele parecia “um personagem de Martin Scorsese”, famoso pelos filmes sobre a Máfia: Lindomar usava óculos escuros, terno azul marinho, calça com bainha italiana, camisa azul, gravata colorida e gel nos cabelos compridos. O figurino não impressionou o delegado, que incluiu na denúncia o depoimento de uma testemunha informando que Lindomar era conhecido como “usuário e traficante de cocaína” na noite que ele frequentava – por prazer e ofício – como dono do Ibiza Club, uma rede de quatro casas noturnas que agitavam as madrugadas no litoral do Rio Grande e Santa Catarina. Em dezembro, o delegado Barbedo concluiu o inquérito, denunciando Lindomar Rigotto por homicídio culposo e omissão de socorro.

Lindomar só não sentou no banco dos réus porque teve também uma morte violenta, 142 dias após a de Andréa. Na manhã de 17 de fevereiro, ele fechava o balanço da última noite do Carnaval de 1999, que levou sete mil foliões ao salão do Ibiza da praia de Atlântida, a casa mais badalada do litoral gaúcho. Cinco homens armados irromperam no local e roubaram a féria da noitada. Lindomar saiu em perseguição ao carro dos assaltantes. Emparelhou com eles na praia vizinha, Xangrilá, a três quilômetros do Ibiza. Um assaltante botou a arma para fora e disparou uma única vez. Lindomar morreu a caminho do hospital, com um tiro acima do olho direito. Tinha 47 anos.

O choque de Dilma

A trepidante carreira de Lindomar Rigotto sofrera um forte solavanco dez anos antes, com seu envolvimento na maior fraude da história gaúcha: a licitação manipulada de 11 subestações da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), uma tungada em valores corrigidos de aproximadamente R$ 840 milhões – 21 vezes maiores do que o escândalo do Detran que submeteu a governadora Yeda Crusius a um pedido de impeachment, quase três vezes mais do que os desvios atribuídos ao clã Maluf em São Paulo, quinze vezes maior do que o total contabilizado pelo Supremo Tribunal Federal para denunciar a “quadrilha dos 40″ do mensalão do governo Lula.

Afundada em dívidas, a estatal gaúcha de energia tinha dificuldades para captar os US$ 141 milhões necessários para as subestações que gerariam 500 mil quilowatts para 51 pequenas e médias cidades do Rio Grande. Preocupado com a situação pré-falimentar da empresa, o então governador Pedro Simon (PMDB) tinha exigido austeridade total.

Até que, em março de 1987, inventou-se o cargo de “assistente da diretoria financeira” para acomodar Lindomar, irmão do líder do Governo Simon na Assembléia, o deputado caxiense Germano Rigotto. “Era um pleito político da base do PMDB em Caxias do Sul”, confessaria depois o secretário de Minas e Energia, Alcides Saldanha. Mais explícito, um assessor de Saldanha reforçou a paternidade ao JÁ: “Houve resistência ao seu nome [Lindomar], mas o irmão [Germano] exigiu”.

Com a chegada de Lindomar, as negociações com os dois consórcios das obras, que se arrastavam há meses, foram agilizadas em apenas oito dias. Logo após a assinatura dos contratos, os pagamentos foram antecipados, contrariando as normas estritas baixadas por Simon para evitar curtos-circuitos contábeis na CEEE. Três meses depois, a empresa foi obrigada a um empréstimo de US$ 50 milhões do Banco do Brasil, captado pela agência de Nassau, no paraíso fiscal das Bahamas. Uma apuração da área técnica da CEEE detectou graves problemas: documentos adulterados, folhas numeradas a lápis, licitação sem laudo comprovando a necessidade da obra. A sindicância da estatal propôs a revisão dos contratos, mas nada foi feito. A recomendação chegou ao governo seguinte, o de Alceu Collares (PDT), e à sucessora de Saldanha na pasta das Minas e Energia, uma economista chamada Dilma Rousseff. “Eu nunca tinha visto nada igual”, diria ela, chocada com o que leu.

Dilma só não botou o dedo na tomada porque o PDT de Collares precisava dos votos do PMDB de Rigotto para ter maioria na Assembléia. Para evitar o risco de queimaduras, Dilma, às vésperas de deixar a secretaria, em dezembro de 1994, teve o cuidado de mandar aquela papelada de alta voltagem para a Contadoria e Auditoria Geral do Estado (CAGE), que começou a rastrear a CEEE com auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e do Ministério Público. Dependendo do câmbio, o tamanho da fraude constatada era sempre eletrizante: US$ 65 milhões, segundo o CAGE, ou R$ 78,9 milhões, de acordo com o Ministério Público.

A denúncia energizou a criação de uma CPI na Assembléia, proposta pelo deputado Vieira da Cunha, líder da bancada do PDT em 2008 na Câmara Federal. Vinte e cinco auditores quebraram sigilos bancários e fiscais. Lindomar Rigotto foi apontado em 13 depoimentos como figura central do esquema, acusação reforçada pelo chefe dele na CEEE, o diretor-financeiro Silvino Marcon. A CPI constatou que os vencedores da licitação, gerenciados por Rigotto, apresentavam propostas “em combinação e, talvez, até ao mesmo tempo e pelas mesmas pessoas”. O relatório final lembrava: “É forçoso concluir pela existência de conluio entre as empresas interessadas que, se organizando através de consórcios, acertaram a divisão das obras entre si, fraudando dessa forma a licitação”. O JÁ foi mais didático: “Apurados os vencedores, constatou-se que o consórcio Sulino venceu todas as subestações do grupo B2 e nenhuma do B1. Em compensação, o Conesul venceu todas as obras do B1 e nenhuma do B1. A diferença entre as propostas dos dois consórcios é de apenas 1,4%”.

O aval de Dulce

A quebra do sigilo bancário de Lindomar revelou um crédito em sua conta de R$ 1,17 milhão, de fonte não esclarecida. O relatório final da CPI caiu na mão de um parlamentar do PT, o também caxiense Pepe Vargas, primo de Lindomar e Germano Vargas Rigotto. Apesar do parentesco, o primo Pepe, hoje deputado federal, foi inclemente na sua acusação final: “De tudo o que se apurou, tem-se como comprovada a prática de corrupção passiva e enriquecimento ilícito de Lindomar Vargas Rigotto”. Além dele, a CPI indiciou outras 12 pessoas e 11 empresas, botando no mesmo balaio nomes vistosos como Camargo Corrêa, Alstom, Brown Boveri, Coemsa, Sultepa e Lorenzetti. No final de 1996, a Assembléia remeteu as 260 caixas de papelão da CPI ao Ministério Público, de onde nasceu o processo n° 011960058232 da 2ª Vara Cível da Fazenda Pública em Porto Alegre. Os autos somam 30 volumes e 80 anexos e mofam ainda na primeira instância do Judiciário, protegidos por um inacreditável “segredo de justiça”. Em fevereiro próximo, o Rio Grande do Sul poderá comemorar os 15 anos de completo sigilo sobre a maior fraude de sua história.

Esta incrível saga de resistência e agonia do JÁ e de Bones provocada pela família Rigotto foi contada, em primeira mão, neste Observatório, em 24 de novembro de 2009 (“O jornal que ousou contar a verdade”). No dia seguinte, uma quarta-feira, Rigotto telefonou de Porto Alegre para reclamar ao autor que assina aquele e este texto.

– Isso ficou muito ruim pra mim, Luiz Cláudio, pois o Observatório é um formador de opinião, muito lido e respeitado. Ficou parecendo que eu estou querendo fechar um jornal. Eu não tenho nada a ver com isso. O processo é coisa da minha mãe. Foi a minha irmã, Dulce, que me disse que a reportagem era muito pesada, irresponsável. Eu nem conheço este jornal, este jornalista…

– Rigotto, a dona Julieta não é candidata a nada. O candidato és tu. A reportagem do JÁ tem implicações políticas que batem em ti, não na tua mãe. E acho muito estranho que, passados oito anos, tu ainda não tiveste a curiosidade de ler a reportagem que tanta aflição provoca na dona Julieta. Se tu estás te baseando na avaliação da Dulce, devo te alertar que ela não entende xongas de jornalismo, Rigotto! Esta matéria do Bones é precisa, calcada em fatos, relatórios, documentos e conclusões da CPI e do Ministério Público que incriminam o teu irmão. Não tem opinião, só informação. O teu processo…

– Não é meu, não é meu… É da minha mãe…

– Isso é o que diz também o Sarney, Rigotto, quando perguntam a ele sobre a censura que cala O Estado de S.Paulo. “Isso é coisa do meu filho, o Fernando”…

– Eu fico muito ofendido com esta comparação! Eu não sou o Sarney, não sou!…

– Lamento, mas estás usando a mesma desculpa do Sarney, Rigotto.

– Luiz Cláudio, como resolver isso tudo com o Bones? A gente pode parcelar a dívida e aí…

– Rigotto, tu não estás entendendo nada. O Bones não quer parcelar, não quer pagar um único centavo. Isso seria uma confissão de culpa, e ele não fez nada errado. Pelo contrário. Produziu uma reportagem impecável, que ganhou os maiores prêmios. Eu assinaria essa matéria, com o maior orgulho. Sai dessa, Rigotto!

Coincidência ou não, um dia depois do telefonema, na quinta-feira, 26, Rigotto convocou uma inesperada coletiva de imprensa em Porto Alegre para anunciar sua retirada como possível candidato ao Palácio Piratini, deixando o espaço livre para o prefeito José Fogaça.

O modelo de Roosevelt

Naquela mesma quarta-feira, 25 de novembro, a emenda ficou pior que o soneto. O advogado dos Rigotto, Elói José Thomas Filho, botou no papel aquela mesma proposta indecente que ouvi do próprio Germano Rigotto, confirmando por escrito ao editor a idéia de parcelar a indenização devida de R$ 55 mil em 100 (cem) módicas prestações. Diante da altiva recusa de Bones, o advogado pareceu incorporar a doutrina do big stick de Theodore Ted Roosevelt (1901-1909), popularmente conhecida como “lei do tacape” e inspirada pela frase favorita do belicoso presidente estadunidense: “Fale com suavidade e tenha na mão um grande porrete”. O suave advogado Thomas Filho escreveu então para Bones: “… em nova demonstração de boa-fé, formalizamos nossa intenção em compor amigavelmente o litígio acima, bem como a possibilidade [sic] de nos abstermos de ajuizar novas demandas judiciais…”.

Certamente para tranquilizar o filho candidato, o advogado reafirmava na carta a Bones que a ação contra o jornal era movida “unicamente” por dona Julieta, que buscava na justiça o ressarcimento pelo “abalo moral” provocado pela reportagem do JÁ, que misturava “irresponsavelmente três fatos diversos que envolveram a figura do falecido”. Ou seja, dona Julieta Rigotto, que entende de jornalismo tanto quanto os filhos Dulce e Germano, não consegue perceber a obviedade linear de uma pauta irresistível para qualquer repórter inteligente: o objetivo relato jornalístico sobre um homem público – Lindomar – morto num assalto pouco antes de ser julgado pelo homicídio culposo de uma prostituta e pouco depois de ser denunciado no relatório de uma CPI, redigido pelo primo deputado, pela prática comprovada de “corrupção passiva e enriquecimento ilícito” na maior fraude já cometida contra os cofres públicos do Rio Grande do Sul. Mas, na lógica simplória da mãe dos Rigotto, uma coisa não tem nada a ver com a outra…

Para garantir o tom “amigável” entre as partes, o advogado de dona Julieta propôs a Bones os termos de uma retratação pública, suave como um porrete, enfatizando três pontos:

1. “Dona Julieta nunca teve a intenção de fechar o jornal”;

2. “a ação não é promovida pela família Rigotto, mas apenas por dona Julieta”;

3. “retirar o jornal de circulação, para estancar a propagação do dano”.

Tudo isso, incluindo o ameno confisco de um jornal das bancas em pleno regime democrático, segundo o tortuoso raciocínio do advogado, serviria para “tutelar a honra e a imagem de seu falecido filho”. Neste longo, patético episódio, que intercala demonstrações de coragem e altivez com cenas de pura violência, fina hipocrisia ou corrupção explícita, ficou pelo caminho o contraste de atitudes que elevam ou rebaixam. Diante da primeira ação criminal de dona Julieta na Justiça, o promotor Ubaldo Alexandre Licks Flores ensinou, em novembro de 2002:

“[não houve] qualquer intenção de ofensa à honra do falecido Lindomar Rigotto. Por outro lado, é indiscutível que os três temas [a CEEE e as duas mortes] estavam e ainda estão impregnados de interesse público”.

O orgulho de Enedina

Apesar da lucidez do promotor, o caso tonitruante da CEEE não ecoa nos ouvidos surdos da imprensa gaúcha, conhecida no país pela acuidade de profissionais talentosos, criativos, corajosos. Nenhum grande jornal do sul – Zero Hora, Correio do Povo, Jornal do Comércio, O Sul –, nenhum colunista de peso, nenhum editorialista, nenhum blog de prestígio perdeu tempo ou tinta com esse tema, que nem de longe parece um assunto velho, batido ou nostálgico. O que lhe dá notória atualidade não é o ancestral confronto entre a liberdade de expressão e a prepotência envergonhada dos eventuais poderosos de plantão, mas a reaparição de seus principais personagens no turbilhão da corrida eleitoral de 2010.

