Por Ricardo Kotscho, no blog Balaio do Kotscho:
Sou do tempo em que ir a Cuba era proibido para os brasileiros. Os dois países não tinham relações diplomáticas e no nosso passaporte vinha um aviso: era permitido viajar para qualquer país do mundo, menos para a ilha caribenha.
Ao retornar de uma viagem clandestina, você poderia ser interrogado e preso. A primeira vez que me arrisquei a viajar para Havana foi em 1980, para participar de um encontro de intelectuais latino-americanos (jornalista era considerado intelectual...), junto com uma comitiva bastante variada de representantes das várias áreas da cultura nacional.
Para chegar lá, era preciso fazer uma triangulação, com conexão em Lima, no Peru, pegar o visto na embaixada cubana e, depois, seguir até o Panamá, aonde finalmente pegamos o voo para Havana. Ao desembarcar, me lembrei da primeira vez que cheguei a Salvador, na Bahia, nos anos 1960. Era tudo bastante parecido: o povo mulato e festeiro, muita música, mojitos servidos à vontade, danças, roupas coloridas. Nada, enfim, que lembrasse uma terrível ditadura comunista, destas que comem criancinhas, como aprendi lendo os nossos jornais.
Voltaria a Cuba, onde fiz muitos amigos, várias outras vezes, a passeio ou a trabalho, e vi de perto as diferentes fases pelas quais a ilha passou neste período, da bonança à penúria. Por isso, como tanta gente pelo mundo afora, fiquei muito feliz com o anúncio do reatamento das relações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba, nesta tarde histórica de 17 de dezembro de 2014, dia do aniversário do papa Francisco, que completou 78 anos, e teve papel fundamental nas negociações que levaram a este desfecho.
A melhor notícia deste final de ano, que renova nossas esperanças de viver num mundo mais fraterno e menos belicoso, acabaria vindo de onde menos se poderia esperar, proclamada com orgulho pelos presidentes de dois países tão próximos e tão diferentes, inimigos até então irreconciliáveis, separados por apenas 200 quilômetros de mar.
"Todos somos americanos!", resumiu Obama, em bom castelhano, ao abrir os braços para o pequeno país de Raul Castro, com apenas 10 milhões de habitantes. Companheiro de muitas passagens por Havana, o amigo escritor Fernando Morais, um dos primeiros jornalistas brasileiros a desafiar a proibição de entrar em Cuba, ainda em 1975, no auge da ditadura militar brasileira, foi quem melhor definiu este acontecimento de grande repercussão mundial: "Não é só uma frase de efeito, mas a Guerra Fria acabou hoje, às 15h01".
De fato, a chamada Guerra Fria, que começou logo após o final da Segunda Grande Guerra, dividindo o mundo ao meio entre comunismo e capitalismo, perdeu sua razão de ser com a queda do Muro de Berlim, em 1989, mas veio se arrastando por mais 25 anos até os dias atuais, inclusive aqui no Brasil, como vimos ainda agora na última campanha eleitoral. "Vai para Cuba!", era um dos xingamentos mais comuns nas manifestações de tucanos contra a presidente Dilma Rousseff, acusada de ser amiga dos cubanos e de ter financiado o porto de Mariel, em Havana, com dinheiro do BNDES. Só falta agora chamarem Obama de comunista.
Pois agora, que a coragem dos presidentes Obama e Castro abriu caminho para o levantamento do embargo econômico contra Cuba, decretado pelos Estados Unidos 53 anos atrás, Mariel pode se tornar o símbolo de um novo tempo, em que a abertura dos portos possa ajudar a combater a intolerância ideológica que ainda inferniza boa parte do mundo. Vai ser bom para os Estados Unidos e para Cuba, claro, mas também para o Brasil e a América Latina, e o mundo todo que ainda sonha com a paz entre os povos.
Vida que segue.
Ao retornar de uma viagem clandestina, você poderia ser interrogado e preso. A primeira vez que me arrisquei a viajar para Havana foi em 1980, para participar de um encontro de intelectuais latino-americanos (jornalista era considerado intelectual...), junto com uma comitiva bastante variada de representantes das várias áreas da cultura nacional.
Para chegar lá, era preciso fazer uma triangulação, com conexão em Lima, no Peru, pegar o visto na embaixada cubana e, depois, seguir até o Panamá, aonde finalmente pegamos o voo para Havana. Ao desembarcar, me lembrei da primeira vez que cheguei a Salvador, na Bahia, nos anos 1960. Era tudo bastante parecido: o povo mulato e festeiro, muita música, mojitos servidos à vontade, danças, roupas coloridas. Nada, enfim, que lembrasse uma terrível ditadura comunista, destas que comem criancinhas, como aprendi lendo os nossos jornais.
Voltaria a Cuba, onde fiz muitos amigos, várias outras vezes, a passeio ou a trabalho, e vi de perto as diferentes fases pelas quais a ilha passou neste período, da bonança à penúria. Por isso, como tanta gente pelo mundo afora, fiquei muito feliz com o anúncio do reatamento das relações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba, nesta tarde histórica de 17 de dezembro de 2014, dia do aniversário do papa Francisco, que completou 78 anos, e teve papel fundamental nas negociações que levaram a este desfecho.
A melhor notícia deste final de ano, que renova nossas esperanças de viver num mundo mais fraterno e menos belicoso, acabaria vindo de onde menos se poderia esperar, proclamada com orgulho pelos presidentes de dois países tão próximos e tão diferentes, inimigos até então irreconciliáveis, separados por apenas 200 quilômetros de mar.
"Todos somos americanos!", resumiu Obama, em bom castelhano, ao abrir os braços para o pequeno país de Raul Castro, com apenas 10 milhões de habitantes. Companheiro de muitas passagens por Havana, o amigo escritor Fernando Morais, um dos primeiros jornalistas brasileiros a desafiar a proibição de entrar em Cuba, ainda em 1975, no auge da ditadura militar brasileira, foi quem melhor definiu este acontecimento de grande repercussão mundial: "Não é só uma frase de efeito, mas a Guerra Fria acabou hoje, às 15h01".
De fato, a chamada Guerra Fria, que começou logo após o final da Segunda Grande Guerra, dividindo o mundo ao meio entre comunismo e capitalismo, perdeu sua razão de ser com a queda do Muro de Berlim, em 1989, mas veio se arrastando por mais 25 anos até os dias atuais, inclusive aqui no Brasil, como vimos ainda agora na última campanha eleitoral. "Vai para Cuba!", era um dos xingamentos mais comuns nas manifestações de tucanos contra a presidente Dilma Rousseff, acusada de ser amiga dos cubanos e de ter financiado o porto de Mariel, em Havana, com dinheiro do BNDES. Só falta agora chamarem Obama de comunista.
Pois agora, que a coragem dos presidentes Obama e Castro abriu caminho para o levantamento do embargo econômico contra Cuba, decretado pelos Estados Unidos 53 anos atrás, Mariel pode se tornar o símbolo de um novo tempo, em que a abertura dos portos possa ajudar a combater a intolerância ideológica que ainda inferniza boa parte do mundo. Vai ser bom para os Estados Unidos e para Cuba, claro, mas também para o Brasil e a América Latina, e o mundo todo que ainda sonha com a paz entre os povos.
Vida que segue.
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