terça-feira, 18 de junho de 2013

O que as manifestações nos dizem?

Por Leonardo Avritzer, na revista CartaCapital:

O Brasil foi despertado de um certo torpor antipolítico por meio de um conjunto de manifestações públicas que tomaram as ruas das principais cidades brasileiras na última semana.

Duramente reprimidas, especialmente na cidade de São Paulo, estas manifestações foram classificadas como desordem ou baderna por um conjunto de políticos e meios de comunicação que nos lembraram a Inglaterra no século XIX ou do Brasil antes da nossa democratização recente.

Nada de surpreendente até ai.

No entanto, a questão que se coloca é: qual é o significado destas manifestações?

Na minha opinião elas são um sinal de que as políticas inclusivas e participativas do governo federal chegaram a um limite e é necessário ampliá-las e estendê-las para a área de infraestrutura. O transporte público é apenas uma questão cujo impacto pode ser ou não passageiro.

Antes de abordar esta questão, gostaria de mostrar como eu vejo os avanços na questão da inclusão e da participação nos últimos 10 anos.

Encontro-me entre os que acreditam existir fortes avanços na inclusão social e na participação no Brasil nos últimos anos. O Bolsa Família e os aumentos do salário mínimo foram importantes na criação de um processo de mobilidade social que não devemos subestimar.

O Brasil é um dos países onde a pobreza mais diminuiu e onde o crescimento econômico dos últimos anos teve um dos maiores impactos distributivos.

Ao mesmo tempo, as conferências nacionais do governo Lula, continuadas pelo atual governo, envolveram quase 6 milhões de pessoas e criaram um canal real de comunicação entre a sociedade civil e o Estado.

Mas estas políticas ou se esgotaram ou alcançaram um patamar de estabilidade desde 2010.

A inclusão de novos grupos na assim chamada nova classe média estagnou e, com ela, um certo aumento na capacidade de consumo. Ao mesmo tempo, a inclusão de novos grupos sociais gerou fortes problemas na infraestrutura e na oferta de bens públicos criando gargalos que hoje estão sendo enfrentados pelo governo. E aí aparece uma característica do atual governo que é preciso apontar: a pouquíssima disposição para a negociação em questões econômicas e de infraestrutura.

É possível afirmar que a previsão de qualquer fenômeno é muito difícil nas ciências sociais. Ainda asssim, é possível afirmar que estas manifestações que varreram o Brasil na última semana foram anunciadas por um conjunto de conflitos que ocorreram no país nos últimos 12 meses, a saber: as manifestações e as ações da sociedade civil contra a construção de Belo Monte; a forma antissocial como as principais obras para a Copa do Mundo estão sendo conduzidas com remoções forçadas e ao arrepio da lei em Belo Horizonte, no Rio de Janeiro entre outras cidades; a repressão de diversas manifestações da juventude nas capitais e o assassinato de indígenas na desocupação de terras pela Polícia Militar no estado do Mato Grosso do Sul.

Estes conflitos podem ser considerados o pano de fundo que está por trás destas manifestações: a falta de uma concepção de participação da sociedade civil e dos movimentos sociais na área da infraestrutura. Vale a pena entender melhor por que a sociedade civil brasileira tem tão pouca participação nesta área.

A participação da sociedade civil e dos movimentos sociais no Brasil foi forjada durante as lutas pela redemocratização do País. Durante este período, a sociedade civil brasileira reivindicou a participação em diversas políticas públicas entre as quais valeria a pena destacar a saúde e as políticas urbanas.

Todas estas áreas se tornaram fortemente participativas como resultado das decisões tomadas durante a Asembleia Nacional Constituinte. Mas aqui caberia a pergunta: por que não houve a reinvidicação de participação na área de infraestrutura?

A resposta é simples: porque o Brasil viveu um apagão estrutural nesta área nos anos 80 e 90.

Apenas nos últimos anos o Brasil voltou a se investir em infraestrutura e esta é a questão que se coloca hoje: ela tem se tornado o centro das políticas tanto do governo federal quanto dos governos municipais.

Mas, quando pensamos a concepção de construção de infraestrutura existente hoje no país, ela é completamente antissocial. Alguns exemplos podem ajudar a esclarecer a questão: a construção do canteiro de obras de Belo Monte, por uma conhecida empreiteira, foi feita em padrões que lembram os anos 70 e acabaram gerando greves e manifestações.

A maneira como certas cidades brasileiras, entre as quais vale destacar o Rio de Janeiro e Belo Horizonte, estão construindo a infraestrutura para a Copa do Mundo nega os direitos mínimos da população consagrados pelo Estatuto das Cidades. Ou seja, o Brasil está construindo infraestrutura urbana de forma absolutamente antissocial e este é o pano de fundo das manifestações que varreram as capitais brasileiras nas últimas semanas.

Uma vez esclarecidos todos os pressupostos acima, cabe analisar o que é o movimento do passe livre e as suas reivindicações.

Na minha opinião, a reivindicação do passe livre é um horizonte normativo desejável, mas impossível de ser efetivado pelas prefeituras neste momento. Mas, uma vez dito isto, cabe apontar que muito há a ser feito na área de transporte público no Brasil. Nosso país adotou um pacote pós-crise de 2008 que tinha como elemento central a redução de impostos para veículos automotores. Esta política não se coordenou com nenhuma política pública na área de transporte público.

O número de carros nas cidades brasileiras aumentou enormemente, as condições daqueles que usam o transporte público pioraram e parte do aumento de custos nesta área está ligada ao aumento do número de carros que diminuiu a velocidade do transporte público urbano.

Portanto, há sim uma agenda para melhorar as condições e o custo do transporte público e esta agenda deve ser abraçada pelo governo federal e pelas prefeituras dos diferentes partidos.

O Brasil mais uma vez encontra-se em uma encruzilhada sobre como ele vai se apresentar ao mundo nos próximos 12 meses nos quais as atenções estarão voltadas para o país: ele pode se apresentar como a nação que entende os seus problemas sociais e o seu pesado legado, mas está tentando resolvê-los, ou como o país que continua marcado por uma política centenária de exclusão cujo fim ainda não se encontra claro.

Está nas mãos de Dilma Rousseff, Fernando Hadadd, Sergio Cabral entre outros definir a maneira através da qual o Brasil irá se apresentar ao mundo.

2 comentários:

Anônimo disse...

o povo não suporta mais a inversão das prioridades, o mau uso do dinheiro público, e esse ufanismo burguês patrioteiro da época da ditadura enquanto assistimos as pessoas serem expulsas de suas casas numa ação de higienização social, morrendo nas filas dos hospitais,violência, enfim o povo sofrendo um apartheid social jamais visto no Brasil desde a ditadura

Anônimo disse...

o povo não aceita o peleguismo do PT e seus aliados e exige a retomada da agenda progressista.
Regulamentação das comunicações já!