Germano Rigotto, o líder governista que emplacou o filho de dona Julieta na máquina estatal, é hoje o candidato do maior partido gaúcho ao Senado Federal. A ex-secretária Dilma Rousseff, que ficou estarrecida com o que leu sobre as fraudes de Lindomar Rigotto na CEEE, é apontada pelas pesquisas como a futura presidente do Brasil, numa vitória classificada pelo renomado jornal inglês Financial Times como “retumbante”. Tarso Genro, o ex-comandante supremo da Polícia Federal, que executou as maiores operações contra corruptos da máquina pública, lidera a corrida ao governo gaúcho e, certamente, tem os instrumentos para saber hoje o que Dilma sabe desde 1990. O primo Pepe Vargas, que mostrou isenção e coragem no relatório da CPI sobre a maior fraude da história do Rio Grande, é candidato à reeleição, assim como o deputado federal que inventou a CPI, Vieira da Cunha.

É a lógica perversa do interesse eleitoral que explica o desinteresse até dos principais adversários de Rigotto na disputa pelo Senado. O candidato do PMDB está emparedado entre a líder na pesquisa da Datafolha, a jornalista Ana Amélia Lemos (PP) – que subiu de 33% em julho para 44% na semana passada – e o candidato à reeleição pelo PT, senador Paulo Paim – que cresceu de 35% no início do mês para 38% agora. Rigotto caiu de 43% para 42% no espaço de três semanas. Na Região Metropolitana de Porto Alegre, Ana Amélia bate Rigotto por 47% a 39%. Seus oponentes desprezam o potencial explosivo do “Caso CEEE” porque todos sonham em ganhar o segundo voto dos outros candidatos, o que justifica a calculada misericórdia e o piedoso silêncio que modera a estratégia de adversários historicamente tão diferentes e hostis como são, no Rio Grande do Sul, o PT, o PMDB e o PP.

O que é recato na política se transforma em omissão nas entidades que, ao longo do tempo, marcaram suas vidas na luta pela democracia e pela liberdade de expressão e no repúdio veemente à ditadura e à censura. Siglas notáveis como OAB, ABI, SIP, Fenaj e Abraji brilham pelo silêncio, pela omissão, pelo desinteresse ou pelo trato burocrático do caso JÁ vs. Rigotto, que resume uma questão crucial na vida de todas elas e de todos nós: a livre opinião e o combate à prepotência dos grandes sobre os pequenos, apanágio de toda democracia que se respeita.

A OAB e seus advogados, no Rio Grande ou no Brasil, que impulsionaram a queda de um presidente envolvido em denúncias de corrupção, não se sensibilizam pela sorte de um pequeno jornal e seu bravo editor, punidos por seu desassombrado jornalismo e mortalmente asfixiados pelo cerco econômico surpreendentemente avalizado pela Justiça, que deveria proteger os fracos contra os fortes – e não o contrário.

A inerte Associação Brasileira de Imprensa jamais se pronunciou sobre as agruras de Bones e seu jornal. Só em setembro de 2009, um mês após a denúncia sobre o bloqueio judicial das receitas do JÁ, é que a Fenaj e o Sindicato dos Jornalistas do RS trataram de fazer alguma coisa: uma nota gelada, descartável, manifestando solidariedade à vítima e lamentando a decisão “equivocada” da Justiça. A Associação Riograndense de Imprensa, que em 2001 conferiu à reportagem contestada do JÁ o seu maior prêmio jornalístico, só quebrou o seu constrangedor silêncio ao ser cobrada publicamente por este Observatório, em novembro passado. Todos os membros da brava Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo têm a obrigação de conhecer a biografia de Elmar Bones, que nos anos de chumbo pilotou o CooJornal, um mensário da extinta Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre (1976-1983) que virou referência da imprensa nanica que resistia à ditadura.

Bones chegou a ser preso, em 1980, pela publicação de um relatório secreto em que o Exército fazia uma autocrítica sobre as bobagens cometidas na repressão à guerrilha do Araguaia. Algo mais perigoso, na época, do que falar na roubalheira operada pelo filho de dona Julieta na CEEE… No site da Abraji, a entidade emite sua opinião em quatro notas, nos últimos dois anos. Critica o sigilo eterno de documentos públicos, defende o seguro de vida para repórteres em zona de risco, repudia um tapa na cara que uma repórter de TV do Centro-Oeste levou de um vereador e, enfim, faz uma vigorosa, firme, veemente manifestação a favor da liberdade de expressão… no México. Ao pobre JÁ e seu editor, lá no sul do Brasil, nenhuma linha, nada.

A poderosa Sociedade Interamericana de Imprensa, que reúne os maiores veículos das três Américas, patrocina uma influente Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação, hoje sob a presidência de um jornal do Texas, o San Antonio Express News. Entre os 26 vice-presidentes regionais, existem dois brasileiros: Sidnei Basile, do Grupo Abril, e Maria Judith de Brito, da Folha de S.Paulo. Envolvidos com os graves problemas da Paulicéia, eles provavelmente não podem atentar para o drama vivido por um pequeno jornal de Porto Alegre. Mas, existem outros 17 membros na Comissão de Liberdade da SIP, e dois deles bem próximos do drama de Bones: os gaúchos Mário Gusmão e Gustavo Ick, do jornal NH, de Novo Hamburgo, cidade a 40 km da capital gaúcha. Nem essa proximidade livra as aflições do JÁ e seu editor do completo desdém da SIP.

Este monumental cone de silêncio e omissão, que atravessa fronteiras e biografias, continua desafiando a sensibilidade e a competência de jornais e jornalistas, que deveriam se perguntar o que existe por trás do amaldiçoado caso da CEEE, que afugenta em vez de atrair a imprensa. A maior fraude da história do Rio Grande, mais do que uma bomba, é uma pauta em aberto, origem talvez da irritação dos Rigotto contra o editor e o jornal que ousaram jogar luz nessa história mal contada. Os volumes empoeirados deste megaescândalo continuam intocados nas estantes da Justiça em Porto Alegre, protegido por um sigilo inexplicável que só pode ser útil a quem mente e a quem rouba, não a quem luta pela verdade e a quem é ético na política, como fazem os bons repórteres e como devem ser os bons políticos.

O bom jornalismo não é aquele que produz boas respostas, mas aquele que faz as boas perguntas – e as perguntas são ainda melhores quando incomodam, quando importunam, quando constrangem, quando afligem os consolados e quando consolam os aflitos.

A emoção é a última fronteira de quem perde os limites da razão. Elmar Bones tinha ganhado todas as instâncias do processo criminal, quando um juiz do Tribunal de Justiça, na falta de melhores argumentos, preferiu se assentar nos autos impalpáveis do sentimento para decidir em favor da mãe de Germano Rigotto:

“Não há como afastar a responsabilidade da ré pelas matérias veiculadas, que atingiram negativamente a memória do falecido, o que certamente causou tristeza, angústia e sofrimento à mãe do mesmo (…)”.

Dona Julieta Rigotto, viva e forte aos 89 anos, ainda sofre com a honra e a imagem maculadas de seu falecido filho, Lindomar.

Dona Enedina Bones da Costa tinha 79 anos quando morreu, em 2001, poupada assim da tristeza, angústia e sofrimento que sentiria ao ver o drama vivido agora por seu filho, Elmar. Mas ela teria, com certeza, um enorme, um insuperável orgulho pelo filho honrado e corajoso que trouxe ao mundo e ao jornalismo.

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TVs serão questionadas na Justiça

Reproduzo alerta de Eduardo Guimarães, publicado no blog da Cidadania:

Tem início, neste post, a nova campanha do Movimento dos Sem Mídia por adesões à Representação que a ONG fará à Justiça Eleitoral brasileira contra o desafio da lei que regula as eleições no país, desafio esse representado pela prática ilegal de concessões públicas de rádio e tevê manifestarem opinião favorável a pelo menos um candidato no processo eleitoral de 2010.

O que é mais grave nessa prática é que o candidato favorecido pelas concessões públicas em tela disputa a Presidência da República, o que torna inaceitável que possa ter êxito em alcançar cargo dessa importância valendo-se de favorecimento ilegal por meios que pertencem a toda a sociedade e não, apenas, a grupos políticos amigos e/ou aliados dos concessionários.

Após debates e estudos, a Presidência e a Diretoria Jurídica do Movimento dos Sem Mídia compuseram minuta da Representação que será feita em benefício de eleições livres, limpas e democráticas, sem concurso de estratégia ilegal como é o uso de uma concessão pública em benefício de interesses particulares de grupos políticos e de empresários do setor de comunicação.

Trata-se de um documento preliminar que abro para contribuições, alterações e supressões por parte dos leitores deste blog durante o processo de finalização da medida a ser encaminhada à Procuradoria Geral Eleitoral em Brasília no menor prazo possível. Abaixo, a minuta da Representação.

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Representação do Movimento dos Sem Mídia – MSM à Procuradoria Geral Eleitoral Federal – PGE sobre possível atuação ilegal de órgãos de mídia no atual processo eleitoral.

A Lei Federal nº 9.504, promulgada em 30/09/1997 e conhecida como Lei Geral das Eleições, regula o processo eleitoral deste ano no Brasil e dispõe, em seu artigo 45, sobre condutas vedadas aos veículos de mídia, visando o respeito à lei de propaganda eleitoral permitida e garantir as condições de igualdade e isonomia entre os candidatos que disputam o pleito.

Determina o artigo 45 da Lei :

– A partir de 1º de Julho do ano da eleição, é vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e noticiário:

III – veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação e aos seus órgãos ou representantes;

IV – dar tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligação;

Ocorre que, neste ano, a campanha eleitoral de 2010, como já havia ocorrido na de 2006, foi fartamente discutida pela sociedade brasileira. Vários órgãos de mídia, principalmente redes de televisão e rádio, podem estar avançando e extrapolando os limites da legalidade fixados na Lei 9.504/97 no que diz respeito a tratamento igualitário aos candidatos que disputam estas eleições. Pela cobertura e abrangência que possuem sobre o território brasileiro, esses meios de comunicação podem influir decisivamente na vontade soberana do eleitorado distorcendo e influindo ilegalmente no resultado do pleito que se avizinha, ao arrepio do que determina a lei eleitoral supracitada.

A questão das redes de televisão e rádio é muito grave e afeta diretamente o interesse público, pois essas empresas somente funcionam porque exploram concessões públicas, outorgadas pelo Estado brasileiro. Portanto, exploram um bem que pertence a todos os cidadãos, o chamado espectro eletromagnético, através do qual transmitem e retransmitem programação para todo o território nacional, de maneira que essa programação não pode ser usada para incentivo, defesa ou promoção de grupos políticos determinados, pois constitui infração do que determina a legislação eleitoral vigente.

Sem a autorização do Governo Federal para funcionarem nos termos da lei que regula a matéria, as emissoras de TV e rádio não podem efetuar a transmissão de suas programações no território nacional e, assim, essas empresas de comunicação, mais do que qualquer outra organização ou entidade juridicamente constituída perante as leis brasileiras, têm que se ater aos termos das prerrogativas contidas nas concessões públicas que detêm e também devem obedecer rigorosamente a quaisquer restrições legais que se interponham.

Não obstante a legislação eleitoral, como mero exemplo do que vem ocorrendo relata-se aqui que certas redes de televisão e rádio podem ter extrapolado os limites da lei no que diz respeito a tratamento igualitário que devem dispensar aos candidatos que disputam o cargo de Presidente da República, sendo fato amplamente comentado pela população e por blogs e sites na internet que está havendo favorecimento ao candidato do PSDB, José Serra. São anomalias como as de 1º de setembro último, por exemplo, quando um apresentador e um comentarista de telejornais da Globo e do SBT, os senhores Carlos Nascimento e Merval Pereira, entre outros, apoiaram abertamente acusação do candidato do PSDB à Presidência, José Serra, à candidata do PT, Dilma Rousseff, de que ela e sua campanha teriam ordenado o vazamento de dados sigilosos da Receita Federal concernentes à filha daquele candidato, senhora Verônica Allende Serra.

A cobertura enviesada e parcial de redes de televisão e de rádio sobre fatos e ações políticas das candidaturas no atual processo eleitoral pode constituir verdadeira “propaganda eleitoral negativa” contra uma candidatura e, no caso em tela, vitimização da outra, violando os dispositivos da lei 9.504/97, de maneira que deve ser objeto de investigação e coibida pela Procuradoria Geral Eleitoral – PGE e pelo TSE – Tribunal Superior Eleitoral. E o que é pior: sem que exista uma única prova que sustente a acusação comprada, in limine, pelos concessionários públicos supracitados.

