Após intensa e prolongada pressão dos movimentos sociais, o governo Lula finalmente convocou a 1ª Conferência Nacional da Comunicação para os dias 1, 2 e 3 de dezembro. Foi preciso dobrar a resistência dos barões da mídia, que exercem enorme influência na chamada “opinião pública”, contam com expressiva bancada de deputados e senadores e estão infiltrados no próprio Palácio do Planalto, principalmente através da figura do ministro das Comunicações, Hélio Costa – ou melhor, do ministro da TV Globo. A convocação da conferência já representa uma vitória das forças progressistas e populares e é um marco histórico na luta pelo avanço da democracia no Brasil.
A exemplo das outras 53 conferências institucionais promovidas pelo governo, ela será precedida das etapas municipais (até 31 de agosto) e das etapas estaduais (até 31 de outubro). Sua comissão organizadora já está em pleno funcionamento, apesar das justas críticas a sua composição – que exagerou na representação dos empresários e discriminou inúmeros movimentos sociais. Dos três titulares do Legislativo, por exemplo, dois são ligados às empresas de radiodifusão. Os barões da mídia, que não queriam a conferência, farão de tudo agora para emplacar as suas posições. Daí a necessidade dos movimentos sociais priorizarem, desde já, esta batalha de caráter estratégico.
Entrave ao avanço civilizatório
A luta pela democratização da comunicação tem tudo a ver com as aspirações da juventude. Não haverá avanços civilizatórios sem que se supere o poder concentrado e manipulador da ditadura midiática. Da mesma forma como a água suja que sai das torneiras gera doenças, as informações distorcidas, a cultura enlatada e entretenimento consumista que jorram pelos jornais impressos e pelas redes de rádio e televisão também nos contaminam e causam sérios danos à saúde mental. Da mesma forma como já encaramos a educação, saúde e saneamento como direitos humanos, hoje é premente encarar a comunicação de qualidade e plural como direito humano inalienável.
Atualmente, em decorrência dos avanços tecnológicos nas comunicações e telecomunicações, da lógica monopolista do capitalismo e da desregulamentação neoliberal, a mídia exerce um poder descomunal na sociedade, manipulando informações e deformando comportamentos. No campo informativo, ela criminaliza os movimentos sociais, discrimina segmentos da população, justifica guerras, torturas e genocídios “bushianos”, agenda a política, fabrica “caçadores de marajás” e “príncipes da Sorbonne”, destrói reputações, desestabiliza os governos progressistas e promove “golpes midiáticos”, entre outros graves atentados à democracia, as leis e ao Estado de Direito.
No campo comportamental, a mídia mercantiliza vida. O que importa é o ter e não o ser. Como afirma o mestre Eduardo Galeano, para os barões da mídia o “tempo livre é tempo prisioneiro; as casas muito pobres não têm cama, mas tem televisão, e a TV está com a palavra. As mercadorias em oferta invadem e privatizam os espaços públicos. A cultura do consumo, cultura do efêmero, condena tudo à descartabilidade midiática. Tudo muda no ritmo vertiginoso da moda, colocada a serviço da necessidade de vender... As mercadorias, fabricadas para não durar, são tão voláteis quanto o capital que as financia e o trabalho que as gera”. A sociedade é escravizada pela mídia!
Neste sentido, o professor Dênis de Moraes acerta ao dizer que a mídia tem hoje um duplo papel. Como instrumento ideológico, que nada tem de neutra ou imparcial, ela é a principal apologista do deus-mercado. Já como poderosa empresa capitalista, ela busca apenas elevar os lucros. “As corporações da mídia projetam-se, a um só tempo, como agentes discursivos, com uma proposta de coesão ideológica em torno da globalização, e como agentes econômicos proeminentes no mercado mundial, vendendo os próprios produtos e intensificando a visibilidade dos anunciantes. Evidenciar esse duplo papel é decisivo para entender a sua forte incidência na atualidade”.
