quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O partido único da mídia

Por Laurindo Lalo Leal Filho, no sítio Carta Maior:

A superficialidade e o descrédito a que chegaram os meios de comunicação tradicionais no Brasil é incontestável. Posicionamento político-partidário explícito e "reengenharias" administrativas estão na raiz desse processo.

Dispensas em massa de profissionais qualificados explicam, em parte, a baixa qualidade editorial. Foi-se o tempo em que ler jornal dava prazer. Mas fiquemos, por aqui, apenas na orientação política.



A concentração dos meios e a identidade ideológica existente entre eles criou no país o "partido único" da mídia, sem oposição ou contestação. Ditam políticas, hábitos, valores e comportamentos. O resultado é um grande descompasso entre o que divulgam e a realidade. Hoje, para perceber esse fenômeno, não são mais necessárias as exaustivas pesquisas em jornalismo comparado, tão comuns em nossas academias lá pelos anos 1980.

Agora basta abrir um jornal ou assistir a um telejornal e compará-los com as informações oferecidas por sites e blogues sérios, oferecidos pela internet. São mundos distintos.

No caso da mídia brasileira essa situação começou a se consolidar com a implosão das economias planificadas do leste europeu, na virada dos anos 1980/90.

Em 1992, no livro "O fim da história e o último homem", ampliando ideias já apresentadas em ensaio de 1989, Francis Fukuyama punha um ponto final no choque de ideologias, saudando o capitalismo como modo de produção e processo civilizatório definitivo da humanidade, globalizado e eternizado.

Tese rapidamente endossada com euforia pela mídia conservadora e hegemônica que, a partir dai, pautaria por esse viés seus recortes diários do mundo, transmitidos ao público. Faz isso até hoje.

Só que, obviamente, a história não acabou. Ai estão as crises cíclicas do capitalismo, neste início de milênio, evidenciando-o como modo de produção historicamente constituído, passível de transformações e de colapso, como qualquer um dos que o precederam. Mas a mídia trata o capitalismo como se fosse eterno, excluindo de suas pautas as contradições básicas que o formam e o conformam. Dai a pobreza de seus conteúdos e o seu distanciamento da realidade, levando-a ao descrédito.

De fomentadora de ideias e debates, fortes características de seus primórdios em séculos passados, passou a estimuladora do conformismo e da acomodação. Para ela o motor história não é a luta de classes e sim o consumo, apresentado em gráficos e infográficos, alardeando números e índices que, muitas vezes, beiram o esotérico.

Se nos anos 1990 essas políticas editoriais obtiveram relativo êxito apoiadas na expansão do neoliberalismo pelo mundo, na última década a realidade crítica abalou todas as certezas impostas ideologicamente. As contradições vieram à tona.

No entanto a mídia, reduzida e conservadora, especialmente no Brasil, segue tratando apenas das aparências, deixando de lado determinações mais profundas. Movimentos anti-capitalistas espalhados pelo mundo são mencionados, quando o são, particularmente pela TV, como "fait-divers", destituídos de sentido, a-históricos. Seguindo rigorosamente a tese de Fukuyama.

Fazendo jus ao seu papel de "partido único", os meios oferecem ao público, como elemento condutor de sua ideologia conservadora, algo que genericamente pode ser chamado de kitsch. Definição dada pelos alemães no século passado para a arte popular e comercial, feita de fotos coloridas, capas de revistas, ilustrações, imagens publicitárias, histórias em quadrinhos, filmes de Hollywood. Atualizando seriam os nossos programas de TV, os cadernos de variedades de jornais e revistas, as músicas e as preces tocadas no rádio.

Esse é o prato diário da mídia, oferecido em embalagens sedutoras e entremeado de informações ditas jornalísticas, apresentando o mundo como um quadro acabado, inalterável. Não existindo alternativas, resta o conformismo anestesiado pelo consumo, ainda que para muitos apenas ilusório.

Claro que esse quadro midiático tem eficácia até certo momento, enquanto realidade e imaginário de alguma forma guardam proximidade. Mas ele também é histórico e, portanto, mutável.

Enquanto as contradições básicas da sociedade, aqui mencionadas, permanecerem existindo, a integração das consciências "pelo alto" será irrealizável, alertava Adorno, num dos seus últimos textos. Por mais que os meios de comunicação se esforcem por integrá-las.

Ao se fixar nos seus próprios dogmas, desprezando o real, o poder dos partidos midiáticos tende ao enfraquecimento. Ao se descolarem da realidade perdem credibilidade e apoio, cavando sua própria ruína. Confrontados com a internet desabam. Trata-se de um caminho trilhado de forma cada vez mais acelerada pela mídia tradicional brasileira. Sem falar na contribuição dada a esse processo pela queda da qualidade editorial, tema que fica para outro momento.

3 comentários:

Anônimo disse...

Desde que comecei a me interessar e buscar avidamente por textos que retratem o cenário brasileiro de uma maneira mais crítica e questionadora, seu blog tem sido uma excelente fonte de informações.

Paulo César disse...

Muito bem Altamiro, sua reflexão esclarece muito esse processo “neomidiático”, quando começamos a decodificar o momento histórico contemporâneo, pela observação e questionamento dos princípios que regem os comportamentos cotidianos do homem de hoje (o homem moderno?): será o Homo sapiens sapiens, conforme diz o neurocientista Antônio Damásio, o ser que a partir de sua consciência promoveu o desenvolvimento de sua linguagem a tal ponto de estabelecer uma certa relação "simbiótica" com o mundo e quase torná-lo a extensão do corpo?

Ao usar o mundo transformado ao redor, o ser humano ampliou os seus mecanismos reguladores da vida como processo urbanizador dos hábitos cognitivos que regulam o produto e a extensão da ação do cérebro humano, alterando suas relações processuais através da informatização como fator determinante no novo modo de ver e interagir no mundo à sua volta, criando um “modus vivendi” virtualizado e sem conexão direta com os acontecimentos concretos da vida social em escala de tempo real. Embora a velocidade da informação acumulada de estenda a grandes distâncias em frações de tempo, o conteúdo da informação nem sempre é capaz de criar interações imediatas em pessoas que tenham idéias em comum, daí a dificuldade de coadunar diálogos produtivos para formar opiniões coletivas correspondentes às comunidades com suas necessidades, anseios e capacidade de ação.

Isto acontece porque a política governamental está focada em interesses de ordem capitalista voltados para as operações financeiras de manutenção dos gastos públicos para os políticos empresários, que proporciona um status quo de gastos exorbitantes pela apropriação ilícita do dinheiro público, que deveria ser revestido em benefícios sociais e infraestruturas vitais para proporcionar uma vida decente à população. Essa apropriação ilícita do dinheiro público empobrece as comunidades que compõem uma sociedade falida de dignidade. E o instrumento de dominação utilizado pelos governos para manter o sistema de espoliação pública é a informação falseada pelos meios de comunicação, que por sua vez engendram-se pela troca de favores entre o poder político instituído e a imprensa corrompida, e esta também ganha com a manutenção do neoliberalismo econômico pelos meios de informação instituídos, quando a própria informação da ilegalidade é transformada em produtos de venda e troca de favores operados confidencialmente no meio político.

Anônimo disse...

O PUM está solto.Ao menos dos intestinos da mídia,mas ainda está preso de baixo dos lençóis.Cuidado!O estouro vem aí e então o negócio vai feder!
MARINHO.