A ONG Movimento dos Sem Mídia – MSM, diante de resultados díspares entre os quatro maiores institutos de pesquisas eleitorais do País no início deste ano, propôs, de forma republicana, Representação perante a douta Procuradoria Geral Eleitoral – PGE “pedindo investigação sobre a realização e divulgação de pesquisas eleitorais fraudulentas”. A Representação foi aceita, estando em curso Inquérito na Superintendência da Polícia Federal em Brasília – DF para investigar a denúncia. Mais uma vez, frente a fatos e ações de órgãos de mídia que revelam indícios de tentativas de influenciar ilicitamente o processo eleitoral, o Movimento dos Sem Mídia – MSM, organização da sociedade civil, na defesa dos interesses maiores da República, da Democracia e do Estado de Direito, prepara nova Representação. A manifestação do MSM à Justiça Eleitoral será aberta a apoio de todo e qualquer cidadão brasileiro a investigação da atuação de redes de televisão e rádio que pode estar tentando influir indevidamente na vontade soberana do eleitorado, podendo vir a distorcer os resultados da eleição presidencial vindoura.

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quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Vanessa ameaça o tucano Arthur Virgilio

Por Altamiro Borges

As últimas pesquisas eleitorais indicam que o senador tucano Arthur Virgílio Neto, inimigo feroz do governo Lula, dos movimentos sociais e das causas progressistas, corre o sério risco de não se reeleger no Amazonas. Este resultado seria motivo de festas, unindo distintas forças que sempre foram alvo das suas truculências. Num de seus ataques, em plena tribuna do Senado, o valentão rosnou que daria “uma surra no Lula”. Mas ele pode mesmo é apanhar é dos eleitores do estado.

Segundo pesquisa divulgada no jornal A Crítica, a popularidade do presidente Lula bate recordes no estado e candidata Dilma Rousseff já alcançou 76% da preferência do eleitorado. Não é para menos que o valentão simplesmente rifou o demotucano José Serra (com apenas 9% dos votos), escondeu a sigla do seu partido, o PSDB, e até mudou de nome – agora é Artur, sem H. Já o seu candidato ao governo do estado, “um poste”, não passa do zero nas sondagens eleitorais.

A solidão do tucano valentão

A disputa promete ser mais emocionante é para as duas vagas do Senado. Como constata o jornal Valor, “Virgílio está praticamente sozinho. Seus adversários estão nas duas maiores coligações do Estado e têm suas candidaturas turbinadas pelos apoios do presidente Lula, da petista Dilma Rousseff e do ex-governador Eduardo Braga (PMDB), que aparece virtualmente eleito senador com mais de 80% das intenções de voto”. A briga é pela segunda vaga. O tucano, que se jactava de imbatível, despenca nas pesquisas; já Vanessa Grazziotin, do PCdoB, disparou nas sondagens.

“O embate Arthur-Vanessa será mais acirrado que a campanha de governador”, avalia Edmilson Barreiros, procurador-regional eleitoral do Amazonas. O tucano ainda tenta disfarçar otimismo, mas a tendência é irreversível. “Pesquisa feita entre 15 e 22 de agosto pela Perspectiva mostra Virgílio com 39% das intenções de voto, empatado tecnicamente com Vanessa Grazziotin, que chegou a 39,3%. Na última coleta de dados do Ibope - 27 a 29 de julho -, Eduardo Braga liderava com 86%, seguido por Virgílio (43%) e Vanessa (33%)”, relata o jornal Valor.

“A mentira tem perna curta”

Desesperado, o valentão tucano afinou. Ele evita criticar o presidente Lula e, na maior caradura, afirma que foi “parceiro” do governo federal. Mas, como afirma Vanessa Grazziotin, “o povo vai cair na real e vai ver que a campanha do meu adversário é completamente mentirosa. Ele passou oito anos atacando o presidente Lula e hoje coloca tudo de bom que o presidente fez como se ele tivesse participado. Mas a mentira tem perna curta”, afirmou a candidata à Rede Brasil Atual.

Já na eleição para governador do estado, em 2006, os amazonenses demonstraram que não caem mais nas bravatas e mentiras do senador tucano. Apesar da forte exposição na mídia como líder da oposição ao governo Lula no episódio do “mensalão”, ele obteve somente 5,51% dos votos. Escaldado com a baita “surra” nas urnas, Arthur Virgílio até ensaiou uma mudança de postura, elogiando o presidente Lula, “que está mais maduro”, e fazendo autocrítica da sua “oposição exagerada”. Mas era pura encenação. Pouco depois, ele voltou ao oposicionismo hidrófobo.

Amigo dos ricos, inimigo dos pobres

Na batalha da CPMF, Arthur Virgílio foi um dos mais ácidos na crítica ao tributo que penalizava grandes empresas e era destinado às áreas sociais. Ao tentar agradar as camadas ricas, inimigas de impostos e adeptas da sonegação, colocou-se abertamente contra os mais pobres, inclusive do seu estado, que dependiam deste tributo para ter acesso à saúde e ao programa Bolsa Família. Furioso, o senador até ameaçou renunciar ao cargo de líder do PSDB caso seus pares seguissem a orientação de governadores tucanos mais pragmáticos, que contavam com o repasse da CPMF.

A revista Carta Capital estampou na capa a fotomontagem de Arthur Virgílio como papagaio de pirata de FHC, prognosticando que o senador poderia sentir os reflexos desta atitude antipopular com uma nova “surra” no pleito ao Senado em 2010. Mas o senador não tem cura mesmo. Logo na sequência, ele reocupou o papel de testa-de-ferro dos ricaços, em especial dos banqueiros, na batalha contra o aumento das alíquotas do IOF (Imposto sobre as Operações Financeiras) e da CSLL (Contribuição Social sobre Lucros Líquidos). Tudo para prejudicar o presidente Lula!

As bravatas do senador tucano

As mentiras e bravatas do senador já são conhecidas. A enciclopédia eletrônica Wikipédia até as tornou famosas no mundo. No verbete dedicado ao folclórico político amazonense, ela apresenta vários casos escabrosos. Lembra que o tucano, um dos vestais da ética contra os “recursos não contabilizados” do PT, confessou ao Jornal do Brasil, em 19 de novembro de 2000, que também usou tal expediente:

“Em 1986, fui obrigado a fazer Caixa-2 na campanha para o governo do Amazonas. As empresas que fizeram a doação não declararam com medo de perseguição política”, confessou. A matéria, intitulada “ilegalidade é freqüente”, abordou ainda as denúncias de doações de R$ 10 milhões à campanha pela reeleição de FHC. Mas logo o papagaio de pirata fez a defesa do chefão: “Vamos acabar com essa história de mocinhos pré-fabricados e bandidos pré-concebidos. Neste país, o Caixa-1 é improvável. A maioria das campanhas tem Caixa-2”.

“Dou uma surra no Lula”

A enciclopédia também aborda outros temas constrangedores. Ela estranha o fato do senador ter sido “o carrasco da CPI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”. Wikipédia cita ainda reportagem do jornal O Povo sobre a prisão do deputado Arthur Bisneto, filho do senador, em outubro de 2004 – logo após obter apenas 3,3% dos votos na eleição para prefeito de Manaus. Na praça matriz de Eusébio, nas redondezas de Fortaleza, ele teria “baixado as calças, mostrando as nádegas”, para duas adolescentes que não souberam dizer onde ficava o “Cabaré da Tia Bete”.

Denunciado por testemunhas, Bisneto foi preso por “atos obscenos”. Já na delegacia, ostentando o seu nome, desacatou a própria delegada Penélope Malveira, voltando a baixar as calças. “Ele teria reagido com palavrões e dito que com o relógio que estava no seu pulso dava para comprar ‘policiais, viaturas e você’ – referindo-se à delegada”. A cena grotesca, envolvendo o “filhinho de papai”, é que explicaria a reação de Arthur Virgílio, em novembro de 2005, quando afirmou em plena tribuna do Senado que “se ameaçarem um filho meu, dou uma surra no próprio Lula”.

Quem é “idiota ou corrupto”?

Agora travestido de “parceiro do Lula”, no mais rasteiro oportunismo eleitoral, o senador tucano sempre foi um inimigo raivoso do atual governo. Inclusive, ele utilizou a tribuna do Senado para chamar o presidente Lula de “idiota ou corrupto”. Na sua histeria golpista, pregou abertamente o impeachment contra o governante eleito democraticamente. Durante uma única sessão da CPI dos Correios, utilizou 17 vezes o termo “idiota” ao se referir ao atual mandatário. “Volto a dizer que nós temos um presidente que é um completo idiota ou é um corrupto”.

No auge da sua fama, durante a crise do governo Lula, o exibicionista procurou pousar de arauto da ética. Mas, como revelou a minuciosa reportagem de Fábio Jammal, na revista Fórum, ele náo teria moral para falar em corrupção. “Denúncias de mau uso do dinheiro público não faltaram quando ele foi prefeito de Manaus (1989-93)... Em dezembro de 2004, a Corregedoria-Geral da União lhe cobrou a restituição de R$ 154,7 mil aos cofres públicos por causa da falta de comprovação da aplicação de recursos transferidos pelo extinto Ministério do Interior”.

“Virgílio foi dos que pior reagiu à ação da Comissão de Ética quando, em fevereiro de 2002, recebeu pedido de explicações. Ele era titular da secretária-geral da presidência da República e freqüentou naquele carnaval os camarotes de empresas privadas no sambódromo carioca. Ele considerou um acidente a admoestação da comissão e tentou dizer que havia pagado R$ 2,5 mil pelo convite. Foi contestado, já que as camisetas da empresa em questão não estavam à venda”.

Inimigo do MST e de Chávez

O senador também é inimigo declarado de todas as causas progressistas, como a reforma agrária. Quando o presidente Lula colocou o boné vermelho do MST na cabeça, ele criticou “a sinistra e perigosa escalada do governo federal, que tolera de maneira licenciosa, e por vezes indecorosa, a agressividade do MST”. Para ele, a atitude democrática do presidente, de respeito e diálogo com os movimentos sociais, “pode ser interpretada como um apoio aos métodos ilegais, autoritários, antidemocráticos e violentos de reivindicação política”.

Partidário da derrotada proposta neocolonial dos EUA da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), o senador fez de tudo para implodir o Mercosul e a integração soberana dos povos da região. O alvo da sua retórica agressiva é o presidente da Venezuela. “Caso dependa do PSDB, a Venezuela de Chávez não terá sua entrada no Mercosul aprovada”, afirmou na tribuna. Numa entrevista à revista Veja, o diplomata de formação Arthur Virgílio revelou todo o seu rancor anti-diplomático. “O PSDB náo compactuaria jamais com um regime ditatorial como o de Hugo Chávez. O PSDB não perderia tempo acreditando nas balelas do senhor Evo Morales”.

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O esperneio de José Serra

Reproduzo editorial do sítio Vermelho:

A cada pesquisa publicada, a candidata da esquerda à Presidência da República, Dilma Rousseff, registra novos avanços que indicam a chance de vitória já no primeiro turno, em 3 de outubro. Esse noticiário já virou rotina e só deixa de ser monótono pela reação da direita e de seu candidato José Serra, que esperneia diante daquilo que vai se desenhando como uma derrota inevitável.

Para os tucanos, a direita, os conservadores, aqueles que apostavam até recentemente na "desmontagem" de Dilma quando o programa eleitoral na televisão começasse, há um clima de fim de mundo que pode ser constatado repetidas vezes pela leitura dos jornalões nas últimas semanas. Só um exemplo: um comentarista sugere, na Folha de S. Paulo (dia 30), que Serra pode "levar uma sova acachapante e humilhante já no primeiro turno". Para evitar esse vexame, a direita e os conservadores agora clamam pela necessidade de levar a eleição pelo menos para um segundo turno que torne a derrota menos arrasadora.

Este é o sentido da mais recente polêmica que passou a frequentar os jornais, alimentada pela acusação feita por Serra contra Dilma, de que ela teria sentado "na cadeira presidencial" antes do resultado das urnas. É uma "falta de respeito para com as pessoas. É alguém sentando na cadeira a mais de um mês da eleição”, disse ele tentando amenizar um resultado que não previu mas é obrigado a reconhecer.

As pesquisas descrevem uma "onda Dilma" que, na mesma Folha de S.Paulo, outra comentarista promoveu a "tsunami". A candidata das forças progressistas e avançadas já registra dianteira em todos os Estados e regiões brasileiras, mesmo naqueles que, como São Paulo e a região Sul, eram considerados santuários serristas. Ela ultrapassou Serra entre as mulheres, segmento onde o tucano resistia, e também em todas as camadas sociais, exceto os ricos, entre os quais o candidato neoliberal ainda está à frente. Os números são vistosos, desencorajando inclusive os apelidados "fatos políticos" que a direita poderia usar para tentar reverter a vantagem a favor de Dilma.

O último levantamento, divulgado no dia 28, mostra Dilma com 51% contra 27% de Serra - uma dianteira de 24 pontos difícil de reverter por qualquer factóide. Faltando 33 dias para a eleição, a direita precisaria tirar quase um ponto por dia da candidata (num cenário onde ela ainda tem espaço para crescer) e fazer o mais difícil, transferir estes pontos para Serra. Uma tarefa improvável.

Serra faz o previsível: acusações vãs que só confirmam o temor de um fracasso iminente. Nesse quadro, seus próprios partidários na imprensa tentam abrir um debate em duas linhas. Primeiro, especulam sobre a formação de um provável governo Dilma e começam a enxergar "crises", divisões e disputas, num procedimento cuja única utilidade é mostrar que, no próximo mandato, os jornalões vão repetir a mesma ladainha conservadora e conspiratória de sempre. Na outra ponta, tentam adivinhar como será a oposição de direita, que antevêem como enfraquecida eleitoralmente depois de 3 de outubro: quais os papéis de Serra, Aécio Neves, e Geraldo Alckmin, por exemplo; ou o deslocamento regional da liderança do PSDB, que sairá das urnas menor do que entrou.

