Por Renato Rovai, em seu blog:
“Setores da imprensa agiram como seu próprio código de conduta não existisse… houve negligência ao priorizar as notícias sensacionalistas, sem considerar os danos que pudessem causar… uma determinação em usar vigilância clandestina contra ou apesar do interesse público… desprezo significativo e negligente em relação à verdade factual… alguns jornais usaram ataques extremamente pessoais contra aqueles que os desafiaram.”
Os trechos acima poderiam tranquilamente se referir à mídia tradicional brasileira, mas fazem parte do relatório do juiz Brian Leveson sobre os abusos da imprensa britânica.
A investigação foi motivada, em 2006, por denúncias de que repórteres do tabloide News of the World, controlado pelo magnata da comunicação, Roberth Murdoch, faziam escutas telefônicas ilegais para obter informações.
Autoridades, políticos, família real, celebridades, familiares de militares mortos na guerra do Afeganistão, desaparecidos, todos foram grampeados ilegalmente.
O escândalo respingou até mesmo na Scotland Yard, a famosa polícia britânica. A contratação de Neil Wallis como consultor de comunicações da polícia causou as demissões do chefe da Polícia Metropolitana de Londres, Paul Stephenson, e do seu vice, Jonh Yeats, por suspeita de envolvimento nas escutas.
Explicado o escândalo, vamos a forma com que as autoridades inglesas lidaram com ele. O escândalo deu origem a um inquérito de mais de um ano, que gerou um relatório de quase 2.000 páginas, das quais extraem-se os trechos iniciais deste post.
Ponto para os britânicos. No Brasil, os abusos da imprensa costumam passar em braço e sequer são investigados. Qualquer investigação sobre a imprensa na Brasil acorda os estridentes gritos da falsa defesa da liberdade de imprensa. O fato é que por trás de uma maquiagem de defesa da democracia, escondem-se os mais espúrios interesses privados.
Mas no que diz respeito ao relatório do juiz Leveson, ele, além de revelar a profundidade do escândalo em todos os níveis, afirma que a imprensa britânica deve ser regulamentada por um órgão forte e independente.
Antes da divulgação do relatório, editores e poderosos da mídia britânica já bradavam que o juiz imporia uma “coleira governamental” na imprensa e que a liberdade seria ameaçada. Anúncios de página inteira comparavam Leveson aos ditadores Mugabe e Assad. Os tabloides The Sun e Daily Mail faziam coberturas contra o juiz. A reação de lá não é muito diferente do que seria a reação de cá. Mas isso não fez com que o juiz deixasse de completar o seu trabalho ou retirasse nomes da investigação como vergonhosamente fez o relator Odir Cunha por orientação do PT no caso da investigação do editor da Veja, Euripedes Alcantara.
No relatório, Leveson denuncia quem tem que denunciar e deixa claro que a proposta do novo órgão regulador não poderia inclui membros do governo ou políticos em atividades. Mais do que isso, propõe que também não participem do órgão editores e outros membros da imprensa britânica, evitando assim um evidente conflito de interesses que hoje vigora na Inglaterra. Para o juiz, o novo órgão deve ser composto por membros do público, incluindo ex-jornalistas e acadêmicos. De acordo com o ele, o órgão deve ter o poder de ordenar correções e emitir multas de até 1 milhão de libras.
Leveson aponta no relatório que a adesão de veículos de comunicação ao novo órgão de regulamentação deve ser voluntária. Além da pressão do público, que naturalmente sentiria mais credibilidade em um jornal que aceite ser regulado do que naquele que recuse, existiria um importante incentivo para a adesão. Os custos reduzidos em ações civis de difamação e invasão de privacidade. Se julgado pelo órgão, a multa chega ao valor máximo de 1 milhão de libras, nos tribunais britânicos esse valor pode ser facilmente superado.
O juiz ainda sugere a aprovação de uma lei que dê sustentação para o novo órgão regulador. Seria uma espécie de nova lei de imprensa. Impressionante como este tema causa úlceras e ataques de raiva em alguns poderosos da mídia brasileira.
Mas lá como cá, também existem aqueles que tremem de pavor com qualquer proposta que sugira alguma fiscalização da imprensa. O governo de David Cameron está elaborando um anteprojeto de lei com base no relatório de Leveson. Neste projeto, Cameron quer provar que um órgão independente não é a melhor solução. Para a ministra da Cultura do Reino Unido, caberia aos veículos constituirem um mecanismo mais eficiente de autorregularão que a atual Comissão de Reclamações sobre a Imprensa, que já é subordinada à imprensa.
Ou seja, para Cameron e seu governo, as investigações devem ser conduzidas pelos pares dos investigados. E mais, o primeiro ministro avalia que há uma “boa fé” dos veículos, que até hoje se auto regulamentaram.
Cabe ressaltar que entre os ex-editores e jornalistas acusados de grampos telefônicos, suborno policial e outras ilegalidades estão Andy Coulson , ex-porta-voz de Cameron, e a editora do News of the World, Rebekah Brooks , amiga pessoal do premiê.
Aqui no Brasil ainda não chegamos nem na auto-regulamentação.
