quinta-feira, 17 de maio de 2012

Os perigos do marketing terrorista

Por Leonardo Sakamoto, em seu blog:

Gosto muito das pessoas que dizem o que pensam na cara. Sem muitas mediações. “Sakamoto, você é um idiota.” Sen-sa-cio-nal! O “deixa-disso” do brasileiro cordial, a tentativa de por panos quentes em tudo, me dá nos nervos. Pois ignoramos, dessa forma, a realidade como ela é, enquanto que entendê-la seria peça fundamental para a nossa evolução como indivíduos e sociedade. Meus amigos que passam uma temporada na Europa ou mesmo na vizinha Argentina voltam mais diretos e sinceros. “Japonês, esta sua ideia é péssima. Você gastou todo esse tempo e dinheiro para elaborar isso?” Amo esses tapas na cara.


Por isso, saúdo com bastante entusiasmo a propaganda que uma montadora está veiculando com relação a um de seus modelos nobres. O corpo de um rapaz começa a desaparecer durante o trabalho. Ele não consegue nem mais segurar a xícara de café, vai ficando invisível. Então corre para uma concessionária, entra no carro em questão e volta ao normal. Ao final, quando está saindo do trabalho com um mulher bastante atraente, um homem – provavelmente seu chefe – diz que ele andava sumido.

Para assisti-la, clique aqui (agradeço ao pessoal do UOL Carros por encontrar o anúncio).

Mais explícito que isso só duas pessoas em uma balada, um vestido de Ferrari ridicularizando o outro que está de Fiat 147, de bicicleta ou sem nada.

Se você está ficando “transparente” para seus amigos e colegas, a solução é adquirir um produto e através dele o pacote simbólico que traz consigo. Quem acha que a Coca-Cola, Apple ou Fiat vendem refrigerantes, tecnologia e carros, respectivamente, está enganado. Vendem estilos de vida. Do que somos. Do que gostaríamos de ser. Do que deveríamos ser – não em nossa opinião, necessariamente, mas de uma construção do que é bom e do que é ruim. Construção essa que vem, não raras vezes, de cima para baixo.

Como alguém vai poder compensar um emprego ruim que só traz gastrite se não tiver um carro rápido? Pois, ao adquiri-lo estou comprando um estilo de vida sem preocupações. Só velocidade. Ah, e sustentável, é claro, porque a empresa mostra no comercial que planta meia dúzia de dentes-de-leão para compensar toneladas de emissão de carbono, protege uma família de perequitos-que-dizem-ni e doa 10 estojos de lápis aquarelados para uma comunidade onde são jogados os efluentes tóxicos a cada carro comprado. Assim sua consciência sai leve.

Já comentei aqui antes que a busca pela felicidade passa cada vez mais pelo ato de comprar. E a satisfação está disponível nas concessionárias a uma passada de cartão de distância. Muitos de nós ficam tanto tempo trabalhando que tornam-se compradores compulsivos de símbolos daquilo que não conseguiremos obter por vivência direta. Através desses objetos, enlatamos a felicidade – pronta para consumo, mas que dura pouco. Porque, como os produtos que a representam, possui sua obsolescência programada para dar, daqui a pouco, mais dinheiro a alguém.

Mas há boas notícias também. Uma pesquisa da Frontier Group e o PIRG Education Fund, usando dados da Federal Highway Administration, dos Estados Unidos, mostra que o número de pessoas entre 14 e 34 anos sem carteira de motorista subiu de 21% para 26% entre 2000 e 2010. Outro estudo, da Universidade de Michigan, citado em matéria do Financial Times, traduzida pelo Valor Econômico, mostrou que pessoas com menos de 30 anos são 22% de todos os motoristas – um terço a menos que em 1983, com as maiores quedas registradas entre adolescentes.

Os jovens americanos começam a preferir meios de transporte alternativos. Parte pela recessão econômica, mas não apenas, porque mesmo os empregados e ganhando bem usam mais bicicletas e transporte público que antes. O estilo de vida de liberdade e independência sobre quatro rodas pode estar ameaçado?

Uma coisa é fazer um comercial de um produto cujo prestígio esteja em alta. Outra coisa é “represtigiar” um produto, recriar a necessidade por ele. Aí a sutiliza da publicidade vai abraçar o Sputnik no espaço. Dá lugar a um marketing terrorista.

Nos EUA, isso já é uma realidade. Por aqui, na minha opinião, ainda não. Mas os movimentos pelo direito à mobilidade urbana vão martelando mudanças que se farão sentir daqui a alguns anos. E as montadoras daqui estão atentas para isso.

A definição do que seja “necessário” pode ser bastante subjetiva, ainda mais que tornamos o excesso parte do dia-a-dia. É como não saber mais o que é real e o que é fantasia ou, pior, não ter idéia de como escolher entre o caminho irreal da felicidade e a via dura da abstinência. Na dúvida entre a “pílula vermelha” e a “pílula azul” engolimos as duas e depois vemos o que acontece no estômago da Matrix.

Em tempos de Rio+20 fala-se em consumo consciente. Mas como ele é possível com esses comerciais de TV que andam por aí?

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