O quadro político brasileiro, depois de outubro, vai registrar no Congresso as mudanças na base eleitoral que ocorreram durante os mandatos do presidente Lula e que levam a uma nova correlação de forças no país.

Velhas forças do passado, que se mantinham à tona por uma espécie de inércia eleitoral, como o DEM e o próprio PSDB, vão naufragar, e uma nova configuração, consentânea com aquelas mudanças, vai comandar o país. Foi um processo histórico lento, que se desdobrou desde o início da República, ganhou velocidade depois de 1930, atravessou a democracia da Constituição de 1946, a ditadura militar de 1964, a Nova República de 1985, o neoliberalismo de Fernando Henrique Cardoso e dos tucanos, e desembocou na eleição de Lula em 2002.

O coro da mídia e dos conservadores encara o fechamento desse processo como uma ameaça ditatorial e antidemocrática. Não é: é a perda de poder dessas elites carcomidas e sua troca por sangue novo na direção do país. Já havia passado do tempo da conclusão desse processo histórico, que está em franco desenvolvimento.

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terça-feira, 31 de agosto de 2010

CEF rechaça mentiras do Estadão

Reproduzo nota oficial da assessoria de imprensa da Caixa Econômica Federal (CEF):

Em relação à matéria "Minha Casa Minha Vida deixa de lado quem ganha menos" (30/08), a Caixa Econômica Federal esclarece que as informações publicadas, atribuídas ao vice-presidente de Governo da Caixa, Jorge Hereda, não correspondem nem ao que foi dito durante a entrevista e nem à realidade. Ao contrário, as famílias com renda familiar de 0 a 3 salários mínimos são, sim e prioritariamente, atendidas pelo Programa, conforme dados abaixo:

- Até o dia 27/08, 610 mil unidades habitacionais foram contratadas pelo Programa Minha Casa Minha Vida. Dessas, 376,6 mil, ou seja, mais de 60% dos imóveis, atendem famílias na faixa de renda de 0 até 3 SM – sendo 282,1 mil com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), e 94,5 mil com outras modalidades de financiamento. Trata-se do maior volume de recursos já aplicados e a maior quantidade de unidades de um programa habitacional no país voltado para aquela faixa de renda.

- Em uma análise sobre o orçamento, constata-se que já foram contratados mais de 82% de todo o recurso de R$ 14 bilhões destinado a atender exclusivamente as famílias de 0 a 3 SM. Ou seja, o orçamento total para essa faixa de renda da população já está em fase final de contratação, devendo ser aplicado totalmente durante já este mês de setembro.

- Para famílias também com renda até 3 SM, que podem contratar financiamento com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), contando com subsídio direto que permite o acesso a moradias ofertadas pelo mercado, a quantidade contratada também já supera 94,5 mil unidades habitacionais, correspondendo a mais de R$ 3,76 bi em financiamentos. Isso só foi possível graças à subvenção que famílias receberam do governo.

- O valor de subsídio, citado no item anterior, concedido exclusivamente para o público de até 3 SM que contratou financiamento direto ou para aquisição na planta de uma moradia, passa de R$ 1,49 bi. Esse número, além de constituir o maior valor dessa natureza na história já alocado para acesso a moradia no Brasil, demonstra que o MCMV achou a modelagem orçamentária adequada para suprir as necessidades dessa faixa de renda e também para as famílias com renda até 6 SM.

- O MCMV foi lançado em março/2009 e as propostas começaram a ser entregues à Caixa em abril/2009. Transcorrido pouco mais de um ano, o número de unidades que chegaram ao cliente final até 31/07 é de 3.588, na faixa de 0 a 3 SM. Construir um empreendimento habitacional, independente da faixa de renda, não acontece como um passe de mágica; ele tem que ser edificado. Assim, o número de entregas está absolutamente de acordo com o prazo de construção de um empreendimento habitacional, que varia entre 12 e 24 meses em função da quantidade de unidades, da especificação dos imóveis e até de condições climáticas, dentre outros fatores. Ou seja, as entregas começam a acontecer, de fato, ao final deste semestre e ao longo de 2011. Não há, nem deveria mesmo haver, expectativa diferente.

Por fim, reforçamos que a matéria, ao afirmar em seu título e em seu lead que o MCMV "deixa de lado quem ganha menos" e que "tem dificuldades em atender as famílias de até três salários mínimos", oferece ao leitor uma interpretação duplamente equivocada. As informações acima, todas prestadas à repórter, deixam bem claro que o foco do Programa é atender famílias de menor ou nenhum poder aquisitivo, de forma prioritária, além de visar também àquelas de renda de até 6 SM e até 10 SM, cumprindo a meta estabelecida pelo governo federal.

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A obsessão da Veja: derrubar Lula

Reproduzo entrevista concedida à jornalista Juliana Sada, publicada no blog Escrevinhador:

Criada em setembro de 1968, a revista “Veja” é a publicação semanal brasileira de maior tiragem, teoricamente com cerca de um milhão e duzentos mil exemplares. Criada por Mino Carta, atualmente diretor de redação da CartaCapital, e Victor Civita – estadunidense filho de italianos, fundador do Grupo Abril –, a revista foi por um longo período paradigma para o jornalismo brasileiro. Por sua redação, passaram nomes importantes da profissão; e, por suas páginas, grandes personagens da história – entre seus entrevistados estão Vinícius de Moraes, Yasser Arafat, Salvador Dalí, Tarsila do Amaral e Sérgio Buarque de Holanda.

Mas, em anos recentes, a revista tornou-se alvo de intensas críticas. Na internet, disseminam-se pequenas e grandes iniciativas de informação e contraponto ao tipo de jornalismo feito por lá. Esse mesmo Escrevinhador denunciou a entrevista que nunca existiu, mas que a revista publicou; e mostrou a história do professor que foi alvo de manipulação pelo veículo, além da peculiar análise do semanário sobre a Bolívia.

O jornalista Fábio Jammal Makhoul decidiu debruçar-se sobre a revista Veja para formular sua tese de mestrado em ciência política para a PUC de São Paulo. A dissertação analisou a publicação durante o primeiro mandato de Lula, de janeiro de 2003 a dezembro de 2006. Fábio constatou que houve, de modo deliberado, uma cobertura tendenciosa com o objetivo de desestabilizar o governo. Os números são impressionantes: “40,6% da cobertura de Veja sobre o primeiro governo petista noticiou os escândalos do Planalto e, conseqüentemente, Lula e o PT de forma negativa”. O governo ocupou “54 capas de Veja, das 206 publicadas no período”, destas “32 tratavam de escândalos, segundo classificação da própria Veja, ou seja, 59,3% do total”.

Segundo Fábio, esse sistemático ataque levou ao surgimento de inúmeras críticas que “abalaram a própria revista, que se sentiu na obrigação de reafirmar sua ‘imparcialidade e independência’ a todo o tempo em 2005 e 2006”. O Escrevinhador entrevistou Fábio Jammal Makhoul para expor e debater seu estudo e o papel desempenhado pela revista. Confira a seguir:

Como surgiu a ideia de estudar a revista Veja?

O principal motivo que me levou a pesquisar a revista Veja é jornalístico. A degradação do jornalismo da revista nos últimos anos foi assustadora. Veja é a maior revista semanal de informação do Brasil, com tiragem superior a 1,2 milhão de exemplares. Um número muito maior que o das demais publicações do segmento. Veja é a quarta maior revista de informação do mundo e seu jornalismo já foi referência para toda mídia impressa brasileira. Mas, nos últimos anos, o semanário também se transformou no maior fenômeno de anti-jornalismo do país.

De 2005 para cá, a revista se perdeu completamente em reportagens baseadas em ilações e xingamentos, que ignoraram as regras mais básicas do jornalismo e rasgaram todos os códigos de ética da profissão. Virou um verdadeiro pasquim, com matérias que se revelaram fantasiosas e recheadas de ataques e manipulações da informação. Isso não quer dizer que o PT e o governo Lula sejam os bonzinhos da história e nem as vítimas da grande imprensa. Pelo contrário, houve erros gravíssimos na administração federal, que precisavam ser apurados e divulgados pela mídia.

Entretanto, o jornalismo da grande imprensa conseguiu ser mais antiético que os próprios políticos que eram acusados, com erros grosseiros que comprometeram a imagem desses veículos, principalmente a da revista Veja, que foi a mais engajada na tentativa frustrada de derrubar o presidente da República em 2005 e 2006.

Muito se fala sobre cobertura parcial da Veja. Por meio da sua pesquisa, foi possível constatar a veracidade dessas observações?

Sim, e nem precisava de uma pesquisa acadêmica ou mais aprofundada. Basta uma leitura simples da revista para constatar que Veja tem um lado quando o assunto é política. Hoje temos uma bipolarização partidária no Brasil, com PT e PSDB monopolizando a disputa eleitoral. E a revista Veja está claramente do lado do PSDB e completamente contra o PT. Se você pesquisar a revista desde o início dos anos de 1980 vai constatar que o Partido dos Trabalhadores e o próprio Lula nunca tiveram um tratamento positivo nas páginas de Veja.

Essa história de imparcialidade da imprensa não existe. Os veículos de comunicação são empresas e têm seus interesses e preferências políticas. O jornal O Estado de S. Paulo, por exemplo, sempre foi conservador e nunca escondeu isso. Assumir uma posição ideológica ou política não é ruim. É até saudável e democrático, os grandes jornais da Europa e dos Estados Unidos fazem isso. Pelo menos, o leitor sabe claramente qual é a orientação editorial da publicação. O problema é quando se abandona o jornalismo para se transformar num panfleto político-partidário. E foi o que aconteceu com Veja de 2005 para cá.

Nos dois primeiros anos do primeiro mandato de Lula, o semanário ainda fez jornalismo, mas, ao apostar que poderia derrubar o presidente da República em 2005, perdeu a aposta e a credibilidade. Com o escândalo do “mensalão”, Veja captou o antilulismo e o antipetismo da chamada classe média que lê a revista e iniciou sua campanha pelo impeachment do presidente. Só que a questão política serviu para que Veja se sentisse à vontade para cometer os abusos que quisesse. Uma coisa é a crítica política que se viu no Estadão e n’ O Globo, por exemplo. Outra coisa é partir para o xingamento, como fez Veja.

Você poderia citar capas e matérias que seguramente continham distorções, inverdades, ataques ou parcialidade?

Há muitos exemplos, principalmente em 2005 e 2006. Uma das capas que mais me chamou a atenção foi a da edição de 16 de março de 2005. A revista tentou fabricar uma crise para os petistas, com uma reportagem que prometia ser “bombástica”. A manchete da capa era: “Tentáculos das Farc no Brasil”. Em letras menores, a revista diz que “espiões da Abin gravaram representantes da narcoguerrilha colombiana anunciando doação de 5 milhões de dólares para candidatos petistas na campanha de 2002”.

A capa é chamativa, cheia de dólares ao fundo e uma foto do militante petista que teria recebido dinheiro das Farc. Embora a revista tenha considerado a reportagem forte o suficiente para ser a capa da edição, no corpo da matéria há três ressalvas de que o semanário não tinha como comprovar as acusações. O tema foi repercutido por um mês até sumir das páginas de Veja. O Ministério Público e o Congresso Nacional investigaram e não acharam nada e a revista sequer se desmentiu o publicou o final da história. Capa parecida foi a de 2 de novembro de 2005, que dizia que a campanha de Lula recebeu dólares de Cuba. A matéria é toda fantasiosa e com denúncias em off que nunca se confirmaram.

Uma das partes da sua dissertação se intitula “O discurso político das capas”. Você poderia explicitar qual é este discurso?

Nos quatro anos do primeiro mandato de Lula, o governo e o PT foram os principais temas da capa de Veja, ocupando mais de um quarto das manchetes do período. Com 49 capas negativas, a revista lançou mão de uma estratégia discursiva que visava claramente dar a Lula o mesmo destino de Collor: o impeachment. Sem sucesso neste intento, o semanário passou a trabalhar para evitar a reeleição do petista. A revista não foi nada sutil em sua estratégia, pelo contrário, foi arrogante, agressiva, preconceituosa.

O preconceito, aliás, foi uma das modalizações discursivas contra o governo mais utilizadas pela publicação, principalmente na capa. Desde o primeiro ano do mandato, em 2003, a revista procurou tematizar sobre a ética no PT. O enunciador sempre deixou claro que ela não passava de discurso para chegar ao poder, mas, assim que os escândalos começaram, Veja tratou de provar que o PT era pior que os demais partidos neste quesito. Entre os muitos preconceitos despejados pelo enunciador na capa está a associação entre o PT e bandidos; de traficantes a assassinos.

A suposta falta de escolaridade e de atenção dos petistas com a educação também foram bastante exploradas, sendo que o enunciador não se intimidou para fazer alusão ao animal burro em diversas ocasiões. O esquerdismo do PT também foi apresentado negativamente e de forma preconceituosa. Veja mostrou aos leitores que a máquina pública foi tomada pelos petistas, que aparelharam o Estado como fizeram os soviéticos. Aliás, autoritarismo foi outro tema explorado, que procurou mostrar um PT stalinista e ditador.

