terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O ruído virtual do silêncio

Por Rodrigo Martins, na revista CartaCapital:

Em apenas quatro dias, a primeira edição estava esgotada, com 30 mil exemplares vendidos. As primeiras 15 mil cópias de A Privataria Tucana, livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr., desapareceram em menos de 24 horas das principais livrarias do País, um sucesso inegável. O êxito editorial é um reconhecimento do esforço de apuração do repórter, que passou mais de dez anos investigando as maracutaias das privatizações na era Fernando Henrique Cardoso.


“Mas se esta mesma obra tivesse sido lançada dez ou 15 anos atrás, ela poderia ter amargado um fracasso de vendas”, especula o jornalista e sociólogo Venício Artur de Lima, professor aposentado da Universidade de Brasília. “A chamada grande mídia ignorou solenemente as denúncias do livro e, não fosse pela repercussão na internet, em blogs e redes sociais, dificilmente teria entrado para o debate público como ocorreu.”

A omissão dos principais veículos de comunicação revelou, sobretudo, a seletividade da mídia tradicional na cobertura dos escândalos políticos. As exceções, como de hábito, foram raras. CartaCapital antecipou aos leitores, em reportagem de capa com 12 páginas, as principais denúncias feitas por Ribeiro Jr., fartamente documentadas no livro, além de divulgar com exclusividade trechos da obra. A TV Record, que emprega o repórter-autor, também dedicou parte significativa do seu noticiário ao tema, assim como a revista eletrônica Terra Magazine, editada por Bob Fernandes. Ficou por aí.

Enquanto os principais jornais e telejornais se calavam, quem cuidou de manter o debate aceso foram os internautas, tanto em textos publicados em blogs, como nos incalculáveis comentários que se alastraram pelo Facebook, Twitter e outras redes sociais. Diante da dificuldade de encontrar o livro nas prateleiras das livrarias, multiplicaram-se os boatos sobre um possível boicote. E também versões digitalizadas da obra na web. “Muita gente baixou cópias. O livro impresso deve chegar ao Acre (se chegar) em 2012”, tuitou o jornalista acriano Altino Machado.

O silêncio dos jornalões impressionou até mesmo profissionais calejados, acostumados a combater o jogo rasteiro da mídia tradicional. “Sete ministros da presidenta Dilma já caíram, sempre em razão de denúncias de corrupção ou de tráfico de influência. Em todos os casos, a mídia cumpriu o seu papel. Investigou e mancheteou. Impiedosamente. A oposição botou a boca no trombone, como lhe cabe fazer. Mas, desde sexta-feira 9, o que se ouve é um estrondoso silêncio”, criticou Fernandes no Jornal da Gazeta, três dias após o lançamento do livro.

“Alguém invocou a credibilidade do Sombra, aquele que recebia e pagava (propina) e que levou à queda do governador José Roberto Arruda (do Distrito Federal)? Ou dos motivos que levaram Roberto Jefferson a denunciar o mensalão? E o policial João Dias, que recebia dinheiro, como confessou há pouco, mas levou à queda do ministro do Esporte, Orlando Silva?”, indagou. “Os citados no livro A Privataria Tucana seguem em profundo silêncio. A mídia, sempre pronta a investigar e manchetear, como é de seu ofício, também segue em silêncio. Um silêncio estrondoso. Se continuar assim, um silêncio revelador.”

Entrincheirado em seu blog, o jornalista econômico Luis Nassif foi um dos primeiros a repercutirem a última reportagem de capa de CartaCapital e esmiuçar as denúncias do livro, ao lado de Luiz Carlos Azenha, Paulo Henrique Amorim e Rodrigo Vianna. “Ao juntar todas as peças do quebra-cabeça e acrescentar documentos relevantes, Amaury escancara a história recente do País. Fica claro por que os jornais embarcaram de cabeça na defesa de Daniel Dantas, Gilmar Mendes e outros personagens que os indispuseram com seus próprios leitores”, escreveu.

Na avaliação de Nassif, a mídia firmou um grande pacto com Serra em 2005, com duplo objetivo: um, não alcançado, de ajudá-lo a se tornar presidente da República; o outro, levado a cabo, foi a blindagem contra qualquer tipo de denúncia. “Foi um comprometimento tão amplo, orgânico, que agora a velha mídia não repercute mais nada que deponha contra Serra. De um modo geral, a imprensa brasileira sempre teve uma cobertura partidarizada, mas havia um espaço mínimo de debate. Um colunista podia, eventualmente, discordar da linha editorial do jornal. Havia mais sensibilidade para oferecer informações de interesse do leitor. Goste ou não do livro do Amaury, não se pode ignorá-lo. Deve ser debatido nem que seja para rebater o que está escrito lá. Isso expôs os próprios jornalistas da mídia tradicional ao ridículo. Quem tem perfil em redes sociais está sendo cobrado pelos leitores.”

De fato, sobram exemplos de jornalistas constrangidos na web. No Twitter, por exemplo, diversos colunistas e analistas políticos perderam a esportiva quando indagados por internautas sobre o seu silêncio em relação às denúncias. Lúcia Hippolito, comentarista da Rádio CBN, justificou que ainda não havia tido tempo para ler o livro e disparou contra um seguidor do seu microblog: “Por favor, não gosto de ser pautada. Não gostava na ditadura, não vou aceitar na democracia. Vou ler o livro com atenção e comentar”.

