Na contramão da ofensiva mundial contra os direitos trabalhistas, o Brasil reuniu forças para conquistar uma vitória histórica: a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais. Desde o final da década de 1990 que esta bandeira galvaniza o sindicalismo, unificando todas as confederações nacionais, as centrais sindicais e a maior parte das entidades de base. Centenas de manifestações já ocorreram pelo país afora; os protestos do 1º de Maio priorizam esta demanda; dezenas de caravanas já se deslocaram a Brasília para pressionar os parlamentares. Fruto desta intensa e unitária pressão, a redução da jornada está hoje na pauta.
A retomada do crescimento da economia, após o susto da crise mundial, e a situação política mais favorável aos trabalhadores, com um governo que apóia – pelo menos em palavras – esta medida criaram um quadro mais favorável a sua aprovação. O momento atual impõe como prioridade máxima intensificar ainda mais a pressão, dar mais um empurrão, para conquistar esta vitória estratégica – uma “reforma de caráter revolucionário”, segundo as palavras do sociólogo do trabalho Ricardo Antunes.
Projeto tramita na Câmara Federal
No ano passado, uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 231/95 que institui a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais. De autoria dos senadores Paulo Paim (PT/RS) e Inácio Arruda (PCdoB/CE), o texto prevê ainda o aumento do valor da hora-extra de 50% para 75%. Naquela ocasião, mais de mil ativistas sindicais que lotaram as galerias do Salão Nereu Ramos, festejaram a aprovação. Na sequência, o projeto ficou congelado devido à pressão da bancada patronal, que utilizou a eclosão da crise econômica internacional para fazer terrorismo contra a medida.
Agora, porém, o projeto voltou a ser alvo de intensos debates no Congresso Nacional, de várias rodadas de negociação e de inevitáveis articulações. O presidente da Câmara Federal, deputado Michel Temer, prometeu colocar o tema em debate no plenário ainda neste ano. Contudo, o calendário eleitoral, que comprime a agenda parlamentar, e a ação de bastidor dos lobbies patronais podem remeter a votação do projeto para um futuro incerto. Só com muita pressão será possível decidir esta parada o mais rápido possível, sem ficar ao sabor do resultado das eleições de outubro – que pode até alterar a correlação de forças em detrimento dos anseios dos trabalhadores.
A gritaria dos senhores de escravos
A pressão contra a redução da jornada é violenta. Ela lembra a gritaria dos donos de escravos contra a Lei Áurea. Na época, no final do século XIX, eles diziam que a abolição da escravatura paralisaria a economia, destruiria as lavouras, estimularia a preguiça e a bebedeira – seria o caos. O país foi o último das Américas a se livrar da chaga social da escravidão e não sucumbiu – pelo contrário, a abolição foi decisiva para o progresso nacional. Lembra ainda, na fase mais recente, a violenta campanha do chamado Centrão, que reunia os partidos da direita, contra a redução da jornada de 48 para 44 horas semanais, aprovada na Assembléia Nacional Constituinte em 1988.
Os argumentos são os mesmos. Quando da aprovação da PEC no ano passado, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) emitiu uma nota oficial em tom ameaçador. “A PEC aprovada pela comissão especial da Câmara dos Deputados elevará os custos da produção indistintamente em todas as empresas, atividades e regiões. Conseqüentemente, ela representará mais um obstáculo às contratações”. Partidária do deus-mercado, a CNI esbravejou: “As leis não criam empregos”. Para os avarentos empresários, o país precisa de “regras trabalhistas mais modernas e flexíveis”, que “estimulem a competitividade” e “garantam a segurança das empresas”, confessa a nota. Os empresários sonham em destruir totalmente o direito ao trabalho, flexibilizando a jornada (banco de horas), a remuneração (salário flexível) e a contratação (trabalho precário, terceirização, etc.).
O jogo sujo da mídia privada
Nesta violenta campanha, o patronato conta com uma expressiva bancada parlamentar – já que continua elegendo a maioria dos deputados federais e senadores – e com o apoio ativo da mídia. A TV Globo chegou a produzir uma série especial de reportagens para difundir a idéia de que há muitos direitos no país e de que eles “engessam a economia”. Jornalões e revistonas oligárquicas também repetem editoriais contra a redução da jornada e favoráveis à terceirização e ao banco de horas. Quando o presidente Lula ousou defender abertamente as 40 horas, ele foi acusado pela mídia de “demagogo e populista”.
Neste esforço para manipular a opinião pública, jogando-a contra os trabalhadores e o sindicalismo, as entidades patronais usam ainda vários intelectuais de aluguel. O consultor empresarial José Pastore, ex-coordenador do programa trabalhista do presidenciável Geraldo Alckmin, é um dos mais ácidos no combate à redução da jornada. Para enfrentar este bombardeio, principalmente o midiático, o sindicalismo necessita ter argumentos consistentes. Ele precisa enfrentar a intensa luta de idéias e desmascarar as mentiras patronais.