A corrupção, entretanto, foi o tema mais explorado nas capas que retrataram o PT e o governo Lula. Com uma série de escândalos em pauta, a revista usou uma das estratégias mais controversas e criticáveis: a comparação entre Lula e Collor. Comparações são sempre complicadas, mas o enunciador de Veja, posicionado e ideológico, relacionou os dois presidentes de forma simplista e forçada.

Com esta modalização discursiva, Veja pôde finalmente trabalhar pelo impeachment de um Lula sem moral, sem ética, corrupto, chefe de quadrilha, despreparado e que fez um primeiro mandato pífio, segundo as capas do semanário. Assim, a revista ousou também decretar o fim do PT. Errou em todas as apostas. Para justificar suas derrotas, Veja encontrou uma explicação baseada em mais preconceitos. Na edição de 16 de agosto de 2006, quando as pesquisas apontavam vitória fácil de Lula na disputa pela reeleição, Veja veiculou uma capa com a foto de uma jovem negra segurando o título de eleitor. A manchete era: “Ela pode decidir a eleição”. O subtítulo explica quem é ela: “nordestina, 27 anos, educação média, 450 reais por mês, Gilmara Cerqueira retrata o eleitor que será o fiel da balança em outubro”. Ou seja, ela é o retrato do Brasil e não dos leitores da revista, que são das classes A e B. Para esses, que o enunciador de Veja aposta que sabem votar, resta a resignação, já que os negros, pobres, analfabetos e nordestinos vão decidir as eleições.

Na introdução do seu trabalho, você apresenta a revista Veja como protagonista de escândalos. Ao que você se refere ao chamar a Veja de protagonista?

Podemos dizer que praticamente toda a chamada grande imprensa aproveitou os erros e desmandos do PT na primeira gestão do Lula para denegrir a imagem do partido e impedir a reeleição do presidente. Mas a revista Veja foi protagonista porque foi a mais enfática na campanha contra os petista e a que mais cometeu erros do ponto de vista jornalístico. Além disso, suas reportagens serviram tanto para iniciar um escândalo como para mantê-lo na pauta da mídia. Em muitos momentos, principalmente durante o escândalo “mensalão”, as reportagens de Veja alimentaram os jornais diários e a própria TV.

Você afirma que “ao todo, Veja publicou 206 edições entre 1° de janeiro de 2003 e o dia 31 de dezembro de 2006. Neste período, a revista produziu 621 reportagens sobre o primeiro governo do PT. Dessas, 252 trataram dos escândalos.” Isso quer dizer que, na média, havia três matérias sobre o governo por edição e sempre uma sobre algum escândalo?

Sim, e mesmo quando a matéria não era sobre escândalos, o enfoque que era dado ao Lula e ao PT era negativo. No meu trabalho deixo claro que o Partido dos Trabalhadores, uma vez no poder, cometeu uma série de irregularidades que deveria sim ser apurada e noticiada. Mas a forma com que a grande imprensa fez a cobertura, principalmente a Veja, visava apenas derrubar o PT do poder e não denunciar as mazelas do nosso sistemas político e eleitoral brasileiro, que estão no cerne do “mensalão” e de vários outros escândalos e que continuaram intactos. Muitos desses problemas que geram toda sorte de abuso de poder são antigos e foram mostrados por diversos autores.

Talvez o melhor lugar para se buscar conhecimento sobre o funcionamento da política seja na obra de Nicolau Maquiavel. Não é à toa que sua bibliografia é chamada de realismo político. Lá se encontra a pura realidade sobre a política. Para divagar um pouco, me arrisco a fazer um paralelo entre Maquiavel e o governo Lula. O PT sempre empunhou a bandeira da ética e bradou que é possível ter “pureza” dentro do jogo político e eleitoral brasileiro. Mas, para chegar ao poder, teve de lançar mão das mesmas práticas que condenava em outros partidos, assim como fez para governar o país. Um jornalismo investigativo sério e isento poderia constatar isso e denunciar de forma séria e isenta. Assim, o PT mostraria o realismo político, que desnudaria os problemas que assolam nossos sistemas político e eleitoral.

Uma cobertura sóbria, que não fosse tendenciosa ao ponto de mostrar que o governo do PSDB sim foi puro, poderia causar uma indignação suficiente para que o Brasil finalmente fizesse uma reforma que melhorasse efetivamente os nossos sistemas político e eleitoral. Mas, ao fazer uma cobertura parcial e tendenciosa, o jornalismo chamou mais a atenção do que os escândalos que noticiava, não contribuindo em nada com o país.

As capas analisadas, de 2003 a 2006, seguiram sempre o mesmo tom ao tratar do PT? É possível delimitar períodos de maiores ofensivas ou recuos?

Veja só se manteve recuada nos ataques no primeiro ano do mandato de Lula, 2003. Em 2004, começou sua ofensiva, embora de forma meio tímida. Mas em 2005 e 2006, Lula e o PT foram os principais temas da capa. Em 2005, das 52 edições, Lula e o PT aparecem de forma negativa em 24 capas, sendo 18 delas classificadas pela própria Veja no tema escândalo. Ou seja, quase a metade das edições abordaram o presidente negativamente. Em 2006, último ano de governo, Veja publicou 15 capas sobre Lula e o PT, todas desfavoráveis em pleno ano eleitoral.

Nos quatro anos do primeiro mandato de Lula, o governo e o PT foram os principais temas da capa de Veja, ocupando mais de um quarto das manchetes do período. Foram 49 capas negativas, sendo 39 só em 2005 e 2006. Comparativamente à atuação de governos passados, o tratamento da imprensa e de Veja à gestão Lula foi muito desigual. Durante a era tucana, por exemplo, as denúncias contra o governo federal não tiveram muito destaque. Em 1997, o presidente Fernando Henrique Cardoso foi acusado de comprar votos para a aprovação da emenda que permitiu sua reeleição, havia denúncias sobre as privatizações e corrupção em vários órgãos ligados ao governo federal, como a Sudam e a Sudene. Naquele ano, apenas uma capa foi feita sobre as acusações, com a foto de Sérgio Motta, então ministro-chefe da Casa Civil, e a chamada da capa era: “Reeleição”.

Já em 2005, com Lula na presidência, forma dezoito capas sequenciais durante quatro meses de puro bombardeio. Veja chegou a defender o fim do PT e que isso seria benéfico para a política brasileira, já que até na oposição sua atuação foi prejudicial para o país. Veja nunca havia defendido o fim de nenhum partido e nem usado tantos adjetivos negativos como usou para falar sobre os petistas.

Em 2006, em pleno período eleitoral, a revista veiculou cinco capas negativas para o governo, entre 23 de agosto e 25 de outubro. Isto quer dizer que as capas de metade das edições de Veja que circularam enquanto as eleições se definiam eram ruins para Lula. Enquanto isso, Geraldo Alckmin (PSDB), seu principal adversário, não apareceu negativamente em nenhuma capa de Veja neste período. Pelo contrário, neste período o candidato do PSDB era mostrado de maneira positiva. Só no período do segundo turno das eleições, Lula foi alvo de quatro reportagens de Veja e em todas elas ele aparece de forma negativa. Já Geraldo Alckmin aparece em duas matérias neste período. Ambas com abordagens positivas para o tucano.

As manchetes veiculadas nas capas estavam de acordo com a reportagem produzida ou havia discrepâncias com o intuito de chamar a atenção do leitor?

As manchetes eram mais sensacionalistas, mas as reportagens também seguiam a mesma linha. Ainda assim, é possível perceber muitas discrepâncias, como aquela capa das Farc que eu já citei. Na capa, Veja afirma que o PT recebeu dinheiro das Farc e na matéria há três ressalvas de que o repórter não conseguiu nenhuma prova. Outra capa que chama a atenção é aquela que eu também citei sobre a nordestina, negra e pobre que iria decidir a eleição em favor de Lula. O subtítulo diz que Gilmara Cerqueira tinha 27 anos. Mas na foto é possível observar a data de seu nascimento no título de eleitor e pode-se ver que ela tinha 30 anos na época e não 27 como rebaixou Veja para enquadrá-la ao perfil do eleitor médio. Ou seja, vale até mentir a idade da moça para montar um perfil da qual ela não se enquadra totalmente.

Além das capas, você analisou também os editorais da Veja. Foi possível encontrar correspondência entre a posição oficial da revista e o conteúdo por ela produzido, que em tese é independente?

As críticas que a revista Veja recebeu durante o primeiro governo Lula, principalmente nos dois últimos anos, abalaram a própria revista, que se sentiu na obrigação de reafirmar sua “imparcialidade e independência” a todo o tempo em 2005 e 2006. Durante a crise do “mensalão”, Veja usou a maior parte dos editoriais de junho a dezembro de 2005 para justificar a matéria da semana anterior e ratificar seu compromisso com um jornalismo sério. Logo no primeiro editorial do início da crise do mensalão, em 1º de junho de 2005, Veja garante que “não escolhe suas reportagens investigativas com base em preferências partidárias ou ideológicas”. E o curioso é que todos os editoriais das edições seguintes eram para justificar suas reportagens, sempre reafirmando uma imparcialidade que não se via nas reportagens.

Você discute o paradigma da imparcialidade e neutralidade no qual é baseado o discurso dos meios de comunicação entretanto você apresenta argumentos sobre a inviabilidade destes paradigmas se concretizarem. A partir da sua pesquisa, é possível concluir se a parcialidade da revista Veja é fruto de uma política deliberada ou consequência da inviabilidade de se fazer um jornalismo imparcial?

É fruto de uma politica deliberada. É claro que é quase impossível fazer um jornalismo totalmente isento. Mas você pode pelo menos buscar a isenção, ouvindo os dois lados, dando o mesmo peso para as diferentes versões e não utilizando adjetivos, por exemplo. Veja nem tentou ser imparcial, pelo contrário. Ela tinha uma estratégia discursiva e a seguiu até o fim com um objetivo bem claro: derrubar Lula da presidência.

Ao se contrapor ao governo Lula e ao PT, a revista Veja apresentava qual projeto para o Brasil apoiava ou qual setor o representava?

A primeira edição após a reeleição de Lula, publicada em 8 de novembro de 2006, é a que mostra mais claramente a posição da revista. A matéria de capa defende que é preciso deixar para trás a “visão tacanha” de que a miséria pode ser superada pelo “princípio bolchevique” de tirar dos ricos e dar aos pobres.

Para Veja, a miséria só será superada pela produção de riqueza e para isso “o gênio humano não concebeu nada mais eficiente do que o velho e bom capitalismo, com seus mercados livres, empreendedores ambiciosos e empresas inovadoras”. Veja aconselha Lula a “aposentar para sempre a ideia de palanque de que o Brasil é como um sobrado – em que só há andar de cima e andar de baixo e, portanto, o único trabalho é fazer com que todos passem a habitar o pedaço de cima. Isso é uma interpretação tão tosca da sociedade brasileira que, na sua estupidez simplificadora, neutraliza o papel crucial e dinamizador exercido pela classe média”.

Veja diz que falta ao presidente maior clareza sobre como promover de maneira mais vigorosa as condições para que a iniciativa privada produza mais conhecimento tecnológico de ponta, inove mais e multiplique seus índices de produtividade. E acrescenta: “Para fazer o país avançar, produzir riqueza e gerar justiça, o presidente Lula tem muitos desafios para superar – e um deles começa em casa. O Partido dos Trabalhadores, que se transformou numa usina de escândalos, divulgou uma nota oficial cobrando que no novo mandato Lula faça um ‘governo de esquerda’. Ninguém sabe exatamente o que isso quer dizer, mas é certo que significa mandar às favas o equilíbrio fiscal e o controle da inflação em troca de um crescimento econômico tão duradouro quanto um voo de galinha”.

Essa é a primeira vez na cobertura do governo Lula que Veja assume com todas as letras que fala em nome das classes mais abastadas e que defende uma política e um projeto de Estado mais à direita do que voltados para o social. Sua intenção é proteger o capital como fica claro neste texto. Para a revista, é preciso esquecer a ideia de que “o único trabalho é fazer com que todos passem a habitar o pedaço de cima”. Ou seja, não interessa colocar os mais pobres no mesmo patamar dos ricos é preciso “promover de maneira mais vigorosa as condições para que a iniciativa privada produza mais conhecimento tecnológico de ponta, inove mais e multiplique seus índices de produtividade”.

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Os indicadores do direito à comunicação

No dia 8 de setembro, às 18h30, na Livaria da Vila (Rua Fradique Coutinho, 915, Vila Madalena, SP), ocorrerá o lançamento do livro "Contribuições para a construção de indicadores do direito à comunicação", de autoria de Diogo Moyses, João Brant e Michelle Prazeres. Reproduzo abaixo resenha deste importante livro:

Motivado pela ausência de referências concretas para medir o grau de efetivação do direito à comunicação, o coletivo Intervozes propôs o desenvolvimento de indicadores para ajudar a preencher essa lacuna. O livro "Contribuições para a construção de indicadores do direito à comunicação" é resultado de uma pesquisa sobre o tema realizada pela organização com o apoio da Fundação Ford e se propõe a estimular o debate sobre indicadores para a avaliação quantitativa e qualitativa do direito à comunicação no país. O estudo foi coordenado por Diogo Moyses, João Brant e Michelle Prazeres, que respondem também pela organização da publicação.

