Por Antonio Martins, no sítio Outras Palavras:
Há uma razão a mais para acompanhar atentamente o ataque aos direitos sociais e serviços públicos na Europa, com seus resultados desastrosos. Na virada do ano, voltaram a se manifestar as pressões para que o governo brasileiro adote medidas muito semelhantes às que estão causando retrocessos históricos no Velho Continente. Dois setores, em especial, atuam nesta direção: os grandes aplicadores no mercado financeiro e quase toda a mídia comercial, aliada a eles.
Pedem um novo corte no Orçamento da União, igual ou superior ao que colocou a economia em marcha lenta e quase provocou uma recessão, em 2011. Mas evitam o debate aberto. Seus meios são outros: ações nos bastidores do sistema político, distantes da opinião pública. E publicação, nos jornais, de matérias que apresentam o corte como “natural” ou “inevitável”.
A matéria de capa de O Estado de S.Paulo deste domingo (1º/11) é um modelo de como funciona este tipo de jornalismo. Desdobra-se em dois textos. Ambos são especulativos. Baseiam-se em informações de fontes não-identificadas. Trata-se de um recurso jornalístico que pode ser usado tanto para revelar fatos importantes, quanto para deformar a realidade, apresentando os desejos de grupos de poder como se fossem certezas, decisões já tomadas.
A primeira matéria é banal. Repete algo identificado há pelo menos seis meses: uma das estratégias de Dilma, em busca de apoio político, é ampliar sua popularidade entre os mais pobres, estendendo e reforçando programas como o Bolsa-Família. Está no segundo texto a tentativa de determinar a agenda política, trabalhando em favor de um ponto de vista sem explicitar esta opção aos leitores.
Nessa matéria, dois argumentos destacam-se: a) “Por ordem da presidente”, o governo vai promover, em 2012, um novo corte no Orçamento. Ele poderá chegar a R$ 60 bilhões, suplantando os R$ 50 bi de 2011; b) Embora possa contrariar alguns setores e atingir os interesses eleitorais dos partidos governistas, este ataque à “gastança” é inevitável: o Planalto percebeu que a crise financeira internacional o obriga a ser cauteloso e comedido internamente.
Tais “fatos” são tratados, na matéria, como certos. Apenas o leitor muito experiente e atento perceberá, ao final do texto, que não é bem assim: “Dilma enfrenta hoje o dilema entre priorizar o crescimento ou controlar a inflação com mão de ferro (…) A ala rotulada como ‘desenvolvimentista’ – no passado integrada por [Guido] Mantega e pela própria Dilma – alega que a atual política de austeridade também equivale a enxugar gelo.” O primeiro “fato” vendido pelo Estadão é, portanto, apenas uma possibilidade.
Mas a mistificação mais grave está no segundo. Mesmo na Europa, onde os Tesouros de alguns países têm dívidas relativamente altas (163% do PIB na Grécia, 120% na Itália, 108% na Irlanda), cortar gastos públicos tem se revelado um remédio doloroso e ineficaz. Produz pobreza, corrói e democracia e não reduz o endividamento. Beneficia apenas a oligarquia financeira – a ínfima minoria que movimenta imensos recursos e por isso tem poder para definir o sentido em que atuarão os mercados de capitais.
No Brasil, tal opção seria ainda mais incongruente. Segundo dados divulgados no final do ano, a dívida pública voltou a cair. Representa hoje 36,6% do PIB — menos da metade que na França (85,4%) ou Alemanha (81,7%); inferior até mesmo à da rigorosíssima Finlândia (49,1%). Nosso problema, diante da crise, é oposto a este. O governo pode (e provavelmente precisará) ampliar e transformar o gasto estatal.
Uma possível resposta brasileira ao agravamento da crise mundial seria um plano para requalificar os serviços públicos e oferecê-los a dezenas de milhões de brasileiros — hoje sem acesso a Saneamento, Saúde, Moradia, Educação, Comunicação, acesso a Novas Tecnologias, Energia limpa, Transporte coletivo urbano e de longa distância. Tal plano geraria ocupação de todos os níveis, substituindo os postos de trabalho que podem ser afetados pelo eventual agravamento da recessão em outras partes do mundo. Poderia ser articulado com novos mecanismos de participação popular — para permitir, por exemplo, formas não-viciadas de acompanhamento das concorrências e obras, ou do próprio atendimento aos usuários.
Por sua profundidade, a crise exige ampla mobilização da inteligência coletiva e debate irrestrito sobre as alternativas. Mas o texto do Estadão é mais um sinal de que a mídia prefere o pensamento único. A incógnita, agora, está na atitude a ser adotada pelo governo Dilma.