Ricardo Noblat, colunista do jornal O Globo, afirmou que comprou um exemplar, mas o lê “sem pressa”. Cobrado por leitores, fugiu pela tangente: “Lula disse mais de uma vez que a grande imprensa não forma opinião. Não é levada em conta. Portanto, o livro do Amaury não precisa de resenhas na grande imprensa para vender bem. As redes sociais se encarregarão disso. Não é?” Também Dora Kramer, colunista do Estado de S.Paulo, viu-se numa saia justa diante das cobranças na internet: “Se a ‘mídia golpista’ não tem a menor importância, por que querem tanto que a imprensa comente o livro?” A jornalista perguntou e ela própria sabe qual é a resposta.

Na avaliação de Venício Lima, esse tipo de embate deve se intensificar ainda mais, conforme a internet é popularizada no Brasil. “A verdade é que a mídia perdeu o monopólio para ditar a pauta do debate público. Novas fontes de informação política surgiram na web, com a possibilidade de interação com os leitores, e essas fontes são consultadas. Independentemente da vontade da grande mídia, o tema tem sido debatido intensamente nos últimos dias, o que forçou alguns jornais, como a Folha de S.Paulo e o Estadão, a se pronunciarem, ainda que timidamente, numa tentativa de desqualificar o autor do livro”, afirma. “Eles sabem que precisam entrar nesse debate, porque o que está em jogo é a credibilidade deles. Não dá para continuar atuando como um partido político, atacando os rivais e protegendo os amigos, porque esse tipo de postura é denunciado na internet. Não é à toa que há muito tempo eles perdem leitores e audiência.”

Para o jornalista Paulo Henrique Amorim, apresentador do Domingo Espetacular, da TV Record, e editor do site Conversa Afiada, o fenômeno pode ser comparado à Primavera Árabe. Apenas a sua página na internet viu a audiência crescer 20% desde o lançamento do livro de Amaury, passando de 42 mil acessos diários para mais de 52 mil. “A internet ajudou a desmascarar Serra e a imprensa golpista, que está se enterrando agarrada às entranhas do nosso Mubarak. Digo isso porque o Serra está com a mesma saúde política do Mubarak. As farsas do tucano durante a campanha de 2010,como o espetáculo da bolinha de papel, foram desmascaradas na web. A mídia sempre deu respaldo às calhordices dele, e agora perdeu a credibilidade.”

Amorim foi um dos primeiros a revelarem que Ribeiro Jr. preparava um livro contundente sobre as maracutaias das privatizações. Quando ficou sabendo da disputa interna na cúpula da campanha de Dilma, entre os grupos de Rui Falcão e de Fernando Pimentel, procurou Amaury para perguntar sobre o suposto dossiê que preparava contra Serra. “Ele negou a existência de um dossiê, mas confirmou que estava escrevendo um livro sobre as privatizações. Na época, cheguei a publicar um prefácio da obra, que nem chegou a ser aproveitado na versão final, mas que resumia as denúncias. Desde então, passei a ser alvo de intensos ataques. Não faltou quem dissesse que o livro não existia, era uma peça de ficção, mas eu voltei a conversar com ele diversas vezes e ele me mostrava documentos, provas do que dizia e às vezes deixava eu ler um capítulo concluído”, afirma. “Pois bem, não era ficção. O livro está aí. E a mídia se recusa a falar sobre ele, até porque não sabe como rebater as acusações. Essa é a pior imprensa de todas as novas democracias. E sempre foi assim, covarde, partidária. É a mesma imprensa caluniosa do tiro no peito de Getúlio Vargas, o boletim interno da Casa Grande.”

Na avaliação do jornalista Rodrigo Vianna, que mantém o blog O Escrevinhador, “o livro fatalmente ficaria restrito aos poucos veículos de comunicação mais críticos se os internautas não fizessem barulho na web”. A audiência em seu blog cresceu de 20% a 30% após noticiar o caso, um crescimento semelhante ao do site de CartaCapital. Em ambas as páginas, os textos relacionados à “privataria tucana” foram recordistas de comentários. “É evidente que a grande mídia tem um peso muito forte para mobilizar a opinião pública. Consegue derrubar ministros e motivar investigações oficiais com facilidade, mas ela não detém mais o monopólio da agenda pública. Não consegue mais esconder um tema como esse. CartaCapital chegou às bancas na sexta-feira 9 e em menos de 12 horas o Brasil inteiro discutia a sua matéria de capa e o livro do Amaury. Quem tem acesso à internet não ficou sem informação. Já os leitores da velha mídia não tiveram a mesma sorte. Essa omissão pode sair caro.”

1 comentários:

Brendow disse...

Contra o Arruda prenderam e cassaram antes de investigar,contra o Agnelo e só vamos analisar,vamos investigar........por que não trataram o caso Arruda com o mesmo equilíbrio e sensatez que estão tratando os escândalos do Agnelo?.........