Mídia concentrada e manipuladora
Hoje, a mídia hegemônica não tem mais nada do romantismo da fase inicial do jornalismo. Ela é uma poderosa empresa capitalista, ligada ao capital financeiro e, inclusive, à indústria de armas. No mundo, ela está nas mãos de duas dezenas de corporações, com receitas entre US$ 8 bilhões e US$ 40 bilhões. São proprietárias de estúdios, produtoras, distribuidoras e exibidoras de filmes, gravadoras de discos, editoras, parques de diversões, TVs abertas e pagas, emissoras de rádio, revistas, jornais, serviços online, portais e provedores de internet. AOL-Time Warner, Viacom, Disney, News, Bertelsmann, NBC-Universal, Comcast e Sony, as oito principais no ranking da mídia e do entretenimento, visam impor seu domínio empresarial e sua hegemonia no planeta.
Já no Brasil, que teve um processo sui generis de concentração, ela é ainda mais anômala. Como aponto no livro A ditadura da mídia, “a ausência de legislação proibitiva da propriedade cruzada, o desrespeito à Constituição, o respaldo da ditadura militar, as relações promiscuas com o Estado e a própria lógica monopolista do capital, entre outros fatores, explicam sua brutal concentração. Na década passada, nove famílias dominavam o setor: Marinho (Globo), Abravanel (SBT), Saad (Bandeirantes), Bloch (Manchete), Civita (Abril), Mesquita (Estado), Frias (Folha), Nascimento e Silva (Jornal do Brasil) e Levy (Gazeta). Hoje são apenas cinco, já que as famílias Bloch, Levy e Nascimento faliram e o clã Mesquita atravessa uma grave crise financeira”.
Neste quadro totalmente distorcido, a Rede Globo ocupa posição hegemônica. Possui 35 grupos afiliados que controlam, ao todo, 340 veículos. Sua influência é forte não apenas no setor de TV. O conteúdo gerado pelos 69 veículos próprios do grupo carioca é distribuído por um sistema que inclui 33 jornais, 52 rádios AM, 76 rádios FM, 11 rádios OC, 105 emissoras de TV, 27 revistas e 17 canais, nove operadoras de TV paga e mais 3.305 retransmissoras. Como sintetiza o professor Venício A. de Lima, “o sistema brasileiro de mídia, além de historicamente concentrado, é controlado por poucos grupos familiares, é vinculado às elites políticas locais e regionais, revela um avanço sem precedentes das igrejas e é hegemonizado por um único grupo, a Rede Globo”.
Esta brutal concentração garante à mídia hegemônica enorme capacidade de manipular “corações e mentes”. No mundo todo, ela a dita moda e vende produtos descartáveis. Ela induz a sociedade a acreditar nas falsidades imperialistas, seja ao divulgar 935 mentiras para justificar o genocídio de um milhão de iraquianos ou ao pregar o “mundo sem fronteiras” e sem controle do capital – o que acelerou a atual crise capitalista, responsável por milhões de desempregados e pela falta de perspectiva para a juventude. Já no Brasil, ela clamou pelo golpe de 1964, apoiou a sanguinária ditadura, sabotou as campanhas das “diretas-já” e do impeachment de Collor, elegeu presidentes fantoches neoliberais e desestabilizou governos progressistas.
O papel destacado da juventude
Diante deste breve diagnóstico, não dá para se omitir na preparação da 1ª Conferência Nacional de Comunicação. O combativo movimento estudantil brasileiro, de ricas tradições, tem enorme responsabilidade nesta jornada. A conferência será uma chance impar na história para envolver amplos setores no esforço pedagógico para debater “da comunicação que temos à comunicação que queremos”. Também será a oportunidade para apresentar várias propostas concretas visando democratizar os meios de comunicação – entre elas, a do fortalecimento da rede pública, da revisão das outorgas e renovações das concessões às emissoras privadas de rádio e televisão, do incentivo à radiodifusão comunitária, do estímulo à inclusão digital e do novo marco regulatório.
Sem derrotar a ditadura midiática, não haverá avanços na democracia e nem luta dos brasileiros contra a barbárie capitalista; a perspectiva de superação deste sistema de opressão e exploração, de construção do socialismo renovado, ficará ainda mais distante. O desafio agora é o de marcar as conferências em cada município e estado, mobilizar multidões e formular propostas. A guerra contra os barões da mídia, com o seu corrosivo poder de manipulação, será titânica. A juventude, maior vítima da contaminação midiática, poderá ter papel de destaque neste processo. É o seu futuro que está em jogo. Depois, não adianta reclamar do poder nefasto da mídia hegemônica.
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