A ideia de realizar uma pesquisa sobre o tema surgiu em 2004, quando o Intervozes trabalhava no capítulo brasileiro de um estudo internacional promovido pela Campanha CRIS (Communication Rights in the Information Society) sobre liberdade de expressão, pluralidade e diversidade nos meios de comunicação e acesso às tecnologias de informação e comunicação. A partir de inquietudes surgidas no bojo desse estudo, o Intervozes iniciou o projeto de desenvolvimento de indicadores, que contou com a colaboração de pesquisadores da área, como Regina Mota, da UFMG, Murilo Ramos, da UnB, Venício Lima, pesquisador aposentado da mesma universidade, e César Bolaño, da Universidade Federal de Sergipe. O livro reúne os resultados da pesquisa e traz propostas concretas de indicadores sobre efetivação do direito à comunicação.

Segundo os organizadores da publicação, a pesquisa foi motivada por questões prosaicas. “Hoje nós não temos referências para dizer, por exemplo, se a situação da comunicação em relação à concentração de propriedade é melhor ou pior do que era 10 anos atrás”, diz João Brant. Para Michelle Prazeres, “são poucas as experiências de sistematizar os dados primários disponíveis que permitem análises concretas sobre o cenário de efetivação do direito à comunicação no Brasil”. Entre essas experiências, destaca-se o site Donos da Mídia, que organiza dados do Ministério das Comunicações e da Anatel sobre propriedade das empresas de rádio e televisão.

Para Venício Lima, professor aposentado da UnB e um dos consultores da obra do Intervozes, “o direito à comunicação é um direito que não foi positivado. Assim, qualquer contribuição que possa ser dada para mostrar sua importância e abrangência é uma contribuição muito grande para o avanço na consolidação desse direito. E o trabalho do Intervozes foi feito em uma época em que ninguém tinha feito nada parecido”, explica. Regina Mota, da UFMG, que também participou do processo de elaboração da pesquisa do Intervozes, destaca: “A tarefa foi árdua e os desafios imensos, dado o caráter de múltiplas variáveis que compõem os indicadores do direito à comunicação. Mas o passo fundamental foi dado e beneficiará a pesquisa, as políticas públicas e os avanços na Comunicação Social bem como a visão do seu alcance político.”

A intenção do Intervozes é ampliar a discussão sobre o tema e, ao mesmo tempo, propor caminhos para a democratização do setor. “É certo que a existência de indicadores e análises periódicas não significa, por si só, a realização das transformações pelas quais se batalha; mas sua aplicação motiva processos importantes”, explica Diogo Moyses.

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Cala boca, Willian Waack



Por Altamiro Borges

Um vazamento de áudio, na quinta-feira passada (26), expôs a postura arrogante do âncora do Jornal da Globo, que vai ao ar no final da noite. No momento em que a Dilma Rousseff rebatia as acusações levianas sobre a quebra de sigilo fiscal de dirigentes tucanos, Willian Waack deixou escapar a frase: “Manda calar a boca”. Diante da difusão do vídeo pela internet, somente agora a TV Globo emitiu uma nota pedindo desculpas aos telespectadores pela “falha técnica”.

Segundo o sítio Comunique-se, a poderosa emissora garante que Willian Waack não se referiu à presidenciável, mas apenas pediu silêncio à equipe, já que o barulho “prejudicava a concentração dos apresentadores”. Mesmo assim, a lacônica nota tenta enterrar o constrangedor episódio: “Aos telespectadores, a TV Globo pede desculpas pela falha”. Nem o pedido de desculpa nem, muito menos, a estranha justificava devem convencer os que acompanham o trabalho deste jornalista.

Servidor do Instituto Millenium

Willian Waack nunca escondeu a sua oposição frontal ao governo Lula. Com seus comentários e suas caretas, ele sempre procura desqualificar as iniciativas do atual governo, em especial às que se referem à política externa e aos métodos democráticos de diálogo com os movimentos sociais. Seus alvos são as “amizades” de Lula com “ditadores populistas”, como Hugo Chávez, Cristina Kirchner e Evo Morales, e a sua “conivência” como movimentos “fora da lei”, como o MST.

No seminário do Instituto Millenium, em março passado, ele foi um dos mestres de cerimônia do convescote dos barões da mídia e ficou visivelmente empolgado com os incontáveis ataques ao “autoritarismo do governo Lula”. Na ocasião, a direita midiática procurou unificar sua pauta para a campanha presidencial e deixou explícito que concentraria todo o seu fogo contra a candidata Dilma Rousseff. Willian Waack foi uma das estrelas desta conspiração direitista e golpista.

Entrevista ou provocação policialesca

Mesmo após o lamentável episódio do vazamento do áudio, o apresentador segue caninamente as orientações traçadas no Millenium. No Jornal da Globo de ontem, que iniciou uma nova série de entrevistas com os presidenciáveis, ele se postou como um torturador diante da ex-ministra, no mesmo tom provocador do seu coleguinha Willian Bonner. Não fez nenhuma pergunta sobre as propostas da candidata ou sobre temas de relevo para a sociedade. Tentou, apenas, desgastá-la.

Como observou o blogueiro Luis Nassif, a entrevista procurou explorar factóides, insistindo nas especulações sobre quebra de sigilo fiscal, fatiamento do futuro ministério, influência de José Dirceu e outras bravatas demotucanas. “Surpreendente, porque Waack é dos mais preparados jornalistas da televisão. Se descesse do pedestal para discutir conceitos com a candidata, poderia ter proporcionado aos telespectadores um dos momentos altos do jornalismo nessa campanha”.

Momento de revolta do âncora

Mas não dá mais para esperar “jornalismo sério” de Willian Waack. Seus compromissos hoje são outros. O vazamento do vídeo simplesmente pode ter expressado um momento de ira do âncora da TV Globo, indignado com o definhamento da candidatura do demotucano José Serra e com crescimento de Dilma Rousseff. Afinal, os telespectadores não seguem mais as suas opiniões e as suas caretas. Na prática, a sociedade está mandando um recado: “Cala boca, Willian Waack”.

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Mídia clama por um fato novo

Reproduzo artigo do escritor Washington Araújo, publicado no sítio Carta Maior:

"E um fato novo se viu/ Que a todos admirava:/ O que o operário dizia/ Outro operário escutava." (Vinícius de Moraes, O operário em construção)

E todos os que fazem a cobertura das eleições 2010 no Brasil parecem ter feito um pacto em torno de uma mesma torcida: meu reino por um fato novo. Todos sabemos que a matéria-prima do jornalismo, ao menos aquele dissociado do estilo-jabuti (o que se coloca em árvore nessa ou naquela posição), são os fatos novos. Fatos que indicam ação, movimento, mudança. Com uma campanha precocemente exaurida pela inexistência quase absoluta de fatos, vemos jornalistas, colunistas, comentaristas, apresentadores de TV e radialistas suplicando que venham os tais fatos, assim como ao longo de décadas o sertanejo nordestino ansiava para que a chuva viesse. No contexto atual o assunto é bem complexo. É que não podem ser quaisquer fatos, sejam velhos ou novos.

O que se implora é que sejam fatos beirando o extraordinário, com cores cataclísmicas e ímpeto aterrador. E não podem ser fatos quaisquer, não. Ao contrário, precisam ser caracterizados por sua natureza antigovernista e profundamente oposicionista. E se têm que vir, que venham logo pois do contrário será tarde demais. Neste exato momento os fatos que embalam anseios e orações, desejos e exercícios mentais não podem ocorrer após o dia 3 de outubro de 2010. Se ocorrerem, não terão valor algum. Serão apenas fatos precocemente envelhecidos ante a pressão do calendário eleitoral, que a cada dois anos se impõe à vida ordenada da sociedade brasileira. Fiz-me entender?

"Uma ação afirmativa e veemente"

Fazendo brevíssima viagem no tempo, tomemos como data-início o dia 6/8/2010 e como data-fim o dia 27/8/2010 e teremos uma descrição bem ao gosto do filósofo espanhol Ortega Y Gasset (1883-1955), quando gravou em alto relevo no pensamento universal a máxima "eu sou eu e minhas circunstâncias".

Para Ricardo Kotscho, decano do jornalismo político no país, um possível fato novo seria o que assumisse o formato da boca do jacaré.

"A não ser que nos próximos debates ou nos programas eleitorais no rádio e na TV, que começam a ir ao ar no próximo dia 17, surja algum fato novo fantástico capaz de virar o jogo, a atual tendência é a consolidação das curvas das pesquisas, com a `boca do jacaré´ se abrindo a favor de Dilma" (6/8/2010).

Para Álvaro Dias, destemido senador paranaense, o fato novo tem que ter aquele poder de criar ondas que uma pedra consegue quando é arremessada corretamente por sobre a superfície de lago calmo: "Temos de buscar fatos novos, sacudir essa campanha com uma ação afirmativa e veemente" (Álvaro Dias, PSDB-PR, Folha de S.Paulo,14/8/2010).

"Um grande impacto"

Para Marcos Coimbra, sociólogo e proprietário do Instituto Vox Populi, o assunto abre caminho para situar o fato novo no fazer jornalístico diário e para circunscrever o fato novo dentro de rígidos parâmetros da ética e do bom senso:

"A imprensa precisa de notícias, de preferência surpreendentes. Sem `fatos novos´, fazer o jornal é mais difícil. Por isso, os jornalistas os amam. E os jornalistas que não querem a vitória de quem está na frente? E as empresas de comunicação que têm simpatias por quem está em segundo ou terceiro? Aí, se os fatos novos teimam em não surgir, a tentação de criá-los é grande. Inutilmente, pelo que conhecemos de nossas eleições presidenciais anteriores. Quando a maioria do eleitorado cisma que vai votar em alguém, não há `fato novo´ que a mova. É como fogo de morro acima. Ou água de morro abaixo" (Marcos Coimbra,15/8/2010).

O jornalista Fernando Rodrigues, com o faro sempre apurado, busca no passado alguma semelhança com o presente e traz à memória o famigerado caso dos "aloprados" de quatro anos atrás:

"[Em comparação com as eleições de 2006] hoje, não há sinal de Dilma querer faltar a debates. Também não existe indício de um `aloprados 2´ a caminho – embora o de 2006 tenha sido um raio em céu azul no dia 15 de setembro. Sem erros do PT, as coisas ficam difíceis para Serra" (Folha de S.Paulo, 18/8/2010).

A propósito, convém fazer remissão à entrevista que Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope, empresa que virou sinônimo de pesquisa de opinião pública no Brasil, concedeu à revista Veja (Edição 2127, de 26/8/2009). O título dizia tudo: "Lula não fará seu sucessor". Pois bem, passados exatos doze meses, eis o que lemos na entrevista da diretora-executiva do Ibope, Márcia Cavallari:

"A 45 dias das eleições presidenciais, apenas um fato novo, fora de controle, poderá mudar o rumo da campanha... Não exime que na reta final da campanha aconteça algum fato que possa trazer um impacto grande nas campanhas..." (Agência Reuters, 19/8/2010).

"Não se pode dar a eleição por decidida"

Em tom taciturno recolhemos também do editorial do jornal Folha de S.Paulo a percepção do jornal sobre a possibilidade de "fatores imprevisíveis", nome pomposo para aquilo que os reles mortais chamam apenas "fato novo". Aponta para chances teóricas não capazes de vencer o pleito de 2010, mas sim, de conceder "sobrevida" à postulação oposicionista:

"Pode até ser que a candidatura José Serra à Presidência experimente alguma oscilação estatística até o dia 3 de outubro. E fatores imprevisíveis, como se sabe, são capazes de alterar o rumo de toda eleição. Não há como negar, portanto, chances teóricas de sobrevida à postulação tucana" (Folha de S.Paulo, editorial, 21/8/2010).

Para a senadora mato-grossense do sul Maria Serrano, a ideia de fato novo rima com o imponderável, com o apelo a que se avance o bom combate até seu último minuto. Há um quê de angústia em sua súplica:

"O clima de desânimo marcou as reações dos tucanos, que agora dizem esperar um `fato novo´ para levar a eleição ao segundo turno. Isso impacta a gente. Não é fácil, mas só podemos desistir no último minuto. É ruim esperar o imponderável, mas precisamos lutar até o fim" (Folha de S.Paulo, 22/8/2010).

Para o jornalista José Roberto de Toledo, atualmente no jornal Estado de S. Paulo, co-autor de Era FHC – um balanço e de Marketing Político e Persuasão Eleitoral, o "fato novo" é co-irmão do "fato aloprado". Segundo Toledo, a possibilidade de vir a existir é o que impede a presente eleição de ser considerada "decidida". Eis o que ele escreveu:

"Quando a eleição vira assunto do dia-a-dia, o acesso às informações sobre a campanha é praticamente simultâneo a todo o eleitorado, seja nas capitais, seja no Brasil profundo. Isso pode tanto reforçar tendências quanto provocar alterações bruscas, a partir de um fato inesperado, um `aloprado´. Também por isso não se pode dar a eleição por decidida" (O Estado de S. Paulo, 23/8/2010).