Há uma razão a mais para acompanhar atentamente o ataque aos direitos sociais e serviços públicos na Europa, com seus resultados desastrosos. Na virada do ano, voltaram a se manifestar as pressões para que o governo brasileiro adote medidas muito semelhantes às que estão causando retrocessos históricos no Velho Continente. Dois setores, em especial, atuam nesta direção: os grandes aplicadores no mercado financeiro e quase toda a mídia comercial, aliada a eles.
Pedem um novo corte no Orçamento da União, igual ou superior ao que colocou a economia em marcha lenta e quase provocou uma recessão, em 2011. Mas evitam o debate aberto. Seus meios são outros: ações nos bastidores do sistema político, distantes da opinião pública. E publicação, nos jornais, de matérias que apresentam o corte como “natural” ou “inevitável”.
A matéria de capa de O Estado de S.Paulo deste domingo (1º/11) é um modelo de como funciona este tipo de jornalismo. Desdobra-se em dois textos. Ambos são especulativos. Baseiam-se em informações de fontes não-identificadas. Trata-se de um recurso jornalístico que pode ser usado tanto para revelar fatos importantes, quanto para deformar a realidade, apresentando os desejos de grupos de poder como se fossem certezas, decisões já tomadas.
A primeira matéria é banal. Repete algo identificado há pelo menos seis meses: uma das estratégias de Dilma, em busca de apoio político, é ampliar sua popularidade entre os mais pobres, estendendo e reforçando programas como o Bolsa-Família. Está no segundo texto a tentativa de determinar a agenda política, trabalhando em favor de um ponto de vista sem explicitar esta opção aos leitores.
Nessa matéria, dois argumentos destacam-se: a) “Por ordem da presidente”, o governo vai promover, em 2012, um novo corte no Orçamento. Ele poderá chegar a R$ 60 bilhões, suplantando os R$ 50 bi de 2011; b) Embora possa contrariar alguns setores e atingir os interesses eleitorais dos partidos governistas, este ataque à “gastança” é inevitável: o Planalto percebeu que a crise financeira internacional o obriga a ser cauteloso e comedido internamente.
Tais “fatos” são tratados, na matéria, como certos. Apenas o leitor muito experiente e atento perceberá, ao final do texto, que não é bem assim: “Dilma enfrenta hoje o dilema entre priorizar o crescimento ou controlar a inflação com mão de ferro (…) A ala rotulada como ‘desenvolvimentista’ – no passado integrada por [Guido] Mantega e pela própria Dilma – alega que a atual política de austeridade também equivale a enxugar gelo.” O primeiro “fato” vendido pelo Estadão é, portanto, apenas uma possibilidade.
Mas a mistificação mais grave está no segundo. Mesmo na Europa, onde os Tesouros de alguns países têm dívidas relativamente altas (163% do PIB na Grécia, 120% na Itália, 108% na Irlanda), cortar gastos públicos tem se revelado um remédio doloroso e ineficaz. Produz pobreza, corrói e democracia e não reduz o endividamento. Beneficia apenas a oligarquia financeira – a ínfima minoria que movimenta imensos recursos e por isso tem poder para definir o sentido em que atuarão os mercados de capitais.
No Brasil, tal opção seria ainda mais incongruente. Segundo dados divulgados no final do ano, a dívida pública voltou a cair. Representa hoje 36,6% do PIB — menos da metade que na França (85,4%) ou Alemanha (81,7%); inferior até mesmo à da rigorosíssima Finlândia (49,1%). Nosso problema, diante da crise, é oposto a este. O governo pode (e provavelmente precisará) ampliar e transformar o gasto estatal.
Uma possível resposta brasileira ao agravamento da crise mundial seria um plano para requalificar os serviços públicos e oferecê-los a dezenas de milhões de brasileiros — hoje sem acesso a Saneamento, Saúde, Moradia, Educação, Comunicação, acesso a Novas Tecnologias, Energia limpa, Transporte coletivo urbano e de longa distância. Tal plano geraria ocupação de todos os níveis, substituindo os postos de trabalho que podem ser afetados pelo eventual agravamento da recessão em outras partes do mundo. Poderia ser articulado com novos mecanismos de participação popular — para permitir, por exemplo, formas não-viciadas de acompanhamento das concorrências e obras, ou do próprio atendimento aos usuários.
Por sua profundidade, a crise exige ampla mobilização da inteligência coletiva e debate irrestrito sobre as alternativas. Mas o texto do Estadão é mais um sinal de que a mídia prefere o pensamento único. A incógnita, agora, está na atitude a ser adotada pelo governo Dilma.
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