Os falsos argumentos do patronato
Nenhum argumento racional justifica a resistência do patronato à redução da jornada. A única razão existente é a sua ambição egoísta pelo lucro máximo, sem qualquer compromisso com os que trabalham e com o desenvolvimento da nação. Mas este motivo não pode ser confessado, por isso é embalado em falsa retórica. Como aponta um documento do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas (Dieese), intitulado “Reduzir a jornada de trabalho é gerar empregos de qualidade”, esta conquista civilizatória é um fator vital ao desenvolvimento humano e ao próprio progresso nacional. Confira alguns dos sólidos argumentos do Dieese:
- Existe, hoje, uma realidade de extremos. De um lado, muitos estão desempregados e, de outro, grande número de pessoas trabalha cada vez mais, realizando horas extras e de forma muito mais intensa devido às inovações tecnológicas e organizacionais e à flexibilização do tempo de trabalho. O desemprego de muitos e as longas e intensas jornadas de trabalho de outros têm como conseqüência diversos problemas relacionados à saúde, como estresse, depressão, lesões por esforço repetitivo (LER). Aumentam também as dificuldades para o convívio familiar, que tanto podem ter como causa a falta de tempo para a família, como sua desestruturação em virtude do desemprego de seus membros.
- Se, do ponto de vista social, fica evidente a necessidade da redução da jornada de trabalho (RJT), também é sabido que a economia brasileira hoje apresenta condições favoráveis para essa redução uma vez que: a produtividade do trabalho mais que dobrou nos anos 90; o custo com salários é um dos mais baixos no mundo; o peso dos salários no custo total de produção é baixo; o processo de flexibilização da legislação trabalhista, ocorrido ao longo da década de 90, intensificou significativamente o ritmo do trabalho.
Geração de 2.252.600 empregos
- Em vários países, a RJT sem redução salarial tem sido discutida como um dos instrumentos para preservar e criar novos empregos de qualidade e também possibilitar a construção de boas condições de vida. Porém, esta redução poderia até ser bem mais que isso, e impulsionar a economia e dinamizar seu ciclo virtuoso levando à melhoria do mercado de trabalho. Isto permitiria a geração de novos postos de trabalho, diminuição do desemprego, da informalidade, da precarização, aumento da massa salarial e produtividade do trabalho e teria como conseqüência, o crescimento do consumo. Este, por sua vez, levaria ao aumento da produção, o que completaria o círculo virtuoso.
- Pelos cálculos do Dieese, a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais teria o impacto potencial de gerar em torno de 2.252.600 novos postos de trabalho no país, considerando que: a) O Brasil tinha 22.526.000 pessoas com contrato de 44 horas de trabalho, em 2005, segundo dados da Relação Anual das Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego; b) Diminuindo quatro horas de trabalho semanais de cada uma delas, cria-se a possibilidade de gerar 2.252.600 novos postos de trabalho; c) A conta a ser realizada é (22.526.000 x 4) : 40 = 2.252.600.
- Para potencializar a geração de novos postos de trabalho, a RJT deve vir acompanhada de medidas como o fim das horas extras e uma nova regulamentação do banco de horas, que não permitam aos empresários compensar os efeitos de uma jornada menor de outra forma que não com a contratação de novos trabalhadores. Esse conjunto de medidas é necessário porque a contratação de novos trabalhadores tem sido, em geral, a última alternativa utilizada pelos empresários, com a adoção de outros métodos que acabam por impedir a geração de empregos. Um deles é o aumento da produtividade em função da introdução de novas tecnologias de automação ou organizacionais. Outro é a utilização de horas extras, do banco de horas; outro ainda é a intensificação do ritmo de trabalho, para citar apenas alguns.
- O fim das horas extras, ou mesmo sua limitação, por si só, já teria um potencial de geração de 1.200.000 postos de trabalho levando em consideração os dados de 2005. Ou seja, a realização das horas extras no Brasil rouba mais de 1.200.000 postos de trabalho. Isto ocorre por que: a) Pelos dados da RAIS, são feitas no país aproximadamente 52.800.000 horas extras por semana;
b) O cálculo para determinar o número de postos que isto representa é: 52.800.000 : 44 (jornada atual) = 1.200.000 novos postos de trabalho de 44 horas; c) Se fosse considerada a redução da jornada para 40 horas, o número de postos a ser criado poderia ser ainda maior.
O reduzido custo para as empresas
- A adoção da redução da jornada é um dos instrumentos que possibilita aos trabalhadores participarem da distribuição dos ganhos de produtividade gerados pela sociedade. As inovações tecnológicas e organizacionais são conseqüências do acúmulo científico e do esforço contínuo de gerações e são, portanto, mérito de toda a sociedade. Assim, a sua apropriação e utilização também devem ser feitas por toda a sociedade. Caso contrário, a desigualdade é cada vez maior, aumenta a concentração da renda o que traz mais pobreza, fome e exclusão. No que diz respeito à relação entre aumento da produtividade e desemprego, o fato de que são necessárias menos horas de trabalho para produzir uma mercadoria, obriga uma opção que é política entre: transformar essa redução do tempo necessário para a produção em RJT ou deixar com que a redução do tempo de produção, ou seja, o aumento da produtividade, tenha como conseqüência o desemprego.