"Tendência só mudará com fato muito relevante"

O decano dos cronistas brasileiros, Carlos Heitor Cony, em seu lugar de destaque na página 2 da Folha de S.Paulo, é econômico no palavrório, generoso nos julgamentos e agourento para um dos polos da disputa presidencial:

"Acontece que nesta atual campanha, com a disparada das intenções de voto para Dilma, ficou escancarada a participação legal e eleitoral de Lula nos comícios e na TV. A vantagem de sua candidata tenderá a subir – a menos que ocorra um fato novo que beneficie o contendor ou bagunce o coreto montado pelo PT" (Folha de S.Paulo, 26/8/2010).

Para o presidente da Arko Advice Pesquisas, Murilo Aragão, tudo pode ser resumido em bem ajeitada metáfora futebolística onde o fato novo esperado pela oposição tem que necessariamente surgir nas asas do extraordinário.

"No entanto, Serra está em grandes dificuldades, pois além de ter que enfrentar circunstâncias adversas, não joga bem para conseguir mudar o quadro atual. É como se o time estivesse jogando no campo do adversário, com a maioria da torcida contra, e jogando mal. Está dependendo do erro do adversário para poder crescer nas pesquisas ou de um fato novo extraordinário" (Murilo Aragão, 26/8/2010).

Mauro Paulino, diretor do Datafolha, resume em apenas 25 palavras a corrida presidencial. Mesmo com roupagem da brevidade, Paulino ressalva a relevância de um fato "muito relevante":

"Mantida a tendência de crescimento da candidata Dilma Rousseff (PT), que só mudará se ocorrer um fato muito relevante, a eleição presidencial terminará no primeiro turno" (O Globo, 27/8/2010).

A quem interessaria?

Coincidência ou não, o fato é que 24 horas depois que Dilma Rousseff abriu 20 pontos de vantagem sobre José Serra, conforme pesquisa divulgada pelo instituto Datafolha, os principais jornais desta sexta-feira (27/8/2010) traziam em suas primeiras páginas as seguintes manchetes:

* Folha de S.Paulo: "Nova quebra de sigilo abre batalha PT-PSDB"

* Estadão: "Suspeitos de violar sigilo de tucanos são blindados pela Receita"

* O Globo: "Núcleo da Receita no ABC devassou dados de 140"

* Jornal do Brasil: "Só um escândalo derruba Dilma"

* Zero Hora: "Oposição se une em ataque ao PT pela quebra de sigilos"

* Veja online: "Quebra de sigilo – Receita vê indícios de esquema para venda de informações sigilosas"

* Época online: "Receita diz que violação é fruto de `esquema´"

* Portal G1/Globo: "Receita vê indícios de `balcão de venda´ de informações fiscais"

* Globo online: "Numa última tentativa, a ordem, ainda que não consensual na campanha tucana, foi de jogar todas as fichas no episódio da violação do sigilo fiscal..."

E a pergunta que se impõe é: as nove manchetes acima relacionadas, todas em torno da quebra de sigilo fiscal de diversas pessoas ligadas ao PSDB, trazem consigo marcas que apontam para o inesperado, o fantástico, o extraordinário?

Mas, antes de responder a esta questão, que é obviamente facílima de responder, há que se utilizar a percepção, a intuição e a inteligência jornalística para responder a outras questões ainda mais importantes:

A quem interessaria (no duro mesmo!) a quebra do sigilo fiscal nos últimos meses de 2009 de Eduardo Jorge Caldas Pereira, vice-presidente do PSDB, de seus companheiros de partido, de Samuel Klein (dono da Casas Bahia) e da apresentadora da TV Globo Ana Maria Braga?

Quem estaria mais necessitado de um balão de oxigênio que atendesse pelo nome fato novo?

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Onde o poder da grande mídia não chega

Reproduzo artigo do professor Venício Lima, publicado no Observatório da Imprensa:

Os incríveis índices de aprovação do presidente Lula e do seu governo e a expectativa de que a candidata por ele apoiada vença as eleições ainda no primeiro turno – agora confirmada pela unanimidade dos institutos de pesquisa de "opinião pública" – vem deixando muita gente boa desorientada.

Teóricos de ocasião e autodesignados "formadores de opinião" estão perdidos diante do insucesso da cobertura de oposição sistematicamente praticada pela grande mídia nos últimos anos – aliás, confirmada pela presidente da ANJ em março passado – e têm oferecido explicações sem sentido para salvar as aparências.

Quem forma a "opinião pública"?

Afinal o que é opinião pública? Qual é o papel da grande mídia na sua formação? Quem são os seus formadores? Qual é o papel da mídia – e, portanto, dos jornalistas – na democracia representativa liberal?

A opinião pública tem sido objeto de estudo e reflexão desde pelo menos o século 18 e, no século 20, passou a fazer parte do debate conceitual e teórico na academia. Mais do que isso, seu significado se tornou objeto da própria disputa política de vez que serve aos interesses privados da grande mídia (a) defini-la como resultado das pesquisas que financia ou faz; (b) atribuir a si mesma o papel de "falar em nome da opinião pública"; e, sobretudo, (c) ser considerada como sua principal formadora.

O que está envolvido em tudo isso, por óbvio, é a disputa pelo poder: o enorme poder de "fazer a cabeça" das pessoas.

Descartada pelo marxismo clássico como falsa consciência e ideologia que mascara o interesse de classe, a opinião pública ocupa um papel central nas chamadas democracias consentidas liberais (G. Sartori), pois é considerada, no plano das idéias, o equivalente ao "preço das mercadorias", uma e outro resultantes da livre competição racional no mercado.

A opinião do cidadão informado e esclarecido surgiria do confronto plural de idéias no processo racional de debate público informado pela mídia. O sujeito da opinião, portanto, não seria o membro alienado de uma "massa", mas o cidadão esclarecido de um "público".

Na perspectiva liberal, caberia à mídia, acima dos interesses em jogo, o papel de fornecer ao público a pluralidade e a diversidade das informações necessárias à formação de sua opinião e, claro, à tomada de decisão política, em geral, e eleitoral, em particular. A liberdade da imprensa seria, portanto, a garantia do fluxo livre de informações, responsável pelo funcionamento do mercado de idéias e, em última instância, da própria democracia representativa.

Os excluídos despertam...

Como explicar, então, que, apesar de estar sendo "bem informada", a maioria da opinião pública brasileira esteja se formando politicamente com opinião oposta àquela explicitamente defendida pela grande mídia, ou seja, favorável não só ao presidente Lula, mas ao seu governo e à sua candidata?

Tenho argumentado a algum tempo que a grande mídia insiste em não enxergar a nova realidade (ver, por exemplo, neste Observatório, "A velha mídia finge que o país não mudou"). Certamente são muitas as explicações para o que vem acontecendo em relação à opinião pública brasileira.

Entre elas, com certeza, está a maior diversidade de fontes de informação política hoje disponível [internet] e o crescimento às vezes imperceptível do nível de consciência de camadas significativas da população sobre a mídia comercial, seu enorme poder e seus interesses. E ainda: a crescente consciência de que a comunicação é um direito fundamental da cidadania.

Jovens da periferia de Brasília

Essa longa reflexão vem a propósito de rápido, mas intenso contato que tive com grupos de jovens e educadores populares da periferia de Brasília, discutindo com eles sobre as relações entre a mídia e a violência durante o seminário "A juventude quer viver: diga não à violência e ao extermínio de jovens", realizado na Universidade Católica de Brasília, no último fim de semana.

O acesso às novas tecnologias e as facilidades de filmar, gravar, produzir sons e imagens e distribuí-los a baixo custo nas próprias comunidades periféricas, cria novos "espaços públicos" externos e fora do alcance da grande mídia.

Um exemplo: chega a ser surpreendente o conteúdo de músicas hip-hop que artistas populares criam descrevendo criticamente o padrão de cobertura que a grande mídia oferece sobre o jovem da periferia dos centros urbanos. Basta a esses artistas o confronto da sua realidade cotidiana com o que se escreve, se fala e se mostra a seu respeito. Revela-se comparativamente para milhões de jovens como o seu cotidiano é omitido ou grosseiramente distorcido. Eles são de fato excluídos e assim se consideram.

Para esses jovens, restrições à liberdade de expressão são uma realidade histórica, só que praticadas não pelo Estado, mas exatamente pela grande mídia que não oferece a eles o acesso e o espaço que deveria ser seu de direito [direito de antena].

Novos tempos

Essa realidade começa a ser mudada, todavia, pelos próprios jovens. E sem qualquer participação da grande mídia: são rádios comunitárias, shows de hip-hop, portais na internet, vídeos e outros recursos que começam a formar redes alternativas de comunicação comunitária a serviço da liberdade de expressão de milhares e milhares de jovens da periferia.

Nestes "espaços públicos" a grande mídia não interfere na formação da opinião. Aqui o conteúdo dos jornalões, das revistas semanais e das redes dominantes de rádio e televisão serve, na verdade, para confirmar a exclusão social e cultural, além de alimentar a crítica conscientizadora.

Talvez esteja aí – nas comunidades organizadas de jovens das periferias das grandes cidades – uma das explicações para o retumbante fracasso da grande mídia na formação da opinião pública em relação ao presidente Lula, ao seu governo e à sua candidata à Presidência.

O tempo dirá.

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TV Fórum no encontro dos blogueiros



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Arthur Virgílio e a quebra da ética



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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Outro modelo para um outro jornalismo

Reproduzo o instigante artigo de Renato Rovai, publicado na Revista Fórum:

Os veículos tradicionais da mídia comercial brasileira vivem sua maior crise. Não apenas do ponto de vista econômico, mas também no que diz respeito à credibilidade e à própria natureza do negócio que operam.

Por muito tempo detiveram o monopólio da produção e da distribuição da informação – o que lhes garantiu poder político e econômico. Hoje o modelo ruiu por conta das novas tecnologias e por isso alguns veículos radicalizaram seus posicionamentos editoriais, assumindo um discurso mais panfletário e partidarizado.

A verdade é que a política editorial desses veículos não mudou, continua a mesma. Mas agora completamente descarada. Não mudou inclusive porque as famílias que controlam os grupos midiáticos no Brasil são as mesmas há algumas décadas.

Exceção à Rede Record, vinculada à Igreja Universal, as famílias Marinho, Frias, Mesquita, Civita, Saad, Sirotsky e Abravanel estão no ramo há pelo menos três décadas. O último a entrar no grupo foi Silvio Santos, em 1981. Talvez até por esse motivo seja considerado o patinho feio da turma.

O que fez esse grupo perder poder foi principalmente a construção de uma imensa rede de produção colaborativa de informação.

A história começa em março de 1989 quando o britânico Timothy John Berners Lee apresenta ao Conselho Europeu para Pesquisa Nuclear (CERN), instituto localizado em Genebra (Suiça), um projeto denominado “Gerenciamento de informação: uma proposta”. Esse projeto viria a resultar na world wide web (WWW), ou seja, a internet da forma que a conhecemos hoje e que possibilita a troca de pacote de dados via hipertexto. E tem continuidade com a criação, em 17 de dezembro de 1997, por Jorn Barger, do weblog, que depois viria a se tornar o que hoje conhecemos por blogues.

Em 1999, há pouco mais de dez anos, o número de blogues era estimado em menos de 50. No final de 2000, alguns milhares. Atualmente, segundo estudo da Technorati “State of Blogosphere”, existem mais de 130 milhões de blogues.

Essa combinação decretou o fim da era do monopólio da informação. E por mais que os veículos tradicionais de comunicação ainda tenham força para disputar a opinião pública, seu poder relativo é muito menor nesse fim de primeira década do século 21 do que em outros tempos.

A questão que se coloca hoje é como transformar essa nova esfera comunicacional em um espaço mais democrático e democratizante do ponto de vista das relações sociais. Para que isso ocorra, é preciso escapar da lógica do modelo que hoje está em crise.

Atualmente, os veículos dependem fundamentalmente da publicidade para sobreviver. E como diz o velho ditado “manda quem paga a conta”. Ou seja, eles acabam sendo porta-vozes do grande capital.

Há o risco de essa lógica também vir a ser dominante no espaço virtual se o modelo de financiamento da produção e distribuição da informação não for alterado.

Para que isso não aconteça, é fundamental que se entenda que o jornalismo é uma necessidade para que a democracia seja exercida na sociedade contemporânea. E por isso ele não pode ser realizado apenas por veículos que, por conta das suas opções mercadológicas e/ou políticas, consigam atrair grupos privados para financiá-los.

Ao mesmo tempo não se deve supor que, para que haja diversidade informativa, apenas o fomento a iniciativas estatais com vínculos governamentais equilibra as coisas.

O exemplo italiano demonstra o equívoco desta opção. Berlusconi, por exemplo, controla hoje todo o setor privado de comunicação e mais o aparato estatal, transformando a RAI em mais uma de suas empresas. Esse modelo já se mostrou, além de centralizador, viciado e inibidor da ousadia jornalística.

Por isso é preciso diferenciar jornalismo público de estatal. Sua diferença básica é que o primeiro não precisa se relacionar e nem prestar contas ao governo se for realmente público.

Entre as soluções existentes está a de debater quanto a sociedade está disposta a pagar para ter informação de qualidade. Para ter um jornalismo realmente independente.