* Colaborou: Felipe Rousselet
“Setores da imprensa agiram como seu próprio código de conduta não existisse… houve negligência ao priorizar as notícias sensacionalistas, sem considerar os danos que pudessem causar… uma determinação em usar vigilância clandestina contra ou apesar do interesse público… desprezo significativo e negligente em relação à verdade factual… alguns jornais usaram ataques extremamente pessoais contra aqueles que os desafiaram.”
Os trechos acima poderiam tranquilamente se referir à mídia tradicional brasileira, mas fazem parte do relatório do juiz Brian Leveson sobre os abusos da imprensa britânica.
A investigação foi motivada, em 2006, por denúncias de que repórteres do tabloide News of the World, controlado pelo magnata da comunicação, Roberth Murdoch, faziam escutas telefônicas ilegais para obter informações.
Autoridades, políticos, família real, celebridades, familiares de militares mortos na guerra do Afeganistão, desaparecidos, todos foram grampeados ilegalmente.
O escândalo respingou até mesmo na Scotland Yard, a famosa polícia britânica. A contratação de Neil Wallis como consultor de comunicações da polícia causou as demissões do chefe da Polícia Metropolitana de Londres, Paul Stephenson, e do seu vice, Jonh Yeats, por suspeita de envolvimento nas escutas.
Explicado o escândalo, vamos a forma com que as autoridades inglesas lidaram com ele. O escândalo deu origem a um inquérito de mais de um ano, que gerou um relatório de quase 2.000 páginas, das quais extraem-se os trechos iniciais deste post.
Ponto para os britânicos. No Brasil, os abusos da imprensa costumam passar em braço e sequer são investigados. Qualquer investigação sobre a imprensa na Brasil acorda os estridentes gritos da falsa defesa da liberdade de imprensa. O fato é que por trás de uma maquiagem de defesa da democracia, escondem-se os mais espúrios interesses privados.
Mas no que diz respeito ao relatório do juiz Leveson, ele, além de revelar a profundidade do escândalo em todos os níveis, afirma que a imprensa britânica deve ser regulamentada por um órgão forte e independente.
Antes da divulgação do relatório, editores e poderosos da mídia britânica já bradavam que o juiz imporia uma “coleira governamental” na imprensa e que a liberdade seria ameaçada. Anúncios de página inteira comparavam Leveson aos ditadores Mugabe e Assad. Os tabloides The Sun e Daily Mail faziam coberturas contra o juiz. A reação de lá não é muito diferente do que seria a reação de cá. Mas isso não fez com que o juiz deixasse de completar o seu trabalho ou retirasse nomes da investigação como vergonhosamente fez o relator Odir Cunha por orientação do PT no caso da investigação do editor da Veja, Euripedes Alcantara.
No relatório, Leveson denuncia quem tem que denunciar e deixa claro que a proposta do novo órgão regulador não poderia inclui membros do governo ou políticos em atividades. Mais do que isso, propõe que também não participem do órgão editores e outros membros da imprensa britânica, evitando assim um evidente conflito de interesses que hoje vigora na Inglaterra. Para o juiz, o novo órgão deve ser composto por membros do público, incluindo ex-jornalistas e acadêmicos. De acordo com o ele, o órgão deve ter o poder de ordenar correções e emitir multas de até 1 milhão de libras.
Leveson aponta no relatório que a adesão de veículos de comunicação ao novo órgão de regulamentação deve ser voluntária. Além da pressão do público, que naturalmente sentiria mais credibilidade em um jornal que aceite ser regulado do que naquele que recuse, existiria um importante incentivo para a adesão. Os custos reduzidos em ações civis de difamação e invasão de privacidade. Se julgado pelo órgão, a multa chega ao valor máximo de 1 milhão de libras, nos tribunais britânicos esse valor pode ser facilmente superado.
O juiz ainda sugere a aprovação de uma lei que dê sustentação para o novo órgão regulador. Seria uma espécie de nova lei de imprensa. Impressionante como este tema causa úlceras e ataques de raiva em alguns poderosos da mídia brasileira.
Mas lá como cá, também existem aqueles que tremem de pavor com qualquer proposta que sugira alguma fiscalização da imprensa. O governo de David Cameron está elaborando um anteprojeto de lei com base no relatório de Leveson. Neste projeto, Cameron quer provar que um órgão independente não é a melhor solução. Para a ministra da Cultura do Reino Unido, caberia aos veículos constituirem um mecanismo mais eficiente de autorregularão que a atual Comissão de Reclamações sobre a Imprensa, que já é subordinada à imprensa.
Ou seja, para Cameron e seu governo, as investigações devem ser conduzidas pelos pares dos investigados. E mais, o primeiro ministro avalia que há uma “boa fé” dos veículos, que até hoje se auto regulamentaram.
Cabe ressaltar que entre os ex-editores e jornalistas acusados de grampos telefônicos, suborno policial e outras ilegalidades estão Andy Coulson , ex-porta-voz de Cameron, e a editora do News of the World, Rebekah Brooks , amiga pessoal do premiê.
Aqui no Brasil ainda não chegamos nem na auto-regulamentação.
* Colaborou: Felipe Rousselet
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