- No que se refere ao argumento patronal que aponta para o risco de aumento de custos, é importante dimensionar melhor o que representa uma redução de 9,09% na jornada de trabalho, ou seja, reduzi-la de 44 horas semanais para 40 horas. Conforme dados da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), a participação dos salários no custo das indústrias de transformação era de 22%, em média, em 1999. Assim, uma redução de 9,09% da jornada de trabalho representaria um aumento no custo total de apenas 1,99%.
- Ao se considerar o fato de que uma redução de jornada leva a pessoa a trabalhar mais motivada, com mais atenção e concentração e sofrendo menor desgaste, é de se esperar, como resposta, um aumento da produtividade do trabalho, que entre 1990 e 2000, cresceu a uma taxa média anual de 6,50%. Assim, ao comparar o aumento de custo (1,99%), que ocorrerá uma única vez, com o aumento da produtividade, que já ocorreu no passado e continuará ocorrendo no futuro, vê-se que o diferencial no custo é irrisório. E quando se olha para a produtividade no futuro, em menos de seis meses ele já estará compensado.
Distribuir os ganhos de produtividade
- Esse argumento dá sustentação à afirmação de que a redução de jornada é uma forma de o conjunto dos trabalhadores participarem dos benefícios gerados pelas inovações tecnológicas e organizacionais e os ganhos de produtividade que proporcionam. Não se sustenta, assim, o argumento empresarial que prevê a diminuição da competitividade da indústria nacional. Segundo aqueles contrários à RJT, o aumento de custos diminuirá a competitividade do país e fará com que o Brasil perca mercado externo, o que levará ao fechamento de muitas empresas voltadas para exportação e mesmo daquelas que enfrentarão, internamente, a competição com produtos importados.
- Mais um argumento a favor da redução da jornada de trabalho pode ser encontrado nos dados do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos que mostram o custo horário da mão-de-obra na indústria manufatureira em vários países. Um simples olhar para a tabela a seguir mostra que o custo da mão-de-obra brasileira não só é mais baixo, mas é muitas vezes mais baixo. O custo na Coréia do Sul, país que mais se aproxima dos valores brasileiros, é três vezes maior que o do Brasil. Isso significa que há muita margem para a redução da jornada.
- Custo horário da mão-de-obra dos trabalhadores ligados à indústria manufatureira, em US$.
Países 2005
Coréia do Sul 13,6
Japão 21,8
Estados Unidos 23,7
Brasil 4,1
França 24,6
Alemanha 33,0
Itália 21,1
Holanda 31,8
Espanha 17,8
Reino Unido 25,7
As vantagens da redução da jornada
No mesmo sentido, estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulado “Carga horária de trabalho: evolução e principais mudanças no Brasil”, mostra que a jornada no país é muito irregular e injusta. Quase metade dos ocupados trabalha acima das 44 horas fixadas na Constituição; e a outra metade trabalha em jornadas parciais e com os salários reduzidos. Para o economista Marcio Pochmann, presidente do Ipea, o intenso aumento da produtividade no país já permitiria reduzir a jornada para 37 horas semanais, o que resolveria o drama do desemprego no país, caso fosse acompanhada da ampliação dos investimentos no setor produtivo nacional.
Os dois estudos são irrefutáveis. A redução da jornada de trabalho não é apenas uma medida de justiça social, de combate ao desemprego, à informalidade e ao arrocho. Ela não beneficiaria somente o trabalhador com mais tempo livre para o estudo, a convivência familiar e o lazer. Ela alavancaria o próprio desenvolvimento do país, fortalecendo a economia. Em outras palavras, ele impulsionaria o próprio setor patronal. Apenas tornaria o sistema de escravidão assalariada um pouco mais civilizado. Não há porque o Brasil não reduzir a jornada para 40 horas semanais e Já.
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1 comentários:
Altamiro,
você diz: "o custo com salários é um dos mais baixos no mundo; o peso dos salários no custo total de produção é baixo; o processo de flexibilização da legislação trabalhista, ocorrido ao longo da década de 90, intensificou significativamente o ritmo do trabalho".
Por favor, me diga onde isso é verdade. Não é possível ouvir (ler) isso no atual ano de 2010.
Tenho 26 anos, tenho empresa desde os 21 anos de idade, comecei o negócio com 4 vale-transportes no bolso, minha família é classe-média-baixa e, aos poucos luto diariamente para que meu negócio prospere. Dessa forma, sei por A + B que essa sua afirmação é MENTIROSA.
Mesmo assim, gostaria de ouvir sua contraopinião.
Para não haver milindres, sou contrário às suas idéias e não à sua pessoa, pela qual admiro.
Um grande abraço!
Anderson
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