Na Inglaterra, por exemplo, a principal fonte de recursos da BBC é a licença de 131,50 libras esterlinas ao ano paga por todos os cidadãos que têm um aparelho de TV funcionando.

Isso não quer dizer que é necessária a criação de uma nova taxa no Brasil para financiar a comunicação. Mas ao mesmo tempo seria imprescindível definir uma receita a ser utilizada para o financiamento desse jornalismo.

Que também não precisaria ser como no modelo inglês, em que se construiu uma rede com o gigantismo da BBC. Poderia ser o reconhecimento de que esse jornalismo público já vem acontecendo em diferentes veículos que estão fora da lógica tradicional de mercado. E que precisariam ser estimulados.

Ou seja, reconhecer que tanto na blogosfera quanto na produção impressa e eletromagnética o Brasil já tem uma quantidade grande de veículos que, se incentivados, poderiam gerar uma diversidade informativa que melhoraria em muito a qualidade da nossa democracia.

Um modelo que poderia servir como exemplo é o do financiamento das universidades públicas. Nelas, apesar de os recursos serem públicos, a autonomia e a independência são respeitadas. O que permite nesses espaços uma ampla pluralidade de opiniões.

Para construir um outro jornalismo é fundamental discutir também o seu financiamento. E ao mesmo tempo debater quais deveriam ser os compromissos que este jornalismo radicalmente público deveria assumir com a sociedade.

Entre eles deveriam se destacar o respeito a um código de ética da comunicação pública a ser construído a partir de um amplo debate, tanto entre especialistas da área como em consultas públicas. Um código que se tornaria uma legislação específica.

Também seria compromisso fundamental que a informação produzida por esses veículos fosse de livre circulação. Que não tivesse sua circulação impedida por contratos de direitos autorais restritivos.

A criação deste novo modelo não impediria e nem limitaria a continuidade do modelo comercial tradicional. Ou seja, a informação produzida e distribuída na lógica da mercadoria continuaria existindo, mas não teria exclusividade de mercado. Concorreria com uma outra produção sustentada por todos que necessitam de informação para exercer a cidadania.

Esse debate permite uma série de outras considerações. O que é certo é que o atual momento é o mais rico em possibilidades para que a correlação de forças no espaço da comunicação se altere de forma definitiva. A correlação de forças, neste caso, se dá entre o que é público e o que é privado, e entre o direito à comunicação e ela apenas como mercadoria.

Mas para que essa mudança aconteça é preciso criar mecanismos para que, por um lado, as novas tecnologias de comunicação não sejam completamente controladas pelos grandes grupos. E, por outro, para que essa enorme rede de produtores de informação tenha condições de sobrevivência econômica.

Ambos os desafios são difíceis de enfrentar, mas o segundo é ainda mais complexo porque não se resolve apenas na base da resistência. É preciso se desafiar a construir o novo. Ou seja, um novo modelo. E para que isso aconteça é preciso estar livre para a reinvenção das nossas expectativas.

Não podemos mais pensar em veículos de comunicação como aparelhos ideológicos. Eles devem ser espaços da garantia da multiplicidade.

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Aloysio Biondi e as privatizações tucanas

Reproduzo artigo de Flamarion Maués, publicado no blog Escrevinhador:

Em julho passado completaram-se dez anos da morte de Aloysio Biondi, certamente um dos mais importantes jornalistas que o Brasil teve, atuante dos anos 1960 até 2000, quase sempre na área de economia.

Conheci o Aloysio por conta do livro o "Brasil privatizado: um balanço do desmonte do Estado" – o único que ele publicou em vida. Fui o editor do livro, e vou, nesta coluna, contar um pouco do que lembro dessa experiência e, sem maiores pretensões, prestar minha homenagem ao Aloysio.

Em 1998 estávamos no auge das privatizações no Brasil, com o risco iminente de que a Petrobrás, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal também tivessem este destino. Eu era o coordenador editorial da Editora Fundação Perseu Abramo – ligada ao PT – e nas conversas no conselho editorial e no conselho curador da Fundação havia a convicção de que era importante produzir um livro sobre as privatizações, para denunciar o que estava acontecendo e, ao mesmo tempo, servir como uma fonte de informações para o debate sobre o tema, pois não havia uma sistematização dessas informações para o grande público.

Essa preocupação se ligava à ideia de iniciar uma coleção de livros populares, curtos, com liguagem direta, informativos, de preço baixo. Livros voltados para a militância política do PT e dos demais partidos de esquerda que se opunham às privatizações e ao governo FHC. O livro sobre este tema com certeza faria parte dessa coleção. Um dos diferenciais da coleção, imaginávamos, é que queríamos fazer vendas diretas de livros para sindicatos, pois acreditávamos que os livros poderiam ser úteis a eles no debate político com os trabalhadores que representavam e com a sociedade. E também seria uma forma de a nossa editora conseguir chegar a mais gente, ter tiragens e vendas maiores.

Acho que fui eu que sugeri o nome do Aloysio para fazer o livro – mas, como a memória é enganadora, não dou 100% de certeza sobre isso. Eu lia os artigos que ele escrevia então na Folha de S. Paulo, muitos dos quais tratavam das privatizações, e ficava muito impressionado com as informações e as análises que ele fazia, e também com a clareza do seu texto, simples e didático sem ser simplista nem chato. Ele era dos poucos jornalistas que questionavam de modo consistente os pressupostos e os métodos da privatização.

Nunca tinha falado com o Aloysio antes. Consegui o telefone dele e liguei, isso no final de 1998 ou comecinho de 1999. Apresentei-me, falei da ideia do livro e perguntei se ele topava, se tinha interesse em fazer o livro. Ele foi muito simpático e receptivo, estava disposto a encarar o desafio, disse mesmo que já tinha pensado na ideia de fazer um livro sobre o tema, mas, sabe como é, na correria da vida de jornalista, sempre faltava tempo para pôr o plano em andamento.

Marcamos de conversar pessoalmente. Ele veio à editora, que nessa época já estava instalada numa casa na Vila Mariana. Com o seu ar bonachão e simpático, sempre atencioso, eu fui logo conquistado pelo Aloysio. Era difícil dizer não para ele. O Aloysio gostava de conversar, de bater papo, de contar histórias. Cada reunião se transformava em uma agradável conversa, em que eu podia desfrutar um pouco de toda a sua experiência e de seus conhecimentos.

Ele gostou muito da ideia da coleção – que veio a ser batizada de Brasil Urgente –, pois achava importante que o livro tivesse aquelas características que propúnhamos para a coleção: texto sucinto, linguagem direta, muita informação, preço acessível. Propus que ele fizesse um roteiro inicial do livro para podermos discutir melhor como seria o texto, o que seria destacado, coisas que não podiam faltar, etc. Em pouco tempo, talvez uns dez dias, ele mandou o roteiro, que pouco foi modificado. E logo começou o trabalho de ampliar as pesquisas para o livro e iniciar a redação.

Teria que consultar documentos da editora para poder dizer com exatidão quanto tempo ele levou para concluir o livro, mas não foi muito tempo. Na verdade, as ideias básicas do livro já estavam nos artigos que ele escrevia nos jornais. Mas o Aloysio, junto com o Antonio, seu filho, fez uma extensa e exaustiva pesquisa para levantar novas informações e complementar as já existentes. “Levantamos materiais no BNDES, na Petrobras, nos arquivos dos principais jornais, em várias frentes, enfim, para poder aprofundar os temas”, lembra o Antonio. Com esta massa de informações nas mãos, faltava depurá-las e amarrar os diversos aspectos levantados, o que ele fez com entusiasmo e com a sua grande capacidade de trabalho e análise.

Assim, em dois ou três meses, se não estiver enganado, o livro estava escrito. Claro que a etapa final foi um pouco sofrida, eu cobrando a entrega dos originais e ele sempre pedindo uns dias a mais para ver alguns detalhes – ou seja, algo comum na relação editor–autor. Até que ele começou a enviar os originais, mais ou menos um capítulo a cada dia. E o seu método era todo especial, característico de alguém que já tinha passado dos 60 e ainda não se adaptara bem à novidades do email e da internet (em 1999 isso ainda não era tão disseminado como é hoje).

Ele mandava os capítulos por fax. Só que o Aloysio não tinha fax em casa. Ele ia numa papelaria perto do prédio em que morava e de lá passava o fax. E os capítulos iam chegando, eu mandava digitar e em poucos dias tínhamos o livro completo.

O livro era impactante. São menos de cem laudas de texto, mas é um material riquíssimo em informações e em análises que mostravam o alcance e a gravidade do que estava acontecendo no país, com a entrega de mão beijada de um patrimônio construído pela sociedade brasileira durante décadas. O grande mérito do livro – além da liguagem clara e direta – talvez tenha sido o fato de ter sintetizado e reunido as informações que nos permitiram ter uma visão geral do desmonte a que o Estado brasileiro estava sendo submetido, nas comunicações, no setor bancário, no petróleo, na mineração, etc.

Lembro que a Zilah Abramo, na época vice-presidente da Fundação Perseu Abramo, levou o texto para ler em casa e no dia seguinte estava estupefata: “Li o texto à noite e nem dormi direito. Fiquei chocada! O que está acontecendo é muito grave e a gente não tem noção”, foi mais ou menos o que ela me disse. E assim era com a maior parte das pessoas que liam o texto – a mesma reação que os leitores teriam quando o livro foi lançado.

O Brasil privatizado foi o primeiro volume da coleção Brasil Urgente, lançado em abril de 1999 (o livro está disponível gratuitamente neste link. O projeto gráfico da coleção foi feito pelo Gilberto Maringoni – excelente artista gráfico, ilustrador e quadrinhista, além de historiador e jornalista. Para atender aos objetivos propostos, o livro tinha apenas 48 páginas, em um formato que era um híbrido de livro e revista. E o preço de capa era R$ 5, o que hoje deve equivaler a algo como R$ 10.

O livro foi um grande sucesso, tanto na venda para as livrarias e o público em geral, como na venda para os sindicatos – pois aquela ideia de que os sindicatos comprassem livros e os distribuíssem para seus associados de fato deu certo. Houve sindicatos e federações de trabalhadores que encomendaram 10 mil, até 20 mil exemplares. No total, foram mais de 140 mil exemplares vendidos em menos de um ano – dos quais cerca de 80 mil foram vendas diretas para sindicatos. Nessa parte comercial, a pessoa que carregou o piano a ajudou a que se chegasse a esses números foi a Gizele Santos, na época a gerente comercial da editora.

E posso dizer com tranquilidade que o Aloysio recebeu religiosamente os direitos autorais de todos os exemplares vendidos – durante este período ele teve uma fonte de renda extra. Mas vale lembrar também que no caso das vendas para os sindicatos o percentual de direitos autorais era menor, pois a ideia era vender aos sindicatos ao menor preço possível, para viabilizar grandes tiragens. E o Aloysio concordou inteiramente com isso, pois o interesse principal dele não era lucrar com o livro, mas sim fazer com que a obra chegasse ao maior número de pessoas.

E de fato o livro teve um papel político importante, pois serviu de instrumento de denúncia e de mobilização contra as privatizações. Tornou-se uma espécie de cartilha da luta contra as privatizações do governo FHC. Até hoje é usado para estudar esse processo. Além disso, como me lembrou o Antonio, o livro teve uma edição em espanhol, feita no Paraguai pela Frente Sindical y Social e pela editora Generación.

Durante os meses seguintes à publicação do livro, o Aloysio viajou por todo o país fazendo lançamentos e palestras, sempre a convite de sindicatos, federações, associações de trabalhadores, etc. Foi algo que lhe deu muita satisfação, dava para perceber, ele gostava dessas viagens, dos eventos, de falar para grandes plateias sobre o tema, isso lhe dava ânimo e vigor, apesar de ser cansativo.

E quando já estávamos encaminhando a continuação do livro, um segundo volume, veio a morte do Aloysio, repentina, nos pegando de surpresa. Mesmo assim, e também como uma homenagem ao Aloysio, O Brasil privatizado II saiu um pouco depois, feito com base nos seus artigos para os jornais e organizado pelo Antonio Biondi. Mas essa já é outra história.

Enfim, acho que o lançamento do livro foi um momento importante para o Aloysio, ele que já era um jornalista consagrado, com passagens marcantes pelas revistas Visão, Veja, Bundas, Caros Amigos e Revista dos Bancários, e pelos jornais Gazeta Mercantil, DCI, Folha de S. Paulo e Diário Popular. O livro parecia oferecer a possibilidade de uma nova etapa em sua vida profissional, mas que infelizmente durou muito pouco tempo.

A sua morte foi uma perda enorme. O Aloysio podia estar ainda aqui hoje produzindo plenamente, descobrindo informações que só ele conseguia, analisando criticamente o Brasil, e com certeza teria um olhar crítico para diversas questões do governo Lula – apesar de que ele certamente vibraria com o fato de milhões de pessoas terem tido a possibilidade de uma vida mais digna nestes últimos anos.

E para mim, a edição do livro foi uma grande experiência como editor – além de ter me permitido, ainda que por um período curto, desfrutar da amizade de uma grande figura humana. Os filhos e amigos do Aloysio montaram um site muito bom sobre sua vida e obra. Vale a pena visitar.

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