quarta-feira, 30 de junho de 2010

Um DNA dos jornais argentinos

Reproduzo artigo de Stella Calloni, publicado no jornal mexicano La Jornada:

Sob um clima de tensões e preocupações, começaram no dia 7 de junho, no Banco Nacional de Dados Genéticos (BNDG), as perícias para determinar se as duas crianças adotadas pela diretora do jornal e do Grupo Clarín, Ernestina Herrera de Noble, durante a última ditadura argentina (1976-1983), são filhos de desaparecidos políticos.

Depois de se esquivar de todo tipo de obstáculos impostos pelos advogados de Ernestina para impedir o exame, a Justiça argentina conseguiu se impor e fazer reunir dados genéticos importantes que podem determinar, em um lapso de 29 a 45 dias, se Felipe e Marcela Noble estão entre as 500 crianças roubadas pelos militares.

No BNDG, está guardada uma quantidade de mostras de DNA de familiares, recolhidas depois de um árduo trabalho das Avós da Praça de Maio, que procuram seus netos e denunciam há anos o plano sistemático utilizado pelos agentes da ditadura, que mantinham com vida as mulheres grávidas que sequestravam em operações de guerra suja e, depois que estas tinham seus filhos em condições atrozes, nos centros clandestinos de detenção ou hospitais das Forças Armadas, os arrancavam para entregá-los para a adoção.

Obstáculos

Mais de cem crianças foram encontradas, já jovens, em mãos de militares, policiais ou amigos destes. Há anos, Ernestina Herrera de Noble burla as disposições judiciais. Seus advogados pediram a recusa da juíza Sandra Arroyo Salgado, que ficou à frente da causa depois de ter ordenado o afastamento do magistrado anterior, Conrado Bergesio, que cometeu irregularidades para impedir os testes de DNA.

A Câmara Federal de San Martín estuda o assunto. A juíza não aceitou a recusa da família Noble e demonstrou que tem documentados todos os passos que deu, para impedir que se tente forçar seu afastamento do caso, como se fez até agora.

Tal medida já foi tomada em outros momentos. Vale lembrar o caso de Evelyn Vázquez – apropriada pelo militar da Marinha Policarpio Vázquez e sua esposa Ana Ferra –, que se negava a cumprir a lei que obriga a determinar a identidade nesses casos. Em fevereiro de 2008, a Justiça ordenou a polícia a entrar em sua residência para retirar material pessoal. O Banco de Dados confirmou, finalmente, que a jovem era filha de Susana Pegoraro e Rubén Bauer, desaparecidos durante a ditadura.

A vice-presidente da Avós da Praça de Maio, Rosa Roisinblit, lembrou que, “durante 20 anos, Evelyn disse que não queria prejudicar seu pai. Agora que se sabe quem são seus pais, vai se dar conta de que não o prejudicará, porque ele mesmo reconheceu o delito de apropriação”.

Abraço simbólico

Outros jovens filhos de desaparecidos que recuperaram sua identidade nos últimos dois anos denunciaram as ações do advogado dos Noble, que tenta pôr em dúvida o BNDG. Eles destacaram que, se alguém pode burlar a lei porque é poderoso economicamente, então tudo que se conseguiu até agora para se fazer justiça se perderá.

Centrais sindicais como a Central de Trabalhadores Argentinos (CTA) e outras organizações sociais deram, no mesmo dia 7, um abraço simbólico no Hospital Durand, onde fica o BNDG, para defender a lei em um tema tão sensível como o das crianças apropriadas e repartidas como botim de guerra.

No ato de abertura dos envelopes que guardavam as prendas dos filhos de Ernestina Herrera de Noble, estiveram presentes a juíza Sandra Arroyo, peritos, advogados das partes e o jornalista e advogado Pablo Llonto, denunciante nessa causa.

Escândalo

Enquanto isso, continua crescendo o escândalo pela forma com que os grupos de comunicação Clarín, La Nación e La Razón passaram a controlar a companhia Papel Prensa, produtora de papel de jornal, durante a ditadura. Ao testemunho da viúva de David Graiver – dono original da empresa, morto em um estranho acidente de aviação –, que relatou as terríveis torturas que ele sofreu durante o regime militar para que entregasse suas ações, se uniu a voz de Rafael Ianover, que foi vice-presidente da companhia entre 1973 e 1977.

Ele afirmou que, em agosto de 1976, ao regressar à sua casa, encontrou sua família sendo ameaçada por um grupo armado que havia revirado todo o local. A partir de então, começou um processo extorsivo e se chegou ao extremo de fazerem-no assinar um documento de venda sem se estabelecer preço ou condições.

“Assina que não vai te acontecer nada”, lhe disseram. Pouco tempo depois, Rafael foi preso. Tais testemunhos, assim como o do ex-diretor do diário La Opinión, Jacobo Timermman, que esteve sob torturas em um centro clandestino de detenção em La Plata, província de Buenos Aires, conformam os relatos mais terríveis sobre a cumplicidade de grupos econômicos e meios de comunicação com a ditadura.

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