quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Do governo gestor ao governo de combate

Por Wladimir Pomar, na revista Teoria e Debate:

Em 2010, ao iniciar seu primeiro mandato, o governo Dilma já encontrou um cenário internacional e um cenário nacional diferentes dos enfrentados pelo governo Lula, entre 2003 e 2007. Nesse período, a entrada da China na OMC e sua ascensão, assim como a de outros países da Ásia oriental, no mercado mundial beneficiaram a economia brasileira de diferentes maneiras. Em primeiro lugar, pela elevação da importação de commodities minerais e agrícolas, permitindo altos saldos na balança comercial brasileira. Em segundo lugar, pela produção de manufaturados de baixo preço em grande escala, forçando a inflação mundial e também nacional a ser reduzida. Em terceiro lugar, por alcançarem um nível de acumulação de capitais que os obrigou a exportar capitais e contribuir para o reerguimento industrial e econômico de inúmeros países.

Esse cenário internacional, que Delfim Netto chama de vento de popa, e seus benefícios diretos e indiretos permitiram aos dois mandatos do governo Lula bypassar o tripé macroeconômico neoliberal do período. Os juros altos para conter a inflação, as metas fiscais e o câmbio flutuante (que substituíra o câmbio fixo do governo FHC) tendiam a frear o crescimento, causar mais desemprego e arrochar salários. No entanto, os superávits comerciais propiciaram elevar os salários, distribuir renda através dos programas sociais e da ampliação do crédito e iniciar um programa de reconstrução da infraestrutura, sem que isso pressionasse a inflação ou afetasse as metas fiscais.

No entanto, quando a crise econômica desabou sobre os Estados Unidos, em 2008, embora seus efeitos não tenham sido imediatos, subestimou-se sua capacidade de expansão pelos países centrais e periféricos. Até hoje muita gente parece não entender a natureza da crise nos países capitalistas desenvolvidos e a natureza diferente de suas consequências sobre os países em desenvolvimento.

Nos países capitalistas altamente desenvolvidos, como os Estados Unidos, há grande acumulação de capital, as forças produtivas são científica e tecnologicamente avançadas e organizadas em grandes corporações empresariais. Há, portanto, uma alta participação no capital constante (trabalho morto) na composição do capital total, o que permite uma alta produtividade e, consequentemente, a extração de altas taxas de mais-valia relativa e grande descarte estrutural de forças de trabalho. Mas, contraditoriamente, há forte tendência declinante da taxa média de lucro, algo sagrado para a reprodução ampliada do capital.

Essas tendências contraditórias levam o capital desenvolvido a apelar para duas saídas, clássicas desde os anos 1950 e intensificadas a partir dos anos 1970: exportação de capitais (na forma financeira e na forma de plantas industriais) para países agrários ou agrário-industriais com mão de obra barata e utilização da especulação financeira. A exportação de capitais, embora tenha conteúdo explorador, quando transfere meios de produção desindustrializa a potência exportadora e industrializa os subdesenvolvidos. Dependendo de seus estados, os subdesenvolvidos podem tornar-se concorrentes das potências capitalistas e conquistar soberania frente a elas. Os exemplos clássicos do pós-guerra dos anos 1940 foram a Alemanha, o Japão, os Tigres Asiáticos e a China.

A utilização da especulação financeira, com a volúpia de gerar dinheiro do próprio dinheiro, sem passar por processo algum de produção de bens, tem a tendência de criar uma massa fabulosa de dinheiro fictício, na forma de papéis, sem correspondência com a riqueza material existente. Em algum momento esses papéis viram pó, causando crises destrutivas avassaladoras. Portanto, quando a crise de 2008 colocou a nu as fragilidades acumuladas da declinante economia norte-americana, era previsível que ela se estenderia pelos países capitalistas desenvolvidos, como Inglaterra, França e Alemanha, cujas tendências internas eram idênticas às daquele capitalismo – o que teria consequências sobre todo o mundo, embora em graus diferentes, por reduzir o comércio mundial e forçar a adoção de políticas macroeconômicas que dificilmente poderiam resolver os problemas estruturais dos países, tanto centrais quanto periféricos.

Foi com essa nova situação que o primeiro mandato de Dilma se confrontou. Se já havia uma contradição entre a manutenção do tripé neoliberal e o crescimento por meio da promoção do aumento do poder de compra da população no governo Lula, essa contradição assumia um caráter irreconciliável diante da crise internacional e da tendência real de contração do comércio mundial. Em termos práticos, ou o governo Dilma suspendia as políticas de elevação salarial, distribuição de renda e reconstrução da infraestrutura, para não pressionar a inflação e afetar as metas fiscais, ou modificava a macroeconomia do tripé neoliberal e adotava uma macroeconomia tendo como eixo os investimentos produtivos e o crescimento econômico geral.

Isto é, uma macroeconomia que combatesse a inflação através do aumento da oferta de alimentos e bens não duráveis e resolvesse o problema da escassez de recursos próprios através da atração de capitais externos, sob condicionalidades. Infelizmente, a macroeconomia do primeiro governo Dilma tentou resistir parcialmente à macroeconomia neoliberal, mas não avançou nos investimentos produtivos, em particular nos investimentos industriais, geradores de valor.

Nessas condições, os desafios do segundo mandato continuam os mesmos, mas mais agravados, porque a correlação política de forças se modificou desfavoravelmente. Apesar disso, o governo precisará realizar um crescimento ampliado da produção industrial e agrícola. Precisará romper com os monopólios e oligopólios que dominam a economia brasileira. Conceber um novo tipo de regulação dos investimentos estrangeiros, de modo que se voltem para o setor produtivo e contribuam para o desenvolvimento das forças produtivas nacionais. Elevar as taxas de investimento para cerca de 25% do PIB, de modo a alcançar uma taxa de crescimento anual de 4% a 5%. Absorver o "exército de reserva" no mercado de trabalho. Resolver os problemas básicos de transporte, saúde, educação e saneamento urbano. Reconstruir a infraestrutura industrial e agrícola. E ampliar os avanços sociais já conseguidos.

Para materializar tais objetivos será necessário adotar uma macroeconomia que permita maior participação dos recursos públicos e privados nos investimentos produtivos, o que demanda juros mais baixos, taxas de câmbio administradas, reforma tributária que taxe o capital fictício, aplicação das leis contra a formação de cartéis e criação de empresas estatais que induzam os setores privados, principalmente médios e pequenos, a adensar as cadeias produtivas.

Ou seja, adotar uma macroeconomia industrialista e de crescimento da agricultura de alimentos para o mercado doméstico, para não patinar nas elevações da taxa Selic, nas flutuações cambiais e no arrocho fiscal da macroeconomia neoliberal. E, tendo em conta a correlação de forças desfavorável, apelar para a mobilização social como instrumento de atendimento das demandas populares e das reformas políticas democratizantes e de combate à corrupção.

De governo somente gestor, o novo governo Dilma precisará se tornar um governo de combate. Combate na defesa de seus feitos. Combate na comunicação, incluindo a presença constante da presidenta na mídia escrita, falada e televisiva. Combate no diálogo com os movimentos sociais e as camadas populares. Combate na participação popular nos assuntos políticos. Combate no apoio às manifestações populares. Combate!

* Wladimir Pomar é membro do Conselho de Redação de Teoria e Debate.

1 comentários:

Anônimo disse...

Brilhante analise até o meio de texto. A parte final é de um idealismo neo-hegeliano. Infelizmente não temos os meios necessários para esse combate.